A ajurisdicionalidade da arbitragem


Pormathiasfoletto- Postado em 19 abril 2013

Autores: 
RODRIGUES, Daniel Gustavo de Oliveira Colnago

 

 

1. INTRODUÇÃO.

A partir do momento em que o homem passa a viver em sociedade, torna-se inviável a convivência humana sem uma organização com regras e princípios a serem seguidos. – “ubi societas, ibi jus”.

No séc. XVIII, juntamente com o Iluminismo, nasce a Teoria do Contrato Social de Jacques Rosseau que previa um acordo bilateral entre sociedade e Estado, no qual aquela cederia alguns direitos em troca da proteção e solução dos conflitos por parte desta Instituição. Assim, este Ente Público passa a ter autonomia na solução de divergências entre seu povo.

Desta forma, é possível distinguir algumas formas de solução de conflitos, dentre elas: A mediação, a transação, a auto-composição, a autodefesa, o processo judicial e o arbitral.
 

Neste sentido, leciona J.E Carreira Alvim:

Sempre que um simples conflito de interesses adquire transcendência ou relevância jurídica (Niceto Alcalá-Zamora y Castilho), ele se transforma numa lide ou litígio. Surgindo um litígio, pode ele desembocar-se na autodefesa, na auto-composição, no processo judicial ou no arbitral.” 1
 

Ainda Alvim, ensinando-nos sobre a resolução de litígios, pontifica:

Através de mais de um sistema é possível resolver-se o litígio, sendo o mais prestigiado deles o sistema judicial, em que o Estado se encarrega de instituir, adrede, órgãos destinados a essa finalidade (juízos), reservando-se, com exclusividade, o monopólio da distribuição da justiça. É o denominado sistema de justiça pública, que tem no Estado não só o seu organizador, como, sobretudo, o seu fiel garantidor, pela força (organizada) que põe (e só ele pode pôr) a serviço da atividade jurisdicional”. 2

 

2. DA JURISDIÇÃO.

 

Antes de discutirmos sobre a natureza jurídica da arbitragem, cabe-nos esclarecer alguns tópicos sobre o que vem a ser jurisdição, a qual será usada como ferramenta para melhor entendimento do tema.

 

O termo Jurisdição vem do latim (júris-dicção), que vem a ser a atividade pela qual o Estado elimina a lide. Neste sentido, estatui o art. 1º do nosso Código de Processo Civil:

 

A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juizes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelecer”

No próprio texto da lei já conseguimos identificar uma das características principais deste Instituto supre-citado, a qual seja a investidura. Não se permite delegar a atribuição jurisdicional. Para dizer o direito, é imprescindível que o julgador seja do quadro do Poder Judiciário, pois somente a este cabe a função jurisdicional.

 

Outro princípio que rege a atividade jurisdicional é a inevitabilidade, no qual prevalece a vontade do Estado em relação à vontade das partes. Portanto, não há como uma parte abster-se do Judiciário se demandada.

 

Mais uma característica importante da jurisdição a ser ressaltada no presente trabalho é a definitividade. Neste sentido, nos esclarece o professor Gelson Amaro de Souza:

 

Corolário lógico da coisa julgada é ser esta definitiva e permanente. Assim se estampa a definitividade na atividade jurisdicional, no sentido de que, uma vez, solucionada uma lide, sobre esta não pode mais ser reclamada nova solução.” 3

 

Por fim, um poder importante congregado à atividade jurisdicional, e que será de grande importância para entendimento do tema, é o poder de coerção. Necessário que se faça, após dizer o direito, o cumprimento da obrigação definida no processo. Em regra, posteriormente ao processo de conhecimento deve advir o processo de execução e paralelamente o poder de coerção da jurisdição a fim de que se efetive o cumprimento da sentença.

 

3. DA ARBITRAGEM.

 

A palavra “arbitragem” é derivada do latim “arbiter”, que significa juiz, jurado. Na linguagem jurídica é empregada como uma forma de solução de controvérsias, ou melhor, “uma instituição pela qual as partes confiam a árbitros que livremente designam a missão de resolver seus litígios” 4.

 

Vem de muito tempo a influência da Arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro. Sobre sua introdução no Direito pátrio, bem nos ensina a professora Cristiane Coutinho:

 

Sua influência aparece já no Direito português, em especial nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que tratavam do instituto, tendo sido, de certo modo, incorporado no sistema jurídico brasileiro.” 5

 

Contudo, a recente Lei 9.307/96 trouxe inovações e discussões doutrinárias a respeito do tema. Com maior destaque, analisaremos os debates surgidos a respeito da natureza jurídica arbitral.

 

A arbitragem é um acordo de vontades, celebrado entre pessoas capazes que, preferindo não se submeter à morosidade de um processo judicial, utilizam-se de árbitros para a solução de suas controvérsias ou litígios, quando estas recaírem sobre direitos patrimoniais disponíveis, isto é, aqueles que podem ser objeto de transação entre os interessados.

 

Reforçando as características do instituto em análise, a Lei da Arbitragem, em seu artigo 1º, diz:

 

As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”

 

Muito discutida e pouco utilizada na prática, a Arbitragem deverá ser necessariamente voluntária sendo a escolha do procedimento arbitral para a solução do conflito feita pelas partes. Portanto, o Poder Judiciário não foi afastado, mas o conflito decorrente daquela relação jurídica, por opção das partes, foi transferido para um particular.

 

4. DA NATUREZA JURÌDICA DA ARBITRAGEM..

 

Após breves comentários a respeito do que vem a ser jurisdição e arbitragem, enfim chegamos ao ponto central do trabalho, a qual seja as divergentes teorias e posicionamentos a respeito da natureza jurídica do sistema arbitral.

 

Existem, pelo menos, três teorias principais a respeito do assunto:

 

  1. Teoria Privatista ou Contratualista – Esta teoria tem como principal expoente Chiovenda, que via o instituto da Arbitragem desprovida de cunho jurisdicional. Para os adeptos deste posicionamento, a arbitragem se baseia no pacta sunt servanda, ou seja, estabelecido entre as partes um contrato se reportando à arbitragem num eventual conflito, este deve ser cumprido sob pena de intervenção do Judiciário.
  1. Teoria Publicista ou Jurisdicionalista – Comandada pelo ilustre Mortara, esta corrente vê na convenção arbitral uma forma de jurisdição, a qual o Estado delega para um particular a função de dizer o Direito. Pelo fato de ter como pressuposto a existência de uma lide e visar a solução desta, sendo desinteressada e inerte, a jurisdição teria caráter jurisdicional e não contratual ou privado.

  1. Teoria Mista ou Conciliadora – Seguida por Carnelutti, esta teoria sustenta, de um lado, que faltaria ao árbitro poder coercitivo em relação às partes e a terceiros. De outro lado, este posicionamento vê um caráter público na arbitragem, ao passo que a função do árbitro possui um certo múnus público.
     

Atendo-nos mais especificamente às teorias privatista e publicista, importante destacar alguns fundamentos da tese de seus defensores.

No dizer de Cristiane Coutinho: “Para Salvatore Satta, é um erro dizer que o poder atribuído pelas partes ao árbitro tenha cunho jurisdicional, pois da jurisdição os árbitros não têm qualquer elemento. Para sustentar o contrário, seria necessário afirmar que as próprias partes, quando nomeiam árbitros, têm uma posição publicista, o que é contrário à realidade” 6.

Correta a posição do contratualista citado, uma vez que falta à arbitragem a investidura, característica essencial da jurisdição e que, como dito no inicio deste presente artigo, se refere ao julgador estar situado no Poder Judiciário, sendo indelegável tal atributo.

Da mesma forma, Cezar Fiúza7 entende que é exatamente o fato do árbitro não possuir função jurisdicional que reside o escopo da Arbitragem. Caso contrário, teria o exercício normal de jurisdição.

A contrariu sensu, seguindo Hugo Rocco, temos a visão do processualista pátrio Carlos Roberto Carmona8. Ele aduz que a história e tradição apóiam os argumentos dos publicistas, mas atualmente o conceito de jurisdição deve ser interpretado sob outro prisma.

Neste mesmo entendimento jurisdicional, a ilustre professora Ada Pellegrine Grinover defende a idéia de que devemos ter uma acepção mais ampla do conceito de jurisdição, numa perspectiva funcional e teleológica, que incluiria a chamada justiça conciliadora e a arbitragem.

Exposto alguns entendimentos divergentes de conceituados doutrinadores, algumas análises e objeções devem ser feitas, inclusive a respeito de dispositivos legais da comentada Lei da Arbitragem.

Ao dizer que a Arbitragem poderá ser por equidade9, o próprio texto legal nos mostra uma diferença deste Instituto para com a Jurisdição. Se possível decidir até contrário à lei, fica evidente a ausência de poder jurisdicional no sistema arbitral.
 

Ainda no art. 2º, em seu parágrafo 1º, da Lei da Arbitragem, é possível extrair pontos diferenciadores entre os institutos em análise:

Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”.
 

Ora, se as partes podem escolher o procedimento a ser utilizado, não há de se falar em processo, a qual seja um conjunto de atos imposto pela lei e tutelado pelo Estado para se chegar a um fim desejado – solução da lide.
 

Neste sentido, o ilustríssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário da Silva Velloso:

A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento (art 21)”. 10
 

Uma outra objeção à teoria jurisdicional da arbitragem é o fato de competir ao Sistema Arbitral dirimir apenas as questões relativas a direitos disponíveis. Ora, se a Arbitragem possui natureza jurisdicional como defende os publicistas, de fato ela deveria ter competência também para tratar de direitos indisponíveis. Assim, mais um dispositivo que confirmaria a natureza contratual da Arbitragem seria o art. 25 da mesma Lei supra-citada:

Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral”.
 

Por fim, deste próprio artigo, combinado com o art 3311 da referida Lei, podemos identificar o fundamento mais marcante da tese contratualista, a qual seja a intervenção do Poder Judiciário no Sistema Arbitral.

Somente a titulo de exemplo, em caso de contrato celebrado por pessoa incapaz, poderá o juiz de direito, integrado nos quadros do Judiciário, intervir e decretar a nulidade da sentença arbitral. Sendo assim, a Arbitragem parece não ter natureza jurisdicional em razão da definitividade. Sempre que um órgão não rever sua decisão, há um caráter jurisdicional, o que acontece com a Jurisdição, mas não com a Arbitragem.

Neste pensamento, é sabido que o árbitro apenas dita o direito, deixando a cargo do Poder Judiciário a execução de eventual sentença condenatória. O próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 475-N, IV c.c parágrafo único do mesmo12 prevê tal assertiva. Em contra-partida, no Judiciário há a chamada competência funcional, ou seja, o mesmo órgão que ditou o direito, tem poder para executá-lo.

 

5. CONCLUSÃO.

A questão da natureza jurídica da Arbitragem é controvertida e não será tão cedo pacificada. Por se tratar de um paradigma clássico, inclusive para a concepção do próprio Estado Democrático de Direito, o conceito de Jurisdição será arduamente debatido pelos mais ilustres juristas.

É fato que, em razão da morosidade do Poder Judiciário, a mais promissora forma de solução de conflitos é a Arbitragem. Porém, inegável também que as principais características da função jurisdicional não se encontram presentes no Sistema Arbitral.

Neste sentido, entendemos ser a natureza jurídica da Arbitragem de cunho contratual e não jurisdicional. O fato do Poder Judiciário, órgão autônomo e independente, poder intervir em determinadas situações no processo arbitral, bem como a ausência do poder de coerção na execução da sentença arbitral, e a discricionariedade das partes na escolha do procedimento arbitral são fundamentos consistentes para adotarmos esta teoria privatista.

 

6. BIBLIOGRAFIA.

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Vol 1. 8ºEd. Ed.RT.

ALVIM, J.E. Carreira, Tratado Geral da Arbitragem Interno. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000.

CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Arbitragem – Alguns Aspectos do Processo e do Procedimento na Lei nº 9307/96. Ed de Direito, 2000.

CARMONA, Carlos Roberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileito, São Paulo, Malheiros, 1993.

COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei 9.307/96. Ed.Forense. Rio de Janeiro,1999.

FIÚZA, César. Teoria Geral da Arbitragem, Belo Horizonte, Del Rey Ed., 1995.

FURTADO, Paulo. LAMÊGO BULOS, Uadi. Lei da Arbitragem Comentada, São Paulo, Ed. Saraiva, 1997.

LIMA, Cláudio Vianna de. “Notícias da Arbitragem no Direito Positivo Brasileiro”, in Separata Revista Forense, nº 334, abr/jun. 1996.

Revista de Processo. N.85, ano 22, janeiro-março, 1997. Ed.RT.

Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. nº 21. Instituição Toledo de Ensino Bauru. Abril a Junho de 1998.

Revista Trimestral de Direito Público 39/2001, Ed.Malheiros.

SANTOS, Paulo de Tarso. Arbitragem e Poder Judiciário – Mudança Cultural. Ed LTR, 2001.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol 1 – Processo de Conhecimento, 7ºEd, Ed.Forense – Rio de Janeiro, 2006.

SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de Direito Processual Civil. 2ªEd. Editora Data Júris.

STRENGER, Guilherme Gonçalves. Do Juízo Arbitral, RT 607.

 

Obs.: Trabalho individual realizado no grupo de pesquisa do NEPE da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente, sob a orientação do Professor-doutor Gelson Amaro de Souza.

[1] ALVIM, J.E. Carreira, Tratado Geral da Arbitragem Interno. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000. p. 56. [2] ALVIM, J.E. Carreira, Tratado Geral da Arbitragem Interno. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000. p. 56. [3] SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de Direito Processual Civil. 2ªEd. Editora Data Júris, pp 33-34. [4] STRENGER, Guilherme Gonçalves. Do Juízo Arbitral, RT 607, p. 31. [5] COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei 9.307/96. Ed.Forense. Rio de Janeiro,1999 – p.29. [6] COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei 9.307/96. Ed.Forense. Rio de Janeiro,1999 – p.20. [7] FIÚZA, César. Teoria Geral da Arbitragem, Belo Horizonte, Del Rey Ed., 1995, pp 42-43. [8] CARMONA, Carlos Roberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileito, São Paulo, Malheiros, 1993. pp 32-37. [9] A Lei da Arbitragem, em seu art 2º enuncia: “A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes” [10] Revista Trimestral de Direito Público 39/2001, Ed.Malheiros, p. 17. [11] Estatui o art. 33 da Lei 9307/96: “A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previsto neste Lei.” [12] Art 475-N: “São títulos executivos judiciais: - IV- a sentença arbitral

parágrafo único: Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução, conforme o caso”.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4032/A-ajurisdicionalidade-d...