Acesso à Justiça, processo eletrônico e princípio da avaliação da prova*


Porals14409- Postado em 04 novembro 2012

A inflação legislativa no Brasil é um fato facilmente constatado por qualquer operador do direito. Assim, herdeiros do Direito Romano que somos, para tudo buscamos uma lei para disciplinar as relações sociais. A sociedade anseia por leis na vã expectativa de achar que mais normas irão resolver os problemas sociais que arrebatam o povo brasileiro.

E assim, alguns sabem – e a massiva população sequer interessa em saber – que mudanças sociais são resultados de um povo bem educado, instruído, moral e consciente politicamente quanto a sua responsabilidade para com o país em que vive. Dessa forma, ainda somos apenas uma grande fonte de mão-de-obra barata e uma massa de manobra apaixonada por efemeridades e insignificâncias.

Passadas pouco mais de duas décadas da Constituição de 1988, ainda estamos aprendendo Democracia e cidadania; o Estado Democrático de Direito ainda é algo distante da realidade histórica que sempre moldou a sociedade brasileira; ainda precisamos de muita maturidade política e senso de cidadania para projetarmos um país melhor para as gerações que se iniciam.

Sem dúvida, o acesso à Justiça, conforme preconiza o art. 5º, XXXV, da CF/88, é uma das grandes conquistas da nova ordem constitucional, pois permitiu ao jurisdicionado ver seu direito amparado pela análise de um Juiz, bem assim, tê-lo protegido por quem quer que seja, inclusive se a violação partir do próprio Estado.

Atualmente, inúmeras ferramentas vêm sendo implementadas para incluir cada vez mais pessoas na esfera de proteção jurídica, que instrumentaliza-se no Poder Judiciário. São exemplos disso os Juizados Especiais; projetos como Justiça Presente, Justiça Itinerante, Casas da Cidadania, Movimento pela Conciliação; Convênios com Instituições de Ensino e integração entre várias esferas do Poder Estatal.

Além disso, o amadurecimento educacional e social, embora tímido, das pessoas acaba por trazer à luz muitos conflitos antes velados no seio da sociedade. Mas como a jurisdição é detida pelo Estado, é no Judiciário que os conflitos acabam por recair no aguardo de uma resposta e, por óbvio, de uma solução (da melhor resposta).

As estatísticas demonstram um crescimento exponencial do número de processos em tramitação. Porém, o Poder Judiciário não está aparelhado com infraestrutura e recursos humanos suficientes para fazer frente a tal demanda, o que acaba retardando a prestação jurisdicional e é, hoje, um dos grandes entraves na eficaz atuação do Judiciário.

Mas o século XXI, recém nascido e inaugurando o terceiro milênio, trouxe espantosos avanços no campo científico e, mormente, na tecnologia e eletrônica. Atualmente, de certo modo, pode-se dizer que não existem mais distâncias no planeta, haja vista que a comunicação e o compartilhamento do conhecimento está há apenas um click. A comunicação via satélite revolucionou a realidade e quão mais poderá transformar o mundo e mudar seculares paradigmas.

Desapegando-se de velhos modos e métodos, o Judiciário está iniciando sua caminhada compassada com essa nova realidade, e a face mais inovadora com que nos deparamos nesse contexto é o processo virtual. Essa nova sistemática de trabalho, amparada por legislação e tecnologia de segurança tem transformado a dinâmica do relacionamento entre Judiciário e sociedade, já não são necessárias mesas cheias de processos (autos) em papel, com carimbos de todo tipo e rotinas de trabalho extremamente maçantes e absurdamente manuais e improdutivas/ineficazes concretamente, isto porque, para os jurisdicionados, não importa se há o carimbo “tal” ou se foi feita a “carga” entre os diversos setores do Fórum, o que se espera do Judiciário é, sim, a decisão.

É claro, deve haver segurança jurídica nas relações processuais, mister que haja o carimbo da “juntada”, da “intimação”, da “citação”, pois todos esses atos fazem parte da legislação processual e produzem efeitos jurídicos e são garantias do correto andamento e do devido processo legal.

A virtualização processual, então, arreda procedimentos “mortos” e agiliza rotinas que são puramente manuais e não importam em real necessidade na tramitação processual. Além disso, torna ainda mais plena a publicidade processual e a concretização do princípio da razoável duração do processo.

Outrossim, é palpável aos olhos a eliminação de tanta “papelada” que atulha armários, mesas e escaninhos dos Cartórios e Gabinetes. Tudo isso resulta em preservação ambiental, economia de recursos financeiros e humanos, maior produtividade com o mesmo corpo funcional, maior rapidez na tramitação processual, além da segurança com a preservação dos autos, pois estes ficam a salvo de extravio e retenção, de fraude de peças, de intempéries e de sinistros.

Somando-se, a segurança da net e dos sistemas informatizados, atualmente, é de diminuto risco, haja vista que é utilizado amplamente pelas instituições financeiras, no e-commerce, nas bolsas de valores, dinheiro plástico etc, doutro modo, sequer cogitar-se-ia o uso da informática nessas áreas.

Porém, alguns poderão questionar o que se faz com as provas documentais, já que há grande apego ao “manusear as peças dos autos com as próprias mãos”. Além disso, muitos “não acreditam” em algo que “só está na tela de um computador”. A esse impasse há diversas soluções que dependem unicamente de nova disciplina de trabalho nos Fóruns. Ora, o que se espera de um processo virtual não é a eliminação de documentos essenciais, de modo que as provas documentais que são imprescindíveis, após digitalizadas, poderão ser mantidas no Cartório em meio físico, devidamente identificadas e referenciadas aos autos a que pertencem, estando disponíveis para qualquer perícia ou apreciação durante a dinâmica processual. Na verdade, a própria legislação já vem disciplinando a forma de tratamento dos documentos físicos integrantes de processo digital.

Além disso, já prevê o art. 131 do CPC que “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.” Em complemento, o art. 458, II, do CPC diz que ao proferir a sentença o Juiz explicitará “os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito”. Desse modo, ressalvada eventual impugnação das partes quanto aos documentos juntados, que deverá ser julgada a tempo e modo em incidente adequado, é de pouca relevância o fato de não dispor fisicamente dos autos do processo, pois o Magistrado terá o mesmo acesso ao conteúdo processual qual fosse na sistemática tradicional.

O princípio do livre convencimento motivado do Juiz não é afetado pelo fato dos autos serem em papel ou virtuais, já que cabe ao Julgador a avaliação das provas colacionadas, devendo nelas firmar seu convencimento e trazer à luz a motivação para sua decisão, sempre com respaldo na lei, na doutrina e na jurisprudência.

Excepcionadas algumas relutâncias isoladas, a virtualização de processos judiciais é o futuro que se descortina, como já o é em diversas Varas Estaduais, Justiça Federal, e Tribunais Superiores. O STJ assim se manifestou em notícia veiculada no dia 26/10/2012: “Dividir experiências, conhecer novas técnicas e repetir o sucesso do Superior Tribunal de Justiça no uso da tecnologia.”

Como sempre o é, toda mudança traz receio e deve ser cautelosa, mas as experiências são fartas e com excelentes resultados, não se justificando a mantença de um modo menos eficiente de trabalho no Judiciário. A hora é de compreender novas realidades no desenvolvimento dos trabalhos de todos aqueles que contribuem para a existência da jurisdição e para a manifestação do Direito e, modificando-se os paradigmas, reaprender a utilizar os instrumentos que se apresentam para que o Direito e o acesso à Justiça seja cada vez mais eficiente, eficaz e seguro, trazendo às partes e à sociedade a resposta que se espera do Estado.

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(*) André Luiz Scholtze é Técnico Judiciário Auxiliar na função de Contador Judicial no Poder Judiciário de Santa Catarina.

Licenciado em Letras, é Professor de Inglês, Português e Literatura no Ensino Fundamental e Médio.

É Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC

Campus de São Miguel do Oeste (SC)