"Ação Direta de Inconstitucionalidade contra "parecer da Advocacia-Geral da União": uma aberração jurídica!"


PorLucimara- Postado em 15 maio 2013

Autores: 
Ramos, Ubiratan Pires

 

 

PROCESSO EXTRADICIONAL DE CESARI BATTISTI

Pode parecer que temos alguma rixa com o extraditando italiano, mas é óbvio que nada temos contra ele. É que o inusitado tem acontecido em seu processo extradicional. Parodiando o ex-presidente Lula, “jamais se viu na história deste País” tanta confusão como se tem visto no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Com toda sinceridade, acreditávamos que mais nada de incomum viesse a ocorrer nesse imbróglio, que não podemos deixar de mais uma vez registrar, causado pelo Supremo Tribunal Federal. Resta-nos pois, pedir sinceras desculpas a esse senhor por voltarmos a fazer referência ao procedimento em que, infelizmente, se encontra envolvido aqui no território brasileiro. Enfatizamos: o que aqui abordaremos se aplica a todo e qualquer procedimento do gênero.

.ABERRAÇÃO JURÍDICA

Inconformado com a negação do ex-presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, do pedido de extradição do senhor Cesare Battisti, feito pela República Italiana, fundada em Tratado de Extradição, o partido político brasileiro Democratas (DEM) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), tombada no STF sob o número 4538 e distribuída para apreciação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, relator do acórdão proferido no processo extradicional do refugiado italiano, que concluiu pelo deferimento do pleito da Itália. Na ADI o partido Democratas questiona a constitucionalidade do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que serviu de base para a decisão denegatória do ex-presidente Lula.

Logo que tomou conhecimento da pretensão do partido Democratas, o Advogado-Geral da União, doutor Luís Inácio (?) Adams, na certeza de que os ministros do STF ainda se encontram no mesmo estado de letargia em que se encontravam quando da publicação do acórdão em que concederam a extradição do paciente-reclamado - e em virtude disso deixaram de contestar a errônea interpretação que a mídia deu ao julgado -, pretendendo influenciar suas consciências, fez uso do mesmo expediente de que se valeu o Governo naquela oportunidade para convencer a opinião pública de que ao Presidente da República compete decidir sobre extradição. Em entrevista ao periódico “Folha de São Paulo”, na quinta-feira (13/01) – não se afastando um só milímetro daquele estilo - antecipou seu juízo a respeito do pleito: "É possível entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da AGU quando esse documento, após ser aprovado pelo presidente da República, cria alguma regra para a administração. Mas esse não é o caso. Não há como fazer o controle de constitucionalidade de um parecer que trata de um caso específico. É uma ação imprópria e frágil. Imagino que não deva ser sequer conhecida pelo Supremo Tribunal Federal”.

Procede, em parte, o prévio arrazoado do ilustre Advogado-Geral da União. Realmente é uma ação imprópria e frágil; não merece ser conhecida pelo STF. Vamos mais além: não carecia que o Presidente do STF a distribuísse para apreciação do Ministro-relator do acórdão concessivo da extradição do senhor Cesare Battisti. Poderia ele, presidente do STF, Ministro César Peluso, indeferi-la liminarmente, por ter por objeto pedido juridicamente impossível. Não há como fazer controle de constitucionalidade de “parecer”, seja ele de quem for. Impugnável é o ato praticado pela autoridade fundado no errôneo parecer; não o parecer!. É realmente a pretensão do DEM uma “aberração jurídica”.

Mas a assertiva do ilustre Advogado-Geral da União de que “É possível entrar com ação direita de inconstitucionalidade contra parecer da AGU ...” , se não pode ser havida como aberração jurídica, é um lídimo “impropério”. Acolhido o parecer pela autoridade que o solicita a quem compete auxiliá-lo, a responsabilidade pelas consequências do ato consubstanciado no parecer é da autoridade que o subscreve com a pretensão de torná-lo produtor dos desejados efeitos. À autoridade subscritora do ato não só cabem os louros pelo acerto da providência. As inglórias devem ser atribuídas a essa mesma autoridade pelo desacerto da decisão tomada. Portanto, não assiste razão ao ilustre chefe da Advocacia-Geral da União em dizer que é possível entrar com ADI contra parecer da AGU. O ato impugnável é o do titular que tem prerrogativa para praticá-lo. Os limites de nossa desprivilegiada inteligência não nos permitem vislumbrar a existência de parecer vinculativo. Mas mesmo que permitissem resistência - que não sabemos de onde provém - temos em aceitar que a irresignação contra o ato se dirija a quem aconselhou a sua pratica e não a quem efetivamente o praticou. Admitida que fosse a existência de parecer vinculativo, pela aversão que demonstrou o ex-presidente ter por nossas instituições, custa-nos acreditar que ele se submetesse a pareceres vinculativos da AGU. Ora, se desrespeitou a Constituição nomeando pessoas sem notório saber jurídico para ter assento no STF e para chefiar a Advocacia-Geral da União, se malversou o erário – tocando obras impugnadas pelo TCU, se desrespeitou a Constituição, a lei ordinária e decisão judicial, do STF, como se vê no processo extradicional ora em tela, qual a dificuldade em se admitir que ele não se subordinaria a parecer vinculativo da AGU que contrariasse seus interesses?

DA INEXISTÊNCIA DO ATO DENEGATÓRIO DA EXTRADIÇÃO

Mas nada do que acima explanamos se aplica ao ato denegatório da extradição do senhor Cesare Battisti. Não é o ato do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva impugnável pela via de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Seu ato não foi só ilegal; foi irresponsável, acintoso, provocativo, subestimativo; uma afronta de repercussão internacional ao Poder Judiciário brasileiro, um dos pilares da República, que deveria ser o de maior consistência, pois guardião da nossa Carta Legal Maior, mas que vem se deixando fragilizar. O ato praticado pelo ex-presidente da República - se negando a cumprir compromisso assumido pela Nação brasileira – fundado em Tratado-Lei-Extradicional celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, convalidado por referendo do Congresso Nacional e Decreto-Presidencial - não deve ser objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade, pois ato “inexistente”, fundado em um “parece-ser”, em uma inconcebível maquinação. O processo extradicional agasalhado pelo Direito brasileiro é eminentemente judicial. Era, assim, o ex-presidente da República incompetente em razão da matéria para se manifestar no procedimento. E assim sendo, o tirânico ato denegatório do pleito da Itália não tem o condão de invalidar ato concessório de extradição emanado de órgão com prerrogativa constitucional exclusiva, única, para proferi-lo, e de cuja decisão não cabe recurso, sendo, pois, uma decisão imutável. Permanece o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal no processo extradicional do senhor Cesare Battisti, tombado no STF sob o nº 1085, incólume e no aguardo de uma iniciativa para que seja efetivado. Para reforço do quanto aqui asseveramos, pedimos permissão aos generosos leitores para reproduzir os dispositivos que nos levam à certeza de que razão nos assiste para qualificarmos o ato denegatório da forma como o qualificamos.

1. “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g)a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ...” – art. 102 da Constituição Federal.

2. “O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal”art. 81 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).

3. “A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue”; - art. 81, parágrafo único, da Lei nº 6.815/60 (Estatuto do Estrangeiro).

4. “Caberá, exclusivamente, ao SupremoTribunal Federal, a apreciação do caráter da infração” – art. 77, § 2º, da Lei nº 6.815/60 (Estatuto do Estrangeiro).

5. “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão” – art. 83 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).

Dos dispositivos supra transcritos facilmente se depreende: que a competência para o processamento e julgamento de extradição solicitada por Estado Estrangeiro é originalmente, exclusivamente, do Supremo Tribunal Federal (1 e 5); que preso, desde então, a sorte do extraditando subordinar-se-á ao comando do STF (2); que é assegurado o cumprimento do comando sentencial proferido pela Suprema Corte, uma vez que ficará o extraditando preso, cercado de todas as cautelas para evitar sua fuga, no aguardo da decisão do STF sobre sua extradição ou não para a nação requerente (3); que, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal cabe apreciar o caráter da infração, ou seja, se se trata de crime comum ou político ou de opinião - a C.F., art. 5º, LII, veda a extradição por crime político ou de opinião; o art. 77, nº VII, da Lei nº 6.815/80 repete a vedação (4); e, que a decisão do Supremo Tribunal Federal em processo extradicional é irrecorrível, imutável pois (5).

“EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando (grifos nossos).

Eis aí a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal quanto ao pedido de extradição feito pela Itália (Ementa nº 08 do acórdão proferido no processo extradicional do senhor Cesare Battisti). Perguntamos: onde está a abdicação de competência para extraditar o paciente-reclamado que a imprensa propalou ter feito o STF em favor do ex-presidente da República? Não há como apontá-la, pois inexiste essa abdicação. E não está o STF autorizado a tanto. O que o Supremo Tribunal Federal fez foi alertá-lo para que, antes de entregar o paciente-reclamado, submetesse à aquiescência da Itália termo de compromisso estabelecendo as condições a serem observadas pela Itália a partir do recebimento do extraditado, condições essas expressamente consignadas entre os artigos III e IX do tratado e que nele foram inseridas por força do artigo 91 da Lei nº 6.815/60, que está assim redigido:

“Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:

I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e,

V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena”.

Não assumindo a nação requerente da extradição o compromisso de atender às exigências elencadas nesses dispositivos, o que se concretizaria com a não subscrição desse termo circunstanciado, estaria, aí sim, o Governo brasileiro autorizado a não entregar o paciente-reclamado.

Reafirmamos: o acórdão proferido pelo STF continua incólume, não sujeito a qualquer mudança, pois irrecorrível, e à espera de iniciativa de para ser efetivado.

. DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Reza o artigo 131 da desamparada Constituição da República Federativa do Brasil – que, pela omissão, inércia e covardia de seu guardião (o STF), tem sido tão vilipendiada: “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento “jurídico” do Poder Executivo”. No § 1º desse mesmo dispositivo estabelece: “A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, “de notável saber jurídico e reputação ilibada” (grifos nossos).

O ilustrado jurisconsulto, excelentíssimo, digníssimo e outros “íssimos”, salve, salve, ministro-chefe da Advocacia-Geral da União na quarta-feira (12/01), externando argumento que numa imprópria, frágil e descabida intervenção que eventualmente a Advocacia-Geral da União venha a fazer no imbróglio que, agora, o DEM se envolve, asseverou que não vê problemas no fato de a não extradição do ex-ativista Cesare Battisti, decidida em 31 de dezembro pelo então presidente Lula, ser baseada na “suposição” de uma futura perseguição ao ex-militante na Itália. "O tratado (de extradição entre Brasil e Itália) admite o juízo de suposição. Eu posso supor determinada situação. Pode-se não concordar com a suposição do presidente de perseguição política, mas ele pode supor", disseo ministro.

O ex-presidente da República, durante seus dois mandatos, para justificar atos próprios e impróprios de sua gestão se valeu dos ensinamentos de “mamãe” e de metáforas futebolísticas. Tomamos por empréstimo essa característica do nosso ex-mandatário para usar expressão marcante de um ex-craque - hoje comentarista de futebol - do nosso Corinthians, o Neto: “É brincadeira!”. Como deixa bem claro o artigo 131 da Constituição Federal a Advocacia-Geral da União tem como atividades precípuas a consultoria e assessoramento “jurídico”, do Poder Executivo. “. “Jurídico”. Não se tem, pois, mais qualquer dúvida de que o posicionamento adotado pelo ex-presidente Lula foi orientado pela AGU; que ele seguiu à risca – atendendo à sua conveniência – o “parece-ser” encomendado; que na prática de seu ato tirânico ele contou com o respaldo de quem é remunerado pelo povo brasileiro para bem orientá-lo a conduzir os destinos da Nação com respeito ao nosso ordenamento jurídico. Quando a Constituição exigiu como requisito para exercer a chefia da Advocacia-Geral da União pessoa de notável saber jurídico e para integrarem o quadro dessa instituição pessoas de formação jurídica (art. 131, § 2º), submetidas, para ingresso na carreira, a concurso de provas e títulos foi justamente para que a Administração Pública Federal, o poder Executivo, não se afastasse dos ditames legais.

Ao que deixa transparecer, o ilustrado chefe da Advocacia Geral da União não sabe que a instituição por ele comandada é órgão do Estado brasileiro, não do Presidente da República. Ele é muito bem remunerado pelo povo brasileiro para orientar “juridicamente” “o órgão Presidência da República” na condução dos destinos da Nação. Não é seu encargo atender aos reclamos ideológicos do Presidente da República e de seu partido. E muito menos fazer defesa de estranhos ao Executivo brasileiro. Ao extraditando a lei brasileira faculta a constituição de advogado para sua defesa. E se assim não fizer, por não querer ou não puder, não ficará desamparado. “Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa” - art. 85, caput, da Lei nº 6.815/80.

JUíZO DE SUPOSIÇÃO

Minha Nossa Senhora, meu Senhor do Bonfim! É pouco apelo: Meu Deus! “Juízo de suposição” (?). Pode sim; o ilustre Advogado-Geral da União pode supor determinada situação; o presidente (ex), induzido ou não por seu jurisconsulto, podia supor determinada situação. O ilustrado Advogado-Geral da União pode até supor a real existência da “invencionice” por si criada: “juízo de suposição”. O que ele não pode é supor que essa “obra” de sua fértil inteligência esteja inserida no instrumento que celebraram Brasil e Itália e que contempla o instituto da extradição. Infelizmente nós temos uma mídia despreparada, uma mídia “caro ouvinte”. Ouve impropérios de nossas autoridades e não sabe rechaçá-los. A imprensa, boquiaberta, ouve as baboseiras e as repassa para a sociedade como se fossem expressões da verdade. Mas nós, operadores do direito, por fidelidade para com nossas próprias consciências, não podemos proceder da mesma forma. O douto Advogado-Geral da União nos falta com o devido respeito; menospreza nossa mediana inteligência. E diante disso, autorizados estamos a fazer-lhe a seguinte indagação: Excelência, em que dispositivo do tratado Brasil-Itália se encontra agasalhado esse “supositório” que a AGU pretende enfiar ... goela abaixo do DEM? Antecipamo-nos: em lugar nenhum. Ao regular a defesa do extraditando, estabelece o § 1º do art. 85 da Lei nº 6.815/80: “A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição”. Não figura em nossa lei, e muito menos no tratado Brasil-Itália, a esdrúxula invencionice do “juízo de suposição”. Ese por absurdo se admitisse a aplicação desse tal “juízo de suposição” no campo do Direito dele não poderia se valer o ex-presidente, pois figura estranha ao processo extradicional reconhecido pelo Direito brasileiro.

A lei não trata de suposições; a lei é feita para ser aplicada no caso concreto. E quando a Constituição Federal exige como requisito para exercer a chefia da Advocacia-Geral da União pessoa de “notável saber jurídico” é justamente para que o órgão Presidência da República possa consultar e ser assessorado por quem indubitavelmente possa fornecer-lhe o necessário embasamento jurídico nas decisões a serem por ele tomadas. Para fazer “suposições” qualquer do povo está habilitado. Não fosse isso a Constituição abriria espaço para que pessoas menos inconfiáveis do que “suposicionistas” (temos o direito de supor a existência deste termo) prestassem à Presidência consultoria e assessoramento, como, por exemplo, os videntes. Na AGU, em vez de operadores do Direito, teríamos tarólogos, umbandistas e ciganas: as cartas, os búzios e a linhas das mãos “não mentem jamais”. Certamente as previsões fundadas no “juízo de vidência” teriam maiores probabilidades de acerto.do que as alicerçadas no “juízo de suposição”.

PERSEGUIÇÃO POLÍTICA

O jurisconsulto da Presidência da República convenceu o ex-presidente de que ele, ex-presidente, poderia fazer uso do “juízo de suposição” para, contrariado determinação do STF, negar a entrega do extraditando à Itália. A falta de aprofundamento no estudo de sua criatura deu motivo a que seu criador fundamentasse sua aplicação em suposição impossível de ser concretizada, qual seja, “perseguição política” ao extraditando. O senhor Cesare Battisti foi condenado pela justiça italiana à pena de “prisão perpétua”. Perguntamos: que perseguição política poderá ele, Cesare Battisti, sofrer cumprindo pena de prisão perpétua? Preso, para cumprir prisão perpétua – com direitos políticos cassados – o senhor Cesare Battisti almeja militar politicamente na Itália? Valemo-nos, novamente, do Neto: “É brincadeira!”

O LEGISLADOR E A EXTRADIÇÃO

O legislador brasileiro cercou-se de todas as cautelas para que um eventual pedido de extradição fosse observado com a merecida acuidade. Para a concessão ou negação de extradição delegou poderes à elite da cultura jurídica nacional – o Supremo Tribunal Federal. Razão outra para isso não teve senão a de garantir uma apreciação extremamente técnica da questão e uma decisão de indiscutível juridicidade e, por isso, não comprometedora da honradez e dos interesses da nação brasileira

O art. 102 da Constituição Federal preceitua: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g)a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ...” (grifos nossos). Isto já preceituava o art. 114, inciso I, letra g, da C.F. de 1967, em cuja vigência foi promulgado o Estatuto do Estrangeiro. O legislador ordinário, cônscio da preocupação do legislador constituinte, foi mais além: exigiu que a extradição fosse julgada pelo STF na sua composição plenária. Reza o art. 83 da Lei nº 6.815/80: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”.

Depreende-se, diante de tanto zelo, que os legisladores temiam decisões desprovidas de juridicidade plena e comprometedores da honradez e dos interesses da nação brasileira. Empenhou-se ao máximo o legislador, tanto constituinte como ordinário, para evitar decisões apaixonadas e, acima de tudo ilegais, a exemplo do ato impróprio – juridicamente inexistente - do ex-presidente na extradição do senhor Cesare Battisti.

Intriga-nos sobremaneira essa paixão do ex-presidente e de seu partido pelo paciente reclamado pela Itália. Será que vale a pena sacrificar uma cuidadosa construção legislativa, desmoralizar a mais Alta Corte de Justiça do País, comprometer a honradez e interesses da nação brasileira, se sujeitar a um processo por crime de responsabilidade – por desrespeito às leis e à decisão judicial - pela permanência desse senhor em nosso território? Por que ele é tão importante assim?

DA DESISTÊNCIA DA ADI

Não sabemos com que propósito o partido político Democratas (DEM) ingressou com a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o “parece-ser” da AGU. Se ajuizou a ação movido por sentimento de ofendido, muito embora a propositura caracterize-se como uma aberração jurídica, valeu pela intenção. Os deputados e senadores do partido são legisladores. Eles, legisladores, independentemente do partido a que pertençam, por dever de lealdade para com o povo, em nome de quem legislam, deveriam ser os primeiros a se insurgir contra atos que atentem contra suas elaborações legislativas (o tratado Brasil-Itália é lei). Infrutífera a ação do DEM, porém louvável.

Pelas razões antes argüidas, aconselhamos ao DEM que desista da ação, pois certamente não será conhecida pelo Supremo. Isto não acontecendo, a imprópria ação servirá tão somente para procrastinar ainda mais a entrega do extraditando. Ensejará intermináveis e descabidas discussões no STF. Discutir-se-á até o sexo dos anjos.

Insistimos: o acórdão proferido pelo STF continua incólume, à espera de uma iniciativa para se tornar efetivo. Por acreditarmos que o STF não mais se encontra no estado de letargia em que se encontrava quando do julgamento do processo extradicional, que cansado está de ser masoquista e que a lei ainda impera neste País, sugerimos ao DEM que faça ingerência junto ao causídico patrono da República Italiana no sentido de requerer ao STF que determine que a Presidenta da República dê cumprimento ao quanto decidido no processo extradicional do senhor Cesare Battisti. Da mesma forma o DEM pode proceder junto à Procuradoria Geral da República, que como fiscal da lei, pode solicitar a providência, ou junto ao próprio STF, que entendemos nós, por ser guardião da Constituição, principalmente, de ofício, deveria de há muito ter providenciado a execução do julgado A obrigação de entregar o extraditando não era uma obrigação pessoal do ex-presidente; é do Governo brasileiro. Portanto, ao atual Governo cabe cumprir o quanto consubstanciado no acórdão prolatado pelo STF. E deve cumprir sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, como incorreu o ex-presidente.A bem da verdade, neste imbróglio muita gente incorreu em crime de responsabilidade.Também a bem da verdade confessamos que com atual quadro político que se afigura no Brasil não vislumbramos muita chance de essa gente responder por crime de responsabilidade. Punição por esse crime nem imaginar.

DO CRIME DE RESPONSABILIDADE DO EX-PRESIDENTE

1- “Compete privativamente ao Presidente da República: ...; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso nacional” – art. 84 da C.F..

2- “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” – art. 1º, parágrafo único, da C.F..

3- “O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989 apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém” - art. 1º do Decreto-Presidencial nº 863, de 09 de julho de 1993.

4- “Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal” - art. 1º do Tratado Brasil-Itália.

5- “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...” – art. 5º “caput”, da C.F..

6- “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: ...; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais” – art. 85 da C.F..

7- “O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil” – art. 78 da C.F..

Dos dispositivos retro transcritos infere-se: que ao Presidente da República compete privativamente, em nome do povo brasileiro, celebrar tratados, acordos e atos internacionais (1, 2); que esses entabulamentos internacionais só ganham força de lei se referendados pelo Congresso Nacional (1); que o Tratado de Extradição celebrado entre Brasil e Itália foi referendado pelo Congresso Nacional e sancionado por Decreto-Presidencial, adquirindo assim força de lei e passando a vigorar como se emanados do povo brasileiro (3); que as partes celebrantes - República Federativa do Brasil e a República Italiana – obrigaram-se reciprocamente a entregar, mediante solicitação, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam reclamadas para submissão a processo penal ou para cumprimento de pena restritiva de liberdade pessoal (4); que todos os brasileiros são iguais perante a lei, não sendo dado, pois, ao Presidente da República fazer-se diferente (5); que a inobservância das leis e das decisões judiciais pelo Presidente da República caracteriza crime de responsabilidade (6); e, que o Presidente e o Vice-Presidente da República, mais do que outro qualquer brasileiro, está obrigado a manter, defender e cumprir a Constituição e observar as leis, já que a isso se comprometem quando assumem os cargos (7).

O ex-presidente da República, mais pela certeza da impunidade do que pela ignorância, entendeu que a entrega do paciente reclamado pela Itália era ato pessoal seu e não do Governo brasileiro, sendo pois a obrigação intransferível para o Governo que o sucederia, no último dia do seu mandato resolveu não entregá-lo à requerente. O ex-presidente cometeu crime de responsabilidade, caracterizado não só no dia em que resolveu pela não entrega do extraditando, mas desde quando, cientificado da decisão, deixou de fazer a entrega em prazo razoável como estabelecido no tratado. E continua o ex-presidente passível de punição. É claro, ele não pode mais se sujeitar a um processo de “impeachment”. Num país sério o ex-presidente não escaparia de responder por crime de responsabilidade; e a ele, certamente, não seria aplicada tão-só pena inelegibilidade por oito (8) anos; condenado também seria a ressarcir o cofre público por quanto despendeu o erário para aqui manter, injustificadamente, por longo tempo custodiado o extraditando.

CONCLUSÃO

A Advocacia-Geral da União é órgão do Estado brasileiro que se presta, precipuamente, a assessorar juridicamente e atender consultas da mesma natureza ao poder Executivo. O artigo 131 da Constituição da República Federativa do Brasil exige para o exercício da nobre função de chefe da instituição o atendimento a dois requisitos, quais sejam, notável saber jurídico e reputação ilibada. Embora a Constituição tenha deixado a cargo do titular do poder Executivo a aferição dessas qualidades, entendemos que ao convidado cabe fazer uma auto-análise, só decidindo pela aceitação do cargo se se convencer de que preenche tais requisitos (sabemos, isto é utópico). E nós, particularmente, entendemos que o atendimento a outro requisito se faz necessário, qual seja, “a nobreza de caráter”. Esse requisito não há como ser aferido de outra forma; deve ser auto-aferido, ou seja, cabe ao convidado fazer uma auto-análise e decidir se tem ou não condições de assumir o delicado encargo. Deve ele, antes de tudo, ter consciência de que exercerá uma atividade do Estado brasileiro e não do presidente; comedir sua capacidade de resistir aos reclamamos apaixonados do Chefe da Nação e atuar, com base na lei, por seu livre convencimento; refletir sobre a vulnerabilidade de sua consciência em face da remuneração e do “status” que o exercício do cargo lhe proporcionará, como também nas possibilidades de ascensão que, certamente, também serão vislumbradas no exercício do cargo (também não deixa ser de utopia).

Constrangidos, forçados somos a reconhecer que a Advocacia-Geral da União, uma bem intencionada criação do constituinte de 1988, não tem se prestado a desempenhar seu real papel; caracteriza-se muito mais como um escritório de advocacia, em que se desconhece a ética e de tudo se faz para burlar a lei em favor de seu cliente maior, o Presidente da República, em troca de prometidos favores. Como diz Odorico Paraguassú, deixemos de bolodórios, vamos direto ao assunto: a AGU tem servido como trampolim para o Supremo Tribunal Federal – e não foi assim só no governo Lula. 

 

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