ÔNUS DA PROVA: TÉCNICA DE JULGAMENTO OU MATÉRIA DE INSTRUÇÃO?


Porwilliammoura- Postado em 20 setembro 2012

Autores: 
MENDONÇA, Frederico Augusto Passarelli

 

A questão do ônus da prova sempre foi debate acirrado na doutrina brasileira, principalmente pós código consumerista, quando se incluiu, em seu art. 6°, VIII, a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

 

A partir daí, surgiu-se o entrave: o ônus da prova, contido no art. 333, do CPC, seria uma técnica de julgamento ou pertenceria ao campo da instrução processual?

 

Por tempos esta questão foi debatida na doutrina e jurisprudência pátrias, dispersando-se a matéria em duas correntes: Uma que trata do ônus da prova como técnica de julgamento, da qual são adeptos João Batista Lopes e Nelson Nery Júnior, que ensina: “[...] o juiz, ao receber os autos para proferir a sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção dessa prova já terá sido ultrapassado”. (p.217). Pode-se citar, ainda, na mesma linha, a jurisprudência firmada no STJ, REsp 949.000/ES, 3ª Turma, Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 23/06/08.

 

  Os que assim entendem, pugnam pela técnica de julgamento, ou seja, o juiz decidiria pela inversão do momento da sentença, o que não implicaria, de forma alguma, em cerceamento de defesa, eis que o réu, quando citado em ações envolvendo litígios amparados pelo CDC, já saberia, por previsão legal, da possibilidade de ter de provar a inexistência dos fatos constitutivos do direito autoral. Evitar-se-ia, desta forma o non liquet do Direito Romano.

 

Porém, vozes eloquentes surgiram no sentido contrário, entendendo ser matéria relegada à instrução probatória. Embasam a tese na necessidade da observância do subprincípio da não surpresa, corolário da ampla defesa e contraditório, onde seria incabível a dita inversão somente na sentença, pelo que deveria acontecer em sede de despacho saneador, possibilitando ao réu o recurso contra ele inerente.

 

Assim, aduz Fredie Didier: “[...] deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e em tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento”. “[...] Reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório.” (2008, 81 e 83). Compartilha do entendimento Luiz Guilherme Marinoni.

 

No mesmo sentido, a recente jurisprudência da 2ª Seção do Colendo STJ:

 

“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE POR VÍCIO NO PRODUTO (ART. 18 DO CDC). ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO 'OPE JUDICIS' (ART. 6º, VIII, DO CDC). MOMENTO DA INVERSÃO. PREFERENCIALMENTE NA FASE DE SANEAMENTO DO PROCESSO. A inversão do ônus da prova pode decorrer da lei ('ope legis'), como na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), ou por determinação judicial ('ope judicis'), como no caso dos autos, versando acerca da responsabilidade por vício no produto (art. 18 do CDC).Inteligência das regras dos arts. 12, § 3º, II, e 14, § 3º, I, e. 6º, VIII, do CDC. A distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes, pautando, conforme o ônus atribuído a cada uma delas, o seu comportamento processual (aspecto subjetivo). Doutrina. Se o modo como distribuído o ônus da prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subjetivo), não pode a  inversão 'ope judicis' ocorrer quando do julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo tribunal (acórdão). Previsão nesse sentido do art. 262, §1º, do Projeto de Código de Processo Civil. A inversão 'ope judicis' do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas. Divergência jurisprudencial entre a Terceira e a Quarta Turma desta Corte. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO”. (REsp 802.832/MG, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseveriano, DJ 13/04/11, in stj.jus.br)

 

Depreende-se que, não obstante o entendimento de respeitável doutrina, no sentido de ser o ônus da prova ser técnica de julgamento, devendo, o Juiz, adotar a inversão quando da prolação da sentença, vê-se que se coaduna com os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, vedando-se a não surpresa, a tese de ser matéria de instrução, afinal, como o próprio nome diz, estamos ainda na seara do campo probatório, não sendo lídimo adotar a dita inversão em momento diferente do saneamento do processo, quando o Magistrado fixará os contornos da lide e indicará, ou não, a necessidade de aplicação do art. 6°, VIII, do CDC, conforme previsão do art. 331, § 2° e 3°, do CPC, ante a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência da parte consumidora.

 

É o que se denota, ainda, no art. 262, § 1°, do projeto de alteração do CPC, que dispõe, verbis: “a dinamização do ônus da prova será sempre seguida de oportunidade para que a parte onerada possa desempenhar adequadamente seu encargo”.

                                                               

BIBIOGRAFIA.

    

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 949.000/ES, 3ª Turma. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. DJ 23/06/2008 . Disponível em: Acesso em 10/04/12;

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 802.832/MG, 2ª Seção. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseveriano. DJ 13/04/2011 . Disponível em: .Acesso em 10/04/12;

 

JUNIOR, Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, 2ª ed. Bahia: Editora Podivm, 2008, p.81 e 83;

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da Convicção e Inversão do Ônus da Prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Disponível em: http:// www.marinoni.adv.br. Acesso em: 10 de abril de 2012;

 

NEGRÃO, Theotonio, GOUVÊA, José Roberto F., BONDIOLI, Luis Guilherme A. Código de processo civil. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

NERY JR., Nelson. Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.217;