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Algumas aplicações da mudança do regime de bens
do casamento
Diego
Richard Ronconi*
O Código Civil de 2002
trouxe uma inovação no que diz respeito ao casamento: a possibilidade de
mudança do regime de bens na vigência da sociedade conjugal. Esta situação não
era permitida na vigência do Código Civil de 1916 (1). O presente
artigo busca abordar algumas situações em que a mudança do Regime Matrimonial
de Bens pode se tornar cabível, atualmente.
Permite
o artigo 1.639, caput, do Código Civil de 2002, que os nubentes
estipulem o que desejarem quanto a seus bens, anteriormente à celebração do
casamento. Já a regra do parágrafo 2o, do mesmo artigo, estabelece:
"É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial
em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.". Passa-se a abordar
tais situações.
1.
Requisitos para mudança do Regime de Bens
Conforme
observado, três são os requisitos para a modificação do regime de bens:
a)
ingresso do pedido via judicial, por profissional habilitado: com
a permissão do novo Código Civil, pode parecer que bastaria aos casais
interessados em modificar o regime matrimonial de bens dirigir-se até o
Cartório de Registro Civil para efetuar a modificação. Há que se considerar que
o pedido deve ser ingressado judicialmente, por profissional habilitado
(advogado), pois, conforme o artigo 36, do Código de Processo Civil, "A
parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado.
(...)". A procuração conferida ao causídico deve conter poderes especiais,
pois o pedido não comporta a simples procuração geral para o foro;
b)
pedido motivado de ambos os cônjuges: este
requisito expõe o interesse jurídico dos cônjuges partes para a propositura do
pedido, bem como a sua legitimidade. As causas para o pedido de modificação do
pedido não podem ser "em tese", ou para situações hipotéticas, mas
situações ocorrentes de fato. Adiante serão tratadas algumas situações em que o
pedido de modificação de regime de bens pode ser aplicado, podendo justificar o
pleito.
Quanto
à legitimidade, observa-se que compete a "ambos os cônjuges", e não
somente a um deles, o que torna impossível o ingresso somente por um dos
cônjuges, pedindo a citação do outro. Portanto, não há jurisdição contenciosa,
mas jurisdição voluntária, pois ambos devem ser interessados. Cumpre o pedido,
desta forma, somente aos cônjuges, os quais detêm legitimidade exclusiva.
c)
mediante autorização judicial, apurada a procedência das razões invocadas:
ingressado o pedido por profissional habilitado, em pedido motivado de ambos os
cônjuges, há a necessidade de autorização judicial. O magistrado proferirá
sentença homologatória. Caso não autorize o pedido, da sentença caberá
apelação. Quanto à procedência das razões invocadas, ligam-se estas razões com
a motivação do pedido realizada pelos cônjuges.
d)
ressalva dos direitos de terceiros: ao se estabelecer esta regra, cumpre
observar de que forma serão resguardados os interesses de terceiros. O regime
de bens optado pelos cônjuges vigora desde a data do casamento (art. 1.639,§ 1o),
sendo escolhido pelos mesmos já no processo de habilitação matrimonial. Para
tanto, há necessidade que o regime escolhido seja objeto de Registro Público
(art. 70, "7", da Lei n º 6.015, de 31.12.1973), servindo tal
registro para o fim de os interesses dos cônjuges ser oponível perante
terceiros, diante da modificação do seu estado de fato e conseqüências advindas
desta nova situação. Serve também tal registro para que terceiros possam
defender seus interesses diante da nova situação de fato e de direito ocorrida,
pois, com o casamento, dependendo do regime de bens que os cônjuges venham a se
casar, a falta de autorização de um deles pode acarretar a anulabilidade do ato
praticado pelo cônjuge a quem cabia a concessão, ou por seus herdeiros, até
dois anos depois de terminada a sociedade conjugal (art. 1.649 e 1.650, do
Código Civil).
Quanto
à modificação do regime de bens na vigência da sociedade conjugal, ainda maior
deve ser a proteção. Isto porque não se pode chancelar eventuais chicanas
processuais a fim de prejudicar credores, herdeiros, enfim, qualquer pessoa
alheia aos cônjuges que pleiteiam a modificação do regime de bens.
Entende-se,
que, em se tratando de modificação de regime de bens, ainda que haja somente
pessoas maiores interessadas, necessita-se da participação do órgão do
Ministério Público no feito, atuando como custos legis. Este
entendimento se configura em razão de que, com a autorização do pedido, irá
ocorrer modificação do regime matrimonial de bens, cuja sentença deverá ser
encaminhada ao Registro Público, a fim de ser averbada no livro de casamentos.
E, no que diz respeito à averbação, a Lei n º 6.015/73, no artigo 97,
estabelece que "A averbação será feita pelo oficial do cartório em que
constar o assento à vista da carta de sentença, de mandato ou de petição
acompanhada de certidão ou documento legal e autêntico, com audiência do
Ministério Público." (grifado). Esta intervenção do Ministério Público
no feito também fortifica a proteção dos direitos de terceiros.
Por
outro lado, sugere-se aos interessados, ao instruir o pedido de modificação de
regime de bens, juntar certidões do Registro de Imóveis onde os cônjuges tenham
algum direito real registrado, do Registro de Títulos e Documentos do domicílio
dos cônjuges, bem como certidões negativas Federal, Estadual e Municipal, a fim
de se demonstrar a inexistência de prejuízo a terceiros. Na hipótese de os
interessados não instruírem o pedido com tais documentos, observa-se que cumpre
ao Ministério Público, ou ao Magistrado, de ofício, requerer a sua juntada aos
autos.
Saliente-se,
ainda, que a modificação do Regime de Bens somente surtirá efeitos perante
terceiros a partir do instante da averbação da sentença, com indicação
minuciosa da sentença, no livro de casamento (artigo 100, § 1o, da
Lei 6.015/73). Também, no mesmo entendimento das convenções antenupciais (art.
1.657, CC), o pedido de modificação de Regime Matrimonial de Bens somente terá
efeito perante terceiros após o registro, em livro especial, pelo oficial do
Registro de Imóveis do domicílio dos Cônjuges. E, a fim de garantir maior
proteção aos direitos de terceiros, também entende este autor que o registro
deve ser efetuado no Registro Imobiliário da circunscrição na qual todos os
imóveis do casal estiverem matriculados.
Imprescindível,
também, a averbação da mudança do Regime Matrimonial de Bens no Registro
Público de Empresas Mercantis, caso um dos cônjuges seja empresário, conforme o
artigo 980, do Código Civil, a fim de que tal sentença possa ser oposta a
terceiros.
2.
Algumas hipóteses de aplicação da modificação do Regime Matrimonial de Bens na
vigência da Sociedade Conjugal
Este
item pretende abordar algumas situações nas quais a mudança do regime
matrimonial de bens durante o casamento se torna possível. Com a vigência do
Código Civil de 2002, algumas situações novas apareceram (como é o caso da
constituição de sociedade empresária pelos cônjuges somente em determinados
regimes de bens), e outras situações foram repetidas no referido Código, mas
que podem autorizar a mudança do regime de bens (cita-se como exemplo o
casamento realizado mediante suprimento judicial, o qual deveria ser realizado
somente no regime da separação obrigatória de bens). Passa-se, então, à análise
de algumas destas situações.
2.1.
Casamentos realizados no regime da separação obrigatória de bens
O
regime da Separação de Bens Obrigatória é aquele estabelecido no artigo 1.641,
do Código Civil, o qual determina que se casarão neste regime, sem qualquer
comunicação dos bens ou dívidas:
a)
as pessoas casadas com os impedimentos descritos no artigo 1.523, do Código
Civil (2) (causas suspensivas do casamento);
b)
a pessoa maior de sessenta anos;
c)
todos os que dependerem de suprimento judicial para casar.
O
legislador obriga tais pessoas a contraírem núpcias sob a égide deste regime, o
que difere do regime da Separação de Bens Convencional, na qual os nubentes,
isentos de qualquer dos impedimentos anteriormente mencionados, decidem sobre a
incomunicabilidade de seus bens e dívidas, anteriores e posteriores ao
casamento.
2.1.1.
As pessoas casadas com os impedimentos decorrentes das causas suspensivas do
casamento
O
parágrafo único do artigo 1.523 possibilita o casamento nos moldes do regime
desejado pelos nubentes se houver prova da inexistência de prejuízo para as
pessoas ali designadas, regra esta que difere do Código Civil de 1916, no qual
não havia possibilidade de prova da inexistência do prejuízo, até mesmo porque
o regime de bens era irrevogável.
Se
o casamento, porém, foi realizado sob a égide do regime da Separação
Obrigatória de Bens com fundamento nesta hipótese, caso devidamente demonstrado
pelos cônjuges a inexistência dos prejuízos que tais impedimentos poderiam
ocasionar, ocorrida após o casamento, não haveria impedimento algum para o
pleito da modificação do regime de bens pretendido.
2.1.2.
A pessoa maior de sessenta anos
Este
impedimento se manifesta em razão de interesses sociais e éticos. Busca-se
assegurar a proteção patrimonial de pessoas que tenham acumulado algum
patrimônio durante a vida e, diante da expectativa de vida que possuem, possam
ser prejudicadas por interesses de eventuais "aproveitadores".
Tenta-se evitar o vulgo "golpe do baú".
Por
tais razões, o pedido de modificação do Regime de Bens na constância da
sociedade conjugal, nestas circunstâncias, quer parecer prejudicial em virtude
da concepção desta situação pelo legislador, fundamentada por interesses éticos
e que se justificam pelos mesmos interesses.
2.1.3.
Todos os que dependerem de suprimento judicial para casar
Dependem
de suprimento judicial para casar:
a)
os menores de 18 (dezoito) anos, havendo denegação do consentimento por parte
de um ou ambos os pais (art. 1.519, do Código Civil);
b)
os menores cuja idade núbil ainda não se alcançou, a fim de evitar imposição ou
cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez (art. 1.520).
Nestas
hipóteses, observa-se que as duas situações buscam o referido regime
antecipando a iminência da dissolução da sociedade, haja vista a imaturidade do
casal para assumir um relacionamento conjugal.
Em
ambas as hipóteses, se, passado algum tempo da convivência conjugal e,
principalmente, da estabilidade do relacionamento familiar, não se vislumbra
qualquer impedimento no pedido de modificação do regime de bens por parte dos
cônjuges casados diante de tais circunstâncias. No entanto, importa uma
análise, com interveniência de Assistente Social, a fim de se configurar a
estabilidade do relacionamento do casal.
2.2.
A constituição de sociedade empresária por cônjuges, entre si ou com terceiros
Estabelece
o artigo 977, do Código Civil, que "Faculta-se aos cônjuges contratar
sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da
comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.". Portanto,
podem constituir tais sociedades somente aquelas pessoas casadas no Regime da
Comunhão Parcial de Bens, no Regime da Participação Final nos Aquestos ou no
Regime da Separação Convencional de Bens.
No
caso da Comunhão Universal de Bens, a regra se utiliza com a finalidade de não
haver confusão patrimonial, afinal, neste regime de bens, comunicam-se os bens
presentes e futuros e das dívidas passivas, com as exceções do artigo 1.668, do
Código Civil.
As
situações decorrentes da Separação Obrigatória de bens já foram consideradas
anteriormente, justificando-se a impossibilidade da constituição da sociedade
em virtude da incomunicabilidade legal do patrimônio e dívidas do casal. Não é
demais salientar que o impedimento da constituição de sociedade empresária
pelos cônjuges, entre si ou com terceiros, somente é impedida na modalidade de
Separação de Bens Obrigatória, e não na hipótese de Separação de Bens Convencional.
Assim,
caso estejam casados os cônjuges no regime da Comunhão Universal de Bens e
intentem ambos formar sociedade entre si, ou ambos com terceiros, o pedido de
Modificação de Regime de Bens é solução que se impõe, podendo servir tal
justificativa como modificação do pedido dos cônjuges.
Se,
no entanto, estiverem os cônjuges casados pelo regime da Separação de Bens
Obrigatória, e desejarem formar as sociedades dispostas neste item, caso o
regime tenha se dado em virtude das causas suspensivas ou da necessidade de
suprimento judicial para casamento, torna-se imprescindível a prova da
inexistência de prejuízo, na primeira situação, e a comprovação da estabilidade
das relações familiares, na segunda hipótese.
2.3.
O restabelecimento da sociedade conjugal dissolvida pela separação judicial
Outra
situação que pode demandar a modificação do regime matrimonial de bens consiste
na possibilidade de restabelecimento da sociedade conjugal dissolvida pela
separação judicial. Estabelece o artigo 1.577, do Código Civil, que "Seja
qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos
cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em
juízo.", ordenando, adiante, que "A reconciliação em nada prejudicará
o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja
qual for o regime de bens." (art. 1.577, parágrafo único).
Imagine-se
a seguinte situação: João e Maria são casados pelo regime da comunhão parcial de
bens desde 01/01/1999. Não têm filhos nem bens anteriores ao casamento. Em data
de 01/06/2001, João compra uma casa no valor de R$100.000,00. Em 12/06/2001, o
casal separa-se judicialmente, restando a casa em condomínio para ambos. Em
01/02/2002, Maria compra um apartamento no valor de R$100.000,00, imóvel este
que não se comunica mais com João em virtude da Separação Judicial. No dia
01/06/2003, João e Maria resolvem se reconciliar e ingressam judicialmente com
o pedido de Restabelecimento de Sociedade Conjugal, pedido este homologado pelo
juiz. Ocorre que, em 01/10/2003, João resolve separar-se judicialmente de
Maria.
Observe-se
neste exemplo que, em razão do pedido de Restabelecimento da Sociedade
Conjugal, o casamento ressurge como se não tivesse havido separação judicial.
Com isso, o regime de bens continua sendo o mesmo. Contudo, na hipótese da
segunda separação judicial do casal, em data de 01/10/2003, João teria direito
à metade do apartamento adquirido por Maria no período da separação. Para se
evitar esta comunicação, o pedido de Modificação de Regime Matrimonial de Bens
vem em favor de Maria, protegendo-a na aquisição do apartamento, dando-lhe
integralidade no patrimônio.
Desta
forma, observa-se que não há qualquer impedimento de que, no pedido de
Restabelecimento de Sociedade Conjugal (vez que também se trata de jurisdição
voluntária), também se possa cumular o pedido de Modificação do Regime
Matrimonial de Bens, de forma a assegurar o patrimônio adquirido pelo cônjuge durante
o período da separação judicial, inteiramente ao mesmo.
De
outra feita, poderia o casal ter contraído o matrimônio sob o regime da
separação total de bens na forma convencional. Após a separação do casal,
advindo o pedido de Restabelecimento da Sociedade Conjugal, poderia o casal
buscar a ampla comunicação dos bens, modificando-o para o regime da Comunhão
Universal.
Nem
sempre a comunicação de bens manifesta intenção de um cônjuge prejudicar o
outro com eventual separação. Basta lembrar que os efeitos dos regimes de bens
também são aplicáveis na hipótese sucessória, o que poderia assegurar ainda
mais o cônjuge supérstite.
Como
se trata de pedido de ambos os cônjuges, o pedido de Modificação do Regime de
Bens se baseia, antes de tudo, na confiança dos cônjuges entre si e no sentido
ético que une o casal diante da Sociedade, a fim de não prejudicar terceiros
que com este casal tenha algum interesse jurídico ou econômico.
Notas
1
Código Civil de 1916, artigo 230: "O regime dos bens entre cônjuges começa
a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável." (grifado).
2
"art. 1.523. Não devem casar:
I-
o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II-
a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade
conjugal;
III-
o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal;
IV-
o tutor ou curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou
sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo
único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhe sejam aplicadas
as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se
a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge
e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá
provar nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do
prazo."
*Advogado, Mestre e Doutorando em Ciência Jurídica pelo CPCJ/UNIVALI,
Professor de Direito na Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI (graduação e
Pós-Graduação), na Associação Catarinense de Ensino – ACE – Joinville-SC e Pós-Graduação
em Universidades no Paraná e Santa Catarina, Professor Assistente do Mestrado
Acadêmico do CPCJ/UNIVALI, Professor da Escola de Preparação e Aperfeiçoamento
do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior da
Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC), Autor do Livro Falência
& Recuperação de Empresas: análise da utilidade social de ambos os
institutos.
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5518
>. Acesso em: 28/11/06.