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A perda da chance e a
responsabilização do advogado
Bibiana Carollo Bortoluzzi *
SUMÁRIO: Introdução; 1 A atividade do advogado:
evolução e natureza jurídica; 1.1 O tratamento do tema no Direito Português;
1.2 Situações geradoras de responsabilidade civil em decorrência da atividade;
2 Situações que geram o dever de indenizar para o advogado; 2.1 Verbas
indenizatórias em caso de responsabilização do procurador; 2.2 A indenização
pela perda da chance; 2.3 Jurisprudências; Considerações Finais; Referências
Bibliográficas
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do advogado, em sede de perda da
chance, é assunto relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro,
encontrando divergências no campo doutrinário e poucos julgados a respeito do
tema.
Este artigo, que pretende explorar o tema, está dividido
em duas partes. A primeira delas trata da atividade exercida pelo advogado e do
tratamento que lhe é conferido em sede de responsabilidade civil, no âmbito
nacional e no Direito Português. Além de as primeiras codificações brasileiras
possuírem origem portuguesa, a exemplo das Ordenações Manoelinas e Filipinas, o
Código Civil de 2002 baseou-se, em muitos aspectos, no Código Português. Num
segundo momento serão tratadas as situações em que o advogado será
responsabilizado por sua conduta negligente, devendo indenizar o cliente; bem
como do caso específico e atualmente, pouco explorado, de indenização pela
perda da chance.
Para tanto, foram utilizados, além de pesquisa
bibliográfica, Internet e julgados dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do
Sul e do Distrito Federal, a fim de demonstrar os lineamentos teóricos e
práticos do tema.
1 A atividade do advogado: evolução e natureza
jurídica
A Suméria é considerada o berço da atividade advocatícia,
referindo-se que já no terceiro milênio antes de Cristo tratava-se da defesa de
pessoas, direitos, bens e interesses.
Em relação à advocacia no Brasil, passou a ser reconhecida
em 11 de agosto de 1827, quando foram criados os cursos jurídicos em Olinda e
São Paulo. No ano de 1843 foi criado o Instituto dos Advogados do Brasil. Por
fim, em 18 de novembro de 1930, foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil,
pelo art. 17 do Decreto nº 19.408. Em 1988, com a promulgação da Carta Magna
brasileira, a advocacia foi considerada função essencial da justiça (art. 133,
CF), encontrado regulamentação no Título IV (Da Organização dos Poderes),
Capítulo IV de nossa Lei Maior.
Desta forma, e observando a relevância que foi dispensada
ao advogado pelo constituinte de 1988, sua conduta no exercício de sua
profissão deve seguir os princípios de eqüidade, justiça e boa-fé, como forma
de satisfazer (ou, ao menos, utilizar-se dos meios possíveis para tal) os
interesses daqueles que o procurarem.
Ainda, e respeitando o disposto na Constituição Federal, o
Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) estabelece como atividades exclusivas dos
advogados os serviços de consultoria, assessoria, direção jurídica e a
postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário.
Logo, e segundo o art. 31, caput, da Lei 8.906/94, "o
advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que
contribua para o prestígio da classe e da advocacia"; de forma que deve
obedecer às disposições do Código de Ética e Disciplina da classe (art. 33, Lei
8.906/94).
Vale ressaltar, ainda, que, antes da edição do Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil pela Lei 8.906/94, vigente na atualidade, existiu
a Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, que estabelecia as regras para a prestação
de serviços por parte do advogado, considerando infração disciplinar, em seu
art. 103, inciso XV, "prejudicar, por culpa grave, interêsse confiado ao
seu patrocínio".
Quanto à natureza jurídica, a prestação de serviços
advocatícios possui natureza contratual, uma vez que advém do contrato de
mandato firmado entre as partes, em que o mandatário (advogado) se obriga a
utilizar todos os meios que possui para alcançar os interesses do mandante
(cliente), tanto na tutela judicial quanto extrajudicial dos mesmos.
Os arts. 653 a 692 do código civil vigente prevêem a
figura do Mandato como integrante do Título V da lei civil, a qual trata dos
contratos em geral. Rui Stocco (2004, página 479) utiliza-se de citação de Caio
Mário da Silva Pereira, para melhor definir o tema:
"Recebendo a procuração, o advogado tem o dever
contratual de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os
prazos e cumprindo as imposições do patrocínio, quais sejam: comparecer às
audiências, apresentar as provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no
cumprimento das legitimas instruções recebidas".
Vale ressaltar que, via de regra, a obrigação do advogado
é uma obrigação de meio, através da qual ele se dispõe a atender os interesses
do mandante, utilizando os meios possíveis, mas não se obriga pelo resultado da
demanda. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo
insucesso da causa, se restar provado que ele agiu corretamente no patrocínio
da mesma.
Há, contudo, situações em que o procurador obriga-se pelo
resultado, como ocorre quando lhe encomendam um parecer, ou quando se obriga
pela confecção de um contrato, estatuto ou ato constitutivo. Aqui, quando não
atinge o resultado pactuado com o mandante, por erro indesculpável, caracteriza
o inadimplemento contratual e nasce a obrigação de reparar se decorrer, desta
conduta, prejuízo efetivo para o cliente.
Ainda, e por se tratar de obrigação contratual, pode o
advogado recusar o contrato de mandato, sem necessidade de justificar-se com o
pretenso mandante sobre a causa que o fez recusá-lo, uma vez que as obrigações
convencionadas têm como princípio basilar a autonomia da vontade. Portanto, uma
vez aceito o mandato pelo profissional, deverá ele zelar pelos interesses que
lhe foram passados juntamente com o instrumento de procuração.
A responsabilidade do advogado, em princípio, é somente
disciplinar, posto que sujeita às normas e sanções administrativas, de
seu órgão de classe. Pode, contudo, vir a ser responsabilizado civil e
penalmente, dependendo da gravidade do ato praticado. Durante este estudo,
tratar-se-á especificamente da responsabilidade civil do advogado perante seus
clientes.
1.1 O tratamento do tema no direito português
A Constituição portuguesa, em seu artigo 20º, determina
aos Advogados deveres especiais ao serviço do Estado de Direito e dos Cidadãos.
No entanto, a experiência demonstrou que nem sempre a interpretação da lei foi
coincidente, não apenas no que se refere aos atos que integram a atividade
regulamentada de Advogado com exclusão de quaisquer outros, como também no que
se refere aos poderes/ deveres da Ordem dos Advogados nesta matéria.
Desta forma, foi aprovado O Estatuto da Ordem dos
Advogados, aprovado pelo Dec. lei 84/84, estabelecendo as diretrizes para o
exercício da profissão.
Ainda, a adesão à União Européia ocorreu posteriormente à
entrada em vigor do Estatuto. Nesse sentido deve-se mencionar a circunstância
de, desde 1984, se terem desenvolvido novas e por vezes mais sofisticadas
formas de "procuradoria ilícita" (praticada por pessoas não
habilitadas para o exercício da advocacia), com graves conseqüências para os
cidadãos que inadvertidamente se socorram de apoio jurídico junto de quem não
está legalmente habilitado a prestá-lo.
Assim, a prática de atos que violem a regra que estabelece
que apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos
Advogados podem praticar os atos próprios da advocacia presume-se culposa, para
efeitos de responsabilidade civil.
Do disposto infere-se que a legislação portuguesa pune a
prática ilícita da advocacia.
A Ordem dos Advogados tem legitimidade para intentar ações
de responsabilidade civil, tendo em vista o ressarcimento de danos decorrentes
da lesão dos interesses públicos que lhes cumpre, nos termos do respectivo
estatuto, assegurar e defender.
As indenizações recebidas serão revertidas para um fundo,
sendo este destinado à promoção de ações de informação e implementação de
mecanismos de prevenção e combate à procuradoria ilícita, gerido em termos a
regulamentar em diploma próprio.
1.2 Situações geradoras de responsabilidade civil em
decorrência da atividade
Há situações em que o simples fato de exercer uma
atividade gera o dever de indenizar os prejuízos causados por ela; como ocorre
com os empregadores, que respondem objetivamente pelos atos praticados por seus
empregados (art. 932, III, CC) e com os empresários individuais, pelos produtos
postos em circulação (art. 931, CC). Esta responsabilização objetiva é baseada
na Teoria do Risco, pela qual aquele que aufere lucros a partir de atividade
alheia deve arcar com os prejuízos.
Esta responsabilidade civil objetiva é estabelecida no
Código Civil, para os empregadores, empresários individuais, empresas, donos de
hotéis, estabelecimentos particulares de ensino e pessoas jurídicas de direito
público interno.
Além do Código Civil, a lei 8.078/90 (CDC) estabelece,
como regra, a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços.
Contudo, o legislador brasileiro estabeleceu exceções a
essa regra de responsabilidade objetiva para as relações de consumo e de
prestação de serviços, baseadas na teoria do risco, para resguardar as
atividades prestadas por profissionais liberais.
O Código Civil, no que tange à responsabilização dos
profissionais liberais, dispensa apenas um artigo do título no qual trata da
responsabilidade civil. Importante a transcrição do referido artigo (951), que
segue:
"Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950
aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de
atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a
morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o
trabalho".
Pode-se notar que o códex, neste artigo, tratou apenas da
responsabilidade dos médicos, enfermeiros e dentistas, uma vez que trata
especificamente de "pacientes", enquanto a matéria a respeito dos
demais profissionais liberais foi aceita da forma que estava posta pela Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), restando sem regulamentação na Lei
10.406/02.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), dessa
forma, possui dispositivo a respeito da responsabilidade dos profissionais
liberais (art. 14, § 4º, Lei 8.078/90), estabelecendo que os mesmos deverão
indenizar os danos causados, apenas, quando resultarem de culpa sua, no
exercício da profissão. É considerada uma exceção, prevista no CDC, a
responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, uma vez que, via de
regra, referido estatuto estabelece a responsabilização objetiva dos fornecedores
de bens e serviços, frente aos consumidores.
Ainda, e em relação aos advogados, apenas, o Estatuto da
Advocacia (Lei 8.906/94) traz previsão expressa de responsabilização dos
componentes da classe em caso de culpa ou dolo pelo prejuízo causado (art. 32).
Desta forma, responde o procurador, perante seu cliente,
quando atuar de maneira negligente ou com manifesta intenção de prejudicá-lo.
Nestes casos, deve indenizar seu constituinte pela má prestação dos serviços
acordados.
2 Situações que geram o dever de indenizar para o
advogado
O advogado responde pelos erros de fato que praticar no
desempenho da função advocatícia e pelos erros de direito que cometer no
exercício de sua profissão, quando praticados com culpa do mesmo.
Rui Stocco (2004, página 481) destaca que o erro cometido
pelo procurador há de ser inescusável e efetivamente lesivo, para que dele
resulte dever de indenizar. Entende-se por erro inescusável aquele inadmissível
para um profissional bem instruído e cauteloso com seu trabalho.
O Código de Processo Civil, inclusive, enuncia situações
de erro inescusável cometidas pelos profissionais inscritos na OAB. Algumas
hipóteses são:
* art. 45, CPC – pelo fato de não representar seu
constituinte nos dez dias subseqüentes à sua renúncia ao mandato judicial, para
evitar que o mandante venha a sofrer prejuízos;
* art. 267, I, CPC – quando o processo se extingue sem
julgamento de mérito, por inépcia da petição inicial, desde que comprovada a
desídia do advogado no trato da causa;
* art. 267, II, CPC – quando, por negligência do advogado,
o processo fica parado por mais de um ano, dando ensejo à extinção do mesmo,
sem julgamento do mérito;
* art. 267, III, CPC – quando o autor do processo não
praticar os atos de sua competência, abandonando o processo por mais de trinta
dias, em função de inércia de seu advogado, causando a extinção do processo;
* art. 295, parágrafo único, I, CPC – indeferimento da
petição inicial por falta do pedido ou causa de pedir;
* art. 295, parágrafo único, II, CPC – inépcia da petição
inicial, quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão.
O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) elenca, ainda, em
seu art. 34, uma série de causas de responsabilização do mandatário, como, por
exemplo:
* Violação de sigilo profissional (inciso VII) sem justa
causa;
* Imputar a terceiro, sem autorização de seu constituinte
e em nome dele, fato definido como crime (inciso XV);
* Enriquecimento ilícito, à custa do cliente ou da parte
adversa, por si ou por outrem (inciso XX).
Os incisos do art. 34 da Lei 8.906/94, citados acima, são
apenas algumas das maneiras de se responsabilizar civilmente o advogado por sua
conduta. Vale ressaltar que o referido artigo possui a previsão de vinte e nove
formas de infração disciplinar, por parte do advogado.
Vistos os casos em que o procurador é chamado a responder
pela prestação faltosa de seu serviço, resta estudar as verbas indenizatórias
com as quais deverá arcar.
2.1 Verbas indenizatórias em caso de responsabilização
do procurador
Maria Helena Diniz (2004, página 287) ensina que "o
advogado deverá, obviamente, indenizar prontamente o prejuízo que vier a causar
por negligência, erro inescusável ou dolo".
Logo, no que se refere à atuação em juízo do advogado,
conforme determinam os doutrinadores consultados, se restar provada sua culpa
no insucesso da ação, deverá indenizar seu cliente pelos danos patrimoniais
sofridos a título de dano emergente e, ainda, se provado o dano moral, também
será compensado.
Indeniza-se o valor efetivamente gasto pelo mandante com a
sucumbência da ação, como é o caso das custas do processo e verba honorária
paga ao patrono da parte contrária, estas verbas a título de dano material.
Em relação ao dano moral, quando restar comprovado erro
indesculpável ou culpa do advogado, também deverá ser indenizado, uma vez que
está previsto na própria Constituição Federal (art. 5º, V e X).
Ainda, em relação à atividade extrajudicial exercida pelo
profissional do Direito, devidamente inscrito na OAB, deve-se atentar que, neste
caso, ele se obriga pelo resultado pactuado. É o que ocorre, por exemplo,
quando se compromete a entregar um parecer ou a redigir um contrato. Aqui, se
atuar com negligência, imprudência ou imperícia, causando prejuízos ao seu
mandante, estará obrigado a reparar efetivamente o que seu cliente perdeu e os
valores que poderia receber se o profissional tivesse atuado com a diligência
esperada.
Outra questão que surge, e com divergências no campo
doutrinário, é a responsabilização do patrono da causa pela perda da chance de
seu cliente. A teoria da perda da chance, por ensejar controvérsias e,
portanto, uma pesquisa mais fundamentada, será tratada a seguir.
2.2 A indenização pela perda da chance
Primeiramente, e antes de tratar especificamente da
indenização da perda de uma chance pelo advogado, vale proceder à definição e
exemplos da referida teoria, para melhor compreensão acerca do tema.
A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance)
surgiu na França, a partir da década de 60, e foi criada, primeiramente, com
vistas à atividade médica. Foi desenvolvida em função da difícil comprovação
dos elementos formadores da responsabilidade do profissional, sendo chamada de
"teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência".
Relativamente recente no Brasil, a perda da chance está
ligada à idéia de dano, como forma de aferição do mesmo, para efeitos de
ressarcimento. É considerada uma terceira espécie de dano patrimonial, vista
como um intermediário entre o conceito de dano emergente e o de lucro cessante.
O dano patrimonial, para efeitos de indenização, deve ser
atual e certo, de forma a facilitar o cálculo dos valores devidos a título de
perdas e danos.
A perda da chance, contudo, é teoria utilizada para
calcular a indenização por dano material quando há um dano atual, porém
incerto, dito "dano hipotético", o qual necessitará de um juízo de
valor para a aferição do quantum devido a título de indenização. O que se
analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a vítima realmente perdeu
(dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante).
Há julgados, nos tribunais brasileiros, que concedem a
indenização da perda da chance, porém, a título de lucro cessante, o que
constitui um equívoco, pois, como demonstrado, ainda que sejam figuras muito
próximas, não são de todo iguais.
Vale ressaltar, ainda, que, quando da indenização
patrimonial sob o prisma da perda de oportunidade, o que se deve levar em conta
para a fixação do quantum é a chance em si, e não o que a vítima poderia
ter recebido; não se pode tencionar cobrir o eventual benefício perdido.
Quando se fala na indenização de um dano material
hipotético, incerto, muitas críticas são feitas pelos doutrinadores, seja em
função da fixação do quantum da reparação, ou justamente da incerteza de
um dano caracterizado como "patrimonial".
Sílvio de Salvo Venosa (2003, página 201), contudo, traz
exemplo de perda da chance que é, inclusive, indenizada hodiernamente, in
verbis:
"Quando nossos tribunais indenizam a morte do
filho menor com pensão para os pais até quando esse atingiria 25 anos de idade,
por exemplo, é porque presumem que nessa idade se casaria, constituiria família
própria e deixaria a casa paterna, não mais concorrendo para as despesas do
lar. Essa modalidade de reparação de dano é aplicação da teoria da perda da
chance".
Quanto à responsabilização do advogado pela perda da
chance, considera-se indenizável quando ocorre em função de atividade culposa
do advogado.
É o caso, por exemplo, da perda do prazo para contestar a
ação ou para interpor um recurso. Configura-se, aqui, obrigação de meio do
defensor, que responderá somente de provada sua imprudência como causa do
ocorrido, devendo a parte prová-la, quando proferir sua acusação.
Pode, contudo, o advogado ser responsabilizado pelo
incumprimento de uma obrigação de resultado, quando não entrega um parecer na
data pactuada ou não leva ao registro um ato constitutivo, e se obrigou a
fazê-lo. Deve a vítima, ainda, provar a culpa de seu patrono, podendo este se eximir
ao comprovar, por exemplo, que a parte não forneceu determinados dados, quando
se comprometeu a fornecê-los, ficando caracterizada sua culpa exclusiva para a
ocorrência do incumprimento por parte do advogado.
Desta forma, cabe ao interessado a comprovação da desídia
do profissional no exercício da atividade pactuada, para que haja dever de
reparação pela perda da chance.
A doutrina, contudo, diverge quanto à possibilidade (ou
não) de se indenizar a perda de uma chance, quando se tratar de prestação de
serviços advocatícios.
Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves são
favoráveis à indenização, pelo advogado, da perda da chance do cliente. A
primeira, inclusive, ao listar os motivos pelos quais pode ser o patrono
responsabilizado, estabelece, à página 287 de sua obra, a conduta culposa que
vier a resultar na perda de uma chance.
Rui Stocco (2004, página 490), contudo, mostra-se
contrário a esta forma de compensação de danos. O parágrafo a seguir explicita
tal idéia:
"Não há como admitir que outrem substitua o juiz
natural da causa para perscrutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de
valor a destempo sobre a ‘possibilidade’ de qual seria a sua decisão, caso a
ação fosse julgada e chegasse ao seu termo.
Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter a
reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir essa chance
de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele
favorável".
Filio-me aos primeiros argumentos referidos, com certas
restrições, no que tange à perda de prazo e à não interposição de recurso, por
parte do advogado, como ensejadoras de responsabilização pela perda de uma
chance.
Para que o procurador seja responsabilizado, deve haver
prova de sua desídia do trato com o cliente e seus interesses.
Assim, caso o cliente tencione responsabilizar o advogado
pela não interposição de um recurso, deve comprovar que o mesmo foi negligente.
Necessário lembrar, no que tange aos recursos em âmbito civil, que ele só pode
ser interposto se forem pagas as custas processuais, primeiramente. Ainda,
quando se trata de Justiça do Trabalho, deve-se proceder ao depósito recursal
(que corresponde ao valor determinado, pelo juiz, na sentença, observando-se
que, se a condenação ultrapassar R$ 4.401,76, este será o valor do depósito)
para que a parte possa recorrer da decisão que julgar errada. Logo, se
comprovado, nos casos citados, que o advogado cumpriu com seu dever de
informação, expondo tal situação à parte, e esta não efetuou os pagamentos
necessários, independentemente de seus motivos, não há que se falar em
responsabilização do procurador, uma vez que se caracteriza a culpa exclusiva
da vítima, excludente da responsabilidade civil.
Porém, em a parte demonstrando que a falta fora do
advogado (quer por omissão de informações, quer por negligência com a prestação
de seu serviço), que demonstrou a ele seu interesse em recorrer da decisão
monocrática, disponibilizando dos valores necessários, que o procurador nada
fez e, ainda, apresentando julgados que o levem a crer que aquela decisão seria
reformada pelo tribunal, há de se responsabilizar o procurador, devendo este
indenizar a parte pela perda da chance, sem prejuízo de outras verbas
indenizatórias que são comprovadamente devidas.
Ainda, em relação à crítica apresentada por Rui Stocco, de
que o não se pode indenizar o dano referente à perda da chance porque não há
como se aferir o quantum que poderia ser fixado pelo juiz natural da
causa, a título de reparação, pois sequer há como saber se o processo teria
resultado diverso, se a parte tivesse esgotado as chances que possuía. Vale
esclarecer, neste momento, que o que se perquire não é a compensação de todos
os valores que a parte ganharia se seu advogado houvesse se dedicado à ação,
como que se tivesse certeza de que o prejudicado venceria a demanda; pune-se,
isto sim, a desídia do advogado no trato com o cliente, ao desrespeitar o
mandato que firmaram e as instruções que lhe foram passadas pelo mandante.
Desta forma, a indenização não se calcula em função do
valor da causa, por exemplo, que a parte receberia quando do sucesso de sua
demanda; o quantum será fixado em função da perda da chance e da
negligência do procurador da parte.
Na busca de julgados a respeito do tema, encontram-se
muitos que tratam da responsabilidade civil do advogado e das verbas que o
mesmo está obrigado a indenizar. Porém, em sede de perda da chance, poucas são
as decisões a respeito da atividade advocatícia.
2.3 Jurisprudências
Conforme já referido anteriormente, a aplicação da teoria
da perda da chance à responsabilização do advogado é recente e, portanto,
difícil de encontrar em sede de doutrina e de jurisprudência. É o que se nota
da pesquisa efetuada, uma vez que foram encontrados apenas dois acórdãos
referindo esta forma de dano, com realização ao contrato de mandato firmado
entre cliente e advogado.
Assim, e, primeiramente, para melhor ilustrar a
responsabilização do patrono civilmente, quando atuar com desídia em suas
causas, importante observar as diretrizes traçadas pela construção jurisprudencial
brasileira:
Apelação cível. Responsabilidade civil. Advogado que
atua em reclamatória trabalhista. Insucesso na demanda não gera o dever de
indenizar. Dano moral não configurado. Recurso improvido.(TJRS. AP. Nº
70004631768. 2ª CC. REL. Des. Ney Wiedemann Neto).
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. SENTENÇA
DESFAVORÁVEL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE RESULTADO. AUSÊNCIA DO CAUSÍDICO À
AUDIÊNCIA.
Para fixar-se a responsabilidade civil do advogado o
juiz deve examinar a repercussão da omissão ou ato praticado e sua influência
no resultado da demanda. Ainda, deve verificar as possibilidades de êxito do
cliente. Confissão ficta aplicada em causa solvida em prova documental, exceto
quanto à ocorrência de justa causa para a despedida. Todavia, é sabido que o
depoimento pessoal, sem outros elementos, faz prova contra o depoente. Assim,
conclui-se que a omissão do advogado não acarretou o decaimento. Não
reconhecimento da responsabilidade civil. Recurso provido. (TJRS. AP. Nº
71000513929. 3ª trc-jec. REL. DES. MARIA JOSÉ SCHMITT SANTANNA).
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DEFICIENTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXIGÊNCIA DE PROVA DE DOLO OU
CULPA, ESTA GRAVE E INESCUSÁVEL A JUSTIFICAR RESPONSABILIZAÇÃO. A obrigação do
profissional do direito é de meio e não de resultado, dependendo a
responsabilidade civil da verificação de culpa (art. 159, do CC de 1916, e art.
14, § 4º, do CDC). Não havendo prova de que o profissional liberal haja obrado
com culpa grave, ou errado grosseiramente, não há se falar em
responsabilização. Não se tipifica desídia, negligência ou abandono da causa o
não uso de todos os recursos ou prazos processuais, quando os pertinentes foram
utilizados. Dir-se-á, inclusive, que a insistência, não raras vezes, provocando
retardamento do feito, pode até tipificar litigância temerária, quando então
sim poderia gerar responsabilização.
Apelação desprovida. (TJRS. AP. Nº 70008064180. 9ª CC.
REL. DES. MARILENE BONZANINI BERNARDI).
Como se pode notar, a jurisprudência tem analisado
cuidadosamente cada caso em concreto, para que não venha a prejudicar o
advogado, uma vez que a condenação acaba por denegrir sua imagem como
profissional.
Ainda, e no que tange à perda da chance, importante
analisar os dois acórdãos que seguem:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA
CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA
INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.
Tendo a advogada, contratada para a propositura e
acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de
atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem
atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma
decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de
chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir
negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916.
APELO DESPROVIDO.(TJRS.AP. Nº 70005473061. 9ª
cc. rel. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano).
apelação cível. civil e processual civil.
responsabilidade civil. dano material. perda de uma chance. ajuizamento de
demanda trabaLhista DEPOIS DE transcorrido o prazo prescricional. advogado
indicado pelo sindicato. culpa in eligendo.
Tendo o associado perdido a chance de ver sua pretensão
apreciada pela Justiça Obreira, em face do transcurso do prazo prescricional
para o ajuizamento da ação, decorrente da desídia do profissional indicado pelo
sindicato, deve a entidade de classe ser responsabilizada pelos prejuízos
originados pela perda da chance experimentada pelo autor. Responde o sindicato
por culpa in eligendo. Exegese do art. 1.521, inciso III, do CCB/1916. Ainda
que não houvesse obrigatoriedade de aceitação, era dever do sindicato a
fiscalização dos serviços prestados pelo advogado indicado. Apresentada a prova
de que o profissional estava autorizado a prestar os serviços para o associado,
era ônus do sindicato a prova quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC). Valores
buscados na demanda trabalhista, não-impugnados pelo requerido, que devem
servir de base para o quantum indenizatório.
APELO PROVIDO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.(TJRS.AP.
Nº 70006227599. 9ª cc. rEL. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano).
Em ambas as decisões a negligência do profissional gerou o
dever de indenizar, por danos materiais, à título de perda da chance. Contudo,
no segundo, não foi ao patrono que incumbiu a obrigação de compensar o dano
sofrido pela parte, mas sim do sindicato que o indicou a um de seus membros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade do advogado advém do mandato. A partir
do instrumento de mandato, o mandatário obriga-se a defender os interesses de
seu cliente, em juízo e fora dele, bem como a mantê-lo informado sobre o
desenvolvimento de sua ação.
O advogado responde civilmente pelos atos que praticar na
defesa dos interesses de seus clientes, se resultarem em dano para os mesmos,
quando decorrente de culpa ou dolo no exercício de sua profissão.
Assim, quando, por desídia sua, o advogado deixar de
atender a uma vontade de seu cliente, desde que esta seja juridicamente
possível de realizar, não ajuizando uma ação ou deixando de interpor recurso
para reformar sentença prejudicial a seu cliente, deverá ser obrigado a
indenizar a perda de uma chance, se restar provado que o resultado poderia ter
sido diverso, se o procurador tivesse agido com retidão no exercício de seu
ofício.
A indenização, pelo advogado, da perda da chance é tema
recente em nossos tribunais, encontrando-se poucas decisões a respeito. Deve-se
observar, a partir de então, o rumo que será tomado por nossos tribunais. Das
jurisprudências citadas, apenas uma trata da perda de uma chance a ser
indenizada pelo advogado, concedendo referida forma de indenização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Servidora
pública federal, bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa
Maria.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8250>. Acesso em: 08 ago. 2006.