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A teoria do furto de
bagagem e a Convenção Internacional de Varsóvia
Alberto Monteiro Alves *
O ano de 1.929 tinha na França o grande modelo, a língua,
a moeda, os costumes e a revolução como exemplos inspiradores. Poderemos
constatar esta influência até no nosso símbolo mais sagrado – a Bandeira
Nacional – quando contemplamos o mote "Ordem e Progresso", advindos
dos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade.
A avião já se incorporara
definitivamente entre os transportes utilizados. Os passageiros, em suas
bagagens, levavam apenas roupas e sapatos em pesadas malas, algumas malas-baús
eram fabricadas em madeira, aumentando consideravelmente o peso.
O Brasil, dentro deste espírito de inovação, assinou a
Convenção Internacional de Varsóvia (CIV), protegiam-se os passageiros,
bagagens e a empresa transportadora através de seguros, ou valores prefixados
em franco francês cuja indicação para bagagem extraviada corresponderia a
duzentos e cinqüenta francos por quilograma, correspondente a 65 ½ miligramas
de ouro por franco francês, salvo se houvera declaração de peso e valor de bagagem efetuados pelo contratante.
Assim, os constantes acidentes ou incidentes aeronáuticos
daquela época, quando os bimotores ou quadrimotores falhavam e necessitava-se
"aliviar o peso" do avião em vôo com o alijamento da bagagem surgiu,
então, a indenização prefixada que providencialmente salvava, também, a economia
da transportadora. Continua sendo, hoje, apontada pelas empresas aéreas a
prefixação da indenização que fogem à responsabilidade
de suas obrigações contratuais e extra-contratuais.
Hodiernamente, os acidentes e incidentes aeronáuticos são
raros, mas os desaparecimentos de bagagens são muito comuns. A necessidade de
competição exige uma diminuição de custos e a terceirização surge como forma de
diminuir o custo "mão-de-obra". Outro fator é o empobrecimento global
dos Países e a abertura das fronteiras que fizeram retornar os famosos
personagens do passado – os piratas – que atacam as "naves" em seus
portos.
Sob o pálio da CIV, vinham as
transportadoras buscar abrigo seguro para limitar a indenização (danos
materiais) aos valores das bagagens transportadas e roubadas aos seus olhos.
Ressaltando que hoje as bagagens não comportam somente roupas e sapatos mas também pequenos e caríssimos equipamentos.
Promulgada a Charta Magna, em 1988, e, dela,
nascendo o Código de Defesa do Consumidor, ambos
institutos protegendo o viajante, colocando na mesma categoria de consumidor,
faz aplicar, concomitantemente, a CIV com as Normas supervenientes, ou em
sentido muito estrito afastar a CIV para que não seja necessário emendar
a CR/88.
Diante deste histórico nasceram várias teses que sempre
deságuam numa triste realidade: a vergonhosa aplicação da tabela da CIV ou do
CBA.
Timidamente, a Corte Maior começou entender que uma
bagagem não voa sozinha, mãos são necessárias para levá-las, apesar das
esteiras que as transportam, ao desaparecimento.
O velho chavão do enriquecimento sem causa imposto pelos
poderosos aos fracos foi a maneira odiosa de afastar o
cálculo do art. 1.547 CC, uma vez que configurado para a calúnia e a injúria,
consiste na previsão legal para o dano latu sensu, salvo melhor
juízo.
Alguns Tribunais resolveram sugerir por tabelas o valor da
indenização, com base na média das condenações, ao argumento de que faltaria
uma previsão legal para orientar o dano. E para que existe dentro da norma
substantiva um dispositivo para calcular o reparo, se não é considerado? Dele
poderia nascer a determinação da mudança da multa penal máxima (5 vezes) para menos, ser calculada sem aplicação do dobro,
ao critério do julgador e segundo as possibilidades do apenado, conforme as
condições peculiares da ação.
Outra demonstração da força das empresas de Transporte
Aéreo está na exigência de ser apresentada declaração de valores a serem
transportados. O passageiro ao declarar o valor de sua bagagem será obrigado a
pagar um seguro para desonerar a empresa transportadora. Ora! isto ofende a Constituição e o CDC. É a cláusula típica de imposição pela parte forte à parte fraca (o
passageiro) do pagamento de um seguro que desobriga a transportadora (parte
forte) cujo preço da passagem já pressupõe este custo.
Desde a Constituição de 1946 está informado sob à repressão do abuso do poder econômico, que sucumbe ao
poder empresarial este importante preceito. A Constituição e o Código de Defesa
do Consumidor proíbem quaisquer cláusulas abusivas em relação ao consumidor e
invertem a ordem da prova, nesta relação.
Mesmo que haja declarado o valor é necessário provar–se
que os valores e os equipamentos guardam relação de veracidade. A obtenção de
tal relação se faz pela apresentação da nota fiscal. Logo, conclui-se que a
nota fiscal é um dos mais eficazes meios de prova para demonstrar o valor das
mercadorias transportadas no caso de extravio de bagagem para itens novos,
devendo aos valores apurados ser agregada uma parcela para as roupas e sapatos
usados. Aí sim, se e tão-somente se houver um desaparecimento haveria uma
relação de conteúdo tarifada para evitar o abuso.
Vejamos, também, que o próprio pagamento de tributos já
declara um valor que excede o valor de isenção alfandegária e vai muito além
das tarifas preconizadas na CIV e no CBA. Consignando, até por coerência, um
limite, este limite prender-se-ia como batente mínimo no mesmo valor da
isenção de tributos ou dos pagamentos realizados. Ninguém paga tributos por
que deseja realizá-los, o pagamento é imposto. Donde concluímos que
aquele valor preconizado na CIV ou no CBA ferem à
Norma Maior, o CDC e ao princípio informador da ordem econômica, social,
individual e coletiva.
A limitação de que trata o CBA, fixando em 150 (cento e
cinqüenta) BTN’s por passageiro deve ser considerada como não recepcionada pela
Norma Maior pois ferem mortalmente a CR/88, art. 5o,
XXXII, art. 170, V, e o CDC.
Apesar da prova documental dos gastos realizados tanto no
exterior quanto nos "duty free", estas notas fiscais não servem para
condená-las a repor o material adquirido. Albergam-se no argumento da
obediência à CIV ou CBA, que em última análise poderiam ser aplicadas em
comunhão com a Norma Constitucional e Infraconstitucional.
O desaparecimento de bagagem para estar sob o pálio dos Diploma Internacional e do CBA deveriam demonstrar
claramente um acidente ou incidente aeronáutico, mas, em 99% dos casos de
sumiço de bagagem nenhum acidente aconteceu. Vamos mais longe, sequer
apresentam um processo administrativo que pelo menos demonstrasse que o
"sumiço de bagagem" foi pesquisado.
Nenhuma prova as transportadoras trazem à luz dos autos de
um processo de indenização por sumiço de bagagem a não ser o velho refrão: -
oferecemos o valor da bagagem coberta pelo seguro obrigatório, conforme
determina a CIV ou o CBA.
Ilumina-se que tal valor é tão irrisório que sequer
bastará para comprar uma mala de viagem igual à desaparecida quanto mais
repor-lhe o recheio. E, para preservar o direito do viajante é que a CR/88, o CDC, os princípios e a Jurisprudência Pátria vem
reformulando, ainda que timidamente, um pouco da tendência protecionista que se
dá às grandes empresas.
A Constituição da República, em seu art. 21, XII,
"c", determina que compete à União explorar,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea,
aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária. Logo a transportadora presta
serviço público. Portanto a exploração dos transportes em geral traduz
atribuição privativa do Poder Público da União, posto que este serviço público
exclusivo, pode ser autorizado ao particular através
de autorização, concessão ou permissão.
Por sua vez o art. 37, § 6o, da Charta
Magna estabelece que "as pessoas jurídicas de direito público e as
de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa", isto ressaltado
pela terceirização de mão-de-obra que grassa no transporte aéreo.
Por força desta determinação da Constituição da República
a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras
de serviço público – no caso as empresas de transporte aéreo – a
responsabilidade delas é objetiva.
Pela teoria da
responsabilidade objetiva, quem lucra com o exercício de uma atividade, deve
indenizar o dano oriundo dessa atividade, a menos que comprove ter ocorrido
caso fortuito ou força maior.
Sobre isso não há
qualquer disceptação, de modo que tanto a Convenção de Varsóvia, em seu art. 20
e o Código Brasileiro de Aeronáutica estão derrogados, ou
seja estão parcialmente derrogados pela Constituição Federal que se
sobrepõe a eles caso se entenda que abraçaram a Teoria da Responsabilidade
Subjetiva (com culpa). E a tanto induz o art. 20 da Convenção de Varsóvia e o
art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica, este interpretado contrário
senso.
Ocorreu, pois o
fenômeno da não recepção, considerando que ambos os instrumentos legais são
anteriores à Magna Charta.(1)
A CR/88 estabeleceu como princípio e direito
fundamental a proteção do consumidor, determinando a elaboração do CDC,
conforme art. 48, dos ADCT.
Aqui está a demonstração da vontade e a necessidade de
renovar o Sistema. Como se sabe, os princípios são ordenações que
irradiam e imantam os sistemas de normas que são núcleos de condensações nos
quais confluem valores e bens constitucionais (Canotilho).
Antes da edição da Lei 8.078/90, a norma definidora
do direito e garantia fundamental do consumidor era programática e limitada, todavia
com a sua edição passou a ser norma reguladora do direito do consumidor e
integrante do ordenamento jurídico.
Com a inserção entre os direitos fundamentais da defesa do
consumidor à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais, a
consideração do art. 170, V, CR/88, que eleva a defesa do consumidor à
condição de princípio da ordem econômica, tudo somado, tem-se o
relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal
necessárias a assegurar a proteção prevista.
Quando no seu art. 5o, § 2o,
CF, preceitua não excluir outros direitos e garantias decorrentes do regime e
princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que o Brasil seja
parte, quer dizer que não excluirá os direitos da aplicação destes Tratados, mas,
também, não quis dizer que restringirá direitos consagrados na
Constituição.
Quando um tratado em que o Brasil pactuou confrontar a
nossa Constituição Federal, a solução é não se recepcionar o tratado na ordem
jurídica interna ou mudar-se a Norma Constitucional. Para nós, é inconcebível
um Tratado Internacional sobrepor-se à Charta Mãe, à soberania do País,
aos seus costumes e às gentes, enfim, sobrepor-se aos Direitos e Garantias
Individuais dos Nacionais.
As leis recepcionadas pela Constituição da República, dizem respeito somente aquilo que não firam a própria Norma
Mãe. Quanto ao artigo 178, dispõe que a lei estabelecerá as
condições em que o transporte de mercadorias …
atendidos os princípios de reciprocidade.
Ao acatar que o CIV e CBA afastam os danos material e
moral, a força dessas normas contraria o aresto do nosso c. STF,
salvo melhor juízo:
Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e
Moral. Não ofende a CF
Depois, para justificar a perda material, fartamente comprovada
pelas notas fiscais, débitos em conta de cartão de crédito, pagamentos de
táxis, de impostos, pagamentos de excesso de bagagem, taxas de uso de aeroporto
etc., fundamentam as empresas com o art. 248 c/c o 262. O primeiro para limitar
o valor da indenização e o outro para se fazer aplicar a Convenção de Varsóvia
e o CBA, se não vejamos, o que diz o Mestre Ricardo Alvarenga, da UFMG, e
Diretor Jurídico da Líder Táxi Aéreo:
Mais recentemente, no entanto, a
jurisprudência emanada de alguns pretórios estaduais vem se inclinando a
fazer vistas grossas de normas contempladas em diplomas de
direito internacional privado, quando em detrimento de legislação interna,
especialmente quanto a: overbooking; desaparecimento de bagagem(2); e atraso ou o cancelamento de vôos.…
É evidente que o Código de Defesa do Consumidor é, também, aplicável à
matéria, em harmonia com o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), naquilo que
não contraria a Norma Maior, pois o serviço de transporte aéreo não pode ser
contemplado como exceção aos demais. O usuário é equiparado ao consumidor e a
companhia aérea deverá responder por abusos praticados, como qualquer outro
fornecedor de serviços(3).
A responsabilidade prevista no art. 159 CC, depois de
considerada amparada pelo seu reconhecimento Constitucional e no CDC, vem
fortalecer a alegação da culpa das transportadoras que se escusam em reparar e
indenizar aos seus passageiros (consumidores) da forma preconizada na ordem
jurídica, vejamos:
A
Responsabilidade Civil.
Agindo com dolo ou culpa, o causador de um dano fica obrigado à sua reparação,
é responsável civilmente. A responsabilidade civil é independente da
responsabilidade criminal. O ilícito pode não chegar a ser um crime, sem
deixar, todavia, de ser um delito civil. Três teorias disputam o fundamento
dessa reparação: a subjetiva, a objetiva e a do risco. A teoria subjetiva
impõe a reparação sempre que se possa provar a culpa lato sensu do agente. Pela
teoria da responsabilidade objetiva, quem lucra com o exercício de uma
atividade, deve indenizar o dano oriundo dessa atividade, a menos que comprove
ter ocorrido caso fortuito ou força maior. Pela teoria do risco nem
mesmo essa prova se faz necessária, porque ela sustenta que todos assumem os
riscos das atividades que exercem, quem lucra paga o
risco necessário à produção desse lucro. (4)
O furto existe, pois não poderá um volume desaparecer
sozinho. Existem grandes redes de piratas que atacam os armazéns, depósitos e
até mesmo a pista dos aeroportos para subtraírem os volumes desacompanhados. Na
inspeção federal, no exame de Raios X, nas filas dos bancos poderá existir um
informante para apontar o volume objeto da cobiça.
Não interessa às transportadoras mudar esta configuração,
mesmo porque até pouco tempo, obtinham o reconhecimento da aplicabilidade da
CIV ou do CBA. Hoje, com advento Código de Defesa do
Consumidor, temos a formação dos primeiros passos que farão mudar o
costume.
CDC – Lei
8.078, de 11.9.1990
Art. 14. O fornecedor de
serviços responde, independentemente, da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
Já se afastam a CIV e o CBA para que haja uma condenação
baseada no extravio da bagagem pela transportadora. O fato tipificado do furto
permite esta condenação, pelo extravio de bagagem, não se levando em
consideração outros argumentos. Vejamos as jurisprudências já formadas a esse
respeito:
Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e
Moral. Não ofende a CF
BAASP 1834/Sup/04.- Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de
extravio em terra, além de não estar relacionada com acidente. Responde a
transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a
indenização tarifada da lei nº 7.565/86, prevista para acidente aéreo.
Interpretação que também se harmoniza com o direito do consumidor. Ação
procedente. Ap. nº 548.098-4, Bol. 58, I/TACSP. (5)
"Responsabilidade Civil – Transporte
Aéreo Internacional – Extravio de Bagagem – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Na atualidade tem-se firmado o correto entendimento no sentido da
inaplicabilidade do CIV para a solução das questões relativas ao extravio de
bagagens, prevalecendo as regras do Direito Comum, aí incluídas as do Código
Civil e as do Código de Defesa do Consumidor. Correto o entendimento
jurisprudencial de se deferir de forma integral, a indenização, em não havendo
acidente, vale dizer, quando a empresa de transporte aéreo não sofreu qualquer
prejuízo. A razão disto é, justamente, evitar o enriquecimento ilícito pela
mera alegação de que a mercadoria transportada não chegou ao destino, com
pagamento de indenização inferior ao prejuízo efetivamente suportado por aquele
que contratou o transporte a responsabilidade limitada, segundo as disposições
do CBA, fica, assim, restrita às hipóteses de ocorrência do risco do transporte
aéreo, quando a transportadora também arca com prejuízos, com o que se dá
interpretação não vedada pela liberalidade das disposições contidas nesse
Diploma Legal (JTACSP 146/112) (1o Colégio Recursal de São Paulo
–JECSP – Rec. 1.796 – rel. Torres Garcia – j. 7.3.96 – RJEsp – Fiuza
Editores/SP – vol. I, jul-set/96, p.45)".
As transportadoras trombeteiam aos quatro cantos que devem
ser aplicadas a CIV ou o CBA, devendo o passageiro declarar o valor da bagagem
para via indireta exonerar a transportadora de dispor do pagamento de reparo e
indenização, pois, assim procedendo ele, consumidor, suportará o pagamento do
seguro que onerará, ainda mais, o custo de seu transporte. Coloca em letras
garrafais que o extravio da bagagem se regulará pela CIV ou pelo CBA, mas não
esclarece com letras do mesmo tamanho que o seguro pela declaração de bagagem
correrá por conta do passageiro. Que será necessário apresentar notas fiscais e
relação detalhada do conteúdo da bagagem, inclusive com o preço de cada artigo.
A norma contratual que ofende os preceitos legais são tidas como não escritas, esta é uma delas.
Se o furto acontece é porque se privilegiou uma empresa a
despeito dos princípios da ordem econômica já declarados
desde a Constituição de 1946. O extravio em solo, sinônimo de furto, acontece
porque não se aplicaram efetivamente a norma substantiva que determina o reparo
e a indenização. Quanto mais agressiva for a
condenação maior será o cuidado para que não se exponha o passageiro
(consumidor) ao desespero de perder toda suas economias, todos os seus sonhos
ao abrigo de uma indenização material que, em dias atuais, já está enxotada
pela Constituição e Código de Defesa do Consumidor e cujo valor não lhe repõe,
sequer a possibilidade de adquirir uma nova valise.
A tipificação criminal do extravio da bagagem em solo
consigna o reconhecimento do fato criminoso. A via de reparo e indenização pelo
ato delituoso é o art. 159 CC, que não admite isenções ou divagações sobre a
sua aplicabilidade. Não se afasta o CDC, também, ao argumento de que deveria
haver sido feita uma relação detalhada dos bens transportados, principalmente
quando se demonstra o conteúdo de um ou mais volumes através de notas fiscais,
pagamentos de impostos, taxas etc.
Diante da evidência destas provas documentais não poderão
subsistir argumentos que lhe afastem o reconhecimento do dano material e moral.
Aliás o brocardo latino "furtum sine dolo malo
non committitur", (não se comete furto sem dolo mau), socorre aqueles
que tiveram as bagagens extraviadas, desaparecidas, furtadas, sumidas etc.,
pois, o dolo está presente quando não se pretende vigiar adequadamente o bem
depositado à vigilância da transportadora.
Concluímos que diante desta teoria que considera o
extravio de bagagem como furto, quando não demonstrado que houve um acidente ou
incidente aeronáutico, fica afastada a CIV ou CBA para
serem aplicados os CDC e o CC.
Já em relação ao dano material, este poderá ser aplicado
concomitantemente com a CIV ou CBA, uma vez que já disse o c. STF, em recente
jurisprudência que o reconhecimento do dano material e moral não ofende aqueles diplomas.
Faltando definir somente, então, via fatos informadores da
questão se aplicada a Convenção Internacional de Varsóvia, em caso de acidente
aeronáutico ou incidente aeronáutico, se há de subsistir os valores
determinados naquele velho e ultrapassado diploma, protegendo a empresa
transportadora pela própria norma que exige um seguro que lhe ampara, e
independentemente das outras normas, ou, se os modernos sistemas protetores do
consumidor deverão ser ouvidos.
A diversidade de valores internacionais não dão uma base
para estipular-se segundo à média, vista que o dano
moral na Alemanha é extremamente baixo enquanto nos EUA são extremamente
elevados. Porém, em sede nacional ainda estamos muito longe de adquirir uma
cultura que protege o consumidor, ele é visto como inimigo mortal da ordem
econômica, pois, gerará, quando consome, inflação e quando exige qualidade um
apologista das coisas estrangeiras em detrimento da industria
nacional que parou no tempo devido a proteção desmedida dada a sua natureza
colonial.
O entendimento que buscamos conclusão deste tema está
calcado no evento acidente ou incidente, existindo o acidente ou incidente é
plausível o reconhecimento dos diplomas Internacional e Nacional, porque a
transportadora sofre, também, pesados prejuízos.
Não existindo acidente é imperioso reconhecer a
aplicabilidade da Norma Constitucional e do CDC afastando-se a CIV ou o CBA,
até porque irá interferir na soberania, na dignidade e na supremacia de nossa
gente e justiça. A inaplicabilidade do CDC dará ensejo ao enriquecimento sem
causa, ao desrespeito da consideração da norma que estabeleceu preceito de
ordem econômica e social.
Em última análise, poderão coexistir aplicados
concomitantemente a CIV/CBA com o CDC, se se conferir validade aos princípios
que informam este último, para afastarem os limites impostos na CIV/CBA no caso
de falta de acidente/incidente aeronáutico e reconhecerem legítima a dor de
quem enfrenta o extravio de bagagem, nas asas dos transportadores.
Quanto vale além do objeto material, o desconforto de não
poder gozar do bem adquirido? De não ver o sorriso de mãe, da mulher ou marido,
dos filhos de não poderem abrir um presente comprado, às vezes, até em
detrimento de sua alimentação? Quanto vale um sonho de montar um negócio
próprio por terem subtraído o volume que continha o equipamento comprado à duras penas?
Não poderemos pactuar com a isenção de reparo material ao
argumento de que o passageiro não preencheu a declaração de bagagem, vista que
irá onerar o custo de sua viagem com mais um seguro que só beneficia o
transportador. O Código de Defesa do Consumidor exige que este apenas apresente
prova de que o material existia, a declaração, apenas ratifica o documento
fiscal do material transportado. É, a nosso ver, a prova da prova, a
imoralidade do ato permissionário da transportadora com o agente que praticou o
crime, acobertado por uma isenção protecionista em detrimento da parte fraca.
Assim a condenação pelo dano material se faz necessária e urgente, com vistas a
melhorar os serviços e dar garantia palpável ao consumidor, tanto quanto o
reconhecimento do dano moral pelo constrangimento, ansiedade, pelos momentos
difíceis, pela imprevisão, pela dor e tristeza que abate qualquer ser humano
defronte do fato denominado perda.
Jurisprudência Atual do Dano Moral
Apelação Cível n.º 287.048-6 - VARIG S/A x Rogério Silva Gama - Belo
Horizonte - TAMG - 4a T., j. em 22.9.99:
EMENTA:
INDENIZAÇÃO - TRANSPORTE AÉREO - BAGAGEM - EXTRAVIO - CONVENÇÃO INTERNACIONAL.
O extravio de
bagagem gera o dever indenizatório ao transportador aéreo, sendo a indenização
limitada ao valor estabelecido no Código Brasileiro do Ar, em consonância com a
Convenção de Varsóvia da qual o Brasil é signatário, prevalecendo a norma especial sobre as normas ordinárias.
Tal tarifação,
entretanto, não exclui a indenização dos danos morais, garantida de forma
autônoma pelo texto constitucional . Apelo do autor
provido em parte.
Em recente decisão do STJ, Resp 235.678, para o ministro
Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo, entendeu que a limitação no valor da
indenização estipulada em convenções internacionais sobre o transporte aéreo
está em desacordo com o Decreto 2.681 de 1912 que definiu os princípios da
responsabilidade civil do transportador. "Mudaram as condições técnicas de
segurança de vôo e também se modificaram as normas que protegem o usuário dos
serviços prestados pelo transportador". (in Notícias do Superior do
Tribunal de Justiça - em 13.12.1999).
Agora além do dano moral aceito, ainda timidamente, temos
finalmente o reconhecimento do dano material. Repetindo: "bagagens não
desaparecem sozinhas … são necessários mãos."
NOTAS
2. Grifo e negritos nosso!
4. Enciclopédia Eletrônica Jurídica Leib Soibelman,
RJ, SARAIVA, 1998.
5. Negritos nosso.
* Advogado
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=652>. Acesso em: 08 ago. 2006.