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A introdução da
doutrina norte-americana do "punitive damage" no sistema jurídico
brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais
Paulo Henrique
Cremoneze Pacheco *
O Dano Moral
Enquanto Elemento Difusor da Cidadania
O dano moral encontra-se
previsto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, cuja dicção é a
seguinte:
V – é assegurado o direito
de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem;
X – são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;
O ordenamento jurídico
brasileiro reconhece a indenização por dano moral, considerando tema de status
constitucional, mais precisamente, direito fundamental.
Nem sempre foi assim. No
mundo como um todo, somente os danos patrimoniais eram sujeitos a reparação,
tratando-se de um dos princípios fundamentais do Direito, "neminen
laedere".
Com o passar dos tempos, as
sociedades mais desenvolvidas e melhor politicamente organizadas, passaram a
exigir tratamento especial aos danos morais, tornando-se estes também danos
juridicamente reparáveis.
Um século a mais foi
necessário para que o Direito brasileiro viesse a consagrar a tese dos danos
morais. Enquanto a maioria dos povos ocidentais já reconhecia a indenização dos
danos morais, o Brasil ainda resistia a sua inserção no ordenamento jurídico
pátrio.
Atraso que se revelou
fatal, uma vez que desaguou num duro golpe ao reconhecimento, eficácia e tutela
dos chamados direitos civis e a própria idéia de cidadania do
povo brasileiro. Talvez visando compensar tão lamentável atraso é que o
legislador constituinte houve por bem inserir a tese dos danos morais na
Constituição Federal de
Em virtude da dificuldade
de se considerar a reparabilidade dos danos morais, o Brasil, que, em
princípio, não continha regras específicas sobre o tema, permitiu a
disseminação de uma inteligência jurídica deformada, no sentido de que,
num mesmo caso concreto, o dano moral não poderia ser cumulado com o
dano material, ainda que assim reclamasse o respectivo suporte fático.
Desnecessário dizer que esta forma de encarar o tema só fez dificultar a
aplicação da tese dos danos morais no cotidiano jurídico brasileiro.
Hoje, felizmente, já não
mais se discute acerca da possibilidade de se cumular indenizações por dano
material e dano moral decorrentes do mesmo fato. Trata-se de questão pacificada
pelo enunciado de Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça, que diz:
37. São cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Pois bem, como já
mencionado, mesmo antes da entrada em vigor da Constituição Federal e a par de
todo atraso em relação a outros povos e das dificuldades de sua efetiva aplicação,
o ordenamento jurídico brasileiro já reconhecia a figura do dano moral, ainda
que lhe faltasse uma normatização mais expressa e melhor delineada.
Uma das soluções dos
operadores e estudiosos do Direito entusiastas da tese, era o socorro, no plano
genérico, ao artigo 159, primeira parte, do Código Civil:
Art. 159. Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Pelas letras do referido
artigo, o Código Civil brasileiro adotou o princípio da culpa como fundamento
genérico da responsabilidade.
Não se pode esquecer,
ainda, o disposto no artigo 76 do mesmo Código Civil, também fundamento
genérico da indenização por dano moral, que diz:
Art. 76. Para propor, ou
contestar ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.
Mas, fácil perceber, era
muito pouco para que se pudesse instalar definitivamente a cultura jurídica
dos danos morais no país.
Paulatinamente, a
legislação extravagante foi apresentando as primeiras manifestações expressas
acerca da indenização por danos morais.
No Código Brasileiro de
Telecomunicações, Lei Federal nº 4.417/62, em seu artigo 84, por exemplo, há
referência explícita ao dano moral, oferecendo importantes critérios para a
fixação do mesmo. A Lei Federal nº 5.250/67, que trata da Lei de Imprensa,
também prevê expressamente o direito público subjetivo a indenização por dano
moral.
Não obstante, o dano moral
continuou sendo visto como uma questão tormentosa, dada, repita-se, a
dificuldade de se provar a culpa do ofensor e o efetivo dano sofrido pela
vítima (e a avaliação da indenização em si).
Com o advento da
Constituição Federal, a questão do dano moral começou a ser repensada pelos
operadores e estudiosos do Direito brasileiro.
Sendo a moral, assim como a
intimidade das pessoas, um direito fundamental, vozes poderosas começaram a
reclamar um tratamento diferenciado para as questões jurídicas envolvendo estes
dois importantes valores.
O princípio da culpa
começou a ceder espaço para outro, o princípio da culpa presumida.
Inevitável, pois, o choque entre o clássico e a vanguarda.
E não poderia ser
diferente, dada a singular importância do tema. Nelson Nery Júnior (1),
por exemplo, assim discorre:
"A ofensa à
honra, liberdade ou intimidade das pessoas enseja a indenização por dano moral
e patrimonial. Trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva, porquanto a
norma não prevê conduta para que haja o dever de indenizar."
Assim, o dano moral passou
a ser visto com as lentes da Constituição Federal e a ser tratado conforme os
ditames da responsabilidade objetiva, notadamente mais benéfica aos
interesses da vítima.
O Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, verdadeiro braço armado da Constituição Federal, diploma legal
da cidadania, lançou novas luzes sobre o tema e, com elas, a esperança de uma
verdadeira revolução no modo de pensar dos operadores e estudiosos do Direito
brasileiro.
Com efeito, às relações com
o signo consumerista, o legislador infraconstitucional não só
disciplinou a responsabilidade objetiva do produtor e do prestador de serviços
como fez presumido o dano moral.
Aos entusiastas do tema
dano moral nada poderia ser melhor, tendo-se em conta que boa parte dos
injustos de tal natureza ocorrem nas relações de consumo.
Aos poucos, as indenizações
por dano moral começaram a aparecer, ainda que timidamente nos foros e
Tribunais pátrios, seja em razão de relações de consumo frustradas, seja em
virtude de causas diversas.
A discussão deixou de ser
em relação a incidência ou a instrumentalização do dano moral, passando, então,
a se fixar num antigo problema: o "quantum" indenizatório.
Mesmo vestindo, em muitos
casos, a capa da responsabilidade objetiva, a questão do "quantum"
não perdeu sua elevada carga de subjetividade, dadas as dificuldades inerentes
a sua fixação.
Reside aí o objeto do nosso
modesto estudo.
Em 30 de outubro de 1997,
ocorreu
Por unanimidade, os
participantes do encontro apresentaram a seguinte conclusão, identificada como
conclusão 11:
"Na fixação
do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art.
1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e
razoabilidade na apuração do "quantum", atendidas as condições do
ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado."
Aparentemente, a conclusão
acima é capaz de satisfazer as necessidades dos operadores do Direito,
tratando-se de um bom critério para a fixação do "quantum"
indenizatório.
Apenas aparentemente.
O problema não está na conclusão 11, mas na conclusão que a precede, a número
10:
"À indenização
por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório."
Desnecessário que dizer que
a conclusão 10 informa a 11, viciando sua interpretação e tornando sem sentido
os alegados critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Ousamos discordar da
conclusão 10 porque entendemos absurda a inteligência de que a indenização por
danos morais deve ter caráter compensatório (ou melhor, apenas compensatório).
Entender que a indenização
por danos morais deve limitar-se ao caráter compensatório é o mesmo que negar
a eficácia jurídico-social dos danos morais.
Com efeito, mais importante
do que compensar a vítima, os danos morais servem, ou deveriam servir, para punir
o ofensor. É a rigorosa penalização do ofensor que deve ser levada em conta
quando da procedência de um pedido de indenização por danos morais, fixando-se
o "quantum", aí, sim, conforme a mencionada conclusão 11, de tal
sorte que, quanto mais rico e poderoso for o ofensor, maior deverá ser a
indenização.
Não obstante, por motivos
ignorados e incompreensíveis, os Tribunais brasileiros, de uma forma geral,
aplicam o direito de forma diversa, emprestando à avaliação do dano moral
inteligência tímida.
Com todo o respeito, é fato
notório que os Tribunais brasileiros ainda estão perdidos na clássica divisão
do Direito em público e privado, esquecendo-se que hoje, em plena era dos
direitos de terceira geração, todos os direitos têm o signo publicista, não
mais havendo que se falar em direito exclusivamente privado, dada a natureza
altruística que se vem instaurando no ambiente jurídico, sendo, no Brasil, o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o melhor exemplo desta nova
mentalidade jurídica.
Logo, ao avaliar o dano
moral, é extremamente relevante ter-se em conta o fator "desestímulo"
do ofensor, a punição visando a pacificação social, a difusão da cidadania e a
transformação dos comportamentos.
A avaliação dos danos
morais é tema que permite ao juiz bailar sobre o ordenamento jurídico, longe de
mármores mas próximo do sentimento de fazer verdadeiramente a Justiça. E fazer
justiça é, sobretudo, punir quem ofende outrem e o próprio sistema legal.
Somente com a interpretação arejada do juiz, o verdadeiro intérprete da lei, a
questão será devidamente abordada e, com ela, aparados os eventuais exageros, o
bem-estar social.
E nem se diga que os
possíveis abusos, excessos de sensibilidades ou demandas aventureiras poderão
se aproveitar maliciosamente desta nova interpretação, pois contra a litigância
de má-fé, a postulação impertinente, tem o juiz instrumentos de sobra para o
combate, distribuindo a justiça na sua exata medida.
Por isso é que ora se
afirma que talvez em nenhuma outra matéria o arbítrio prudente e sábio do juiz
tem especial guarida e importância, razão pela qual ora se registra, com
respeito mas contundentemente, pela timidez dos dias correntes, críticas à
forma pela quais os Tribunais tratam a avaliação do dano moral no país.
Sobre o assunto, convém
lembrar o lúcido entendimento o Desembargador e Professor paulista, José Osório
de Azevedo Júnior (2), que assim vaticina:
"A
Jurisprudência é engraçada; às vezes, ela vai além da doutrina, outras vezes
ela fica para trás. Numa outra matéria que eu tenho estudado bastante, que é o
Compromisso de Compra e Venda, por exemplo, a Jurisprudência construiu
praticamente tudo, em grande parte à revelia dos doutos. Aqui neste campo do
dano moral, deu-se o contrário: a Doutrina recomendava, mas o juiz não
concedia. Por que essa timidez? Eu vejo dois motivos. O primeiro, creio, é
fruto de um positivismo jurídico exacerbado. Foram gerações de juízes formados
numa linha muito positivista, só de enxergar o texto expresso da lei. Como
disse Mário Moacir Porto, é o "juiz São Tomé", que só acredita
naquilo que vê escrito e expresso. Para superar o positivismo jurídico
tradicional não é preciso apelar para o direito natural. Um positivismo crítico
que se valha dos princípios que estão disseminados pela ordem jurídica teria,
por certo, sido mais fértil.
"Mas o fato é
que, nesse período, dominava os espíritos um positivismo exacerbado. Um segundo
ponto, que eu acho bem objetivo, está na dificuldade de avaliar o dano moral.
Como isso é muito difícil, o juiz fica tentado a não avançar. "É melhor
parar por aqui, nem chegar à execução". É a consequência daquele argumento
da tese negativista, segundo o qual é impossível mensurar e avaliar a for
moral."
Não é difícil notar o tom
crítico emprestado pelo culto Professor. Afinal, as dificuldades existem
exatamente para serem transpostas e o positivismo exacerbado é um mal que precisa
ser urgentemente reparado no Direito brasileiro, sob pena de se ter um sistema
legal de ficção e um Poder Judiciário que não reflete sobre Direito,
limitando-se a mera aplicação formal e literal da lei.
Daí, o equívoco de se
enxergar na indenização por dano moral caráter meramente compensatório. O
excesso de prudência do Poder Judiciário, pode ser traduzido como medo de
refletir o Direito e, a partir desta reflexão, aplicar as normas jurídicas
consoante o princípio, encartado na Lei de Introdução ao Código Civil, de que
elas devem ser, sempre, aplicadas com vistas ao seu fim social.
Aqueles que são contrários
a não indenizabilidade do dano moral defendem ser imoral exigir-se dinheiro por
uma ofensa moral ou violação da intimidade. Ao passo que os defensores de
indenizações de pequeno valor econômico alardeiam pânico e terror quanto a
eventual criação de uma indústria de indenizações ou, ainda, que os reclamantes
pleiteiam valores que jamais alcançaram na vida por outros meios, normais e
lícitos.
Estes argumentos são frutos
da já comentada deformidade de pensamento acerca do instituto "dano
moral", ou, ainda, decorrem da falta de reflexão, inteligência sistêmica,
do ordenamento jurídico.
Ora, nada há de imoral em
exigir dinheiro por uma ofensa a moral ou a intimidade, como também nada há de
errado em se receber elevada fortuna, pois o lamentável estado de vítima não
tem preço.
Em relação ao caso
específico dos danos morais, é possível enxergar o vício em sua fonte, qual
seja, a natureza compensatória dos mesmos.
Já é tempo de se ver a
natureza punitiva dos danos morais. Aos que acham imoral receber dinheiro por
dano moral, cabe a ressalva de que é ainda mais imoral deixar o dano
irressarcido ou ressarcido de forma pífia, permitindo a odiosa impunidade do
causador do dano.
Tão ou mais importante do
que a compensação da vítima é a punição, concreta, efetiva e rigorosa, do
causador do dano.
Quem causa um dano moral
tem de ser efetivamente punido pelo injusto causado, e punido de tal forma que
ele, o ofensor, sinta o peso negativo da sua conduta, servindo a condenação,
ainda, como exemplo a fim de intimidar eventuais ofensores ou mesmo motivar a
mudança comportamental.
Sendo impossível mensurar a
honra de uma pessoa, é sem sentido imaginar uma indenização por dano moral
apenas em caráter compensatório, haja vista que a compensação pelo injusto
sofrido não advém do "quantum" recebido pela vítima, mas, sim, da
condenação em si.
À vítima, basta a
condenação judicial do ofensor para seu conforto espiritual, posto que a sua
moral não tem preço. Um real não é pouco nem um milhão de reais é muito, dada a
já comentada natureza subjetiva que se esconde por detrás da questão do dano
moral e que é, sem dúvida, seu elemento mais complexo, seu ponto nevrálgico.
Compensação existe no plano
material, em que se pode mensurar os prejuízos materiais da vítima pelos danos
causados pelo ofensor. Conforme o caso concreto, além de reparar os prejuízos
decorrentes da sua incúria procedimental, o ofensor se vê obrigado a indenizar
a vítima por outras somas, estipuladas por critérios objetivos e com base nos
prejuízos materiais, como o caso dos chamados lucros cessantes, a compensação
por excelência.
Logo, coerente a afirmação
ora sustentada que, na arena do dano moral, a compensação da vítima existe no
exato momento em que o Estado-juiz reconhece a injusta violação do seu direito,
condenando expressamente o ofensor. O "quantum" recebido à guisa de
indenização não perde a essência compensatória mas também não se limita
exclusivamente a ela, uma vez que sua mais importante característica é a
punição, ou seja, a natureza punitiva.
Nesse sentido, já tarda o
momento de se introduzir no Brasil a doutrina norte-americana do "punitive
damage" e sua co-irmã, a "exemplary damage", às vezes chamadas
no direito pátrio, sem muit rigor científico, de teoria do desestímulo.
A cartilha da doutrina do
"punitive damage" é simples e bastante eficaz. Segundo suas letras, o
causador do injusto, dos danos materiais e especialmente morais, tem de ser
efetivamente punido. A título de punição ou a título exemplar, a
"exemplary damage", o fato é que o causador do dano não pode passar
impune por sua conduta ilícita.
Pune-se com rigor o
causador do dano, sendo esta punição, aquilatada em dinheiro, diretamente
voltada à vítima (nada mais justo, de sublinhar). Em alguns casos, além da
vítima, instituições de caridade podem ser premiadas com a punição do ofensor.
Nunca é demais repetir: à
vítima, a compensação nasce da condenação do ofensor. Assim, nesse sentido,
tanto faz um real como um milhão de reais, já que a moral, a honra e a
intimidade da pessoa são bens imateriais, que não têm valor econômico. Não
obstante, para que a condenação do ofensor tenha algum valor jurídico, é mister
que a indenização seja fixada em valor respeitável, elevado mesmo, para que o
ofensor sinta, concretamente, os efeitos do injusto, tendo sua punição, também,
natureza exemplar ("exemplary damage").
Desnecessário dizer que o
apregoado critério punitivo não poderá deixar de considerar a fortuna
patrimonial do ofensor. Quanto maior esta for, maior deverá ser a indenização,
para que esta possa surtir algum efeito prático. Indenizações de pequena monta
não constituem punição alguma ao ofensor abastado.
Com o fenômeno da
"exemplary damage", a indenização por dano moral também atende o fim
social de que trata a Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que,
supostamente, influenciará os demais membros da sociedade a não praticarem
eventos danosos similares aos cometidos pelo ofensor e devidamente punidos pelo
Estado-juiz.
E nem se diga, com
críticas, a eventual e, alegadamente imoral, compensação financeira da vítima,
ou, como preferem alguns, o enriquecimento da vítima. Ora, se este eventual
enriquecimento ocorrer nada mais será do que mero desdobramento da punição do
ofensor, algo, portanto, perfeitamente justo.
Mesmo que se queira
emprestar a natureza compensatória ao dano moral, esta só poderá existir se não
excluir a natureza punitiva, tendo-se em conta que o acrescimento patrimonial
do ofendido não será exatamente uma compensação, mas o exercício pleno da
Justiça.
Assim, põe-se verdadeira pá
de cal no argumento daqueles que entendem ser imoral ganhar algum ou muito
dinheiro a partir de um evento típico de dano moral.
Mais imoral do que
indenizar o dano moral é deixar o dano irressarcido, é deixar o causador do
dano impune. Um autor italiano deu uma explicação muito boa. É um equívoco ver
imoralidade na exigência de uma indenização por dano moral. O que é imoral é
trocar a honra por dinheiro, é vender amor e ceder amor em troca de dinheiro,
isso sim é imoral. Mas não é absolutamente imoral receber-se algum dinheiro
porque a honra foi violada. Se está defendendo a honra e não praticando um ato
imoral. É que, se é verdade que a dor não tem preço, também é verdade que algum
valor pecuniário ajuda a amenizar essa dor. O dinheiro sozinho é evidente que
não dá a felicidade, mas que ele ajuda a criar uma situação mais favorável para
se enfrentar a dor, não há a menor dúvida. (3)
Daí, a conclusão imperativa
que, observado o critério da proporcionalidade (conforme a citada conclusão
11), desta feita com as lentes do "punitive damage", ao lado da
natureza compensatória, o valor da indenização deve ser razoavelmente
expressivo, para que não seja apenas simbólico, promovendo, às avessas, a
injustiça.
Em síntese: para que se
compense efetivamente a vítima e, ao mesmo tempo, se tenha exemplarmente punido
o injusto do ofensor, é necessário que a indenização por dano moral venha a
pesar no seu bolso, servindo à ele e à sociedade, como um poderoso fator de
desestímulo.
De se notar que o badalo do
sino toca dos dois lados. Arrojar, aplicar o sistema jurídico com coragem,
verdadeiro espírito de Justiça e determinação, não significa falta de bom senso
e de comedimento, como também não importa desvirtuamento do instituto, pois aí,
sim, poderia gerar o defeso enriquecimento indevido.
E por mais pesada e
punitiva que deva ser a sanção do ofensor, notadamente quando pessoa jurídica,
prestadora de serviços, esta não poderá, a rigor, ensejar a quebra da empresa
ofensora, pois do contrário estaria por incentivar o choque com outras
importantes teses jurídicas, como a conhecida teoria da preservação da empresa.
Importante é conferir
natureza e caráter punitivos ao dano moral, pois, dados estes, correta será a
avaliação do "quantum" da indenização definitiva, emprestando à mesma
qualidade exemplar, levando, a um só golpe, Justiça à vítima e, o que tão
importante quanto, senso de cidadania a sociedade.
Basta lembrar o exemplo
norte-americano. Exageros eventuais à parte, diga-se, a infeliz indústria das
indenizações que ora começa a ser desfeita, o fato é que a luta pelos direitos
civis norte-americanos foi construída e vencida com base nas pesadas
indenizações dadas pelo Poder Judiciário.
Concomitantemente, o
direito consumerista foi impulsionado com as indenizações judiciais e, com
estas, o nascimento de uma mentalidade de respeito máximo a figura do
consumidor e ao próprio sistema jurídico e judiciário.
Tudo por conta e ordem do
"punitive damage", que, urgentemente, deve ser introduzido no Brasil,
senão por norma específica própria, ao menos pela analogia ou, mesmo, o Direito
comparado.
Da mesma forma que o
Professor Rubens Requião conseguiu introduzir no Brasil, a partir dos anos
setenta do século passado, a tese da desconsideração da personalidade jurídica,
aplicada inicialmente por ampliação jurisprudencial e, agora, por lei expressa
(Código de Defesa do Consumidor), deve o "punitive damage" apresentar
sua graça perante o ordenamento jurídico pátrio, produzindo seus benéficos
efeitos e construindo um forte sustentáculo para a cidadania.
Não se pode mais aplicar o
Direito, mesmo o Civil, sem as tintas altruísticas da Constituição Federal de
1988. Mesmo em sede de danos exclusivamente patrimoniais é infeliz a lei
brasileira ao não consignar, à conduta ilícita do ofensor, a tão defendida
natureza punitiva.
Errado o senso do Direito
brasileiro de que a reparação não pode servir para punir o autor do dano, senso
este clássico e que não mais atende aos reclamos e necessidades da sociedade
contemporânea.
Dentro de uma concepção
jusfilosófica, a reparação do injusto causado, com o seu próprio patrimônio,
nada mais é do que uma obrigação "natural" por parte do ofensor. Uma
criança intuitivamente sabe disso. Se ela quebra o brinquedo do amigo não pensa
duas vezes em tentar reparar o dano, nem que seja a base de muito choro aos
pais e sinceros e sentidos pedidos de desculpas ao amigo. Logo, a reparação por
si só, como colocada pelo Direito pátrio, já não mais serve aos danos
patrimoniais, quanto mais aos morais.
Classicamente, como dito, a
função da responsabilidade civil é reparar o dano e não punir seu causador.
Trata-se, pois, de verdadeiro dogma da responsabilidade civil clássica, conforme
dispõe o artigo 1.060 do Código Civil:
Art. 1.060. Ainda que a
inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos, a indenização, não
pode ir além daquilo que se efetivamente se perdeu."
Fosse este um estudo de
sociologia ou de jusfilosofia, poder-se-ia afirmar que o referido artigo, como
de resto quase todas as leis civilistas pátrias, foi construído com o propósito
acentuado de se manter o jogo de domínio entre as chamadas elites dominantes e
o resto sofrido do povo.
É a lei, e todo o aparato
judiciário, servindo para imantar de suposta legitimidade o domínio de uns
poucos sobre muitos. Amarrando-se a atuação do Poder Judiciário, não raro
conveniente aos estado lamentável das coisas, o legislador impuro houve por bem
defender valores particulares, deixando de lado as aspirações mais coletivas e
sociais, capazes de fazer, ao manos no plano judicial, o equilíbrio social que
não existe no mundo dos fatos.
Dá-se isso porque no plano
dos danos materiais, a lei desconsidera, infelizmente, o problema do dolo e a
graduação da culpa. Tal não se pode dar no plano do dano moral, pois ao lesado
mais importante do que a eventual compensação, na verdade consolo, é o aspecto
punitivo do ofensor.
Posto isto, defende-se a
introdução do "punitive damage" no sistema jurídico brasileiro,
reclamando do Estado-juiz mais seriedade e compromisso no tratamento da
avaliação do dano moral, revestindo-o com o manto do aspecto punitivo, a fim de
que se tenha promovida a Justiça e, exemplarmente, edificada uma luta pela
cidadania, que começa, sempre, pelo respeito a moral, honra e dignidade das
pessoas.
Por analogia, através de
mecanismos do Direito comparado ou, ainda, pela aplicação sistêmica do
ordenamento jurídico pátrio (começando pelo Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal), há de ser feita
profunda reflexão sobre o tema, tendo-se por certo, firme e valioso o
sentimento de que o Direito serve para a busca incessante da Justiça.
Notas
1. Código de Processo Civil
Comentado, 3ª ed., RT: São Paulo, 1997, p. 74
2. "O Dano Moral e sua
Avaliação", Revista do Advogado, nº 49, Dezembro/96, São Paulo: 1996,
p.8/9
3. José Osório de Azevedo
Júnior, op. cit., p. 10
* Advogado especializado
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3467>. Acesso em: 17 jul. 2006.