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A prova da
relação de emprego no tele-trabalho
Sérgio Coutinho *
1. Introdução
Com a evolução tecnológica e gerencial das relações
trabalhistas, novas modalidades de trabalho são constituídas e, como
conseqüência, são necessárias novas reflexões juslaborais sobre a sua tutela
jurídica. A inserção entre instrumentos de trabalho de fac-similes, computadores,
telefones celulares resultou na descaracterização do local de trabalho como
tanto administradores quanto empregados estiveram acostumados no século XX.
A rápida difusão de formas de tele-trabalho
permitiu que atividades fossem desenvolvidas com manutenção da hierarquia, do
poder de comando, sem a necessária proximidade física entre os atores da
relação de trabalho. Contudo, é de nosso interesse mostrar com o presente
estudo que não se tratam de inéditas formas de trabalho, estranhas à legislação
vigente.
Não apenas existem normas suficientes para regular estas
situações como a jurisprudência e a doutrina não têm permanecido tão
silenciosas quanto pode-nos parecer. Através das fontes do Direito, dos
princípios gerais de Direito e específicos do Direito do Trabalho, é possível
buscar a harmonia de normas dispersas na legislação em busca de finalidade
comum, qual seja o reconhecimento através do sistema jurídico tal qual ora se
encontra das relações de trabalho à distância baseadas em meios de
telecomunicação.
Para que este fim seja alcançado e esta tese possa ser
comprovada, é necessário expandir o horizonte normativo, as interpretações
legais, para assimilar a essência coincidente entre novas e antigas relações de
trabalho. Portanto, torna-se necessário partir das considerações mais genéricas
e abstratas para o caso particular por exemplos concretos. Respeita-se assim o
método dialético visando construir a análise do objeto de estudo com a devida
racionalidade.
Deste modo, é defendido com o presente estudo que seja
possível compreender o tele-trabalho e controlá-lo juridicamente através das
fontes do Direito com a devida segurança, sem que normas específicas sejam
necessárias.
2. Transformações Tecnológicas e Direito
A incorporação de tecnologia às relações de trabalho
mudando-as intrinsecamente não é algo recente. O fenômeno pôde ser observado
desde que a energia elétrica permitiu aos empresários que seus empregados,
fechados nos recintos artificialmente refrigerados de escritórios e
consultórios, não mais distingüissem dia e noite. O pôr do sol deixou de ser
medida da duração da jornada.
Os aspectos da vida natural do homem têm sido intensamente
sociabilizados, contudo a sociabilização da vida humana tem-se dado pela
capitalização de seu trabalho. Segundo Ruy Fausto, o homem não é visto como
trabalhador, mas como agente que põe em movimento a produção. Não é o ser
humano o objeto da produção de bens da vida, sendo este reduzido a predicativo
do sujeito-capital. Pois a intensificação da produção e das conseqüentes vendas
é o único objetivo (FAUSTO, 1989:51).
De todos os meios postos em ação pelo capitalista através
dos braços de seus trabalhadores, apenas a força de trabalho dos trabalhadores
não lhe pertence. Se ele se desfaz de trabalhadores, não perde meios próprios
de produção, o que ocorreria se, num processo de concordata, perdesse máquinas
de seu pátio industrial. Mas, se substitui o próprio parque industrial por
trabalho residencial ou sem qualquer espaço físico específico, há economia sem
limites.
As grandes empresas e bancos expandiram seus ativos
através de sistemas de telecomunicações. Foram ampliados a terceirização o
deslocamento de atividades rotineiras, a fragmentação de processos produtivos.
Tornou-se possível reduzir estoques; prazos de entrega e faturamento; capital e
giro e, aos executivos responsáveis por aspectos macroeconômicos, manter
constante controle sobre franquias e vendas a varejo.
Após longo período de instabilidade conceitual, durante os
anos 1970/1980, o tele-trabalho pôde ser conceituado, como assinalam Maria
Helena Teixeira da Silva e Lídia Segre, como "trabalho exercido
fisicamente fora da sede da empresa e com o uso sistemático de serviços
telemáticos para a comunicação com a empresa" (SILVA & SEGRE, 2000).
As sociólogas incorporam a sua análise síntese das espécies:
a)"home work": suportes eletrônicos na casa do
trabalhador;
b)"mobile work": aparelhos portáteis;
c)escritórios satélites: sedes distantes integradas em
rede a sede central por intranet ou rede interna;
d)escritório virtual: espaço sem vínculo fixo com a
empresa, usado por profissionais de diferentes origens empresariais;
e)tele-empresa: serviços por rede telemática
("telemarketing", internet);
f)sistemas distribuídos: central distribui funções a
empregados para trabalharem em computadores em rede (tradução, enciclopédias,
dicionários).
Com celulares, notebooks, secretárias virtuais,
empresas podem acompanhar a evolução de seus trabalhadores sem qualquer contato
físico consigo (1). O espaço social nas empresas, que consistia nas
pausas para café, lanches em refeitórios internos e happy hours após o
expediente, informalmente agendados pelos empregados, tem sido substituído por
eventos da própria empresa (2). Contudo, o discurso sustentado ainda
é da informalidade nos encontros, apesar de objetivos rentáveis terem passado a
prevalecer e a unidade enquanto classe perder-se com o pleno isolamento entre
empregados na rotina laboral.
Com a intensificação do trabalho em casa, seja por
instalação de linhas telefônicas da empresa na residência (3) ou por
ceder equipamento móvel para seus empregados, que terão como única sede a
própria casa para centralizar ações, torna-se possível intensificar a produção.
As mudanças no modo de vida, trazidas pelo capitalismo,
trazem novos desafios ao Direito. Apesar das contas telefônicas e programas
específicos poderem monitorar as horas de trabalho do empregado (4),
não há meios concretos para se definir com exatidão quando o empregado
ultrapassa a jornada legal. Não há supervisores, colegas de trabalho, para
informá-lo, mas a empresa pode conferir pelas atividades no computador e pelo
celular se está em ação durante pelo menos oito horas diárias. Logo, horas
extras e adicional noturno podem ser objeto de argumentação da empresa de que o
empregado se excedeu sem a superveniência do empregador.
Por questões como estas, Nicanor Sena Passos (1997)
examina a mudança nas relações de trabalho devido a sua
"virtualização". Para o jurista, o "trabalho virtual"
influencia:
a)relações de emprego e relações de trabalho;
b)segurança e medicina do trabalho;
c)jornada de trabalho;
d)poderes diretivo e disciplinar;
e)remuneração;
f)inspeção do trabalho;
g)justas causas;
h)jurisdição trabalhista.
O mesmo jurista lamenta que a doutrina brasileira esteja
ausente da necessidade de maior número de estudos sobre o tema. Contudo, sem
embargo à necessária reflexão sobre esta crítica, consideramos que talvez a
doutrina não se manifeste por já existirem análises suficientes, bastando ao
operador do Direito por em prática as técnicas da hermenêutica jurídica
apreendidas durante os estudos acadêmicos por cada jurista.
Todavia, para identificar o impacto sobre cada área de
influência e possíveis respostas do Direito para salvaguardar direitos
trabalhistas, é preciso partir, apesar do aparente pleonasmo, dos princípios
jurídicos.
3.Aplicabilidade dos Princípios Específicos do
Direito do Trabalho
O sistema jurídico nacional ainda não está preparado para
lidar com a questão do tele-trabalho. Apesar da previsão expressa constitucional,
entre os direitos dos trabalhadores, da "proteção em face da automação, na
forma da lei" (Art. 7º, XXVII, CF/88), como ocorre com tantos outros
preceitos constitucionais, ainda não há não apenas regulamentação do princípio
constitucional. Apesar da ausência mesmo de posições doutrinárias consolidadas
sobre o tema, há importantes indícios para a investigação jurídica no Direito
Constitucional, como defende Luis Roberto Barroso ao ressaltar a relevância dos
princípios à interpretação jurídica:
Os
princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes
e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o
intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior
que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até
chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis
desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao
sistema; c) condicionar a atividade do intérprete (BARROSO, 2001: 20).
Assim, a ponderação entre princípios, visando-se à máxima
harmonia possível do sistema jurídico, pode permitir ao intérprete do caso
concreto analisar com segurança discussões cujo tema não se encontra
literalmente transcrito nas normas, mas já encontraria pleno tratamento
jurídico. Torna-se imperativo interpretar a situação real segundo os princípios
vinculando assim com a devida racionalidade normas já existentes. Cabe, assim,
grande atenção ao art. 8º da CLT:
Art.
8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de
disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais
de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os
usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Entre os princípios específicos do Direito do Trabalho,
prevalece aquele da primazia da realidade nas relações de trabalho. Por este
pressuposto, se as atividades do trabalhador ocorrem predominantemente através
do celular, automóvel, fac-simile, computador portátil (notebook,
handheld, palm, laptop), quando estes instrumentos de trabalho estiverem em
função da empresa estará o trabalhador em jornada de trabalho. Logo, ocorrerá
expansão do local de trabalho, com as conseqüências legais aplicáveis, a todo
local onde o trabalhador utilizar as ferramentas que lhe permitem desempenhar
sua função. Quando surgir dúvida quanto ao local, diante de interpretações
divergentes apresentadas aos meios forenses em disputas particulares, será
possível ainda apelar, diante da ausência de lei específica e do silêncio
doutrinário, à eqüidade, ressaltando-se, com Luiz de Pinho Pedreira da Silva, a
recordação da pressuposta hipossuficiência do trabalhador na Justiça do
Trabalho:
/.../
quase todos, senão todos os princípios específicos do Direito do Trabalho
poderiam ser sintetizados num só: o de proteção ao trabalhador, que constitui a
causa e o fim imediato deste Direito, porque o seu objetivo mediato e último é
o equilíbrio social (apud BARROS, 1998:241).
Porém, para que se demonstre que a principiologia não
estaria a arrebatar as próprias normas mas garantindo a efetividade destas, há
normas de eficácia já comprovada pelo uso na legislação vigente que precisam
ser examinadas na análise das relações de tele-trabalho
4.Normas pelos Limites ao Tele-trabalho
Basta que nos lembremos da CLT para abusos nas relações
"virtuais" de trabalho serem evitados. A jornada de trabalho, segundo
o art. 58 da citada lei, fixa a jornada de trabalho diária em 8 horas, salvo as
profissões que tenham disposição legal diversa. Apesar de para atividades de
trabalho à distância ainda não existir norma específica, entende-se pela norma
evidenciada que será mantido o limite legal, pois as leis especiais determinam
jornadas segundo categorias profissionais, não restritas a métodos de trabalho
específicos. O art. 59 determina regimes de compensação usual de horas
extraordinárias em duas horas adicionais segundo indenização de, no mínimo, 50%
do valor da hora trabalhada.
Em caso de excesso na jornada, se o empregador, dispondo e-mail,
mensagens gravadas ao telefone ou quaisquer outros meios que surtam efeito
para enviar as informações ao trabalhador, não o informa da obrigatoriedade de
utilização de medidas preventivas a doenças do trabalho, seja Lesão por Esforço
Repetitivo, stress, depressão, sedentarismo ou quaisquer outras que
possam decorrer de trabalho em casa, não preveni-lo, cabem as normas do art.
200, CF/88, bem como o dever do art. 163 da CLT de criação de Comissão de
Prevenção de Acidentes no âmbito da específica relação de trabalho (se há
comissão interna para aqueles que trabalham no espaço da empresa, deve haver
por interpretação extensiva em benefício da saúde do trabalhador comissão
externa, seja lá como se realize isto). Ainda quanto à prevenção de acidentes,
é interessante reler o art. 184 da CLT:
Art.
184 - As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de
partida e parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de
acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental.
O celular, o computador, são equipamentos de trabalho, e
podem ser dotados de dispositivos que permitam restringir o número de horas
utilizadas, seja por convênio da empresa com concessionária de serviços de
telefonia, seja por utilização de modelos específicos adaptados, que determinem
horários em que poderão ser utilizados. Além disto, não é por não existir local
de trabalho específico que o trabalhador estará impedido de devolver, após as
oito horas diárias, o carro, o celular, o computador ou quais sejam os
instrumentos móveis de trabalho para a empresa, permitindo-se assim delimitação
evidente da jornada diária.
Não se tem plena certeza, ainda dos riscos de utilização
constante de celular à saúde, mas já foram citadas como exemplos de novas
doenças do trabalho alguns males que utilização contínua de computadores e
automóveis podem causar. Cabe, portanto, a aplicação do art. 184. Para sanar
eventuais dúvidas, a própria CLT contribui ao elencar possíveis causas de danos
que fazem-nos lembrar a tecnologia contemporânea habitual:
Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer
disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista
as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
/.../
VI
- proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas,
radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações
ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas
cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos, limites máximos
quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o
organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade,
controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam
necessárias; (grifos nossos).
Já existem, portanto, normas suficientes para dar
sustentação a jurisprudência e acordos coletivos que regulamentem, na ausência
de leis específicas, as relações de tele-trabalho. Não são tão residuais quanto
a omissão doutrinária faz crer as intervenções dos tribunais sobre novas
tecnologias, conforme será adiante mostrado.
5.Jurisprudência pela Regulação do Tele-trabalho
Alguns temas que, à primeira vista, encontrar-se-iam
periféricos à questão em tela adquirem novo brilho quando abraçados pela
hermenêutica, como dá-se com a tese do reconhecimento do período de percurso ao
local de trabalho como tempo de trabalho, o chamado período in itinere.
As horas in itinere, cuja recepção jurídica tem-se
dado por enunciados do TST, permite tracejar como se pode lidar juridicamente
com o trabalho à distância. Em princípio, parece ao empregador que, permitindo
que seu empregado labute em casa, esteja afastado de indenizá-lo por horas a
serviço da empresa fora do local de trabalho mas em sua direção. Não nos
referimos a hipóteses que de imediato viriam à mente, como o absurdo de
indenizar trajeto do quarto à sala em trabalho em casa, mas nas hipóteses de
ausência de local de trabalho específico. Nestas condições estaria a serviço da
empresa enquanto os instrumentos de trabalho estiverem em uso.
O primeiro enunciado a se referir ao tema restringe sua
aplicabilidade:
90 Tempo de serviço
O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida
pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por
transporte regular público, e para o seu retorno, é computável na jornada de
trabalho.
Segundo o Enunciado n.º 90, pois, é preciso que o veículo
utilizado pelo empregado seja fornecido pelo seu empregador, mas o local precisa
ser de difícil acesso ou não alcançado por transporte público. Estes limites
foram ressaltados por outros enunciados:
320 Horas in itinere. Obrigatoriedade
de seu cômputo na jornada de trabalho
O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância
pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso, ou não servido por
transporte regular, não afasta o direito à percepção do pagamento das horas in
itinere.
324 Horas in itinere. Enunciado
nº 90. Insuficiência de transporte público
A mera insuficiência de transporte público não enseja o
pagamento das horas in itinere.
325 Horas in itinere. Enunciado
90. Remuneração em relação a trecho não servido por transporte público
Havendo transporte público regular, em parte do trajeto
percorrido em condução da empresa, as horas in itinere remuneradas se
limitam ao trecho não alcançado pelo transporte público.
Todavia, não há previsão legal quanto ao quantum
das horas in itinere, assim como o fim da restrição a hipóteses de
trecho de difícil acesso. Do mesmo modo, pode ser expandida a interpretação
possível a partir do Enunciado n.º 325, permitindo, assim, que a utilização de
transporte da empresa no trajeto, uma vez que o trajeto é todo espaço empregado
para realização da atividade, seja expandida para o tele-trabalho. Em caso de
ainda persistirem dúvidas na aplicação prática desta interpretação, o mesmo
Tribunal Superior do Trabalho já decidiu, em 1997, pela autonomia da norma
coletiva para sua fixação:
EMENTA: Horas in itinere – Fixação em norma coletiva –
Validade. O direito à percepção de horas in itinere não está previsto em lei,
tratando-se de construção jurisprudencial consubstanciada no Enunciado nº
90/TST. Não se enquadram, assim, as horas itinerantes no rol de direitos
trabalhistas irrenunciáveis, a justificar a decretação da invalidade da
cláusula coletiva que restringe o pagamento das mesmas. Não havendo, assim,
violência a direito trabalhista garantido em lei, há que ser respeitado o
acordo coletivo que restringe o pagamento de horas in itinere, nos moldes do
art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. (TST – 4ª T – Ac. nº 1486/97 – Rel. Min. Galba Velloso – DJ 09.05.97 – pág.
18597).
No entanto, outro caminho jurídico que ressalta a
aplicabilidade das normas e dos princípios como defendida no presente estudo
tem-se consolidado nos tribunais a partir da leitura de e-mails no
ambiente de trabalho. Trata-se de situações em que o local de trabalho é bem
delimitado, mas o e-mail é interpretado como instrumento de trabalho.
6. Monitoramento dos meios de comunicação em
tele-trabalho como prova da relação de trabalho
A 13ª Vara do Trabalho de Brasília, ao julgar o processo
n.º 13.000613/2000, considerou que o empregado, demitido por utilizar e-mail
no local de trabalho para distribuir fotos pornográficas, não estaria
ensejando demissão por justa causa, pois seu empregador descobrira sua falta
através de meio ilícito, qual teria sido o desrespeito a seu sigilo de
correspondência, conforme art. 51, X e XII da Constituição Federal, não importando
no caso se a conta de e-mail fora fornecida pelo empregador, pois não há
exceção legal neste sentido (www.ciberlex.adv.br). Logo, se prevalecer
esta interpretação, o controle das comunicações realizadas pelos empregados
através de computador da empresa não será juridicamente fácil e serão
necessários outros meios para provar faltas do trabalhador e limites de
jornada.
Eliane Saldan e Maritza Fabiane Milléo tornam mais clara a
polêmica, prevenindo os transtornos à relação laboral que a impossibilidade de
monitoramento de e-mails poderiam causar. Para isto, as pesquisadoras
partem da natureza jurídica do e-mail. Para elas:
O correio eletrônico profissional poderia ser definido
como uma ferramenta de trabalho disponibilizada pelo empregador aos seus
prepostos, ou disponibilizados aos sócios de um empreendimento, para
desenvolver atividade profissional. Logo, pressupõe-se que o conteúdo do e-mail
profissional sejam informações pertinentes e interessantes à atividade do seu
titular no exercício profissional e, sendo assim, não diz respeito ao titular
da conta se este exerce atividade profissional remunerada por alguém. A outorga
de uma conta de e-mail profissional pode ser equiparada à entrega da chave de
um carro do patrão ao seu empregado, sem transferência de titularidade (MILLÉO
& SALDAN, 2000).
Deste modo, não há violação de sigilo pois a
correspondência não pertence ao empregado, mas à empresa. Distingüe-se,
portanto, o e-mail pessoal, para comunicações privadas, da conta
profissional, cuja finalidade encontra-se na própria denominação. Com esta
distinção, é evidente a ausência de fundamento na discussão quanto a sigilo de e-mail
na relação de trabalho e afasta-se a aplicabilidade absoluta do art. 51, X
e XII da Constituição Federal.
Além disto, o inc. X do art. 5º da Constituição condiciona
a indenização à ocorrência de dano ao patrimônio material ou moral, afastando a
hipótese de dano moral por leitura de e-mails em rede monitorada. De
acordo com Renato Opice Blum, o debate sobre e-mail, e aqui tomamos a liberdade
de inserir a título de paráfrase o telefone celular como instrumento de
comunicação empresarial:
Não tem a proteção do art. 5º, XII, da CF, e sim do art.
5º, X, salvo em caso de interceptação do fluxo. Ademais, correspondência, pelo
princípio da reserva legal é dada pela Lei n.º 6.535/78, art. 7º, § 1º. São
objetos de correspondências: carta, cartão postal, impresso, cecograma e
pequena encomenda (BLUM, 2000).
Portanto, mensagens enviadas através de celular, pager,
fac-simile entre outros meios não se aplicam ao tema e podem ser meios de
prova (5) para configurar relações de trabalho de área de trabalho
indeterminada.
O reconhecimento do monitoramento tecnológico dos
trabalhadores por meios de comunicação como meio de prova torna plenamente
aceitável o tele-trabalho como atividade profissional comum, uma vez que fecha
o circuito necessário para a comprovação judicial da existência de uma relação
de trabalho.
7. Conclusão
Por vezes o debate jurídico pode gerar a sensação de que,
a despeito da estabilidade monetária nacional, exista inflação ainda crescente,
senão financeira, mas de leis, não apenas a partir do Congresso Nacional e das
Medidas Provisórias derivadas do "Poder Moderador" do Presidente da
República. A inflação de leis já teria criado raízes na consciência do jurista
brasileiro.
Não é difícil deixar de refletir sobre um tema à espera de
lei específica, sendo deste modo ignoradas as contribuições consolidadas pela
jurisprudência, por costumes do cotidiano forense e da doutrina. Corre-se o mesmo
risco ao analisar o tele-trabalho, paradigma laboral aparentemente novo mas que
ronda as relações empregatícias desde que o primeiro vendedor viajante
trabalhou sem escritório, respondendo a ordens à distância.
Através dos princípios constitucionais e específicos do
Direito do Trabalho é preciso assegurar um rumo comum entre as relações de
trabalho entre classes afastadas mas ainda vinculadas hierarquicamente,
restando ao jurista harmonizar, através dos princípios gerais de Direito, este
caminho com as normas já existentes que tutelam trabalhadores que têm emprego
com Cadastro de Endereçamento Postal (CEP) próprio.
Os estudos de caso advindos da jurisprudência e da
doutrina que reflete sobre os tribunais têm em mensagens eletrônicas fonte não
apenas de Direito, mas de esperança para novos estudos com base na antiga
hermenêutica. Pensa-se no e-mail a partir da lei que define as cartas
que ainda exibem carimbo e selo postais, e são assim trazidos a lume meios de
prova para novos estudos processuais, apesar de argumentos não necessariamente
recentes. Pois o mundo pode ter novos meios de produção, novas relações de
trabalho, mas as leis continuam regendo o mesmo capitalismo que desde a
ascensão da Revolução Industrial desperta a atenção de quem se preocupa em conhecer
o que se passa nas relações de trabalho mundiais.
8. Referências Bibliográficas
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Trabalho". In: RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho & PAMPLONA
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<http://www.direitopublico.com.br/>
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eletrônicas podem ser abertas por empresas". In: Consultor Jurídico,
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Assinatura Digital (uma visão geral". Brasília, 30 de outubro de 2001,
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‘Grundisse’ (e para além deles)". In: Revista Lua Nova, n.º 19,
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SOUZA, Raquel. "Shell adota tele-trabalho para equipes de vendas e engenharia".
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<http://www.uol.com.br/gilbertodimenstein>. 30 de maio de
2001.
__________. "Siemens inicia programa de
‘home-office’. www.uol.com.br/gilbertodimenstein
<http://www.uol.com.br/gilbertodimenstein>. 30 de maio de
2001.
Notas
1..A Shell do Brasil custeia despesas como telefone e
energia elétrica para que seus revendedores trabalhem em casa. Siemens permite
aparato doméstico para seus gerentes e coordenadores (SOUZA: 2001).
2.."/.../ as corporações que adotaram o ‘home-office’
têm optado por um sistema misto de trabalho. ‘Elas promovem desde reuniões de
equipe até cafés coletivos’, conta a professora [Marisa Eboli/USP]. A idéia é
manter atividades e encontros em que possam ocorrer as comunicações informais.
‘Esses momentos têm papel fundamental. As trocas de idéias e de experiências
são importantes na aprendizagem do trabalhador para internalização de valores e
expectativas da empresa’, acrescenta" (SOUZA: 2001). Cf.: Kodak e Hewlett-Packard (FUOCO, 1998). Do
mesmo modo, cafés da manhã dos empregados da Márcio Raposo Imóveis, em Maceió,
às terças-feiras (www.marcioraposo.com.br)
<http://www.marcioraposo.com.br)/>.
3..Como faz a Kodak, que instala para seus vendedores
linha telefônica exclusiva, computador, secretária eletrônica e pager em
casa (FUOCO, 1998).
4..Os softwares são denominados time sheets, planilhas
instaladas no computador de cada profissional para controlar horas e atividades
por dia (POTENGY & CASTRO, 2000).
5..No mesmo sentido: MARCACINI (1999) e CASTRO (2001).
* Advogado em Maceió (AL), professor da Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais de Maceió (FAMA), especialista em Direito do
Trabalho pela União das Associações de Ensino Superior do Ceará (UNICE),
mestrando em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2895>. Acesso em: 01 jun.
2006.