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A necessária reforma do desatualizado Direito de Família



Américo Luís Martins da Silva*



A união estável (seja ela na forma de companheirismo ou convivência) e as diversas modalidades de uniões instáveis (entre elas o concubinato moderno) são temas de real importância para a sociedade atual, quer seja ela de países desenvolvidos, países em desenvolvimento ou países subdesenvolvidos, quer seja ela primitiva ou em processo de civilização avançado. Todas as sociedades humanas praticam relações sexuais instáveis e estáveis, conforme a sua estrutura social e as necessidades determinadas pelos seus próprios costumes, pela sua própria moral corrente, enfim pela sua própria cultura e pelos efeitos colaterais produzidos pelos instintos naturais inerentes a qualquer ser humano, os quais não o largaram durante milhões de anos e não resta a menor esperança de que o larguem, por mais que a espécie venha a evoluir. Certo é que são exatamente os costumes, a moral corrente de uma sociedade e os resquícios do estado de natureza do homem que vão definir quais as modalidades de uniões estáveis e uniões instáveis a serem adotadas no seu âmbito. É um equívoco histórico dizer que essas modalidades de uniões sexuais (estáveis e instáveis) são definidas pelo legislador de um determinado momento histórico de produção das leis. Também trata-se de um enorme equívoco se acreditar que os membros de uma sociedade de um modo geral irão conduzir suas vidas sexuais conforme as opções autorizadas pelo legislador e conforme as penas, vantagens e desvantagens por ele oferecidas. Tudo isso compõem um mecanismo de produção de leis fadado ao desuso e ao desrespeito pelas suas determinações, pois não há como a produção de leis acontecer em sentido contrário à moral corrente e as necessidades de uma determinada sociedade verificadas no momento presente de sua evolução histórica, bem como aos mais fortes instintos naturais da espécie humana. Assim, o legislador, que quer produzir alguma coisa que verdadeiramente seja útil e importante para a sociedade que representa, deve produzir leis em harmonia com a moral corrente e as ditas necessidades reclamadas pelos membros desta sociedade, sob pena de incentivar o surgimento e a disseminação maciça do chamado “direito alternativo”, “direito vivo” ou “costume alternativo”, o qual, impondo um inabalável processo de deslegitimação localizada da lei, irremediavelmente a substituirá em todas as oportunidades e aspectos onde o direito oficial não consegue atender as verdadeiras expectativas e necessidades da população. Com isso a sociedade, paulatinamente, irá “expulsando” a presença e a coação do Estado do âmbito das relações sexuais instáveis e estáveis, para ela mesma, de fato, promover a sua organização.

Todavia, esta visão atualizada de um Direito de Família seriamente compromissado com a realidade das uniões sexuais na sociedade da atualidade, seja qual for esta realidade, vem sendo inibida pelo forte e organizado lobby dos conservadores e propagadores de uma moral que não existe mais ou utópica. Isto acabou por provocar a situação em que vivemos: as práticas familiares e sexuais sendo comandadas pelo direito alternativo e não pelas leis que insistem em permanecer voltadas para um passado já distante. No entanto, sabemos que não estamos sós na luta para aproximar o texto legal da realidade social, através de uma virtual reformulação das opções legais de uniões estáveis oficiais à sociedade, de maneira que se produza lei ordinária que efetivamente regulamente o §3° do art. 226 da Constituição Federal, e insira, na legislação civil, regras, estabelecendo formas de constituição e dissolução, direitos e obrigações para, pelo menos, cinco situações distintas: a) o matrimônio propriamente dito ou casamento, sujeito a celebração oficial; b) a união livre e estável que pode ser convertida em casamento oficial; c) a união livre e estável em face de impedimentos matrimoniais previstos em lei; d) a união experimental; e e) a união livre e estável formada pelo par não andrógino, principalmente no caso de se confirmar sua origem biológica. Essas medidas se fazem necessárias também em respeito ao direito moral à felicidade dos consortes e em respeito à ampla cidadania daqueles que, por uma razão ou outra, foram afastados da atenção do legislador.

Este assunto é estudado com maior profundidade na obra de minha autoria A EVOLUÇÃO DO DIREITO E A REALIDADE DAS UNIÕES SEXUAIS, publicada pela Editora Lumen Juris, em 1996.


Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em junho/2002



*Procurador Federa



Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=28

Acesso no dia: 21.11.05