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A lógica do razoável e o negócio jurídico: reflexões
sobre a difícil arte de julgar.
Professor de Direito Civil da Universidade Estadual de Londrina/PR; Professor de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina; Professor de Direito Civil da Universidade Metropolitana de Londrina; Professor de Direito Civil da UNIPAR – Campus de Paranavaí; Professor do Curso de Mestrado em Direito Contemporâneo e Cidadania da UNIPAR de Umuarama/PR; Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Londrina/PR; Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
“Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons
juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação. A lei é morta.
O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela.” ANATOLE FRANCE
Prólogo
A primeira grande consideração acerca do tema, perpassa pela discussão
travada na Alemanha, entre dois de seus grandes juristas Thibaut e Savigny.
Esta discussão girava em torno da codificação ou não do Direito Civil alemão.
Savigny entendia que não era conveniente codificá-lo pois isto conduziria a um
engessamento e dificultaria o regramento que a dinâmica da vida em sociedade
exige. Com isto, ficaria difícil incorporar as modificações da sociedade.
Em nome da segurança das relações jurídicas, Thibaut ferrenhamente
defendia a codificação e em 1896 a Alemanha foi presenteada com o Bürgerliches
Gesetzbuch – BGB, o livro de leis do cidadão, que depois de uma enorme vacatio
legis, 4 anos, entrou em vigor em 1900.
A discussão sobre codificar ou não já é superada hodiernamente, mas é necessário
ressaltar que os Códigos da época de 1800, caracterizados como um sistema
rígido e fechado, absolutamente impermeáveis às alterações econômicas e sociais
não são mais viáveis. Por isto, tornou-se necessária uma forma diferenciada de
codificação: nem fechado nem aberto demais, mas com certa mobilidade.
Esta mobilidade tem o escopo de proporcionar uma maior aplicação e
interpretação das cláusulas gerais. Aliás, são exatamente estas cláusulas que
garantem a sobrevivência e a atualidade do BGB, diga-se de passagem, um dos
mais perfeitos códigos do mundo.
A despeito de não se discutir mais a questão da codificação, um ponto
ainda premente é no que tange à forma que se codificou o Direito Civil. Desta
maneira, nosso legislador superou as discussões acerca da viabilidade ou não de
pequenas codificações ou a elaboração de um grande documento tornado “aberto”
por intemédio de conceitos legais indeterminados, de conceitos indeterminados
pela função e por cláusulas gerais, já delineadas por renomados doutrinadores.
O Direito não tem como acompanhar o ritmo de relações que ocorrem
diuturnamente na sociedade com a mesma
velocidade. Assim, não será mais admissível que o legislador possa pensar em
normas que definam de forma precisa, certos pressupostos e condutas e consiga
antever suas conseqüências num sistema fechado. Um sistema sem mobilidade pode
até conferir mais segurança às relações jurídicas, mas pode mais facilmente
trazer injustiças.
Desta forma o que mais atende o que a sociedade espera é um sistema permeável,
misto. Com isto, a utilizada técnica flexibiliza a rigidez dos institutos
jurídicos e das regras de Direito positivado.
Na medida em que foram adotadas as CLÁUSULAS GERAIS, de uma forma
bastante genérica, abstrata e cujo conteúdo de não exatidão deixa o sistema de
tal forma liberal, isto proporciona ao magistrado a autonomia para colmatar seu
conteúdo. Um bom exemplo disto está no texto do artigo 21 do vigente Código,
determinando que a requerimento do interessado, o juiz adotará as providências necessárias. Ora, o leitor questionará: Quais
providências? Não se sabe. A cada caso submetido à apreciação, caberá ao
julgador identificar e buscar uma maneira de trazer a solução da maneira mais
concreta.
Com relação às CLÁUSULAS GERAIS, por meio de criteriosa análise
identificamos que o novo Código está repleto delas, caracterizadas como fonte
de direito e obrigações. Devemos conhecê-las e reconhecê-las para podermos
entender o funcionamento e o regramento deste Código. Assim, poderemos
encontrar as soluções que o Direito Privado reclama.
Para tanto, é necessário destacar que existe uma enorme interação entre
cláusulas gerais, princípios gerais de direito, conceitos indetermindos e
conceitos determinados pela função.
Os princípios gerais de direito são regras de conduta que norteam a
atividade jurisdicional no momento da interpretação da norma ou do negócio
jurídico. Auxiliam o magistrado no preenchimento das lacunas e estão inclusive
explicitados na Lei de Introdução ao Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Os preceitos do Direito Romano, honeste
vivere, alterum non laedere e suum
cuique tribuere, são os primórdios destes princípios.
Deste modo, cláusulas gerais são normas orientadoras sob a forma de diretrizes
para o juiz. Ao mesmo tempo que o vinculam, dão-lhe liberdade de decidir. São
formulações de caráter genérico e abstrato, distintas dos conceitos legais
indeterminados, pois estes já contêm a solução pré-estabelecida.
Nas cláusulas gerais, o julgador encontra campo para formular a solução
que lhe parecer mais correta, concretizando os princípios gerais de Direito e
da razoabilidade.
Um marcado exemplo encontra-se no artigo 421 do atual Código, pois a
solução não está na lei. Esta somente prevê o preceito, o reflexo da incidência
da norma está reservado ao magistrado.
Dentre outras várias hipóteses, destaca-se ainda o contido no artigo 187,
pois o fim econômico ou social exige do magistrado uma atividade ímpar, de
forma a compor o conteúdo da norma com a realidade social em que está inserido
e principalmente no tempo em que está inserido.
Com relação aos conceitos legais indeterrminados, podemos entendê-los
como palavras ou expressões indicadas por lei, de conteúdo e extensão bastante
vagos, genéricos e imprecisos. Portanto, lacunosa é a sua conceituação, a
exemplo da função social do contrato.
No dizer de Nelson Nery Jr., como estão sempre relacionados à hipótese de fato
posta para o deslinde da questão, fazem com que o juiz, naquele silogismo, ao subsumir
o fato à norma, diga se esta é ou não aplicável. Uma vez amoldado o fato ao
conceito legal indeterminado, a solução já está pré-estabelecida na própria
norma, de sorte que ao juiz restará apenas aplicá-la a partir daí, sem nenhuma
função criadora. A resolução do contrato, no artigo 478 do vigente Código é um
bom exemplo.
Com base nestas pequenas implicações, foi possível inferir que o
pensamento de Luis Recaséns Siches tem campo ainda mais fértil a partir do
atual Código, especialmente no que tange ao negócio jurídico, com seus
requisitos e patologias.
Desta forma, para uma melhor colocação do tema proposto, impende trazer à
colação dois exemplos sobre o fracasso da lógica formal e a necessidade do
“razoável” na interpretação do Direito. Para isto, Radbruch[1][1] relata um caso no qual, em uma estação
ferroviária da Polônia, havia um cartaz proibindo a entrada de pessoas
acompanhadas de cachorros. Sucede-se, entretanto, que certa vez chegou àquele recinto,
um homem acompanhado de um urso. Ato contínuo, o empregado que vigiava a porta
lhe impediu o acesso. O indivíduo protestou, afirmando que o regulamento
transcrito no cartaz proibia somente cachorros, mas não outra classe de
animais. Surgiu então um conflito em torno da interpretação daquele
regulamento.
Não resta a menor dúvida que se aplicarmos estritamente os instrumentos
da lógica tradicional, teremos que reconhecer que à pessoa acompanhada de um
urso era dado o direito de adentrar ao recinto.
Também o leigo, e não somente o jurista,
haverá de concordar como era descabida esta interpretação, dada a finalidade
para qual a norma foi elaborada, qual seja, a segurança dos visitantes e
transeuntes daquele ambiente.
Disto resulta que somente a lógica tradicional,
não contendo caracteres valorativos não é suficiente. Requer-se portanto,
razões diferentes do racional de tipo matemático, porque a razão não se exaure
no campo tradicionalmente conhecido como racional, uma vez que existem outros
campos, diferentes, como o razoável, o logos do humano.
À vista daquela proibição contida no
cartaz já mencionado, podemos afirmar com segurança que a razão de sua
elaboração está intimamente ligada à idéia de que, ainda que em alguns casos
tratem-se de cães dóceis, estes podem tornar-se perigosos conforme a situação.
Demais disto, ainda existe certamente a preocupação com o barulho, sujeira,
zoonoses e mais uma série de fatores conexos.
Neste diapasão, maior risco correriam as
pessoas se lá adentrassem ursos, o que resulta dizer que a validade das normas
jurídicas positivas estão necessariamente condicionadas pelo contexto
“situacional” em que se produziram e para o qual se produziram.
Noções preliminares acerca da Lógica do
Razoável
Com o advento da lei francesa 16, de 24
de agosto de 1790, que impunha ao juiz o dever de motivar a sentença, surgiu o
interesse pela interpretação jurídica.
A Revolução Francesa, marcada pela vitória da burguesia, trouxe uma nova
tendência que tomou conta do pensamento jurídico, qual seja, a preservação dos
direitos individuais, limitados apenas pela norma, expressão dos ideais
coletivos.
Se de um vértice verificou-se um extremado apego ao texto legal, no que
se referia à interpretação e aplicação do Direito, de outro, foi imposta ao Judiciário
a proibição de participar na criação jurídica, por ser atividade exclusiva do
Legislativo, como órgão representante da vontade popular.
A este particular, impende trazer à colação, as lúcidas palavras de
Demolombe[2][2]:
“Os textos antes
de tudo. Interpretar é descobrir o sentido exato e verdadeiro da lei. Não é
modificar, inovar, mas declarar, reconhecer”.
Decorrente deste pensamento, surge a concepção mecânica da função
jurisdicional, de sorte que a sentença era considerada um ato meramente
mecânico; um simples exercício de lógica dedutiva, destituída de qualquer
elemento valorativo e alheia à realidade dos fatos.
Nesta esteira, a decisão proferida ou prolatada pelo julgador, seria
então assemelhada à construção de um mero silogismo, em que a lei seria a
premissa maior; a premissa menor, o caso concreto apresentado à apreciação; e,
a conclusão, o “decisum”.
Das transformações verificadas no seio da sociedade, motivadas sobretudo
pela Revolução Industrial e que alteraram sensivelmente as relações, surgiram
ferrenhas críticas contra essa concepção, reclamando uma melhor adequação da
lei à existência concreta, fazendo surgir novas posturas interpretativas.
Multiplicaram-se então as escolas e os métodos de interpretação, de sorte
que em 1926 Recaséns Siches[3][3], professor da Universidade Nacional
Autônoma do México, freqüentou um curso na Universidade de Viena, onde o
professor era Fritz Schreir, discípulo de Kelsen e Husserl. Neste curso,
foi-lhe apresentada uma análise de todos os métodos de interpretação de que se
tinha conhecimento. O objetivo básico era encontrar os critérios de eleição dos
referidos métodos, mas o que restou foi uma decepção, pois não havia nenhuma
razão justificada, em termos gerais, para preferir-se um método em detrimento
dos outros.
É pertinente, a esta altura, ressaltar que Luís Recaséns Siches nasceu na
Espanha em 1903, onde fez os seus estudos universitários no período
compreendido entre 1918 a 1925. Não destoando daqueles jovens acadêmicos que
pretendem alçar vôos maiores, avançou além do programa curricular, começando a
desvendar, sozinho, os primeiros horizontes do pensamento jurídico,
apaixonando-se pela Filosofia do Direito.
Nos seus estudos de pós-graduação, foi discípulo de renomados mestres, como
Giorgio Del Vechio, em Roma, Rudolf Stanmmler, Rudolf Smend e Hermann Heller em
Berlim, Hans Kelsen, Felix Kaufmann e Fritz Schrgirer em Viena, que
inegavelmente eram os maiores expoentes do pensamento jurídico da época.
Inegavelmente ainda hoje, direta ou indiretamente, continuam orientando as
linhas mestras da Filosofia do Direito.
Durante o tempo em que foi professor da “Graduate Faculty” da “New School
for Social Research”, em Nova York, no período de 1949 a 1954, e da escola de
Direito da “New York University”, entre 1953 e 1954, bem como de outras
universidades norte-americanas, influenciado diretamente com o pensamento
jurídico anglo-saxão, desenvolveu algumas idéias sobre a interpretação do
Direito, a dupla dimensão circunstancial de todo Direito positivo, a lógica do
humano e o caráter criador da função judicial.
Alguns anos antes, Benjamin Cardoso[4][4], ao analisar suas experiências jurídicas,
já procurava saber quais eram os métodos que se empregava na interpretação do
Direito positivo vigente. Basicamente concluiu que primeiro se buscava a
solução mais justa e depois se preocupava encontrar, dentre os métodos de
interpretação, o que melhor serviria para justificar esta decisão.
Para superar este dilema, Recaséns Siches, então retornando às cátedras
da Universidade Nacional Autônoma do México, apresentou suas idéias em livro,
defendendo o emprego de um só método, o da LÓGICA
DO RAZOÁVEL, definida como uma razão impregnada de pontos de vista
estimativos, de critérios de valorização, de pautas axiológicas, que além de
tudo traz consigo os ensinamentos colhidos da experiência própria e também do
próximo através da história[5][5].
Segundo a intenção de emprego deste
método, como único, poderia o intérprete deixar de lado, de uma vez por todas,
a referência à pluralidade de diferentes formas de interpretação, fosse
literal, subjetivo-objetivo, consuetudinário, histórico, analógico, por
eqüidade, etc.. .
Recaséns Siches defendia então que, assim como a Ciência Jurídica, a
Filosofia do Direito não tinha condições de escolher um método ou uma tábua de
prioridades entre os vários métodos de interpretação.
Decorre daí, que a única regra que se poderia formular, com universal
validade, era a de que o juiz sempre deveria interpretar a lei de modo e
segundo o método que o levasse à solução mais justa dentre todas as possíveis.
Defendia ele que esta atitude não se
consubstanciaria em desrespeito à lei, porque segundo seu pensamento, ao
legislador cabe emitir mandamentos, proibições, permissões, mas não lhe compete
o pronunciamento sobre matéria estranha à legislação e referente apenas à
função jurisdicional. Quando o legislador ordena um método de interpretação,
quando invade o campo hermenêutico, esses ensaios científicos colocam-se no
mesmo plano das opiniões de qualquer teórico e não têm força de mando.
É bem verdade que Alessandro Gropalli[6][6] defende posição contrária, por entender
que “as normas de interpretação da lei, mais do que simples critérios dirigidos
ao prudente arbítrio dos magistrados, representam verdadeiras normas jurídicas,
que, por isso, vinculam a sua atividade lógica e vontade, indicando-lhes os
meios de adotar e os fins a conseguir”
Para Siches, ao contrário do que ocorre com a lógica da inferência, de
caráter neutro e explicativo, a lógica do razoável procura entender os sentidos
e nexos entre as significações dos problemas humanos, e portanto, dos políticos
e jurídicos, assim como realiza operações de valoração e estabelece finalidades
ou propósitos[7][7].
Destarte, não interessaria ao juiz e mesmo ao legislador, a realidade
pura, mas sim, decidir sobre o que fazer diante de certos aspectos de
determinadas realidades, de sorte que este método seria o correto para a função
jurisdicional.
Segundo o mesmo autor, o legislador opera com valorações sobre situações
reais ou hipotéticas, em termos gerais e abstratos, de forma que o essencial em
sua obra não reside no texto da lei, mas nos juízos de valor adotados como
inspiradores da regra de Direito.
No que tange à atividade do magistrado, especialmente a sentença, é essa
também fruto de estimativa, pois o juiz para chegar à intuição sobre a justiça
do caso concreto, não separa sua opinião sobre os fatos das dimensões jurídicas
desses mesmos fatos. Pois “a intuição é um complexo integral e unitário, que engloba
os dois aspectos: ‘fatos’ e ‘Direito’.”[8][8]
A este particular, o referido autor formula as seguintes observações: primeiramente entende que a
intuição do juiz acha-se embasada na lógica do razoável e que, quando se fala
que o juiz procura uma justificativa para o que pressentiu intuitivamente, isto
não significa que deva recorrer àquelas pseudo-motivações lógico-dedutivas, de
que se serviram os juristas no século XIX, bastando oferecer uma justificação
objetivamente válida, com embasamento na lógica do humano.[9][9]
Isto faz com que a função do juiz, embora mantendo-se dentro da
observância do Direito formalmente válido, seja sempre criadora, por
alimentar-se de um amplo complexo de valorações particulares sobre o caso
concreto.
Não se trata, contudo, de Direito Alternativo, muito menos do uso
alternativo do Direito, porquanto aqui, trata-se de que o julgador se valha, ao
intuir a solução mais justa aplicável ao caso concreto, dos métodos
tradicionais de interpretação para justificar a sua tomada de decisão.
Recaséns Siches explica ainda que a estimativa jurídica informa ao
intérprete sobre quais são os valores cujo cumprimento deve ou não ser
perseguido pelo Direito, tais como justiça, dignidade da pessoa humana,
liberdades fundamentais do homem, segurança, ordem, bem-estar geral e paz. Mas
há outros que podem ser englobados no conceito do que tradicionalmente se
denomina prudência: sensatez, equilíbrio, possibilidade de prever as
conseqüências da aplicação da norma e de sopesar entre vários interesses contrapostos,
legitimidade dos meios empregados para atingir fins justos, etc.
No intuito de concluir, Siches salientou que a Lógica do Razoável está
sempre impregnada por valorações, ou seja, critérios axiológicos. Esta
característica valorativa é totalmente estranha à lógica formal ou qualquer
teoria da inferência, constituindo um dos aspectos que, definitivamente,
distingue a lógica do razoável da lógica matemática.
Para o citado autor, a lógica formal não esgota a totalidade do “logos”,
da razão, é apenas um setor dela. Existem outros setores que pertencem
igualmente à lógica, que possuem natureza completamente diversa da lógica do
racional, que é a lógica dos problemas humanos de conduta prática, a “lógica do
razoável”.
Resta claro, então, que Luís Recaséns Siches é o catalisador, na ciência
jurídica latino-americana, das novas teorias em matéria de hermenêutica do
Direito. Ao se referir ao festejado autor, Luis Fernando Coelho[10][10] assim se expressou: “estas teorias que
se afastam da silogística e da concepção subsuntiva da decisão judicial,
fundamentam-se na prudência, na
eqüidade e no sentimento do justo, ubicados no equilíbrio da dimensão humana,
que o autor denomina o razonable, em
oposição ao racional. As decisões
jurídicas, antes de serem racionais, segundo a perspectiva lógico-subsuntiva,
são razoáveis. A este novo pensamento, vinculado à dimensão humana, é que se
denomina o logos do razoável.”
A lógica do razoável está exposta em três
obras principais: “Tratado Geral de Filosofia do Direito”, “Nova Filosofia da
Interpretação do Direito” e “Experiência Jurídica, Natureza das Coisas e Lógica
do Razoável, já mencionadas em título original nas citações anteriores.
Fica patente que a preocupação inicial de
Luís Recaséns Siches é a localização do homem dentro do universo. Em função
disto, resulta que “o homem não é natureza física e biológica, mas tem natureza
biológica e psicológica; vive na natureza e com a natureza que o circunda.
Acha-se pois condicionado por leis físicas, biológicas e psíquicas, mas elas
não exaurem a sua natureza toda, pois o homem possui algo de que o mundo físico
carece; o comportamento humano é consciente e tem um sentido, uma significação
que não existe no setor extra-humano, e por isso, esse comportamento é
diferente de uma estrela ou pedaço de natureza.” [11][11]
Segundo o renomado autor, o homem é livre arbítrio e age dentro do campo
limitado pela circunstância do meio em que vive. O reino do humano é sempre
campo da ação, onde o sujeito decide dentro de uma certa margem de liberdade.
Siches observa que em todos os casos, em que os métodos de lógica
tradicional se revelam incapazes de oferecer a solução correta de um problema
jurídico ou conduzem a um resultado inadmissível, a tais métodos não se deve
opor um ato de arbitrariedade, mas uma razão de tipo diferente, que aliás,
ORTEGA Y GASSET[12][12] explica que: “razão no verdadeiro
sentido, é toda ação intelectual que nos põe em contato com a realidade,
por meio da qual, deparamo-nos com o transcendente.”(sem destaque no original)
Na lição de Luís Fernando Coelho[13][13], Recaséns Siches parte das teorias de
Scheller e Hartmam, de sorte que a principal preocupação é a conciliação da
objetividade dos valores jurídicos, com a historicidade dos ideais jurídicos, a
qual decorre de cinco fatores:
“- a mutabilidade da realidade social;
- a
diversidade de obstáculos para materializar um valor em determinada situação;
- a
experiência quanto à adequação de meios para materializar um valor;
-
-
as prioridades emergentes das necessidades sociais, em função dos
acontecimentos históricos; e,
-
-
a multiplicidade dos valores.“
Fica bastante claro que o ponto de
partida para a teoria do comportamento humano e a hermenêutica de Recaséns
Siches é o seguinte fato: os homens discutem, argumentam, pesam suas razões,
ponderam, deliberam sobre os problemas de seu comportamento prático, em debates
que se travam à luz de determinados critérios estimativos. Isto ocorre, pois os
homens querem solução para seus problemas de existência; as soluções que os
homens encontraram para o seu comportamento prático não trazem em regra, a
marca da verdade, da mentira ou da falsidade, do notoriamente errado ou certo,
do absolutamente bom ou do mau, mas que basicamente estes consideram as mais
justas, convenientes, adequadas, apropriadas, sensatas, eficazes, viáveis,
prudentes, embora possam ser opostas à verdade e ao bem.
A solução, então, é RAZOÁVEL, “não
importando se é racional ou não, isto é secundário; a solução razoável é a
solução humana, embora nem sempre racional”, como lucidamente afirma Luis
Fernando Coelho[14][14]. Aliás, prossegue afirmando que “a lógica do racional não é a lógica toda,
somente uma parte dela, pois existe outra, a do logos do razoável”. Impende
ressaltar aqui a justeza da medida derivada desta “intuição” do julgador em
cada caso concreto submetido à sua apreciação..
Isto se explica na medida em que o que se sucede é que as leis não se
aplicam sozinhas, por si mesmas, decorrente de um mecanismo intrínseco que elas
tivessem, pois nem remotamente existe tal mecanismo. As leis têm seu âmbito de
império, dentro do qual figura um aspecto material, relativo ao conteúdo, ou
seja, cada norma jurídico-positiva se refere a uns determinados tipos de
situações, de assuntos, de fatos ou de negócios jurídicos, sobre os quais trata
de produzir especiais efeitos; efeitos que o legislador, portanto, autor da
norma, considerou justo, adequado e pertinente. Deve haver alguém que declare
qual é a norma aplicável ao caso concreto, como é aplicável esta norma e com
qual alcance. Este alguém é o juiz, na sua função interpretativa e agora
privilegiado com as cláusulas gerais, com os conceitos legais indeterminados e
conceitos legais indeterminados pela função.
Desta forma e além disto, na sua atividade jurisdicional, o julgador,
indagando-se qual a norma aplicável, não se deve guiar somente por critérios
formais, mas também, materiais. Portanto, para saber se uma determinada norma
jurídica é aplicável ou não a certo caso concreto e em que medida, deve
antecipar mentalmente os efeitos que esta aplicação haverá de produzir, como
magistralmente defende Recaséns Siches.
Isto significa dizer que tal atividade
conduz à interpretação da lei, precisamente do modo que leve a uma conclusão
mais justa para resolver o problema no caso em análise. Ao fazer isto, não
significa dizer que o julgador se distancie de seu dever de obediência ao
ordenamento jurídico positivo, mas dá a este mister um mais perfeito
cumprimento, dado que o legislador, em seu labor, o faz, de regra, com a melhor
maneira possível de atender as exigências da justiça e os anseios dos
jurisdicionados.
Destarte, se o juiz ou julgador trata de interpretar tais regramentos de
modo que o resultado traga ao caso apresentado o maior grau de justiça, não faz
nada além do que se propôs o legislador. Servindo ao mesmo fim, interpretar,
reconstruir intuitivamente na sua imaginação, qual é a autêntica vontade do
legislador e se os métodos aplicáveis produzem ou não uma solução justa.
Diante de tal argumentação, atribui-se crédito a tal teoria, não somente
porque é da lavra de renomado autor, mas também porque o Direito não é algo
estático, estanque, de sorte que o seu funcionamento não pode consistir apenas
numa operação de lógica dedutiva.
É evidente que as atuais normas jurídicas, reformadoras de velhas
instituições, bem como criadoras de outras, não podem e não devem ser
entendidas como resultantes de um processo dedutivo, pois existe algo além, que
é a consciência valoradora.
Destarte, o “logos” do razoável constitui a lógica que serve ao homem.
Não está destinada a explicar, mas sim, compreender e penetrar o sentido dos
objetos humanos. Está voltada para a
adequação das soluções aos casos reais, ainda que de forma irracional, pois
assim como o próprio Direito, é fruto da concepção humana, que tem por fim a
realização de certos valores. Embora originando-se indiretamente de fatos,
transcende às fronteiras fáticas, devendo ser visto numa noção de conjunto.
Ademais, tem por objetivo a compreensão do sentido e nexos entre as
significações, a fim de realizar operações valorativas, fixando finalidades e
propósitos, pois o fato humano não se restringe apenas à causa e efeito, eis
que tem um algo a mais, um sentido.
Este sentido se explica na multiplicidade de fatores que intervêm na vida
humana, obrigando especialmente o julgador, que trata os conflitos humanos, a
interpretar os sentidos e significações legais, pois, efetivamente, verifica-se
que a atividade do legislador estava muito apartada da realidade.
Com o advento deste novo Código, a despeito de algumas fundadas críticas,
outras desprovidas de suporte, podemos perceber a intenção do legislador,
certamente influenciado pelo culturalismo de Miguel Reale, de tentar aproximar
mais a sua função legislativa e a jurisdicional, dos anseios dos
jurisdicionados.
Nem se discute da possibilidade, como defendem alguns autores, de que o
legislador somente labora para o futuro, como norte ou referencial para a
sociedade, pois em muitos casos encontramos injustificáveis equívocos.
A este particular, impende trazer à colação, o artigo 21 do Código Civil
Mexicano, contido nas Disposições Preliminares, que tem a seguinte disposição:
“La ignorancia de las leyes no excusa su
cumplimento; pero los jueces teniendo en cuenta el notorio atraso intelectual
de algunos individuos, su apartamiento de las vías de comunicación o su
miserable situación económica, podrán, si está de acuerdo el Ministerio
Público, eximir-los de las sanciones en que hubieren incurrido por la falta de
cumplimiento de la ley que ignoraban, o de ser posible, concederles un plazo
para que la cumplan; siempre que no se trate de leyes que afecten directamente
al interés público.”
Evidentemente, ainda que a regra ditada no artigo 3º da Lei de
Introdução ao Código Civil[15][15] esteja a serviço da segurança das
relações, em muitos casos isto não coaduna com a realidade e com o caso
concreto pendente de julgamento, em que a aplicação do texto da lei poderia
conduzir a uma injustiça, não sendo destarte “razoável”.
Nesta esteira, isto comportaria uma hipótese: suponhamos um indivíduo que
sempre viveu em uma região da selva amazônica, com parcos recursos e raros
contatos com aquelas comunidades ribeirinhas, onde precariamente aprendeu a
“desenhar” seu próprio nome. Este
indivíduo é preso em flagrante ao derrubar determinada espécie de árvore para
fazer uma canoa, imitando o que sempre viu seu avô e seu pai fazerem. Em um
país de dimensões continentais como este, composto em grande parte de sua
população, de analfabetos ou semi-analfabetos, seria “justa” sua reclusão, dado
o fato típico praticado? O mesmo não poderia acontecer com um indivíduo no
sertão nordestino? Será que todos os profissionais do Direito, seus operadores,
têm pleno conhecimento de todas as disposições editadas em sede de Medidas
Provisórias?
Ao que parece, o legislador pátrio,
quando da elaboração da regra constante no artigo 14, inciso I da Lei 9.605, de
12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, teve tal
preocupação, ao “intuir” que no caso concreto poder-se-ia verificar tal
situação. Tanto é verdade, que a regra está assim disposta:
“Art. 14. São
circunstâncias que atenuam a pena:
I – baixo grau
de instrução ou escolaridade do agente.”
Aliás, tal medida somente vem a roborar o que já estava consagrado na
âmbito do Direito Penal, no tocante à figura do Erro sobre a ilicitude do fato,
explicitada no artigo 21 do Código Penal vigente:
“Art. 21 O
desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um
terço.
Parágrafo único.
Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir
essa consciência.”
Ora, da mesma forma já abordada no tocante ao comentário do artigo 3º
da Lei de Introdução ao Código Civil, o agente não pode pretender se livrar da
responsabilidade penal, alegando simplesmente que ignorava a lei, pois para a
segurança do sistema jurídico-penal, quando a lei entra em vigor, pressupõe-se
ser conhecida por todos. Daí o período destinado à sua divulgação.
Entretanto, é inegável que o legislador penal não se colocou em posição
de cometer possíveis injustiças, porque dentro de sua atividade, ao que se nos
parece, não desconheceu ou desconsiderou a nossa realidade social, reafirmando
o objeto de sua “intuição”, na regra do artigo 65 do mesmo diploma legal:
“Art. 65. São circunstâncias que sempre
atenuam a pena:
I - .....
II – o desconhecimento da lei.“
Evidentemente que a segurança das
relações não pode coadunar com a simples alegação de desconhecimento, mas em
casos especiais, pode-se conduzir a verdadeira injustiça. Muito certamente, o
legislador mexicano debruçou-se sobre sua realidade, sobre seus problemas
sociais, reconheceu as deficiências e deu margem ao julgador, de que em certos
casos, poderia consultar o Ministério Público e aplicar à situação, a medida
justa e razoável.
A Lógica do Razoável e a Interpretação
A interpretação das normas jurídicas incluem a referência a princípios
axiológicos e a critérios valorativos, os quais muitas vezes não estão
expressos no texto da lei, o que resulta dizer, que um ordenamento jurídico
positivo não tem como funcionar, atendendo-se única e exclusivamente ao que
nele está formulado.
Destarte, torna-se mister recorrer a princípios ou critérios, que embora
não formulados explicitamente, são necessários, na medida em que o texto legal
deva ser interpretado em função do propósito para o qual fora emitido, sempre
com relação ao sentido e o alcance dos fatos particulares em relação à norma.
Desta forma, a interpretação apenas literal, além de absurda, torna-se
sem sentido, pois se está buscando uma interpretação, esta nunca poderá ser
literal, ainda que realcemos a importância do caráter semântico como elemento
facilitador de acesso à correta via de interpretação.
Não fosse somente por este particular, temos ainda que o sentido das
palavras empregadas pode ser delimitado, de sorte que por mais que o legislador
se esforce, na qualidade de transmissor, o receptor jamais conseguirá fixar de
modo preciso, o sentido claro e inequívoco das palavras empregadas, o que se
deve basicamente à plurisignificação das palavras e também à mudança de sentido
que estas sofrem através dos tempos.
Assim, Recaséns Siches aponta que o sentido de uma palavra ou frase,
sobretudo nas normas jurídicas, nunca está terminantemente definido nem
completo. Muito pelo contrário, seu significado existe somente em relação com a
singular realidade do problema humano prático sobre o qual deva operar.
Como o legislador ou o órgão jurisdicional, ao usar palavras e frases, dá
o sentido atual que elas têm na cultura de seu país, deve o julgador usar da
atividade criativa do espírito para julgar com propriedade.
A Lógica do Razoável e a função legislativa
Como já mencionado alhures, na atividade de elaboração da norma, o
legislador tem diante de si um enorme leque de opções e, por certo, deve
escolher a que melhor se ajuste aos propósitos eleitos, no sentido de melhor
adequação ao fato social gerado no seio da sociedade, que “requeira” e que justifique
a sua formulação.
Impende esclarecer que o termo “requerer” adredemente destacado, está
intimamente ligado àquela crítica de que o legislador, em várias situações,
estaria apartado da realidade.
Destarte, delimita então o campo axiológico, e, aplicando a Lógica do
Razoável, deverá eleger valores que interessem ao mundo jurídico. É bem verdade
que existem alguns valores, como os religiosos, entendidos como de superior
hierarquia, que se realizam espontaneamente. Somente a título de ilustração,
mister se faz mencionar que os valores estéticos, tidos como de menor
hierarquia, como o estabelecer distinção entre o belo e o feio, não são
relevantes.
O que importa ressaltar é que não se deve cogitar de hierarquia entre
valores, pois este não é um critério a ser seguido pelo legislador. A Justiça
sim é um valor que sempre deve inspirar o legislador, já que entre outras
funções, ao Direito se designa a incumbência de garantir a realização de alguns
valores e prestigiar outros para a garantia da paz social.
Resulta disto que a atividade legislativa deve estar impregnada de
critérios valorativos, mas que não podem ser fornecidos pela lógica formal, mas
sim, pela lógica do humano, pela Lógica do Razoável.
A Lógica do Razoável e a função
jurisdicional
Como visto no item retro, o legislador opera com valorações sobre os
tipos de situações reais ou hipotéticas, valorações sobre gêneros ou espécies
de situações, enquanto o Juiz, na sua atividade jurisdicional, completa a obra
do legislador. Isto porque em vez de avaliar os tipos de situações em termos de
gênero e espécie, avalia as situações individuais em termos concretos. Torna-se
evidente então a incontestável diferença entre a operação do julgador e a do
legislador, pois o essencial na atividade do primeiro não é necessariamente o
texto da lei.
A despeito de colocado no presente opúsculo, de uma maneira bastante
sintética, Recaséns Siches[16][16] elabora um esquema das situações em que
pode o juiz se encontrar, no mister de sua tarefa de prestação da tutela jurisdicional,
elaborando a norma individualizada, encontrada de maneira clara e precisa,
também na monografia de Lídia Reis de Almeida Prado:
“Situação 1 - Aparentemente
existe uma norma vigente, aplicável ao caso em julgamento, de modo a lhe
produzir uma solução satisfatória. Mas, mesmo nesta situação, o magistrado
realiza uma série de juízos axiológicos: para encontrar a norma, para apreciar
a prova e qualificar os fatos, e para adequar o sentido abstrato e geral da
norma à significação concreta do caso controvertido;
Situação 2 - Há dúvida sobre a qual das normas de mesma
hierarquia, mas de conteúdo diferente, deve ser aplicável ao conflito. Em tal
hipótese, além das valorações referidas na "situação 1", o juiz, após
analisar os resultados que cada uma dessas normas produziria, deve escolher
aquela que conduz a uma solução mais justa;
Situação 3 - À primeira vista, o juiz, por se deixar
influenciar por nomenclaturas e conceitos classificatórios contidos numa norma,
pensa estar diante da regra que cobre o caso. Mas quando ensaia mentalmente a
aplicação desta à controvérsia sub judice,
percebe que a aplicação de tal norma à espécie, levaria a uma conseqüência
diversa ao resultado a que a norma propõe, ou seja, contrária aos efeitos que o
legislador pretendeu ou que teria pretendido se tivesse em vista a controvérsia
concreta da questão. Em tal circunstância, o juiz deve afastar a norma
aparentemente aplicável à espécie e considerar-se diante de um caso de lacuna.
Situação 4 - Por mais que o juiz investigue, não contém o
Direito positivo vigente uma norma aplicável ao caso. Nessa situação, dá-se uma
autêntica hipótese de lacuna.”[17][17]
Após a apresentação
dessas situações, Siches adverte serem frutíferas para análise das situações
"3" e "4", algumas considerações sobre a eqüidade, que
serão feitas no próximo item.
Como o processo de produção do
Direito não se encerra com a promulgação da lei, mas sim no momento de sua
individualização, que é a fase concreta, pode-se afirmar que esta é a mais
importante. Mesmo não se verificando lacunas e contradições na lei, o órgão
jurisdicional, no momento de julgar o caso concreto a si apresentado, valora as
provas e fatos aos autos carreados, qualificando-as de maneira jurídica e
adaptando-as ao geral e abstrato sentido da lei. Isto o faz, porque ao se
deparar com leis contraditórias, deverá optar por uma ou outra, e pautar-se por
critérios de justiça, antecipando mentalmente os efeitos que da aplicação da
norma advirão e verificar se tais efeitos estão de acordo com os propósitos da
lei. Nada mais lógico e razoável do que isto.
A Lógica do Razoável e a eqüidade
A eqüidade deve ser considerada em
toda extensão possível do termo e liga-se a três acepções intimamente
correlacionadas no dizer de Alípio Silveira[18][18], e que são as seguintes:
a) a) latíssima, o princípio universal da ordem
normativa, a razão prática extensível a toda conduta humana como religiosa,
moral, social, jurídica e outras, que configura-se como uma suprema regra de
justiça a que os homens devem obedecer;
b) b) lata, confundindo-se com a idéia de justiça
absoluta ou ideal, com os princípios de Direito, com a idéia do Direito, com o
Direito natural em todas as suas significações;
c) c) estrita, o ideal de justiça enquanto aplicado, ou
seja, na interpretação, integração, individualização judiciária, adaptação,
etc. Sendo, nessa acepção empírica, a justiça no caso concreto.
A eqüidade, segundo Agostinho Alvim[19][19], classifica-se em legal e judicial. Na
primeira, seria a contida no texto da norma, que prevê várias soluções, por
exemplo, o artigo 10, §§ 1º e 2º, da Lei 6.515, de 26 de
dezembro de 1977[20][20]. Todavia o leitor não deve deixar de
consultar o vigente Código, acerca deste assunto, nos artigos 1.584 e 1586.
Torna-se evidente que ainda antes do
advento do atual Código, o juiz ao aplicar tal preceito em benefício das
partes, sempre averiguava certas
circunstâncias, como idade dos filhos, inocência ou não dos pais, e outras. O mesmo
se verificava nos artigos 145,II (impossibilidade do objeto),
219,I(insuportabilidade da vida em comum), 395,I(castigo imoderado), 932(justo
motivo), 956,§Único(inutilidade da prestação), 958(isenção de dolo), 971(fins
imorais), 1002(má-fé), 1059(o que razoavelmente deixou de lucrar),
1183,III(injúria grave), 1300(aplicar toda a sua diligência habitual) e
1543(estimativa de afeição), todos do Código Civil de 1916. Todavia, em todas
estas situações, vê-se claramente um standard
jurídico, e que “há um apelo à eqüidade do magistrado, a quem cabe julgar do
enquadramento ou não do caso, em face das diretivas jurídicas”, no dizer de
Limongi França.
Na segunda concepção do aludido
autor, a judicial, podemos dizer que é aquela em que o legislador permite, explícita
ou implicitamente ao julgador, no caso concreto, como no caso do artigo 1040,
IV do Código Civil de 1916, que antes da revogação promovida por força da Lei
9.307/96, consistia na autorização, dada aos árbitros para julgarem por eqüidade, fora das regras e formas de
direito.
Na mesma esteira, a regra do artigo
1456 do aludido documento legal,
estatuía que “no aplicar a pena do
art. 1454, procederá o juiz com eqüidade, atentando nas circunstâncias reais, e
não em probabilidades infundadas, quanto à agravação dos riscos”, e, do
artigo 127 do Código de Processo Civil, que autoriza ao julgador decidir por
eqüidade nos casos previstos em lei.
Dos requisitos que Limongi França[21][21] aponta, o que mais ressalta aos olhos
quanto à pertinência deste trabalho, é no que tange à omissão, defeito ou
acentuada generalidade da lei.
A eqüidade é tradicionalmente vista
como um método para colmatar, para corrigir a lei em sua aplicação ao caso
concreto, daí, a advertência de Recaséns Siches no sentido de ser indispensável
a restauração da autêntica perspectiva de eqüidade, que foi mostrada, entre
outros, por Aristóteles e Cícero.
Para Aristóteles, a eqüidade
consistia na expressão do justo natural em relação ao caso concreto, sendo
superior ao justo legal. Em outras palavras, a eqüidade é o autenticamente
justo a respeito do caso particular. Observava Aristóteles que o erro
resultante da aplicação da fórmula geral da lei a casos particulares diferentes
dos habituais por ela previstos, não é um erro que tenha praticado o legislador,
não é um erro que esteja na lei mas algo que decorre da natureza das coisas,
porque a lei só pode reger universalmente.
Segundo Cícero, eqüidade não consiste
em corrigir a lei na aplicação desta a casos, mas sim, na sua exata aplicação, precisamente
de acordo com as verdadeiras vontades do legislador, acima da imprecisão das
palavras.
O que Siches[22][22] extrai dos ensinamentos de Cícero e
Aristóteles é que o legislador elabora suas normas gerais tendo em vista as
situações habituais. Quando se tratar de um caso que não pertença a esse campo
de situações, como quando o caso se apresenta como um tipo diferente daqueles
que serviram de motivação na elaboração da lei ou, se a aplicação da regra
genérica ao caso produzir resultados opostos àqueles a que se propôs, então
deve-se considerar aquela regra como não aplicável à espécie. E se não há, na
ordem jurídico-positiva, outra norma que sirva para resolver satisfatoriamente
o caso, o juiz deve considerar-se como se estivesse diante de uma hipótese de
lacuna.
Isto ocorre porque o problema de se
decidir se uma norma jurídica é ou não aplicável a um determinado caso
concreto, não se resolve por procedimento de lógica dedutiva. Ao contrário, é
um problema que se pode solucionar somente por ponderação e estimativa dos
resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinadas
situações reais.
Siches conclui que correto é o
caminho de se considerar a eqüidade como um "procedimento-adaptação"
das normas jurídicas aos casos práticos, conjugando-as com as cambiantes necessidades
da vida. No dizer de Lídia Reis de Almeida Prado[23][23], a eqüidade não é um método de
interpretação, mas o meio de interpretação, pois foi um antecedente, um
pressentimento do "logos" do razoável em matéria da interpretação das
normas jurídicas.
Maria Helena Diniz[24][24], supeditando-se em Recaséns Siches,
afirma que a eqüidade aparece na aplicação do método histórico-evolutivo no que
pertine a interpretação do Direito, pois preconiza a adequação da lei às novas
circunstâncias e do método teleológico, que requer a valoração da lei a fim de
que o órgão jurisdicional possa acompanhar as vicissitudes da realidade
concreta.
Desta forma, pela eqüidade,
compreendem-se e estimam-se os resultados práticos que a aplicação da norma produziria
em determinadas situações fáticas; se o resultado prático concorda com as
valorações que inspiram a norma em que se funda, tal norma deverá ser aplicada.
Todavia, se ao contrário, a norma aplicável a um caso singular produzir efeitos
que viriam a contradizer as valorações, conforme as quais se modela a ordem
jurídica, então indubitavelmente, tal norma não deve ser aplicada a esse caso
concreto, o que resulta dizer que a eqüidade está consagrada como elemento de
adaptação da norma ao caso concreto.
Na leitura, ainda que perfunctória da
regra ditada no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil,
vê-se claramente que é possível corrigir a inadequação da norma ao caso
concreto. Destarte, a eqüidade seria uma válvula de segurança que possibilita
aliviar a tensão e a antinomia entre a norma e a realidade, a revolta dos fatos
contra os códigos.
Por derradeiro a este tópico, convém
ressaltar a posição de Vicente Ráo[25][25] que apresenta três regras que devem ser
seguidas pelo magistrado ao aplicar a eqüidade:
“a) por igual modo devem ser tratadas as
coisas iguais e desigualmente as desiguais;
b) todos os
elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, coisa ou pessoa, ou que, no tocante a estas, tenham
importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente
considerados;
c) entre
várias soluções possíveis deve-se preferir a mais humana, por ser a que melhor
atende à justiça “.(sem destaque no original)
A eqüidade, então, confere um poder discricionário ao magistrado, mas não
uma arbitrariedade. É uma autorização de apreciar, segundo a lógica do
razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o
caso concreto ou singular. Um poder conferido ao julgador para revelar o direito
latente. Ora, como valer-se da eqüidade, aplicando-se a lógica do razoável, sem
considerarmos o poder de intuição do julgador?
Aplicações práticas
As aplicações em casos práticos são da mais variada natureza possível.
Não somente naqueles casos já suscitados, que de certa forma contestam a regra
ou aplicação do artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil mas
que diuturnamente ocorrem.
Com específica relação aos negócios
jurídicos, podemos arrolar como grandes exemplos, ainda que outros possam ser
alinhados, todas as disposições constantes do Livro III, Título I, Capítulo IV,
dos defeitos dos negócios jurídicos. É que os efeitos reflexos destas
patologias podem ser causa de extremada injustiça se o julgador se descuidar
das considerações alinhadas neste trabalho e, em alguns casos, aplicar a norma
positivada como está e declarar a nulidade ou a anulação de um negócio
defeituoso.
É ainda possível
destacar dentre estes, os artigos 156 e 157 e respectivos parágrafos, pois o
leitor poderá perceber a imensidão de situações conseqüentes da falta de
razoabilidade. Aliás, esta foi a impressão digital do legislador: faltou com a
razoabilidade nestas específicas disposições. A despeito dos elogios que são
merecedores os aludidos artigos, não podemos nos furtar à crítica, dadas as
omissões que também são resultantes, como a previsão do parágrafo segundo do
157, inexistente no artigo 156.
Com base nestas
ponderações, espera-se que a razoabilidade oriente o julgador no instante de
analisar o caso submetido à sua apreciação e que os conceitos de “grave dano” e
onerosidade excessiva sejam realmente verificados no negócio jurídico, eis que
a norma do artigo 171 determina a sua anulação. Todavia, talvez em algumas
situações, o melhor mesmo não seria retira-lo do mundo jurídico, mas sim
promover medidas que equilibrem a relação jurídica e atenuem a onerosidade para
patamares aceitáveis de acordo com a função social do contrato.
Demais
disto, como esperar que o julgador atinja a percepção da intenção da vontade
prevista no artigo 112 do vigente Código, sem uma atividade intuitiva e
razoável? Como detectar e aplicar o preceito de boa-fé explicitado no artigo
113?
Será
que no caso em concreto a atividade interpretativa, acerca do que seria “pessoa
de diligência normal” é algo que não exige uma maior cautela e que a falta de
razoabilidade não poderia conduzir à injustiça? E que se afirmará acerca do
artigo 152, ao apreciar a coação?
Este
trabalho não tem a pretensão se esgotar continental assunto. Apenas o intuito de
servir de breves reflexões.
Considerações finais
Ao afastar a concepção até então corrente, Recaséns Siches recomendou ao
intérprete e ao operador do Direito, uma antevisão das coisas, sustentada por
princípios estimativos, de modo a conduzi-lo a uma solução razoável para o caso
concreto.
Esta teoria, construída de forma compatível com todos os anseios de uma
época, dá ao operador, principalmente ao julgador, uma atividade criadora,
imbuindo-o do objetivo maior do Direito.
A pretensão de Siches é superar a multiplicidade de processos
hermenêuticos comumente verificados no Direito, considerando que os juízes,
como um bom exemplo de intuição, costumam valer-se, ainda que
inconscientemente, da Lógica do Razoável, para determinar a decisão que darão ao
caso a si apresentado, mas, no momento de prolatar o decisório, encobrem esta
atividade, esta operação, com “uma roupagem pseudo-dedutiva de natureza
silogística”, no dizer de Fábio Ulhoa Coelho[26][26].
Segundo a Lógica do Razoável, o pensamento não se guia pelos princípios
da lógica clássica, por entendê-la, sozinha, insuficiente ao estudo e
compreensão do Direito, mas por outros, centrados na investigação da
congruência entre a realidade, os valores, os meios e os fins da norma
jurídica.
Isto faz com que o operador do Direito, realizando operações normativas,
fixe finalidades e propostas, uma vez que o ser humano não se restringe apenas
a causa e efeito.
Desta forma, a interpretação deve operar-se dentro de critérios de
razoabilidade, de sorte que o Direito seja interpretado com vistas à realidade,
para atingir seu objetivo: regular comportamentos sociais. O Direito não deve
se ocupar dos homens, mas da sua conduta.
Por derradeiro, deve ser destacado que a específica consideração da
Lógica do Razoável com o negócio jurídico, deve-se em mesma medida às
justificativas do legislador em explicita-lo no Título I do Livro III, dos
Fatos Jurídicos, deixando o ato jurídico apenas circunscrito ao artigo 185.
Bibliografia
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PRADO, Lídia Reis de Almeida. Alguns aspectos sobre a lógica do razoável
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13 de junho de 2005
[1][1] GUSTAV RADBRUCH, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1914, apud Luis Recaséns Siches, Experiencia Jurídica, naturaleza de la cosa y
lógica “razonable”, p.645.
[2][2] In LÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO, Alguns aspectos sobre a lógica do razoável na interpretação do Direito, apud BEATRIZ DI GIORGI; CELSO FERNANDES CAMPILONGO e FLÁVIO PIOVESAN, Direito, Cidadania e Justiça. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 62.
[3][3] LUIS RECASÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia del Derecho, México, Ed. Porrua, 1959, p. 630-631.
[4][4] Apud BEATRIZ DI GIORGI; CELSO FERNANDES CAMPILONGO e FLÁVIO PIOVESAN, op. cit. p. 64.
[5][5] O texto original encontrado na obra Tratado General de Filosofia del Derecho, à página 642, é do seguinte teor: “La lógica de lo humano o de lo razonable es una razón impregnada de puntos de vista estimativos, de critérios de valorización, de pautas axiológicas, que además leva a sus espaldas como allecionamiento las ensinanzas recebidas de la experiencia, de la experiencia propia o de la experiencia del próximo através de la história”.
[6][6] ALESSANDRO GROPALLI, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, p. 230. apud J. B. HERKENHOFF, Como aplicar o Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 61.
[7][7] RECASÉNS SICHES, Nueva
filosofia de la interpretación del Derecho, Editorial Porrua, AS, México,
1973 p. 281.
[8][8] RECASÉNS SICHES, op. cit. p. 243.
[9][9] Op.
cit. p. 247.
[10][10] LUIS FERNANDO COELHO, Lógica Jurídica e Interpretação das Leis, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 211.
[11][11] LUIS FERNANDO COELHO, op. cit. p. 211.
[12][12] ORTEGA Y GASSET, apud
Recaséns Siches, op. cit. p.
133/134.
[13][13] Op.
cit. p. 212.
[14][14] Op. cit. p.
214.
[15][15] Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
[16][16] LUIS RECASÉNS SICHES, Nueva filosofia de la interpretación del
Derecho, Editorial Porrua, AS, México, 1973, p. 258 e seguintes.
[17][17] LÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO, apud Direito, Cidadania e Justiça – ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídicas RT, 1995, p. 71/72.
[18][18] ALÍPIO SILVEIRA, apud Maria Helena Diniz, Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo : Saraiva, 1994. P. 128.
[19][19] AGOSTINHO ALVIM, in Maria Helena Diniz, op. cit. p. 129.
[20][20] Art. 10. Na separação judicial fundada no caput do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa. § 1º Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. §2º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges.
[21][21] LIMONGI FRANÇA, apud Maria Helena Diniz, Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo : Saraiva, 1994. p. 130.
[22][22] op.
cit. p. 264.
[23][23] op.
cit. p. 73.
[24][24] op.
cit. p. 131.
[25][25] VICENTE RÁO, apud Maria Helena Diniz, op. cit. . p. 133.
[26][26] FÁBIO ULHOA COELHO: Roteiro de Lógica Jurídica, 3ª Ed. São Paulo : Max Limonad, 1997, p. 97.