Palavras-chave.
Alteração do prenome. Descumprimento do “poder familiar” por parte do pai.
Possibilidade.
Resumo: O
nome dos filhos é atribuição conjunta de ambos os pais. Quando um deles
descumpre acordo havido sobre o nome a ser dado aos filhos, impende ação de
retificação de prenome, com vistas a preservar o exercício do poder familiar da
mãe.
Sumário:
1. Introdução; 2. Da origem do nome; 3.
Do Poder Familiar; 4. Da mutabilidade do nome; 5. Da possibilidade de
transformação do prenome composto; 6. Da inexistência de danos a terceiros;
7. Necessidade de preservação do núcleo
familiar; 8. À guisa de conclusões; 9. Bibliografia.
1. Introdução
Trata-se de um caso concreto e bastante pitoresco. Um casal teve a
saborosa surpresa de saber que a mulher estava grávida. Motivo de festa para
toda uma família!
Tão logo descoberta a notícia, começaram as especulações sobre o nome a
ser dado à futura criança. Se fosse menina, decidiram de comum acordo,
chamar-se-ia Cláudia[2][2].
E assim se deu. Pelo ultra-som, descobriram que se tratava
de uma menina. Cláudia estava porvir.
O enxoval todo constou o nome de Cláudia. Pais, avós, tios, amigos,
todos, chamavam a criança apenas de Cláudia.
Contudo, quando do seu nascimento, por a mãe estar acamada, o pai corre a
fazer o registro, e dá à menor o nome de Ana Cláudia.
Dada a notícia à mãe, está se vê verdadeiramente desrespeitada,
humilhada, enganada...Cai em profunda depressão. Simplesmente abomina o nome
dado à filha, a ponto de nunca chamá-la pelo nome de registro e ordenar aos
achegados que também assim ajam.
O relacionamento do casal degringola. A harmonia simplesmente se desfaz.
Por um ato impensado do pai, a família, recém aumentada, está sob o risco da
derrocada.
Novamente conversam sobre o fato, e o pai reconhece o erro e permite que
o nome da filha seja alterado para Cláudia, tal como era previsto antes do
nascimento.
Ocorre, contudo, que esbarram na previsão legal da inalterabilidade do
prenome. Então, pergunta-se: estaríamos perante um caso de alteração do prenome
sem previsão expressa em lei? Ou o princípio da inalterabilidade do
2. Da origem do nome
“Nomem est quod uni
cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et certo vocábulo appellatur”[3][3]
A identificação de uma pessoa se dá pelo seu nome, que
a individualiza; pelo estado, que define sua posição na sociedade política e na família, como indivíduo; e pelo
domicílio, que é o lugar de sua atividade social.[4][4]
À nossa pesquisa interessa tão-somente o nome, que vem
a ser a identificação da pessoa
natural. É o principal elemento de individuação de homens e mulheres. Tem
importância não apenas jurídica, mas principalmente psicológica: é a base para
construção da personalidade.[5][5]
Maria Helena Diniz[6][6] assim define o nome:
“O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se
designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável,
imprescritível.”
De fato, o nome está inserido no vasto rol dos
direitos de personalidade, que gozam de especial proteção da lei. Aliás,
Washington de Barros Monteiro[7][7] argumenta que “o nome é dos mais importantes
atributos da personalidade, justamente por ser o elemento identificador por
excelência da pessoa.”
Neste desiderato, o artigo 16, do Código Civil
brasileiro, assegura que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.” Recebe-o ao nascer e conserva-o até sua morte.
Ainda, segundo Washington de Barros Monteiro[8][8]:
“Em todos os acontecimentos da
vida individual, familiar e social, em todos os atos jurídicos, e todos os
momentos, o homem tem que se apresentar com o nome que lhe foi atribuído e com
que foi registrado. Não pode entrar numa escola, fazer contrato, casar, exercer
um emprego ou votar sem declinar o próprio nome”.
De fato, no volver da história, o nome das pessoas sempre
ocupou um papel de imprescindibilidade. Entre os gregos, esse nome era único e
individual (Sócrates, Sófocles etc). Aliás, essa era a tendência dos povos da
Antiguidade[9][9]. Coube aos hebreus o início da inclinação
em se assegurar o sobrenome enquanto característica da família a que pertencia
a pessoa. Assim, nomes como José, filho de Jacó, Davi, filho de Jessé etc,
passaram a ser comuns entre os judeus do passado.
Os romanos tinham, basicamente, três nomes: o prenome,
para distinção entre os membros da família; o nome, que se referia à família (gens),
e o cognome, que distinguia as diversas famílias de uma mesma gens.[10][10]
Os saxões incorporaram son para demonstrar que
alguém era filho de outro. Assim, Peterson era o filho de Peter.
No sistema brasileiro atual, o nome da pessoa
compõem-se de um prenome e do respectivo apelido de família. Prenome é a
expressão que invidualiza a pessoa, ao passo que o sobrenome é o nome de sua
família. Portanto, todos têm direito de serem individualizados dentre os
integrantes de sua família.[11][11]
Conforme Fábio Ulhoa Coelho[12][12], “quem atribui o prenome à pessoa são os
seus pais, em conjunto”, salvo se um deles estiver falecido quando do registro
do nascimento.
Pontes de Miranda[13][13] também advoga que a imposição do nome
aos filhos é tarefa de competência de ambos os pais:
“A imposição do prenome compete aos pais; não
necessariamente ao pai. Se esse é que comparece a registro, o prenome é o que
ele impõe. Se é a mãe, nada tem de inquirir o oficial do registro, quanto ao
prenome que o pai preferiria. Ambos têm o dever de cuidar do filho (art.
384, II), que é distinto do dever de registrá-lo;
Assim, a imposição do nome aos filhos é tarefa conjugada a
ser exercida por ambos os pais.
3. Do Poder Familiar
Dita o artigo 1630, do Código Civil
brasileiro, que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto
menores.” Em seu texto o Código Civil
altera a expressão "pátrio poder", substituindo-a pela expressão
"poder familiar". A principal importância relativa a essa mudança
seria o fato de que "há muito tempo o poder familiar não é mais tido como
um direito absoluto e discricionário do pai, mas sim como um instituto voltado
à proteção dos interesses do menor, a ser exercido pelo pai e pela mãe, em regime
de igualdade, conforme determina a Constituição Federal..."[14][14]
Com efeito, o "poder familiar
é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e
aos bens dos filhos menores".[15][15]
Para Silvio de Salvo Venosa[16][16] “o poder paternal já não é, no nosso
direito, um poder e já não é, estrita ou predominantemente, paternal. É uma
função, é um conjunto de poderes-deveres, exercidos conjuntamente por ambos os
progenitores.”
Deveras, nem poderia ser diferente,
na medida em que a Constituição Federal disciplina, em seu artigo 5º, I que
"homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição", e no artigo 226, § 5º que "os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher".
Deste modo, sob o manto da
igualdade entre os cônjuges, prevista inclusive em nível constitucional, nosso
atual Código Civil, no artigo 1631, assegura que o poder familiar será exercido
por ambos os cônjuges, assegurando-se a qualquer um deles, em caso de
discordância, buscar o poder judiciário. É de se ver, in verbis:
Art. 1631. Durante o casamento e a união estável,
compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro
o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao
exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz
para solução do desacordo.
Igual redação se extrai do artigo 21, do
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade
de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil,
assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à
autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Tem-se, pois, de maneira
irrefutável, que o poder familiar é exercido em conjunto.
José Maria Catán Vasques[17][17] adverte que “las funciones
atribuidas a los padres tienem su fundamento en el Derecho natural. Se advierte
aqui, uma vez más, el fondo ético e la institución.” E acrescenta: “Se habla
así del deber de los padres de dar nombre al hijo y obrar para la tutela del
nombre”.
Logo, vê-se que o direito à
aposição do nome ao filho é decorrência do poder familiar (antigo pátrio
poder), a ser exercido pelos pais.
Maria Celina Bodin de Moraes também
é no mesmo pensar:[18][18]
“A escolha do prenome deve ser feita pelos pais, em
respeito ao teor do art. 226, § 5º, da CF (a previsão de igualdade dos
cônjuges) c/c o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (i. é,
atribuição do pátrio poder a ambos os genitores). Embora a Lei de Registros
Públicos incumba ao pai, e apenas em sua ausência à mãe, o dever de proceder à
declaração do nascimento do filho (art. 52), a escolha do prenome da criança
caberá a ambos os genitores, não havendo mais qualquer justificativa que possa
excluir a mãe desta decisão.”
Cônsono Limongi França[19][19], existe o “direito de por e tomar o nome
e o direito ao nome propriamente dito”. Na seqüência, esclarece que direito de por
o nome é a prerrogativa que alguém tem de atribuir a outrem certa designação
personativa, cabendo-lhe, em especial, aos pais. Argumenta que se o nome foi
atribuído por quem não tinha o direito de o fazer, isso emergeria como causa
justificativa da alteração do nome. Reporta-se ao artigo 82, do Código Civil de
1.916, que reclama agente capaz para a validade dos atos jurídicos. Por
conseguinte, se quem apontou o nome ao registro não podia fazê-lo, o ato
jurídico seria nulo.[20][20]
Por conseguinte, cabe a ambos, em iguais
condições, o exercício do pátrio poder (ou modernamento poder familiar). E em
caso de discordância, permite-se-lhes o socorro ao judiciário, conforme
previsto nos já citados artigos 1631, do Código Civil, e 21, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que destacam que “divergindo os pais quanto ao
exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz
para solução do desacordo.”[21][21]
Vê-se, então, que o comportamento
do esposo, em desrespeitar o ajuste do casal quanto ao nome da filha, fere de
morte o exercício conjunto e igualitário do poder familiar. Assim, com vistas a
reparar o ilícito, impõe-se a alteração do registro civil.
Conquanto, em tese, o nome da
pessoa seja imutável, a jurisprudência, a doutrina, e mesmo a história, estão
recheadas de casos em que se impunha a modificação das designações pessoais.
Pontes de Miranda[22][22] sustenta que:
“No terreno fático, as pessoas, em Roma,
podiam mudar o nome, no prenome, ou no sobrenome, ou todo ele, se o fazia sem
fraude (sine aliqua fraude). Já o ser exigida a ausência de fraude era novo. O
mesmo ê dizer-se que se tinham a aposição, o uso e a mudança dos nomes como
acontecimentos do mundo fático, só interessando, como tais, ao mundo do
direito, e não como fatos jurídicos; porque, ainda no caso de mudança
com fraude (L.única, C., de mutatíone nominis, 9, 25), era a fraude que
entrava como fato (jurídico) ilícito. Não nos parece que se possa ler a
Constituição de Diocleciano e Maximiano como enunciadora de princípio de não
entrada da mudança no mundo jurídico. Não se disse que a mudança não entrava, e
sim que a mudança com fraus era ilícita (no sentido de contrária ao
direito). Certamente, quando Baldo disse: “Mutatio nominis non fraudulosa
libero homini est permisso” e os outros o repetiram, deram azo a que se
pensasse em limitação ao dogma romano da livre mutabilidade do nome.”
Vê-se, então, que Roma tinha por
regra a modificação do nome, desde que não houvesse intuito fraudulento.
Contudo, nosso atual regime abona a
tese da definitividade do nome, na medida em que a Lei 6015, de 31-12-73, no
artigo 58, reza, in verbis: “O
prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos
públicos notórios.”
Todavia, na jurisprudência, vem se
sedimentando que a regra da imutabilidade é de ser abrandada, para se atender
ao uso, constante, diuturno, que se faz do nome que se porta, não apenas como o
meio de identificação, ou sinal exterior distintivo da pessoa, mas também, e
principalmente, considerando o direito da personalidade ao nome[23][23].
Logo, em casos excepcionais, poderá ser deferida a modificação do nome.
Fábio Ulhoa Coelho[24][24] assim os descreve:
“Em casos excepcionais, porém, é possível sua
mudança, a saber: a) vontade do titular, no primeiro ano seguinte ao da
maioridade civil; decisão judicial que reconheça motivo justificável para
alteração; c) substituição do prenome por apelido notório; d) substituição do
prenome de testemunha de crime; e) adição ao nome do sobrenome do cônjuge; f)
adoção.”
Maria Helena Diniz[25][25] ainda sugere que poderia haver essa
alteração em casos de “embaraços no setor comercial ou em atividade profissional,
evitando-se homonímias”.
Ademais, Limongi França relembra
que era de nossa cultura jurídica a mutação do prenome por causas
justificativas:
“Entre nós, no direito anterior ao Regulmaento nº
18.542, apesar do art. 25 do Decreto nº 9.886, de 1888, só permitir o
suprimento ou restauração do registro civil, “mediante justificação com as
formalidades legais”, foi uso consagrado a modificação do nome, quer para
evitar confusão, quer para fins comerciais, quer ainda por motivo ético
respeitável.”
Maria Helena Diniz[26][26], ao admitir que a imutabilidade do
prenome deve ser relizativizada em casos excepcionais, sugere que o nome
prevalente deve ser aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não a constante do
registro. Neste desiderato: “A jurisprudência tem entendido que o prenome deve
constar do registro é aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não aquele que
consta do registro”.
E, de fato, razão assiste à ilustre
autora. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já decidiu que “nada
impede que se abra exceção ao artigo 57 da LRP, quando a pessoa interessada
sempre foi conhecida pelo nome que deseja adotar”[27][27]. Neste julgamento, autorizou-se que
Maria Aparecida Melo passa-se a se chamar Maria Luciana.
No mesmo sentido houve nova decisão
deste Tribunal determinando-se a alteração de um prenome de Bernardo para
Victor, na medida em que o indivíduo era conhecido por Victor, não obstante seu
registro conter Bernardo[28][28]
É lapidar a lição que se extrai do
aresto relatado pelo Desembargador Nogueira Garcez, nos idos de 1978[29][29]: “prenome imutável é aquele que foi
posto em uso, embora não conste do registro”.
Portanto, a regra da imutabilidade
do prenome destina-se a garantir a permanência daquele com que a pessoa se
tornou conhecida no meio social[30][30].
Além disso, Nelson Martins Ferreira[31][31], sustenta que a imutabilidade do prenome
não deve ser entendida num sentido absoluto, sendo a retificação admitida por
interpretação humana e social dos dispositivos legais. Na seqüência, o mesmo
autor, reportando-se à jurisprudência que cita, traz interessante acórdão
lavrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[32][32], que também admite a mutação do prenome:
“No exato dizer de Erich Danz, “a vida não está a
serviço dos conceitos, mas sim estes ao serviço da vida.” Seria absurdo que,
pelo respeito supersticioso da letra de um aritgo de lei, se forçasse uma
pessoa a mudar de nome. Prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora
não constante de registro. O que a lei quer é que não haja alteração do prenome
no meio social, e não no livro de registro.”
Conquanto a Lei brasileira tenha
adotado a imutabilidade do prenome (artigo 58 da LRP), não pode o seu aplicador
ignorar a realidade existencial das pessoas, posto que, a intransigência formal
não impede sejam examinados e considerados os fatos que podem causar a
infelicidade de determinada pessoa.
Saliente-se que, com freqüência, se
vê nos votos permissivos da alteração de prenome o argumento de que "a
alteração permitida não é apenas com relação ao nome em si, suscetível de expor
ao ridículo o seu portador, mas ao nome ligado a circunstâncias particulares,
nas quais se pode atender ao elemento psicológico do interessado".
Infere-se, pois, que a modificação
do prenome é de ser aceita, ainda que excepcionalmente.
5. Da
possibilidade de transformação do prenome composto
O nome Ana Cláudia é, por assim se
dizer, um prenome composto. Conforme Maria Helena Diniz[33][33], o “prenome pode ser simples (João,
Carlos) ou duplo (José Antônio, Maria Amélia) ou ainda triplo ou quádruplo,
como se dá nas famílias imperiais.
Neste passo, o artigo 58, da Lei de
Registros Públicos, permite a transformação de prenome simples em prenome
composto, como por exemplo, de Angelino para Angelino Francisco[34][34]
Portanto, admite-se modificação do
prenome simples para prenome composto. Pela mesma razão, há de se admitir a
modificação do prenome composto para prenome simples. Neste diapasão são os
ensinamentos de Washington de Barros Monteiro[35][35]:
“De modo idêntico, não infrigne o disposto no
artigo 58 simples acréscimo ou justaposição de outro nome ao já usado pelo
registrado.
Pela mesma razão, permite-se a transformação de
prenome simples em composto, ou de simples em duplo e vice-versa (por exemplo,
de Elisa Ercília para Elisa.
Outra razão adicional para a
autorização da retificação do registro civil no caso comentado.
6. Da inexistência de danos à
terceiro
Outrossim, segundo remansosa
jurisprudência, não poderia caber a alteração do prenome se houvesse intuito
fraudulento ou doloso. E no caso em tela, esse vícios estão de pronto
afastados.
No caso em tela, a infante contava
com menos de 01 (um) ano. Em razão
disso, ainda não detinha vida social
nem tampouco um conhecimento público e generalizado. A eventual modificação de
seu prenome em nada afetaria as relações com terceiros, e sequer lhe atingiria,
na medida em que ainda não tem a exata compreensão dos fatos.
Acrescente-se, ainda, que é
conhecida pelos seus parentes e amigos como Cláudia, exatamente o nome que
pretende. Destarte, não há a menor possibilidade de danos em relação a
terceiros.
7. Necessidade de preservação do
núcleo familiar.
Prega a Constituição Federal, no
artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
Neste passo, tudo o que for possível para a preservação da família, deve ser
feito.
Segundo Sérgio Rezende de Barros[36][36] o afeto é o que conjuga:
“Cônjuges são, como o próprio nome diz, os que se
sentem conjugados por uma origem ou destino de vida em comum. Nessa conjugação
de vidas, atua o afeto. O que define a família é uma espécie de afeto que -
enquanto existe - conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em
comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se
fosse qualquer afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem
convívio. O conceito de família seria estendido com inadmissível elasticidade.
Na realidade, o que identifica a família é um afeto
especial, com o qual se constitui a diferença específica que define a entidade
familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo
convívio diuturno, em virtude de uma origem comum ou em razão de um destino
comum, que conjuga suas vidas tão intimamente, que as torna cônjuges quanto aos
meios e aos fins de sua afeição, até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja
de patrimônio moral, seja de patrimônio econômico. Este é o afeto que define a
família: é o afeto conjugal. Mais conveniente seria chamá-lo afeto familiar,
uma vez que está arraigada nas línguas neolatinas a significação que, desde o
latim, restringe o termo cônjuge ao binômio marido e mulher, impedindo ou
desaconselhando estendê-lo para além disso.“
Desta complexa lição extrai-se que o
afeto familiar é o que, deveras, conjuga a união. Pois bem, convivência
significa harmonia, coordenação.
Como se viu, a aposição do nome
apenas pelo pai causou um grave transtorno no seio da família. O
relacionamento, que dantes cordial, agora resulta extremamente conturbado. A
mãe, inclusive, está atravessando tratamento psicológico por conta disto,
conforme farta documentação acostada.
Deveras,
essa situação gerou um grave transtorno no seio familiar. A esposa se
sente traída, diminuída. Há manifesta infração ao artigo 1566, do Código Civil,
que dentre tantos efeitos pessoais que impõem aos cônjuges, alista com ênfase o
respeito e consideração mútuos.
Os direitos e deveres pessoais entre os
parceiros heterossexuais servem como sustentáculo familiar, e seu
descumprimento gera uma situação antijurídica, sendo sabido que a violação dos
ditos deveres podem levar à separação e, igualmente, ao divórcio, com a ruptura
do vínculo matrimonial.[37][37]
Deste modo, o respeito aos deveres
matrimoniais, incluídos indubitavelmente a lealdade, é imperativo legal, cujo
descumprimento pode ocasionar, inclusive a ruptura da entidade familiar.
A fim de preservar esse núcleo familiar,
restabelecendo-se a concórdia, impõe-se a modificação do nome da filha do casal
para Cláudia.
Há, deste modo, evidente interesse
individual e manifesta vantagem social para a alteração do nome, mitigando-se,
por conseguinte, o princípio da inalterabilidade do registro.
8. À guisa de conclusões:
a)
a)
os cônjuges haviam
estabelecido que o nome de sua filha seria CLÁUDIA, e não ANA CLÁUDIA;
b)
b)
ao registrá-la como Ana
Cláudia, o marido feriu o poder familiar cabível à esposa, e também maculou o
princípio da igualdade dos esposos;
c)
c)
a esposa está em tratamento
psicoterapêutico por conta do ocorrido;
d)
d)
a vida conjugal se
desestabilizou depois dos fatos;
e)
e)
a imutabilidade do prenome é
relativa, podendo, em casos tais, ser revista;
f)
f)
ademais, trata-se de mero
nome composto, que passará a ser simples. Não implica maiores complicações ou
complexidades;
g)
g)
a menor conta com menos de
01 (um) ano. Logo, não há intuito fraudulento, nem prejuízo para terceiros;
h)
h)
todos chamam a menor apenas
como CLÁUDIA. Alterar-lhe o nome apenas e tão-somente declarará situação fática
já em curso;
i)
i)
Tem-se, por irrefutável, a
necessidade da autorização da modificação do prenome.
9.
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COMO CITAR ESTE
ARTIGO:
ALMEIDA
JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A
alterabilidade do nome dos filhos pelo descumprimento do Poder Familiar mútuo. Disponível na
Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em xx de xxxxxxxx de
xxxx.
(substituir x por dados
da data de acesso ao site)
Artigo publicado no Mundo
Jurídico (www.mundojuridico.adv.br)
em 14.06.2004
[1][1] pós-graduado em Aspectos Modernos do Direito Contratual, pós-graduado em Direito das Relações Sociais, mestrando em sistema constitucional de garantia de direitos. Advogado militante, professor de Processo Civil da Associação Educacional Toledo, de Presidente Prudente, e de Direito Civil da Faculdade de Direito de Assis – FEMA/IMESA.
[2][2] Embora se trata de um caso real, os nomes foram alterados a fim de se preservar os verdadeiros envolvidos.
[3][3] “Nome é aquilo que é dado a cada pessoa e que serve para designa-la por um termo próprio e preciso”.
[4][4] GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 3a. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 139.
[5][5] COELHO, Fábio Ulho. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 184.
[6][6] Curso de direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, v. I, p. 102
[7][7] Curso de direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100.
[8][8] Loc. cit.
[9][9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, Vol. I., p. 242.
[10][10] FRANÇA, R. Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 30.
[11][11] Algumas vezes, tem-se ainda o agnome, sinal distintivo que se acrescenta ao nome completo (Filho, Júnior etc)
[12][12] Loc. Cit.
[13][13] Tratado de direito privado, V. I, p. 115.
[14][14] SANTOS NETO apud SILVA, R. B. T. Novo Código Civil Comentado. São Paulo. Ed. Saraiva. 2002.
[15][15] GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito de Família. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, V. II.
[16][16] Direito civil. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2003, p. 355.
[17][17] La patria potestad. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1960, p. 178
[18][18] Sobre o nome da pessoa humana. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
[19][19] Op. Cit., p. 178
[20][20] Op. cit., p. 259.
[21][21] Código Civil, art. 1631, par. único.
[22][22] Loc. cit.
[23][23] Por
mutação entenda-se a substituição ou acréscimo de expressões, posto que a
simples retificação do nome, em razão de erro de grafia, é expressamente
previsto na Lei de Registro Públicos, no artigo 110, que dispõe, in verbis:
“A correção de erros de grafia poderá ser processada no próprio cartório
onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado,
ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas.”
[24][24] Op. cit., p. 186
[25][25] Op. Cit., p. 105
[26][26] Loc. Cit.
[27][27] In RT 532/86
[28][28] in RT 412/178
[29][29] in RT 517/105
[30][30] in RT 534/109
[31][31] O nome civil e seus problemas. Rio de Janeiro: José Bushatsky Editor, 1952, p. 109.
[32][32] In RT 107/208
[33][33] Op. Cit., p. 102
[34][34] Esse exemplo, inclusive, é tirado de
Washington de Barros Monteiro, op. Cit., p.
106.
[35][35] Op. Cit., p. 106
[36][36] A ideologia do afeto. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
[37][37] ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. As relações entre cônjuges e companheiros no novo código civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 54.