® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

 

 

 

A constitucionalidade do art. 2.035 do Código Civil à luz do direito intertemporal e da teoria dos fatos jurídicos

 

 

Márcio de La-Rocca Silveira

 

 

1. INTRODUÇÃO

          Pretendemos neste texto abordar a constitucionalidade do art. 2.035 do novo Código Civil, à luz do direito intertemporal e da teoria dos fatos jurídicos.

          Dispõe o referido dispositivo:

          "Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

          Parágrafo único - Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos".

          O art. 2.045, com efeito, assim dispõe: "Revogam-se a Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850".

          Na mera leitura do dispositivo sob exame, o operador do direito já se depara com as dificuldades que suscitam. As expressões "validade", "negócios e demais ato jurídicos", "constituídos", "efeitos", "forma de execução", "ordem pública", contêm significados jurídicos próprios que devem ser utilizados de forma correta.

          Em razão disso, achamos indispensável o entendimento sobre a classificação dos fatos jurídicos (lato sensu), identificando o que sejam "negócios e demais atos jurídicos", passando pelos planos da existência, validade e eficácia. Analisaremos, ainda, o conceito de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. Somente depois disto, julgamos possível entrar na análise da interpretação e hipóteses de incidência do art. 2.035.

          Neste último item, delimitaremos nosso estudo em três partes: num primeiro momento falaremos sobre a validade dos negócios e demais atos constituídos antes do novo Código; depois, tratamos dos efeitos destas espécies de fatos jurídicos produzidos após a vigência do novo Código e as formas de execução pelas partes; e, por fim, o ponto que consideramos mais delicado, analisaremos o parágrafo único do indigitado art. 2.035.

          Cumpre adiantar que o referido dispositivo tem implicações bastante ampla no Direito Civil, sendo aplicável tanto nos direitos Obrigacionais, quanto nos Direitos Reais, Empresarial, de Família e Sucessórios. Não há de se olvidar, ainda, de sua aplicação no Direito do Trabalho, Ambiental e Consumidor. A principal incidência deste dispositivo transitório tem-se verificado em relação à aplicabilidade do art. 406 do NCC, que trata dos juros moratórios, aos contratos celebrados quando da vigência do Código de 1916. Verifica-se, ainda, sua incidência quanto à redução da multa condominial, à rescisão por onerosidade excessiva, dentre tantos outros casos que, no decorrer deste capítulo, serão citados.

          Estando diante de um momento de transição, somando-se a isso a complexidade do dispositivo e a divergência referente ao direito intertemporal, o resultado não poderia ser outro senão a existência das mais diversas interpretações para o art. 2.035. Há quem atribua a ele o vício da inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 5º, inciso XXXVI da Carta Magna (01), porém, não é este o nosso entendimento.

          Como análise sucinta e magistral do nosso tema, citamos Vicente Ráo, que, malgrado antes do novo Código Civil, faz-nos questionar sobre a redundância do art. 2.035, quando já afirmava:

          "Os fatos ou atos pretéritos e seus efeitos realizados sob o império do preceito antigo não podem ser atingidos pelo preceito novo sem retroatividade, a qual, salvo disposição expressa em contrário, é sempre proibida. Aplica-se o mesmo princípio aos fatos pendentes e respectivos efeitos. Assim, a parte, destes fatos e efeitos, produzida sob o domínio da norma anterior é respeitada pela nova norma jurídica, mas a parte que se verifica sob a vigência desta, a esta fica subordinada. As novas normas relativas aos modos de constituição ou extinção das situações jurídicas não devem atingir a validade ou invalidade dos fatos passados, que se constituíram ou extinguiram, de conformidade com as normas então em vigor. Os efeitos desses fatos, sim, desde que se verifiquem sob a vigência da norma superveniente, por ela são disciplinados, salvo algumas exceções." (02)


2. DO EFEITO TEMPORAL DA LEI

          Toda lei tem sua força em determinado local e tempo. Em regra, uma norma tem vigência até que outra a revogue. É, pois, neste ponto que surge o direito intertemporal, direito transitório ou conflito de leis no tempo. Seja qual for a denominação da matéria, o inevitável é que neste campo do direito não há uma única trilha seguida. A sucessão de leis no tempo traz diversos problemas para a aplicação do Direito, porquanto a norma anterior incidiu sobre determinadas situações e, por outro lado, a lei revogadora está pronta para incidir.

          No conflito intertemporal, com efeito, entram em choque dois dogmas jurídicos: de um lado a segurança das relações constituídas sobre a égide da norma revogada que a novatio legis deve tentar preservar; por outro, a nova lei traz, em princípio, a evolução das necessidades sociais, o progresso, a visão moderna. Assim, determinados doutrinadores e a própria jurisprudência ora pendem para um lado, ora primam pelo outro. A solução, contudo, deve ser aristotélica, buscando um meio-termo para que não haja nem o apego retrógrado ao passado, tampouco a desfaçatez do que já foi constituído.

          As teorias de direito intertemporal são variadas e, em pouco, convergem. Para as Teorias Subjetivas, a busca pela solução do conflito intertemporal das leis ocorre em face dos direitos subjetivos individuais, que devem ser protegidos. Já para a Teoria Objetiva, o que importa é o efeito temporal da norma jurídica. Gabba se destaca na primeira teoria, trazendo o conceito de direito adquirido e sua restrição para a retroatividade. Pelo outro lado, Roubier diferenciou a retroatividade da eficácia imediata da lei. O sistema brasileiro constitui-se pela simbiose destas doutrinas. A Constituição brasileira, ressalte-se, não veda expressamente a retroatividade da lei nova. O que ela faz é proteger o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

          Assim, a grande celeuma do direito intertemporal reside no próprio sentido jurídico da palavra "retroatividade" que, muito embora possa ter etimologicamente um sentido, é, diversas vezes, empregado em outro. Retro significa "para trás"; logo, retroagir seria o agir no passado. Todavia, embora entendamos que assim seja, a doutrina utiliza-o em outro significado. Para esta corrente, retroagir é, pois, atingir determinados direitos já constituídos pela lei anterior, muito embora a atuação da nova lei se dê a partir de sua entrada em vigor. Retroagir, neste caso, seria o agir da lei nova, seja no passado, no presente ou no futuro, infringindo determinados direitos subjetivos.

          Concorre para isto a própria classificação de "graus de retroatividade" feita pela doutrina e, diversas vezes, utilizada pela jurisprudência. Diz-se de grau máximo quando a lei nova extingue situação anterior ao período de sua vigência, restituindo o status quo ante. A retroatividade dita de grau médio ocorre quando, malgrado não deixe de restituir ao estado anterior, a nova lei atinge efeitos destes atos, produzidos antes de sua entrada em vigor. Por fim, e aqui está o problema, referem-se à retroatividade mínima quando a nova lei atinge efeitos futuros de atos pendentes. Neste caso, porém, não há propriamente retroatividade, mas sim eficácia imediata da lei.

          Neste passo, há que se ressaltar os dois enfoques da matéria: de um lado, há a projeção temporal da lei nova, que pode ser retroativa ou irretroativa e, ainda, ter eficácia imediata; ao passo que neste agir da lei, determinadas situações jurídicas devem permanecer incólumes. Não se pode, contudo, esquecer que a Constituição Federal não proíbe a aplicação retroativa da lei, preservando, porém, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

          Portanto, ao conceituar retroatividade alguns autores não levam em consideração o efeito da própria lei, mas sim o "aspecto temporal das realidades sobre as quais ela incide" (03). Assim, retroativa não seria a lei que "age no passado". Ao passo que outros atentam-se para o aspecto temporal da própria norma jurídica, entendendo, pois, conforme a etimologia da palavra. Já manifestamos o entendimento de que esta segunda vertente é a mais sustentável. Destarte, aplicaremos as regras expostas por José Eduardo Martins Cardoso, inspirado em Gaetano Pace, que ao aferir sobre a retroatividade e a eficácia imediata da nova lei, utiliza-se da estrutura lógica da norma jurídica. Com efeito, adotando a corrente não-sancionista (04), "a retroatividade de uma norma expressa em lei pode se dar tanto quanto à sua hipótese, como quanto a seu preceito" (05). Para ser retroativa, basta que isoladamente ou em conjunto, a hipótese ou o preceito valorem o elemento fático do passado. Por conseqüência, ocorre efeito imediato da lei nova quando "nem a sua hipótese, nem o seu preceito projetam efeitos pretéritos" (06). Assim, no que se refere à aplicação imediata ex hipótese, explica o autor:

          "não importará se o que é exigido para a realização da hipótese normativa teve faticamente nascimento ou origem sob a vigência da lei velha. Basta apenas que a hipótese se faça preencher por uma dada realidade fático-jurídica coincidente na sua existência por inteiro com o momento temporal que entra em vigor a lei nova, para que a sua incidência seja qualificada como imediata." (07)

          Continua o autor:

          "Difere assim o efeito imediato ex hipótese da retroatividade ex hipótese não pelo fato de que a conditio juris descrita pode ter sua origem fática remontada ao passado, mas porque no primeiro a lei só exige a sua existência no presente, enquanto que na segunda a norma exige valorativamente a sua configuração existencial no passado." (08)

          A norma cuja hipótese valore fatos passados será retroativa, mesmo que o preceito tenha efeito imediato. Para ter efeitos imediatos, então, tanto a hipótese quanto o preceito devem atingir os fatos verificáveis, quanto a sua existência, no exato momento da sua entrada em vigor. Resumidamente, poderíamos dizer que o fato jurídico em que a nova lei irá incidir pode ter existência anterior a ela, porém se a verificação deste fato, bem como a atuação desta norma coincidir com sua entrada em vigor, teremos eficácia imediata e não efeito retro-operante..

          Retroatividade, deste modo, refere-se ao "agir no passado", ocorre, pois, quando a norma legal "valorativamente invade e altera o período de tempo anterior ao início de sua própria vigência, seja para descrever na sua hipótese, isoladamente ou não, elemento fático realizado no passado, seja por definir preceito que implique em modificação jurídica de realidade pretérita". Ao passo que, diz-se irretroativa a norma que não age no passado.

          Não se pode confundir proteção dos direitos adquiridos, ato jurídico perfeito e coisa julgada com a aplicação temporal da norma. Assim, pensamos uma hipotética norma temporária no novo Código: "A partir da vigência deste código, serão considerados inválidos todos os atos contrários a suas normas". O suporte fático da norma será valorado a partir da entrada em vigor da nova lei, não há valoração do passado. O fato de já existir o ato antes do Código é irrelevante, pois não está sendo valorado. Há, portanto, eficácia imediata. É claro, porém, que esta norma não poderia ser aplicada, não por ser retroativa, pois não o é, mas pela flagrante ofensa ao ato jurídico perfeito. Imaginemos outro exemplo: "aqueles que casaram no ano anterior a vigência deste código, terão como regime de bens o da comunhão parcial". Neste caso, a atuação da lei está sendo realizada no passado (um ano antes da vigência), configurando a retroatividade. Efeito imediato, portanto, consiste na aplicação da lei nova a partir da sua entrada em vigor e não pode confunde com a retroatividade (09).

          A ultra-atividade, por sua vez, refere-se à eficácia da lei revogada, embora sem vigência. Quando ocorrer a sobrevivência da lei velha, "implicará, normalmente, a exclusão dos efeitos imediatos e futuros da lei em vigor, no que tange particularmente a situações ou relações em curso no momento da alteração legislativa" (10).

          Neste vaivém das normas jurídicas, o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada permanecem incólumes (11).

          Portanto, há que se ter sempre a ressalva de que, muitas vezes, a utilização do termo "retroatividade" é empregada no sentido de ofensa àqueles três institutos, e não como efeito temporal da lei.


3. NEGÓCIOS E DEMAIS ATOS JURÍDICOS

          A teoria dos fatos jurídicos daria espaço a um trabalho imenso, porém desnecessário para o momento. Por esta razão, limitar-nos-emos aos conceitos e classificações dos fatos jurídicos, sem adentrar nas diversas celeumas que o estudo suscita.

          Segundo Miguel Reale, fato jurídico é "todo e qualquer fato, de ordem física ou social, inserido em uma estrutura normativa" (12). Já para Silvio Rodrigues, fatos jurídicos em sentido lato "...engloba todos aqueles eventos, provindos da atividade humana ou decorrentes de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas" (13).

          Segundo Ponte de Miranda, citado no belíssimo trabalho de Marcos Bernardes de Mello,

          "Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade." (14)

          Portanto, em síntese, conforme brocardo romano ex facto oritur jus, isto é, o direito nasce dos fatos, fato jurídico é espécie do gênero fato, sendo aquele assim qualificado quando este for regulado pelo Direito.

          Não há convergência, também, quanto à classificação dos fatos jurídicos. Porém, seja qual for a divisão adotada, o que se deve ter em mente, quanto às diferentes espécies de fatos jurídicos, é que há fatos em conformidade ou não ao Direito, assim como há fatos emanados da vontade humana e outros decorrentes da natureza.

          Segundo a grande parte da doutrina, os fatos jurídicos se classificam da seguinte maneira: Fatos jurídicos em stricto sensu (15) e ato jurídico em lato sensu (16). Os atos jurídicos lato sensu são divididos em atos lícitos ou atos ilícitos. Os primeiros subdividem-se, ainda, em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos (17). Há ainda uma terceira espécie de fato jurídico que não pode ser esquecido, refere-se ao ato-fato jurídico (18), incluído neste rol através de Pontes de Miranda.

          Tendo em vista que o negócio jurídico é mais complexo, demandando regras precisas, o legislador do novo Código preferiu discipliná-lo exaustivamente, deixando ao ato jurídico stricto sensu, conforme art. 185, as sua disposições que não forem incompatíveis (19).

          Ante a ausência de manifestação de vontade, conforme Humberto Teodoro Junior, ao ato-fato jurídico "não se pode cogitar de validade ou invalidade, e muito menos dos defeitos que ocorrem no negócio e no ato jurídico em sentido estrito" (20). Por conseqüência, estas espécies de fatos jurídicos estão excluídas da primeira parte do art. 2.035, que se refere à "validade de negócios e demais atos jurídicos", não abrangendo, pelos mesmos motivos, os fatos jurídicos stricto sensu e os atos contrários ao direito (21).

          Nosso estudo, portanto, deve se concentrar mais nos atos jurídicos lato sensu. Porém, quanto aos efeitos daquelas outras espécies de fatos jurídicos, podem vir a ter repercussão no indigitado dispositivo, conforme assevera Pontes de Miranda:

          "Os atos-fatos jurídicos têm, de regra, simultâneas, a existência e a eficácia (...). Não são atos jurídicos [perfeitos], no sentido do art. 150, § 3.º [CF 1967], mas tais atos-fatos produzem direitos, ao entrarem no mundo jurídico (...), protege-os contra lei nova." (22)

          Dentro do que dispõe a teoria dos fatos jurídicos, conclui-se que: a) o art. 2.035 dispõe sobre "a validade dos negócios e demais atos jurídicos", sendo assim, incluem-se neste rol os atos jurídicos lato sensu lícitos (ato jurídico e negócio jurídico), excluindo-se, portanto, os fatos jurídicos stricto sensu e o ato-fato jurídico e os atos ilícitos, por não se cogitarem sobre sua validade; b) a parte final do caput do artigo ("salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução") restringe-se aos negócios jurídicos, pois somente nestes se têm o poder de auto-regramento por iniciativa das partes, não se podendo cogitar de forma de execução prevista em caso de ato jurídico stricto sensu; c) por conseqüência, somente esta convenção pode violar preceitos de ordem pública, já que no ato jurídico stricto sensu "a eficácia que lhe é reconhecida pela ordem jurídica está em função de finalidade geral, de caráter político legislativo" (23); o parágrafo único do art. 2.035, destarte, restringe-se também aos negócios jurídicos.


4 O ATO JURÍDICO NO PLANO DA EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA

          Entramos agora num ponto delicado do Direito, no qual a doutrina não encontra uma solução unânime. Não obstante, abordaremos suas linhas gerais, tendo em vista que nosso estudo pressupõe o conhecimento perfunctório deste intricado tema.

          Dentro dos três planos em que o ato jurídico lícito, para gerar os efeitos desejados, deve passar, podem ocorrer as seguintes situações:

          "(a) existe, é válido e é eficaz (casamento de homem e mulher capazes, sem impedimentos dirimentes, realizado perante autoridade competente), (b) existe, é válido e é ineficaz (testamento de pessoa capaz, feito com observância das formalidades legais, antes da ocorrência da morte do testador), (c) existe, é inválido e é eficaz (casamento putativo, negócio jurídico anulável, antes da decretação da anulabilidade), (d) existe, é inválido e é ineficaz (doação feita, pessoalmente, por pessoas absolutamente incapazes)." (24)

          Sendo que, quaisquer atos jurídicos "somente atingem sua plena realização após passarem, sucessivamente pelo plano da existência, plano da validade e atingirem o plano da eficácia" (25).

          Há que se ter cuidado, contudo, com as terminologias utilizadas. Conforme Orlando Gomes, "na sua maior extensão o vocábulo ineficácia emprega-se para designar todos os casos em que o negócio não produz seus efeitos [desejados]. Quando não se produzem por um defeito de construção, dizem-se inválidos. A invalidade dos atos defeituosos comporta graus". Os graus a que se refere o inesquecível jurista são a nulidade e anulabilidade do ato jurídico. Assim, conclui o autor, "na acepção lata, a ineficácia abrange a invalidade" (26). Neste sentido, invalidade é a sanção dada pelo legislador ao ato jurídico que não obedeceu às normas pré-estabelecidas. Esta é a chamada ineficácia estrutural do negócio jurídico.

          Explicando este ponto, Humberto Theodoro Junior ressalta que a ineficácia lato sensu pode se dar de forma estrutural ou de forma funcional. Ocorre a primeira quando "o negócio se constitui de maneira defeituosa, e, assim, sua inaptidão a gerar os efeitos programados é inerente ao próprio negócio". Ao passo que a ineficácia funcional "deriva de circunstâncias ulteriores à formação da relação jurídica idônea na origem a gerar os efeitos programados". Destarte, conclui o autor, ainda no sentido lato, que "a eficácia pressupõe a validade do negócio jurídico, mas não apenas a validade; exige, também, a idoneidade funcional inerente à autonomia privada" (27).

          Esta passagem é salutar para não confundir o sentido das palavras eficácia ou ineficácia no seu sentido estrito, situado no último plano de projeção (28). Já vimos que o ato nulo pode ser eficaz (sentido estrito), assim como o ato válido pode ser ineficaz (stricto sensu).

          Conforme ressalta Humberto Theodoro Junior, "o negócio in concreto pode não produzir ou deixar de produzir, no todo ou em parte, seus desejados efeitos, sem que se ponha em discussão a sua validade originária". Por isto, "não é correto reunir os vícios dos negócios jurídicos nos limites do binômio nulidade-anulabilidade, como equivocadamente insiste em fazer o novo Código Civil". Para o autor, há vícios que não pressupõe defeito estrutural da relação, mas advém de forma superveniente no decorrer das avenças. Então, acrescenta,

          "... o que (...) a moderna concepção do direito civil preconiza é a divisão do fenômeno da ineficácia em vários grupos: a) a nulidade; b) a anulabilidade; c) a ineficácia originária; d) a ineficácia sucessiva. Assim, (...) pode-se afirmar que os vícios de consentimento produzem anulabilidade, mas a lesão conduz à rescisão por ineficácia originária, e o desequilíbrio das prestações correspectivas durante a vigência do contrato conduz à sua resolução por ineficácia sucessiva". (29)

          Após estas análises perfunctórias acerca dos planos de projeção do ato jurídico, podemos extrair algumas conclusões pertinentes ao nosso estudo. Em que pese o art. 2.035 refira-se à "validade", pode-se interpretar que nos casos de inexistência do ato jurídico constituído durante o Código Beviláqua, serão por este regido. Só se cogita do plano da validade uma vez preenchido os elementos essenciais do ato (plano da existência), por esta razão os elementos exigidos devem reportar-se ao momento em que o ato foi celebrado. No mesmo raciocínio, os casos de ineficácia originária, em que se refere Humberto Theodoro, também devem ser albergados nesta interpretação (30).

          Outrossim, quando se trata de ineficácia estrutural, reporta-se para o campo da validade. Assim sendo, se o ato já era constituído quando entrou em vigor o NCC, a norma jurídica aplicável há de ser a Lei de 1916 ou a primeira parte do Código Comercial. Ao passo que, se a ineficácia é funcional, superveniente, referente ao plano da eficácia, a norma aplicável dependerá do momento em que o fator de ineficácia ocorreu. Com efeito, uma vez ocorrido após a vigência da nova lei civil, esta será aplicável. À contrario senso, uma vez que o efeito do ato tenha se produzido durante a lei revogada, ocorrerá sua ultra-atividade.

          Portanto, nas palavras de José de Oliveira Ascensão, deve-se "separar o que respeita à valoração do acto em si, do estatuto dos efeitos jurídicos que só se produzem após a entrada em vigor da nova lei" (31).


5 INSTITUTOS BÁSICOS DO DIREITO INTERTEMPORAL

          Como pressuposto da análise do artigo 2.035, é preciso fazer referência aos "institutos básicos do direito intertemporal", isto é, faremos agora uma abordagem sobre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, bem como seus alcances.

          A LICC traz um conceito sucinto do que seja ato jurídico perfeito no §1º, do art. 6º: "Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou". Conforme Pontes de Miranda,

          "o ato jurídico perfeito é fato jurídico, que tem o seu momento-ponto, no espaço-tempo: entrou em algum sistema jurídico, em dado lugar e data. O conceito é conceito do plano da existência: se ato jurídico começa de existir, aqui e agora, é porque o ato entrou no mundo jurídico aqui e agora, e a sua, juridicidade é a coloração que lhe deu o sistema jurídico, tal como aqui e agora êle é." (32)

          Desta forma, o termo consumado deve ser entendido como preenchidos os elementos necessários para o nascimento deste ato, bem como dos requisitos de validade que a norma jurídica, contemporânea a este ato, obriga-lhe.

          Neste mesmo sentido, segundo Celso Ribeiro Bastos:

          "O ato jurídico perfeito é imunizado contra as exigências que a lei nova possa fazer quanto à forma. Assim, se alguém praticou um ato de doação, respeitando as previsões legais vigentes à época, este ato ganha condições de perdurabilidade no tempo, ainda que as condições para a sua prática já sejam outras à época em que ele for feito valer. Por tanto, é algo que diz muito mais respeito à forma do que à substância ou conteúdo." (33)

          Assim, dentro do que já estudamos quanto aos planos de projeção dos atos jurídicos, considera-se já consumado quando, não obstante tenha ou não gerado efeitos, o ato seja válido, pois ele pode ser válido sem que tenha eficácia, neste caso será ato jurídico perfeito. Se o ato é inválido não há que se cogitar de proteção, com mais razão se ele for inexistente. Se for ato anulável e, portanto, possível de ratificação ou decadência, somente depois da realização destas poder-se-á falar em ato jurídico perfeito, pois é a partir daí que o ato se torna válido.

          Sustentando o acima afirmado, Marcos Bernardes de Mello leciona: "validade, no que concerne a ato jurídico, é sinônimo de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento jurídico." (34) Em nota a esta afirmação, continua o autor, referente ao conceito dado pela LICC: "ao definir ato jurídico perfeito (...) tem como pressuposto da perfeição a sua validade, uma vez que, se inválido, o ato não se poderá considerar consumado segundo a lei" (35).

          Destas afirmativas, têm-se como corolário que os atos condicionais, embora ineficazes, são considerados atos jurídicos perfeitos (36), como, por exemplo, o testamento feito sob a égide da lei anterior, antes da abertura da sucessão.

          Quanto ao direito adquirido, consoante §2º, do art. 6º da LICC, são "(...) os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

          O conceito de direito adquirido constitui uma das grandes celeumas do Direito Intertemporal, bem como da própria Ciência Jurídica. Por esta razão, não nos cabe neste momento esmiuçá-lo. Destarte, segundo Limongi França, "é a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto" (37).

          Celso Bastos afirma que

          "o direito adquirido consiste na faculdade de continuar a extraírem-se efeitos de um ato contrário aos previstos pela lei atualmente em vigor, ou, se preferirmos, continuar-se a gozar dos efeitos de uma lei pretérita mesmo depois de ter ela sido revogada. Portanto, o direito adquirido envolve sempre uma dimensão prospectiva, vale dizer, voltada para o futuro" (38).

          Por esta razão, fala Pontes de Miranda que "o conceito é conceito do plano de eficácia, porque todo direito é efeito, como são efeitos todo dever, tôda pretensão, tôda obrigação, tôdas as ações e tôdas as exceções" (39).

          Recentemente, na decisão sobre a chamada "taxação dos inativos", o novo Ministro do STF, Eros Roberto Grau, assim se manifestou:

          "Ao cuidar do ato jurídico perfeito, o preceito constitucional está a referir situações existentes e válidas [mesmo que ainda não eficazes] (...) verificados os pressupostos da existência e os elementos da validade, as situações mantêm-se íntegras, a salvo de eventuais modificações, no direito positivo, que incidam sobre tais pressupostos e elementos. Não se trata, então, de direito adquirido, mas de ato jurídico perfeito (...) Resulta nítida, destarte, a distinção (...). Pois é certo existir direito adquirido que não se funda em ato jurídico perfeito [os direitos do nascituro, v.g.] e ato jurídico perfeito que não implica direito adquirido [justamente os negócios sujeitos a condição suspensiva e o testamento, em ambos os casos enquanto, respectivamente, não verificada a condição, ou vivo o testador]." (40)

          Pelo conceito legal, art. 6º §3 da LICC, "chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que não caiba recurso". Nas palavras de Pontes de Miranda, "A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir no processo o que se decidiu. A coisa julgada material é a que impede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu" (41). Na Constituição e na LICC não há distinção entre as espécies de coisa julgada, razão pela qual a doutrina majoritária entende que além da coisa julgada material, à formal também tem proteção.

          Em resumo, portanto, ao se proteger o ato jurídico, é necessário apartar o seu campo de validade do seu plano de eficácia ou de execução. Só é ato jurídico perfeito o ato válido ao tempo em que a lei nova entrou em vigor, não sendo, pois, os seus efeitos que, por conseqüência, não terão a proteção constitucional. Este entendimento, com efeito, faz a devida ponderação entre os dois dogmas jurídicos que entram em conflito na aplicação da lei no tempo, ou seja, somente desta forma se assegura a segurança jurídica das relações, pois a lei nova não pode extirpar a situação já consolidada, contudo, ao mesmo tempo, o progresso jurídico também fica assegurado ao aplicar a lei nova, presumidamente melhor, atingindo os efeitos do ato jurídico perfeito. É, pois, neste entendimento que iremos esmiuçar o sentido do art. 2.035 do novo Código Civil (42).


6 A VALIDADE DOS ATOS JURÍDICOS CONSTITUÍDOS ANTES DO CÓDIGO

          Não é nesta primeira parte do artigo que está a grande celeuma do tema, uma vez que se não houvesse o referido dispositivo, este comando poderia ser invocado sem problemas maiores.

          Já afirmamos que, embora o artigo refira-se à "validade" dos atos jurídicos, há que se incorporar nele a questão sobre a sua existência ou não.

          Conforme Marcos Bernardes Mello, "validade é qualificação que se atribui a atos jurídicos, (...) que significa serem esses atos sem defeitos, isto é, são conformes com o direito daquela comunidade, especificamente" (43) Este é o sentido positivo do ato jurídico, que também pode ser visto pelo aspecto negativo, qual seja, pela invalidade. Nas palavras deste último autor, "invalidade constitui uma sanção imposta pelo sistema ao ato jurídico que, embora concretize suporte fático previsto em suas normas, importa, em verdade, violação de seus comandos cogentes" (44). Na análise dos negócios e demais atos jurídicos constituídos na vigência da lei anterior, onde esta norma será aplicada, deverá, pois, ser vista tanto pelo ângulo positivo (validade), quanto pelo aspecto negativo (invalidade).

          Estando os agentes do negócio vinculado a um arcabouço de normas jurídicas quando da realização do ato, é nestas disposições que eles devem submeter-se para que o ato jurídico atinja os efeitos desejados. Assim, "para se decidir se uma obrigação, em face de sua origem, existe e vale, ou se não existe ou carece de validade, deve-se aplicar-lhe a lei vigente ao tempo em que se reconheça ter ocorrido sua origem" (45).

          No que tange às disposições sobre a teoria das nulidades, há que se ressaltar que o novo Código Civil "inovou em matéria de invalidades, criando figuras novas de anulabilidade, transformando anulabilidades em nulidades (e vice-versa), e alterando a configuração dos antigos defeitos do negócio jurídico" (46). O elenco das nulidades, taxado no art. 166, é mais amplo em relação ao art. 145 do Código Beviláqua. A indeterminação do objeto, o negócio com objetivo de fraudar a lei (47), a nulidade dos negócios que afrontem as determinações legais sem cominar sanção alguma (48), a simulação passa a ser caso de nulidade, a inclusão do estado de perigo e da lesão como vícios do negócio, acarretando sua anulação, bem como mudanças internas concernentes aos demais vícios de consentimento, foram algumas inovações do novo diploma que, conforme o art. 2.035, não podem ser aplicáveis aos atos já constituídos.

          Para aclarar o até então exposto, citamos alguns exemplos:

          a) um contrato de parceria pecuária, mediante simulação denominada "vaca-papel" (49). A simulação deixou de ser negócio anulável, passando a ser uma hipótese de nulidade (50). Como se pode ver, a modificação no que se refere à simulação não saiu do plano da validade, modificando apenas o seu grau de invalidade, razão pela qual a norma aplicável à parceria pecuária com a patologia da vaca-papel, há de ser verificada pelo código de 1916, ou seja, não há que se falar em nulidade aos contratos de parceria anteriores ao novo diploma, e sim em anulabilidade.

          b) Conforme o art. 154 do NCC, a coação de terceiro somente invalidará o negócio "se o contratante que dele se favoreceu souber da manobra ilícita de que foi vítima o coacto" (51). Pelo Código anterior, a ciência pelo beneficiário era irrelevante para a configuração do vício, o que deverá ser aplicado aos atos jurídicos constituídos durante a vigência do revogado Código Civil.

          c) Doravante, para que o erro seja causa de anulabilidade do ato, é necessário verificar, no caso concreto, se qualquer pessoa (homem médio) poderia diligenciar de outra forma (art. 138), condição ausente no antigo diploma (52). Assim, esta condição não pode ser exigida aos atos constituídos antes da vigência do novo Código.

          d) Outro exemplo é a inovação do novo Código que inclui como defeito do negócio o estado de perigo e a lesão. À princípio, tais vícios, ausentes na legislação anterior não podem ser invocados aos atos anteriores, porquanto revelaria efeito inconstitucional da lei (53).

          e) As condições de validade do testamento devem ser observadas conforme a lei anterior, mesmo que a abertura da sucessão ocorra após a data de 11 de janeiro de 2003.

          f) Outra questão importante é a referida no art. 977 (54) do novel Código que impossibilita a formação de sociedades limitadas entre cônjuges casados no regime de comunhão universal ou separação total de bens (55). Com efeito, as legislações anteriores não continham tal vedação, razão pela qual o novo Código não pode invalidar as sociedades entre cônjuges já formalizadas antes de seu advento, em face do que dispõe o art. 2.035 e a própria Constituição que protege o ato jurídico perfeito.

          Por outro lado, sob o plano negativo, ou seja, uma vez inválido o negócio jurídico, também não pode ser invocada a novatio legis para assim convalidá-lo. Vejamos que o ato inválido não tem proteção constitucional, pois não constitui ato jurídico perfeito (56). A nova lei, neste caso, não irá atuar simplesmente por ser irretroativa. Já dissemos que a retroatividade pode ocorrer por expressa disposição, ressalvado o tripé direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Nada impediria, portanto, que o legislador estipulasse a convalidação dos atos inválidos pelos novos dispositivos, mas assim não o fez. Assim, o negócio realizado por uma pessoa de 18 anos, antes de 11 de janeiro de 2003, continuará inválido.

          Neste sentido, Carlos Maximiliano: "a lei posterior não invalida as relações de direito anteriores válidas, nem avigora as definitivamente constituídas e inválidas" (57).

          Pelas mesmas razões, os efeitos dos atos anteriores ao novo Código, produzidos antes da entrada em vigor deste, não são atingidos pela novel legislação. Ademais, constituem situação jurídica consolidada (direito adquirido).

          Então, quanto a existência ou inexistência, validade ou invalidade dos atos já constituídos e seus efeitos já produzidos antes de 11 de janeiro de 2003, ocorrerá a ultratividade da lei anterior quando invocada, aplicando-se o Código Beviláqua ou a primeira parte do Código Comercial, tendo como conseqüência a irretroatividade do Código Civil de 2002.


7 OS EFEITOS PRODUZIDOS APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL

          No que tange aos efeitos dos atos jurídicos já constituídos na vigência da lei anterior, produzidos após a vigência do novo estatuto civil, estipula o artigo 2.035, que devem subordinar-se ao exposto neste, salvo se estipulado pelas partes determinada forma de execução, sendo que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar norma de ordem pública.

          Segundo M. Planiol, considera-se retroativa a lei, "quando ela toca no passado, quer para apreciar as condições de legalidade de um ato, quer para modificar ou suprimir os efeitos de um direito já realizado". E, acrescenta, "a lei pode modificar os efeitos futuros dos fatos ou dos atos mesmo anteriores, sem ser retroativa" (58).

          Para melhor compreensão da segunda e terceira parte do artigo, assim como do parágrafo único da indigitada norma, é preciso ter em mente alguns conceitos e conseqüências jurídicas. Em resumo do que iremos especificar, afirma-se, no que tange os efeitos dos atos jurídicos: a) quanto ao ato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico e atos ilícitos sendo os efeitos produzidos eminentemente legais, não resta outra situação senão a aplicação imediata da nova disposição; b) no que se refere aos negócios jurídicos, ante a possibilidade de auto-regramento pelas partes, há que se separar as normas de ordem pública das dispositivas, sendo que, no primeiro caso, ocorrerá a aplicação da nova lei civil; por outro lado, se a norma for dispositiva, a aplicação do NCC fica condicionada, isto é, se houve estipulação pelas partes, a nova lei deixa de agir, valendo a convenção; se, porém, não houve estipulação aplica-se a novatio legis. A parte final do caput do art. 2.035, portanto, retira a eficácia imediata da nova lei, que resguardará sua aplicação se as partes estipularem determinada forma de execução. Todavia, se esta violar normas de ordem pública, tal estipulação perde os efeitos desejados, aplicando-se a nova lei.

          A autonomia da vontade dos contratantes, com efeito, é restringida pelas normas de ordem pública que, em razão da sua força cogente, não pode ser afastada. Assim, somente pode haver forma de execução se a lei afastada for considerada permissiva, supletiva ou dispositiva.

          Nas palavras de Carlos Maximiliano: "Considera-se permissiva, supletiva ou dispositiva a lei quando os seus preceitos não são impostos de modo absoluto, prevalecem no caso do silêncio das partes, isto é, se estas não determinaram, nem convencionaram procedimento diverso" (59). Conforme Pontes de Miranda, "o ius dispositivum deixa aos interessados possibilidade de pormenores e sutilezas, a que a regra jurídica não poderia descer; e, mais do que isso, a escolha entre os múltiplos regramentos para passadas, presentes e futuras circunstâncias, talvez eventuais" (60).

          Da passagem destes dois inesquecíveis juristas, conclui-se que muitas vezes a lei pode ser afastada pelas partes, as quais, de acordo com a sua autonomia de vontade, estipulam as regras concernentes ao negócio por elas realizado (61). Pois bem, o fato da lei ter sido modificada, em tese, não pode interferir nesta relação jurídica, porquanto suas regras legais foram supridas pela convenção das partes. É neste sentido, pois, que se os contratantes estipularam a forma de execução, afastando, assim, a norma legal, esta não pode interferir senão quando for de ordem pública.

          Importante neste ponto é o que observa Zeno Veloso referente ao negócio jurídico:

          "(...) em muitos casos negócios jurídicos são celebrados sem que as partes tenham previsto ou estipulado efeitos jurídicos, e estes acabam ocorrendo, por força da lei. Imagine-se um contrato de compra e venda em que não se estabeleceu nenhuma cláusula especial, nenhum termo, nenhuma condição, enfim, nenhuma disposição que tenha desbordado do modelo legal, enunciando-se, somente, os elementos essenciais do tipo negocial. Vendedor e comprador estarão submetidos à eficácia que o Código Civil prevê para esta espécie contratual. (...) Pode ocorrer, ainda, que os declarantes tenham feito as estipulações que consideravam fundamentais, estabelecendo os efeitos que tinham por principais, conforme seus interesses. Não obstante, outros efeitos, não previstos expressamente pelas partes, poderão surgir, supletivamente, ex vi legis, e nem por isso, igualmente, poder-se-á negar a existência de um negócio jurídico. (..) ele formula regras de conduta entre os particulares, análogas às da lei; tem, portanto, caráter normativo, funcionando como lex privata." (62)

          O legislador do novo Código se inspirou nas doutrinas objetivistas, mormente a teoria do francês Paul Roubier, onde os efeitos devem ser tutelados pela norma em vigor ao momento em que aqueles se produzem. Assim, o ato jurídico anterior ao novo estatuto, que vier a produzir efeitos após a vigência deste a ele deve subordinar-se. O que deve ser primeiro compreendido, quando se deparar com esta situação de direito intertemporal, é, portanto, o tempo da produção dos efeitos. Neste sentido José Oliveira Ascenção:

          "A realidade é evolutiva: os efeitos, em muitos tipos de negócios, vão-se plasmando no tempo. A distinção entre o que pertence ao passado e o que pertence ao futuro (ou mesmo ao presente, pois há efeitos de produção simultânea com a entrada em vigor da nova lei) dá-nos a chave da distinção realista (63)."

          Conforme Carlos Maximiliano:

          "Não é lícito confundir a eficácia [Lato sensu] e a validade de um direito com os efeitos do mesmo, isto é, as faculdades jurídicas unidas pela lei ao direito anterior: quanto às primeiras, predomina a lei anterior; quanto às últimas, a norma sob cujo império surgiram. Sim; os efeitos são regulados pela lei do dia em que se produzem; não pela do tempo em que a situação jurídica foi estabelecida." (64)

          Em comentário ao indigitado dispositivo, Humberto Theodoro Junior assim destaca:

          "O preceito não se refere obviamente, aos efeitos substanciais do ato jurídico perfeito, que a lei nova não pode violar, sem ofender à garantia constitucional (...) diz respeito apenas às modalidades de realização das obrigações, tanto que o art. 2.035 ressalva que a lei nova não será aplicada se no contrato já existir forma convencionada para a execução" (65).

          Esta ponderação do jurista mineiro faz a devida distinção entre os planos do ato jurídico, destacando, também, que na proteção constitucional não estão incluídos os seus efeitos produzidos após a entrada em vigor da nova lei. Destarte, para o autor, "se a obrigação se encontrava apenas sujeita às modalidades legais, a lei nova a atingirá. Se, porém, havia regras convencionais estatuídas pelo negócio, estas subsistirão incólumes frente à inovação legislativa, como frutos que são do ato jurídico perfeito" (66).

          Antonio Jeová dos Santos, entendendo pela inconstitucionalidade, faz sua análise sobre o art. 2.035 restringindo-se aos contratos e sem atentar-se para a própria eficácia temporal da norma. Assim, afirma que "se o contrato foi celebrado sob a existência de uma lei, ainda que seus efeitos ocorram no futuro, durante nova lei, ditos efeitos não se submetem à lei posterior. O contrato fica jungido e subordinado à lei do tempo em que houve a celebração, a consumação do contrato" (67). Ocorre, todavia, que este entendimento emperra o Direito, não o fazendo progredir. No conflito intertemporal, já dissemos, há que se tentar achar o meio termo entre dois princípios absolutos: da segurança e do progresso. Pois é exatamente isto que o art. 2.035 faz, ao sujeitar os efeitos produzidos após a vigência da nova e progressiva norma, obedecendo a validade e segurança do ato anterior, bem como a estipulação pelas partes dentro do que a própria ordem jurídica permite.

          Não estamos aqui a afirmar que os contratos estão totalmente desprotegidos diante da nova lei. A segurança jurídica não foi abandonada, porquanto a validade do ato rege-se pela lei anterior e, ademais, a parte final retira a eficácia imediata do novo Código Civil, apenas condicionando a forma de execução aos ditames da nova ordem, ratificando, assim, o aspecto social do próprio novo estatuto e, ao mesmo tempo, abandonando o individualismo de outrora. Em outras palavras, se o contrato deve ter a função social, não podemos admitir que determinados contratos (anteriores ao NCC), em flagrante desrespeito à nova ordem, venham a prevalecer em detrimento de outros (posteriores ao NCC), que não terão a mesma sorte. Por outro lado, não pode a lei nova invalidar este ato já constituído, em nome da segurança jurídica. Não podemos, portanto, dar solução simplificada no que tange às relações contratuais, aplicando-lhes somente o disposto na lei do tempo da sua formação. Não há apenas uma lei aplicável a estas relações. Este ato complexo reclama diversos outros fatos jurídicos que só se produzem após a entrada em vigor da nova lei. Se as partes estipularam determinada forma de execução, escolheram pelo afastamento da norma ao qual teria incidência no caso de silêncio. A nova lei poderá incidir, a partir de sua entrada em vigor, desde que não infrinja esta autonomia de vontade das partes. É por isto que a nova lei só incidirá se a norma for de ordem pública, pois, neste caso, a autonomia de vontade é nenhuma.

Neste sentido Orlando Gomes:

          "Em matéria contratual, os efeitos são intocáveis pela lei nova, mas os efeitos pendentes e futuros por ela se regem. Não há que falar, quanto a estes, de direitos adquiridos e, portanto, de retroatividade da lei. Se assim não fosse, isto é, se a lei nova não produzisse efeito imediato, os direitos oriundos do contrato seriam inexplicavelmente condição privilegiada, porquanto institutos como a escravidão, os censos, a enfiteuse podem ser abolidos sem que se considere retroativa a lei que os extingue, certo, como é, e assinalava Portalis, que a lei nova não pode fazer com que uma coisa existente jamais tenha existido, mas pode decidir que não existirá mais. Do mesmo modo, direitos contratuais que ainda não se exerceram, porque futuros, podem cair sob o império da lei posterior ao contrato que os modifique." (68)

          A questão não é simples e, com certeza, será objeto de discussão em nossos pretórios. Contudo, antes de afirmarmos que os efeitos dos contratos são regidos pela norma correlata a sua formação, é preciso questionar sobre o que estamos discutindo, ou seja, o que está em jogo é a situação individual dos contratantes, cuja manifestação de vontade foi exarada de acordo com a liberdade que lhes outorgam, ou da própria sociedade, cujo valor deve prevalecer? Neste último caso, a lei nova deve penetrar no campo de proteção deste contrato para regular seus efeitos. Ademais, o contrato não é formado tão somente pela manifestação de vontade, situações outras ocorrem diretamente da lei. Se a lei contemporânea à formação do ato não vigora mais, a lei revogadora deve, desde logo, ter incidência. Assim, conforme Serpa Lopes,

          "força é convir que um estatuto contratual, quando integralmente decorrente da lei, ou na parte em que é por ela afetado, como o que fixar o valor de uma prestação, v. g., o a1uguel, essa situação jurídica não representa relação definitiva, pois permanece sujeita às flutuações decorrentes de modificações trazidas por outras leis posteriores." (69)

          Para melhor aclarar o que afirmamos ser a melhor interpretação do art. 2.035, traremos alguns exemplos.

          a) No que respeita à extinção das obrigações, basta verificar se as partes estipularam determinada forma de extinção, como é o caso, em regra, da forma de pagamento. Agora, se, após o novo Código, as partes querem extinguir a obrigação mediante consignação, sub-rogação, imputação em pagamento, novação, compensação, confusão ou remissão, que não estava prevista no contrato, a incidência da nova lei ocorrerá plenamente.

          b) Imaginamos um contrato de prestação de serviço de trato sucessivo, em que as partes estipulem um percentual de reajuste periódico das parcelas do preço, vindo a lei a proibir este reajuste (70). Neste caso, aplica-se a estipulação contratual, já que "o pagamento posterior de parcela do preço, quando já estabelecido o respectivo valor em época pretérita, não seria considerado efeito futuro de ato passado, de modo a receber os influxos da lei novata" (71). O reajuste in casu foi convencionado pelas partes estando já estipulado na vigência da lei revogada, que não poderá ser atingida pela novatio legis.

          c) Seguindo no mesmo exemplo, imaginamos que as partes tenham estipulado a atualização do preço de acordo com algum índice oficial, apurado no mês anterior ao reajuste. Neste caso, o reajuste não está previamente qualificado pelas partes. Como conseqüência, "sua ultimação dar-se-ia no futuro, quando fosse apurado o percentual do indexador eleito no contrato" (72), cuja força da nova lei já vigora.

          d) Sustentando o já exposto sobre a amplitude da aplicação do art. 2.035, citamos a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, sob a relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva (73), referente a aplicação imediata do art. 1.708 que extingue a obrigação de alimentos em caso de nova relação do ex-cônjuge. A referida decisão teve a seguinte ementa:

          "AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALIMENTOS PROVISIONAIS - PROVA DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONCUBINÁRIA ENVOLVENDO A EX-CÔNJUGE - SUPERVENIÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL - APLICAÇÃO IMEDIATA AOS EFEITOS PRODUZIDOS APÓS SUA VIGÊNCIA - CESSAÇÃO DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS - RECURSO PROVIDO. Os atos jurídicos produzidos antes da vigência do novo Código Civil são validos, entretanto, os efeitos produzidos após a sua vigência ficam a ele condicionados (art. 2.035). A ex-cônjuge que, em depoimento prestado em processo diverso, admite manter relação de concubinato com outro homem, não tem direito à percepção de alimentos por parte do ex-marido, por força da interpretação literal do art. 1.708 do novo Código Civil."

          Com efeito, o art. 1.708, caput, do novo Código Civil, dispõe: "Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos". A legislação anterior aplicável à espécie, art. 29 da Lei n. 6.515/77, mencionava que somente em caso de casamento do credor teria como causa a extinção da obrigação alimentícia.

          e) O exemplo prático mais corriqueiro em nossos Pretórios tem sido a aplicação do art. 406, referente aos juros moratórios, aplicados aos contratos constituídos antes da nova lei civil (74). Não havendo taxa estipulada pelas partes, o que equivale a dizer, não havendo forma de execução no contrato (juros convencionais), a aplicação dos juros moratórios (juros legais) é imediata, isto é, a partir da entrada em vigor do novo Código. A aplicação dos juros advém da própria lei e por isto incide. Por outro lado, poderia ser afastada, e assim não haveria incidência imediata, tudo em conformidade com a inteligência do art. 2.035 (75).

          f) Outro exemplo que vem se repetindo nos Tribunais e cujo entendimento tem sido em consonância com o nosso, é a aplicação imediata da multa condominial de 2%, conforme art. 1.336, §1º (76). O que se poderia suscitar in casu é que a convenção do condomínio seria forma de execução e, por isto, não haveria redução. O caso, porém, inspira cuidados e peculiaridades. A primeira delas refere-se à natureza jurídica da convenção do condomínio. Segundo Caio Mario, a convenção condominial tem natureza estatutária, pois "sua força coercitiva ultrapassa as pessoas que assinaram o instrumento de sua constituição, para abraçar qualquer indivíduo que, por ingressar no agrupamento (...) recebe os seus efeitos em caráter permanente ou temporário (...)" (77). Assim, as normas da convenção condominial, ultrapassando as pessoas que assinaram o instrumento, atingindo terceiros, não podem ser consideradas como normas contratuais. Na convenção condominial, destarte, "não é o acordo das partes - em rigor técnico, sequer há cogitar de partes - mas a sujeição dos condôminos e de terceiros ao regime legal próprio desse novo direito real" (78). Como corolário, as convenções condominiais estão diretamente subordinadas à lei, não sendo possível o seu afastamento. A lei somente lhe atribui discricionariedade dentro dos seus ditames. Outra peculiaridade é que as obrigações condominiais são consideradas "situações jurídicas permanentes" (79), pois não têm duração definitiva, "perduram enquanto mantida a condição de condômino, renovando-se mês a mês" (80). Segundo dispõe Paul Roubier, "se tratando de situações às quais não se pode dar uma duração definitiva dentro de certos limites, pode-se dizer que estão em um estado permanente de constituição e podem sempre ser modificadas, criadas ou suprimidas por uma lei nova" (81). Assim, "com a convenção ou sem ela, o condômino incorre na obrigação de concorrer no rateio, pois isso advém da lei e não do pacto entre os interessados" (82). São por estas razões, que não se pode cogitar de forma de execução nas convenções condominiais, razão pela qual, por força do art. 2.035, aplica-se o disposto no §1º do art. 1.336 do NCC, a partir de 11 de janeiro de 2003. O inadimplemento anterior ao novo Código, sendo efeito já produzido, não pode ser atingido.

          g) Mais uma hipótese de incidência do art. 2.035 refere-se a possibilidade de aplicação do art. 835 aos contratos já em vigor quando da vigência do novo estatuto. Trata-se este dispositivo da possibilidade de o fiador exonerar-se da fiança, quando assinado por tempo indeterminado, sempre que convier (83). Doravante, basta a notificação ao credor da desobrigação do fiador. Pelo sistema antigo (art. 1.500), era preciso um ato amigável ou sentença de exoneração (84). Conforme a regra do art. 2.035, não há razão para deixar de aplicá-lo aos contratos anteriores ao novo Código.

          h) No que toca ao Direito Comercial ou Empresarial, já dissemos que a validade das sociedades formadas pelos cônjuges permanecerão incólumes, mesmo que contrária a nova regra de constituição disposta no art. 977. Todavia, os efeitos desta sociedade, assim como das demais, ao disposto no Código de 2002 irão se submeter. Assim, por exemplo, o quorum para aprovação de determinado ato da sociedade deverá respeitar o novo Código.

          Este é, pois, o sentido do art. 2.035 na sua segunda parte, sem que se possa falar em violação ao ato jurídico perfeito. Não há, ainda, de se cogitar em retroatividade, porquanto a aplicação do novo codex somente ocorrerá após sua entrada em vigor atingindo os efeitos produzidos após 11 de janeiro de 2003, desde que não haja estipulação pelas partes da forma de execução.


8 NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E SUA APLICAÇÃO INTERTEMPORAL

          Maiores problemas podem causar o parágrafo único do art. 2.035. Sua aplicação, à luz do direito intertemporal, suscita alguns cuidados que tentaremos destacar. Notemos que, ao contrário do que temos vistos em alguns comentários, não se trata de norma autônoma. Como regra básica de hermenêutica, o referido parágrafo deve reportar ao caput do artigo, conforme tentaremos demonstrar.

          O sentido da palavra "preceitos de ordem pública" está a se referir às normas cogentes, que na definição de Pontes de Miranda, "é o direito que a vontade dos interessados não pode mudar. Uma vez composto o suporte fático, a regra jurídica incide, ainda que o interessado ou todos os interessados não no queiram" (85). Na doutrina de Carlos Maximiliano:

          "A distinção entre prescrições de ordem pública e de ordem privada consiste no seguinte: entre as primeiras o interesse da sociedade coletivamente considerada sobreleva a tudo, a tutela do mesmo constitui o fim principal do preceito obrigatório (...); e quando o preceito é de ordem privada (...) só indiretamente serve o interesse público, à sociedade considerada era seu conjunto; a proteção do direito do indivíduo constitui o objetivo primordial." (86)

          Muito se discutem na doutrina e jurisprudência quanto a aplicação das normas de ordem pública em face às situações jurídicas anteriores. Há quem diga que, ante as normas de ordem pública, o direito adquirido deve arrefecer. Outros entendem que é o direito adquirido que deve prevalecer. Por fim, há autores que primam pela aplicação imediata das leis de ordem pública (87). Este último entendimento nos parece corolário do primeiro, porquanto a aplicação imediata da lei de ordem pública impede a invocação do direito adquirido.

          Contudo, esta discussão não é imprescindível para nosso tema, uma vez que há norma expressa relativa à aplicação das leis de ordem pública. O legislador do novo Código retirou do intérprete a possibilidade da discussão, afirmando que a norma de ordem pública aplica-se às convenções anteriores. Conforme demonstramos, a lei, seja ela de ordem pública ou não, pode ser retroativa quando o legislador assim o dispuser, todavia não poderá infringir o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Portanto, não há que se discutir o limite temporal da norma de ordem pública do novo Código, mas sim a possibilidade de violação da Constituição. O legislador abraçou a teoria de que não há possibilidade de se invocar direito adquirido frente a norma de ordem pública, sendo que, conforme Limongi França,

          "o critério para se saber quando uma lei de Ordem Pública não deve atingir o Direito Adquirido, quer retroativa, quer imediatamente é o de que o fundamento da Ordem Pública, para desconhecer o Direito Adquirido, não pode ir a ponto de atingir os casos em que esse desconhecimento geraria o desequilíbrio social e jurídico." (88)

          Segundo o mesmo autor, não podem ser mantidos "aqueles direitos que entram em áspera contradição com a consciência pública, tornando-se danosos de modo geral ou considerando-se imorais". Em outras palavras, não deve permanecer "o que perturba ordem, ou ofende os bons costumes, visto que não pode haver direitos adquiridos contra a maior felicidade dos Estados". Assim, os direitos adquiridos dos particulares "devem ceder lugar, submetendo-se aos interesses de ordem geral, aos interesses de ordem pública, com os quais não podem entrar em conflito, porque estes preponderam e têm supremacia" (89).

          Arnaldo Rizzardo, no mesmo sentido, afirma:

          "Uma lei sobre a igualdade dos direitos de todos entra em vigor de imediato, não importando antigos diplomas que estabeleçam privilégios, pois não há direito adquirido que contrarie os princípios gerais de direito, como o da igualdade de todos perante a lei; não é tolerada a criação de situações de privilégios em favor de alguns; nem se permite que vigore um dispositivo de lei de caráter particular, conflitante com regras do mesmo teor, mas que se dirigem a uma ampla parcela do povo." (90)

          A expressão "tais como" denota inegável caráter de não-taxatividade dos princípios ali expostos, quais sejam, função social da propriedade e dos contratos. Estes princípios, na verdade, não são, por si só, os causadores do problema intertemporal que o dispositivo possa causar, mas sim as regras que tentam lhe assegurar. A função social da propriedade, com efeito, remonta antes mesmo do próprio projeto de elaboração do novo código, estando totalmente amparada pela atual Constituição. Assim, não foi a partir de 11 de janeiro de 2003 que a propriedade passou a ter sua função social, sendo correto afirmar que a convenção que viole este princípio não valerá. Pode-se até se mencionar no parágrafo único, mas o que se estará aplicando é a própria força cogente da Carta Magna, não havendo, portanto, que se falar em retroatividade injusta.

          Já a função social dos contratos, malgrado venha a ser "inovação" do novo Código no que toca à expressão utilizada, já vinha sendo majoritariamente amparada pela jurisprudência, não havendo maiores problemas intertemporais em sua aplicação, porquanto sua essência, segundo Miguel Reale, também advém da própria Constituição (91).

          Neste ponto, importante observação faz o lusitano José Oliveira Ascensão ao afirmar que

          "nenhuma constituição no mundo dá tanto relevo como a brasileira ao princípio da função social. Seria contraditório que, sob a égide duma constituição tão decididamente impulsionadora da função social, se fosse permitir, por invocação da mesma constituição, a subsistência de efeitos pactuados entre as partes que infringissem esse princípio." (92)

          A convenção que infringe a função social da propriedade ou dos contratos, não valerá, portanto, por incidência da própria Constituição e não do novo estatuto civil, que constitui mero instrumento daquela.

          Desta forma, a aplicação do parágrafo único do art. 2.035 deve ser vista sob outro aspecto, ou seja, como exceção à exceção da parte final do caput. Assim, se determinada forma de execução pactuada pelas partes vier a infringir normas de ordem pública em geral, assim como àquelas que buscam assegurar a função social da propriedade e dos contratos, não irão permanecer. Aplica-se aqui a regra hermenêutica já referida de que os parágrafos referem-se ao caput da norma e não são autonomamente aplicáveis.

          A dúvida que suscita refere-se ao seu plano de projeção, ou seja, sua aplicação é retroativa ou de eficácia imediata? Certo é que seja de eficácia imediata ou retroativa, seu plano de projeção não terá como conseqüência a sua inconstitucionalidade. Assim, somente por uma questão metodológica, tentaremos demonstrar o efeito temporal do parágrafo único do art. 2.035, relembrando o já exposto quanto aos efeitos temporais das leis e a estrutura lógica da norma jurídica. Com efeito, temos no parágrafo único a seguinte descrição normativa: Hipótese – convenção contrária à ordem pública; Preceito – não prevalecerá (93). Pela teoria não-sancionista, aplica-se a seguinte equação: se H, então deve ser P. Temos, então, a conseqüente situação: se houver convenção contrária à ordem pública, deve ser não prevalente. Feita a aplicação, resta-nos indagar se há efeitos imediatos ou retroativos. Pois bem, a existência da convenção remonta à data anterior ao novo codex. Contudo, entendendo como exceção à exceção, ou seja, como afastamento da parte final do caput, o parágrafo único verificará a existência desta convenção contrária à ordem pública a partir do momento de sua entrada em vigor, que não irá prevalecer. Os novos preceitos de ordem pública passaram a ter vigência no momento da entrada em vigor da nova lei. Foi, pois, somente após esta data que eles se tornaram cogentes, ressalvado o já exposto quanto aos princípios constitucionais da função social e contrato. Note-se que o indigitado parágrafo não faz referência à violação da convenção em face da lei antiga, o que, neste caso, poder-se-ia falar em retroatividade ex hipótese. Ademais, o verbo "prevalecerá", está conjugado no futuro do presente do indicativo, demonstrando o momento temporal que a norma lhe atribui. Há, portanto, eficácia imediata (94). Notemos que irão ser atingidos os efeitos do ato (forma de execução), ao tempo em que se produziram, sempre à luz do direito intertemporal. Assim, não há ofensa constitucional, pois não é o ato jurídico perfeito que será atingido, mas sim os efeitos nele atribuídos pelas partes, que são valorados por si só. A "forma de execução", então, deve se verificar após a entrada em vigor do novo Código, sendo que não se enquadra em outro plano de projeção do ato jurídico senão no da eficácia.

          Este é o entendimento também esboçado pelo jurista português supracitado:

          "Quanto ao ‘acto jurídico perfeito’, o acto que está na origem da situação não é contrariado, porque continua a ter no passado a sua fonte, à sombra da lei antiga. São apenas efeitos futuros previsíveis fundados em convenção de execução das partes que se não chegam a concretizar, por chocarem contra a lei nova que é de ordem pública. Justamente por considerarmos que acto jurídico perfeito não é qualquer efeito autonomamente posto em vigor pelas partes mas o acto em si, tal como foi posto em vida e vigorou no passado; e que à nova lei cabe regular os efeitos para futuro – que não surpreende que também o que respeita à forma de execução possa cair sob o império da nova lei. A nova lei, presumivelmente mais perfeita, tem vocação para regular os efeitos futuros. Com maior intensidade o poderá fazer se os efeitos previsíveis contrariarem regras de ordem pública." (95)

          Humberto Theodoro Junior entende no mesmo sentido:

          "Não se trata, é bom ressaltar, de invalidar efeitos consumados antes da lei nova e ainda sob o império da lei anterior, que amparava a convenção; mas de impedir que efeitos novos, reputados imorais, venham se dar já sob o império da ordem jurídica renovada, a qual os repugna categoricamente." (96)

          Para melhor compreensão, vejamos um exemplo (97): no dia 1º de julho de 2002, vendedor (produtor rural) e compradora (empresa) celebraram contrato de Compra e Venda, tendo como objeto "x" toneladas de soja em grãos, referente à safra de 2003, através de um contrato de adesão (feito pela empresa). Ficou estipulado a venda de referida quantidade de soja, por preço fixo (por saca), a ser entregue em determinado local, até o dia 30 de abril de 2003 e o pagamento somente após a data da entrega do produto. Sob a epígrafe "qualidade da mercadoria", ficou estipulado que se o produto não apresentar determinada qualidade, classificada pela compradora, a seu critério poderia recusá-lo ou recebê-lo com descontos.

          Temos então um contrato de adesão constituído antes do NCC, sendo que sua efetivação se dá após a vigência deste. Assim, conforme Eulâmpio Rodrigues Filho, "nesse regime de fixação de cláusulas potestativas (...), estipulou-se convenção sobre o asseguramento das qualidades dos frutos, tal como impostas, e pelas quais somente o vendedor ficou obrigado" (98).

           Entra em cena, então, o art. 2.035, onde dispõe que a validade do contrato remete-se ao disposto no antigo Código, sendo que os efeitos são subordinados ao novo estatuto, salvo estipulação pelas partes sobre determinada forma de execução do negócio, onde nenhuma convenção pode contrariar preceitos de ordem pública. No caso em tela, houve estipulação de determinada forma de execução que, todavia, violou normas de ordem pública.

          Segue o jurista em seu parecer:

          "Daí por que, diante dos efeitos do contrato, a advirem todos quando já em vigor a nova Lei, irrecusável se mostra a adoção dos seus preceitos relacionados com a ‘função social do contrato’ (art. 478 do CC/2002). Não padece dúvida de que no caso havia situação jurídica constituída, mas de efeitos futuros, a permitir aplicação da lei nova quanto a estes, pois não pode esquecer-se que o futuro pertence em princípio à lei nova." (99)

          Propõe o jurista, para o caso sob exame, a resolução do contrato por onerosidade excessiva. Assim, em que pese houvesse forma de execução do contrato, este realizado antes do NCC, a convenção não terá eficácia em razão de sua violação à ordem pública. O ato jurídico (contrato) não foi diretamente atingido, não se lhe atribuiu nulidade ou anulabilidade, o que a norma valorou foram os efeitos deste ato que, in casu, ocorreram após o império do novo codex, mas já previstos na convenção que, todavia, foi aniquilada pela nova lei em razão da sua ofensa à ordem pública.

          Conforme Pablo Stolze Gagliano, que tem nosso apoio,

          "determinadas normas, como a que prevê a resolução por onerosidade excessiva ou a correção econômica das prestações pactuadas, em nosso pensamento, por seu indiscutível caráter publicístico e social, não podem, aprioristicamente, ser afastadas pela vontade das partes." (100

          Assim, não se pode invocar ato jurídico perfeito ou direito adquirido frente às normas relativas, por exemplo, à resolução por onerosidade excessiva (arts. 478 a 480), à correção econômica das prestações pactuadas (art. 317), ao aumento progressivo de prestações sucessivas (art. 316), ou às "perdas e danos" (arts. 402 a 405), mesmo que o contrato seja anterior ao novo Código. Não há, portanto, que se falar em aplicação retroativa do Código de 2002, seja no sentido dado pela teoria subjetiva, seja pela retroação da própria norma.


CONCLUSÃO

          O presente trabalho analisou a aplicabilidade do novo Código Civil aos negócios e aos atos jurídicos anteriores a ele, focando o que dispõe o art. 2.035, que tem a função de regulá-los. Para isto, é preciso ter em mente determinados conhecimentos das teorias de Direito Intertemporal e dos Fatos Jurídicos.

          No que toca especificamente ao art. 2.035, concluímos que não se pode restringir sua aplicação aos contratos. O indigitado dispositivo refere-se à "validade dos negócios e demais atos jurídicos". Destarte, incluem-se neste rol os atos jurídicos lato sensu (ato jurídico e negócio jurídico); no que se refere aos efeitos destes atos pendentes, há de se englobar os atos jurídicos lato sensu, os atos ilícitos e o ato-fato jurídico; a parte final do caput do artigo restringe-se aos negócios jurídicos, pois só nestes há o poder de auto-regramento por iniciativa das partes, o que nos leva à conclusão de que o parágrafo único do art. 2.035 restringe-se também a eles. Apesar de se falar em validade, em sua interpretação devem ser englobados os atos anteriores que eram considerados inexistentes.

          Na aplicação do indigitado dispositivo, há que se separar o que se refere à valoração do ato em si do estatuto dos efeitos jurídicos produzidos após a nova lei. Constitui ato jurídico perfeito o ato validamente constituído perante a norma revogada. A proteção constitucional refere-se aos planos da existência e da validade, não atingindo o plano da eficácia quando esta se realiza perante a norma revogadora.

          Assim, a validade dos negócios e demais atos jurídicos anteriores ao novo Código Civil são regulados pela lei do tempo em que surgiram, pois neste aspecto é considerado ato jurídico perfeito. Os efeitos dos atos anteriormente constituídos, que se produzirem durante o império da novatio legis, são regidos por este, pois não constituem ato jurídico perfeito. Todavia, se as partes afastaram a incidência da lei anterior, determinando a forma de execução, a nova lei retém sua aplicação, salvo se for norma de ordem pública.

          A aplicação das normas de ordem pública às convenções anteriores nada mais é do que a prevalência do público sobre o particular. Não há retroatividade se a aplicação for em decorrência da função social da propriedade e dos contratos, pois sua aplicação advém da própria Constituição.

          Não há retroatividade no art. 2.035. Há, sim, eficácia imediata, seja no caput, seja no parágrafo único.

          Cremos que o art. 2.035 inaugura uma nova etapa do Direito Intertemporal no Brasil, pois traz a aplicação justa da nova lei aos atos que lhe são anteriores, sem, contudo, ofender a Constituição. O novo Código Civil demorou muito tempo para ser aprovado, mais um ano de vacatio legis, o art. 2.035 veio, pois, para aplicá-lo imediatamente, sem muitas demoras.


BIBLIOGRAFIA

          AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

          BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva,

          2001.

          CARDOZO, José Eduardo Martins. Da Retroatividade da Lei. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995.

          DELGADO, Mário Luiz. Problema do Direito intertemporal no Código Civil: Doutrina

          & Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004.

          DINIZ, Maria Helena. Comentários ao Código Civil. Parte Especial: Livro

          Complementar: Das Disposições Finais e Transitórias. V. 22. São Paulo: Saraiva, 2003.

          ESPÍNOLA, Eduardo; e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei da Introdução ao Código

          Civil Brasileiro. 2. ed. atual. por Sílvia Pacheco. V. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

          FRANÇA, Rubens Limongi. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

          FRANCISCO, Caramuru Afonso. Código Civil de 2002: O que há de novo? São Paulo:

          Juarez de Oliveira, 2002.

          GAGLIANO, Pablo Stolze. O Novo Código Civil e os Contratos Celebrados antes da sua Vigência. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4002

          Acesso em 13/10/2004.

          GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

          GONZÁLES, Douglas Camarinha. O direito adquirido e o ato jurídico perfeito sob os

          planos da existência, validade e eficácia. Disponível em: http://www.jusnavegandi.com.br. Acesso em: 08 ago 2004.

          MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro:

          Forense, 2003.

          MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência). 11. ed. São

          Paulo: Saraiva, 2001.

          ________________. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Validade). 5. ed. São Paulo:

          Saraiva, 2001.

          MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1, 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999.

          _________________. Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968.

          PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil: Teoria Geral de Direito Civil. Vol.I. 1ª Ed. Eletrônica. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

          ___________________. Instituições de Direito Civil: Contratos; Declaração Unilateral de Vontade Responsabilidade Civil. Vol. III, 1. ed. eletrônica. Revista e atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

          PISSURNO, Marco Antônio Ribas A parceria pecuária, a patologia da "vaca-papel" e o novo Código Civil. Breves considerações e novos rumos da oponibilidade do contrato

          dissimulado em juízo. Disponível em: http://www.jusnavegandi.com.br. Acesso em:

          16/09/2004.

          RAÓ, Vicente. Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

          1999.

          REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

          RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Forense: São Paulo, 2003.

          RODRIGUES FILHO, Eulâmpio. Compra e Venda de Soja para entrega futura

          Nulidade, Resolução ou Revisão do ContratoParecer. Disponível em: http://www.apriori.com.br/artigos/prelo/compra_e_venda_de_soja_para_entrega_futura.htm. Acesso em: 10 set. 2004.

          RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 1. 31. ed. São Paulo: Saraiva,

          2000.

          SANTOS, Antônio Jeová. Direito Intertemporal e o novo Código Civil. São Paulo:

          Revista dos Tribunais, 2003.

          SANTOS, Gilberto Pinto dos. A Multa de Mora nas Despesas de Condomínio e o Novo

          Código Civil. Disponível em: http://www.jusnavegandi.com.br. Acesso em: 28/09/2004.

          SERPA LOPEZ, Miguel Maria. Curso de Direito Civil. Vol. 1. 7. ed. Rio de Janeiro:

          Freitas Bastos, 1989.

          SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo:

          Malheiros, 2003.

          THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Coord: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Vol. III - Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

          _____________________. Comentários ao Novo Código Civil. Coord: Sálvio de

          Figueiredo Teixeira. Vol. III - Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

          70

          VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico: Nulidade e Anulabilidade. Belo

          Horizonte: Del Rey, 2002.


NOTAS:

          1."A primeira parte do art. 2.035 contém o óbvio. Os atos jurídicos consolidados antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 estarão sob a égide da lei anterior. A segunda parte, que tentou solver problema grave e sério de direito intertemporal, não alcançou o fim desejado. Ao pretender que os efeitos dos negócios jurídicos ocorridos depois da vigência do novel Código, a ele se subordinem, vulnerou o legislador o art. 5.º, XXXVI, da Constituição da República" (SANTOS, Antônio Jeová. Direito Intertemporal e o novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 61).

          2.RAÓ, Vicente. Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 377.

          3.CARDOZO, José Eduardo Martins. Da Retroatividade da Lei. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 254.

          4.Esta corrente é contrária à dita sencionista de Kelsen. Segundo Bernardes Mello, a não sancionista é "defendida por autores como Larenz, Von Tuhr, Pontes de Miranda, sustenta que a norma jurídica é uma proposição completa quando contém, simplesmente, a descrição do suporte fálico e a prescrição do preceito a ele correspondente. Se a norma prevê, ou não, uma sanção para o caso de ser transgredida não tem qualquer importância. A incompletude da norma reside, apenas, na falta de menção ao suporte fáctico ou ao preceito". Assim, continua o autor, "se o fato previsto (suporte fáctico hipotético) acontece no mundo, a norma jurídica incide e a partir daí subordina a seus preceitos as condutas a ela relacionadas" (MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência). 11ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2001 p. 32 e 34).

          5.Assim, segundo o autor: "Realmente, uma norma deve ser considerada retroativa, desde que com sua hipótese, com seu preceito, ou ainda com ambos, passe a atingir juridicamente o período que antecedeu a sua respectiva entrada em vigor" (CARDOZO, José Eduardo Martins. Op. cit. pp. 266 e 267)..

          6.CARDOZO, José Eduardo Martins. Op. cit , p. 295.

          7.Idem, Ibidem, p. 284.

          8.Exemplifica o autor: "se a lei prevê simplesmente a separação de fato pelo prazo de dois anos para facultar o divórcio, a norma pode perfeitamente abarcar com seus efeitos imediatos aquela situação da realidade que tenha tal fato contínuo realizado, visto que o que quer a lei é a subsunção da situação fática vivenciada exclusivamente no momento da entrada em vigor da norma, ou seja, unicamente no presente. Todavia, se a lei prevê a separação de fato pelo prazo de dois anos para o mesmo fim, mas ainda exige expressamente que esta separação tenha início antes de uma data específica que antecede o início da vigência da norma, é induvidosa a sua retroatividade. Aqui quer a lei valorar expressamente período que antecedeu o início da sua vigência, isto é, quer agir no passado". (Idem Ibidem, p. 291).

          9."Retroatividade e efeitos imediatos da nova norma obrigatória são conceitos, pois, que não se confundem: enquanto aquela age sobre o passado, estes tendem a disciplinar o presente e o futuro" (RAÓ, Vicente. Op. Cit. p. 377).

          10.CARDOZO, José Eduardo Martins. Op. cit., p. 297.

          11. "Uma primeira observação que aqui deve ser lançada, é a de que o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito não são realidades imunes apenas ao efeito retroativo da lei nova. Quaisquer efeitos de um novo diploma legislativo, não importa se imediatos ou mesmo futuros, não podem vir a prejudicar quaisquer destas realidades. É isto o que nos determina a nossa Constituição (...) sem discriminar quais efeitos temporais da nova norma legislativa estariam sujeitos a esta vedação. (...) Em essência, qualifica este um limite a quaisquer efeitos temporais de um novo diploma legislativo, sejam eles pretéritos, imediatos ou futuros" (CARDOZO, José Eduardo Martins. Op. cit., p. 325).

          12.REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 200.

          13.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 1. 31ª Edição São Paulo: Saraiva, 2000, p. 159.

          14.Tratado de Direito Privado, I, p. 77, apud Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência). 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 92 e 93.

          15.Nas palavras de Bernardes Mello, fatos jurídicos stricto sensu é "todo fato jurídico em que, na composição do seu suporte fáctico, entram apenas fatos da natureza, independentes de ato humano como dado essencial." (Op. cit., p. 111). Segue: "o nascimento, a morte, o implemento de idade, a confusão, a produção de frutos, a aluvião, a avulsão, são exemplos de fatos jurídicos stricto sensu" (Idem).

          16.Ato jurídico lato sensu, no conceito de Marcos Bernardes de Mello, constitui-se pela "exteriorização consciente de vontade, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível." (Op. cit. p. 121). O elemento nuclear do ato jurídico, portanto, está na manifestação de vontade, ausente nas espécies anteriores.

          17.Os atos jurídicos stricto sensu, como subespécies dos atos jurídicos lato sensu, compreendem aqueles atos humanos em que não há intuito negocial, escopo este presente nos negócios jurídicos. O negócio jurídico "é a declaração de vontade dirigida à provocação de determinados efeitos jurídicos", onde "o agente delibera dentro de sua autonomia privada", que Pontes de Miranda qualifica como "poder de auto-regramento." (HEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Coord: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Vol. III - Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7). No ato jurídico stricto sensu, ao contrário, "a vontade não tem escolha da categoria jurídica, razão pela qual a sua manifestação apenas produz efeitos necessários, ou seja, preestabelecidos pelas normas jurídicas respectivas, é invariáveis." (MELLO, Marcos Bernardes. Op. cit., p. 140).

          18.Ocorre ato-fato jurídico quando, embora o comportamento do homem seja causa determinante dos efeitos jurídicos, "a norma jurídica abstrai desse ato qualquer elemento volitivo como relevante" (MELLO, Marcos Bernardes. Op. cit., p. 114). Nestes casos, a vontade humana pouco importa para que a norma aja sobre o suporte fático. O louco que "Na especificação, por exemplo, interessa o resultado que se obteve, indiferentemente de ter havido, ou não, vontade em obtê-la" (Idem, ibidem).

          19.Humberto Theodoro, com altivez, afirma que "...em se tratando de ato jurídico em sentido estrito, a aplicação das normas traçadas pelo Código para os negócios jurídicos será ampla, e, na verdade, somente se excluirá a parte relativa às modalidades do negócio (condição, termo e encargo) (...) porque (...) só podem acontecer como fruto da vontade negocial." (Idem, ibidem).

          20.THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. Cit., Tomo II p. 9.

          21.Segundo Bernardes Mello, "é possível encontrar situações em que (...) o fato jurídico stricto sensu, ato-fato Jurídico ou fato ilícito lato sensu (e) existe e é eficaz (nascimento com vida, a pintura de um quadro, o dano causado a bem alheio) ou, excepcionalmente, (f) existe e é ineficaz, porque a validade é questão que diz respeito, apenas, aos atos jurídicos lícitos." (Op. cit. p. 82).

          22.Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 95.

          23.DINIZ, Maria Helena. Comentários ao Código Civil. Parte Especial: Livro Complementar: Das Disposições Finais e Transitórias. V. 22. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 166.

          24.MELLO, Marcos Bernardes. Op. cit., p. 82.

          25.AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24. Onde, "elemento é tudo aquilo de que algo mais complexo se compõe (pense nos elementos simples, ou puros da química), que, por outro lado, requisitos (de requirere, requerer, extinguir) são condições, exigências que se devem satisfazer para preencher certos fins, e, finalmente, fatores são ´´tudo que concorre para determinado resultado, sem propriamente dele fazer parte" (Op. cit. p. 30).

          26.GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 10. ed.; Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 480.

          27.Exemplifica o autor: "Rescisão, revocação e resolução, nessa ordem de idéias, provocam a ineficácia funcional do negócio jurídico válido, enquanto a nulidade acarreta a ineficácia do negócio afetado em sua validade por inidoneidade estrutural" THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Coord: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Vol. III - Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

          28.Particularmente aos negócios jurídicos, "nesse plano, não se trata, naturalmente, de toda e qualquer possível eficácia prática do negócio, mas sim, tão-só, da sua eficácia jurídica e, especialmente, da sua eficácia própria ou típica, isto é, da eficácia referente aos efeitos manifestados como queridos" (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit. p. 49). "A ineficácia gerada pela invalidade pertence ao plano estático da relação jurídica e a ineficácia em sentido estrito, ou funcional, opera no plano dinâmico" (THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit. Tomo I, p. 213). No plano estático, "a vontade negocial cria a relação jurídica (isto é, constitui, modifica, transfere ou extingue uma relação de direito) e fixa sua idoneidade em tese para o fim jurídico almejado. No segundo estágio, já se depara com uma relação jurídica constituída e parte-se para a realização dos resultados práticos que lhe correspondem" (Op. cit. p. 212).

          29.Op. cit., Tomo I, p. 213.

          30.Há que se destacar, porém, que o exemplo do autor não pode ser utilizado, uma vez que a lesão constitui defeito do negócio somente no NCC, ausente, pois, no antigo estatuto.

          31.apud DELGADO, Mário Luiz. Problema do Direito intertemporal no Código Civil: Doutrina & Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004 Prefácio, p. XV. Mais adiante, o Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa assevera que "o art. 2.035 aponta a questão da validade, mas pensamos que outros aspectos, como resolubilidade originária devem estar sujeitos a apreciação análoga" (idem).

          32.MIRANDA, Pontes. Comentários.... Op. cit., p. 60.

          33.Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

          34.MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 3.

          35.Op. cit. nota 2., p. 3.

          36."Os Direitos a termo se consideram adquiridos, seja o termo final ou inicial (...) Assim também os Direitos sob condição. (...) São adquiridos Direitos condicionados, tanto sob condição resolutiva como suspensiva" (FRANÇA, Rubens Limongi. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 297). O autor defende a tese de que o direito adquirido abrange o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

          37.Op. cit. p. 296.

          38.Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1989 apud CARDOZO, José Eduardo Martins. Op. cit., nota 68, p. 326.

          39.Comentários, op. cit. p. 60. Mais adiante ressalto o jurista alagoano: "a expressão "direito adquirido" é insuficiente. Com tôda a razão. Leia-se, (...) ‘direito (adquirido), pretensão, ação ou exceção’ . A lei nova não pode cortar a pretensão, que já se produziu, como não poderia cortar o direito" (Idem, p. 94)..

          40.BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3105. Reqte.(s): Associação Nacional Dos Membros Do Ministério Público – CONAMP. Reqdo.(A/S): Congresso Nacional.Origem: Distrito Federal. Relator: Min. Ellem Gracie. Disponível em: http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?INTERFACE=1&ARGUMENTO=ADI%2F3105&rdTipo=1&PROCESSO=3105&CLASSE=ADI&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=. Acesso em: 24 ago 2004 e BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3128. Reqte.(s): Associação Nacional Dos Procuradores da República - ANPR. Reqdo.(A/S): Congresso Nacional.Origem: Distrito Federal. Relator: Min. Ellem Gracie. Disponível em: http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?INTERFACE=1&ARGUMENTO=ADI%2F3128&rdTipo=1&PROCESSO=3128&CLASSE=ADI&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=a . Acesso em: 24 ago 2004.

          41.Comentários, op. cit., p. 95.

          42.Neste sentido pronunciou-se o Ministro Eros Roberto Grau no voto já citado: "Aplicando-se a lei imediatamente, não afetará as condições de validade de qualquer ato passado, nem alterará as conseqüências de um direito já realizado. Não obstante, aplicar-se-á às situações em curso, vale dizer, atingirá os efeitos [=direitos] que se verifiquem de forma sucessiva" (p.7).

          43.MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Validade). Op. cit., p. 2.

          44.Idem, p. 5.

          NIOR, Humberto. Op. cit. Tomo I, p. 16.

          46.Idem,ibidem.

          47.Segundo Pontes de Miranda, fraude a lei "nada mais é que fazer o que a lei proíbe através do que a lei permite" (apud FRANCISCO, Caramuru Afonso. Código Civil de 2002: O que há de novo? São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 75).

          48"É norma de grande alcance não só para o direito civil como também para o ordenamento jurídico pátrio como um todo (...) Com efeito, não é raro que o legislador determine a vedação desta ou daquela conduta, mas que não comine qualquer sanção em caso de inobservância desta norma. Doravante, (...) toda e qualquer prática que se constitua em inobservância de uma norma proibitiva será um negócio nulo e, como tal, poder-se-á promover a sua invalidação, bem como, eventualmente, a sua responsabilização civil em virtude desta invalidade" (FRANCISCO, Caramuru Afonso. Op. cit.).

49."Muitas vezes este contrato simulado de parceria pecuária esconde um mútuo usuário puro simples, como outras vezes representa o preço pelo qual foi concretizado um negócio. Assim vejamos: se num contrato intitulado parceria pecuária ou arrendamento rural não existiu gado algum entregue pelo parceiro outorgante ao parceiro outorgado, que apenas camuflou um empréstimo de dinheiro, e o "gado entregue" foi o dinheiro recebido pelo tomador do empréstimo e as "crias" a serem entregues representam os juros devidos ao emprestador." (PAULINO DOS REIS, Dagma. A parceria pecuária e a "vaca-papel". Revista Jurídica n.º 260, p. 44 apud. PISSURNO, Marco Antônio Ribas A parceria pecuária, a patologia da "vaca-papel" e o novo Código Civil. Breves considerações e novos rumos da oponibilidade do contrato dissimulado em juízo. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4221. Acesso em 16 set 2004. Acrescenta este último autor: "Nestes termos, o gado só existe no contrato - o parceiro-proprietário e o parceiro-criador revelam-se reais mutuante e mutuário, em certos casos unidos por simulação relativa em torno de empréstimo haurido à juros e acréscimos vedados por lei".

          50. "Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma."

          51.THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit. Tomo I, p. 16.

          52."Assim, enquanto na lei anterior o que importava era que o erro fosse substancial para que se tivesse a anulabilidade do negócio jurídico (art. 86 do CCB), a lei nova determina que, além de substancial, o erro deve ser tal que uma pessoa de diligência normal o tivesse percebido diante das circunstâncias do negócio (art. 138 do CC) (...) a substancialidade do erro não se configura tal somente pelo fato de o erro, esta falsa apreciação da realidade, estar na mente do que errou mas que a percepção fosse possível a um homem de diligência normal, ou seja, ao lado da apreciação da própria psique do que errou, mister se faz uma análise da própria circunstância, do nível social em que se está e do que faria um homem comum" (FRANCISCO, Caramuru Afonso. Op. cit., p. 66).

          53. "É de se lembrar, todavia, que, embora não configurado o vício de consentimento exatamente como no Código novo, a usura já encontrava sanções antes de sua vigência, fosse como variante da coação, fosse como conseqüência dos crimes contra a economia popular, ou ainda como figura coibida pela lei de usura. O defeito do contrato anterior à lei atual, portanto, não estará de todo afastado, mas terá de ser apreciado e julgado, segundo os preceitos da lei do seu tempo, e não pelos do novo Código" (HEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit.).

          54."Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória".

          55.Questiona-se muito sobre este dispositivo. Porém, este não é o momento de discutir sobre sua conveniência, mas sim quanto ao seu aspecto temporal.

          56 "A edicção de lei nova não está adstrita ao respeito de negócios jurídicos inválidos, nem ao respeito de neg6cios jurídicos ainda não perfeitos (= não concluídos). Aqui, porque ainda não há o negócio jurídico, que apenas se esboçou (por exemplo, houve apenas oferta). Ali, porque o negócio jurídico nulo não produz efeitos e direito, pretensão, dever, obrigação e ação são efeitos dos fatos jurídicos" (MIRANDA, Pontes. Comentários. Op.cit., p. 62).

          57.Direito intertemporal.Op. cit., p. 37 apud HEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit.

          58.Traité Elémentaire, I, 7. ed., 1915, pp. 241-243 apud SERPA LOPEZ, Miguel Maria. Curso de Direito Civil. Vol. 1. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1989, p. 163. Veja que o autor utiliza a palavra retroatividade em sentido diverso da etimologia da palavra.

          59.Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.178.

          60.MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Tomo 1, 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999, p. 110.

          61."Ás vezes, o legislador cinge-se a permitir uma conduta, deixando à liberdade individual segui-la ou não. Outras vezes, estatui normas destinadas a vigorar como subsidiárias da vontade manifestada pelas partes, preceitos que apenas suprem a deliberação dos interessados. Vigoram toda vez que estes deixem de adotar uma atitude contrária à sua aplicação, por conterem matéria relegada à conveniência privada das pessoas que intentem praticar o ato" (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Op. cit., p. 23).

          62.VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico: Nulidade e Anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pp. 10-11.

          63.apud DELGADO, Mário Luiz. Prefácio. Op. cit., p. XVI.

          64.Direito Intertemporal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955 apud SANTOS, Gilberto Pinto dos. A Multa de Mora nas Despesas de Condomínio e o Novo Código Civil. Disponível em: http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/MultaCondomNCC.pdf Acesso em: 28/09/2004.

          65.Op. cit., Tomo I. p. 16.

          66.Op. cit., Tomo I. p. 16.

          67.SANTOS, Antonio Jeová. Op. cit., p. 62.

          68.Questões de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 357..

          69.SERPA LOPEZ, Miguel Maria. Curso.... Op. cit. p. 176.

          70.Exemplo retirado da obra já citada de DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 84.

          71.DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 84.

          72.Idem, Ibidem.

          73.BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Agravo de instrumento n. 2002.024857-1. Relatora: Desª. Salete Silva Sommariva - Primeira Câmara de Direito Civil – unânime. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/tjsc/jurisprudencia_Documento.jsp?p_id=AAAG5%2FAATAAAADvAAE&p_query=%7B2.035%7D Acesso em: 8 ago 2004.

          74."Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". A grande celeuma suscitada pelo artigo refere-se ao índice aplicado, qual sejam, a taxa SELIC ou o art. 161 §1 do CTN. Contudo, esta questão foge ao nosso temo e, por isto, não será por nos aqui tratada.

          75."O art. 406 do novo Código Civil incide imediatamente nos contratos e nos débitos judiciais em curso de execução. Vai ser aplicado ao cálculo de débitos vencidos e não pagos, ainda que o vencimento se tenha dado em data anterior. Mas atenção: a incidência do novo percentual só se dará a partir de 11 de janeiro de 2003." (DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 113).

          76. "O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito". O diploma antigo, art. 12 da Lei 4.591/64, estipulava a multa de 20%.

          77 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínios e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp.130-131 apud DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 99.

          78.LOPES, João Batista. Natureza Jurídica da Convenção de Condomínio. Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil. Escritos em Homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. ARRUDA ALVIM et al. (coord.). São Paulo: Ed. Rev. dos Tribunais, 2003, p. 382 apud SANTOS, Gilberto Pinto dos. Op. cit.

          79.Expressão utilizada por Roubier, que assim conceitua: "não são, propriamente falando, constituídas em determinando ponto de duração; são estabelecidas em permanência sobre o substractum de um estado de fato material; pode-se ainda dizer, se se preferir, que, enquanto duram, se encontram num estado permanente de constituição"(apud ESPÍNOLA, Eduardo; e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei da Introdução ao Código Civil Brasileiro. 2. ed. atual. por Sílvia Pacheco. V. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 271).

          80.SANTOS, Gilberto Pinto dos. Op. cit.

          81.CARDOZO, José Eduardo Martins, Op. cit., pp. 213 e 214.

          82.SANTOS, Gilberto Pinto dos. Op. cit.

          83."Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor".

          84. "Dada a fiança sem limitação de tempo, o fiador tem o direito de exonerar-se quando lhe convier, já que prazo indeterminado não induz perpetuidade. A solução do Código Civil de 1916 não era a melhor, pois que liberava o fiador somente a partir da sentença, se o credor não anuísse em desonerá-lo. O Código de 2002, em seu art. 835, corrigiu essa regra injusta, porque beneficiava o credor que maliciosamente procrastinasse o andamento do feito, estendendo no tempo os efeitos da garantia, e tirando proveito da própria má-fé, o que é contra a moral e o direito". (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos; Declaração Unilateral de Vontade Responsabilidade Civil. Vol. III, 1ª Edição Eletrônica. Revista e atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense 2003, p. 105).

          85.Tratado, cit. Tomo 1, p. 105.

          86.Hemenêutica, cit. p. 176. Para o autor: "consideram-se de ordem pública as disposições sobre a organização da família: por exemplo, as que dizem respeito ao exercício do pátrio poder, aos direitos e deveres dos cônjuges, assim como as que proíbem a poligamia, ou o casamento entre parentes até certo grau. Incluem-se na mesma categoria as normas que estabelecem condições e formalidades essenciais para certos atas, ou para se organizarem e funcionarem sociedades, civis ou comerciais; as que restringem a faculdade de instituir herdeiros ou deixar legados; bem como certas prescrições relativas à organização da propriedade, determinadoras dos direitos reais sobre as coisas e do modo de adquiri-las" (Idem, Ibidem. p. 177).

          87.Conforme Limongi França, na primeira categoria estão Lafayette, Porchat, Beviláqua, os Espínolas, Carvalho Santos; no segundo entendimento: Eduardo Theiler, Oscar Tenório, Caio Mário; e no último: Pontes de Miranda, Vicente Ráo, Washington de Barros Monteiro (Op. cit. p. 298).

          88.Op. cit. p. 198.

          89.Direito Intertemporal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, pp. 477 a 482, apud RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Forense: São Paulo, 2003. p. 40.

          90.Op. cit., p. 40.

          91.Segundo o saudoso jurista: "Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que ‘atenderá a sua função social’. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade (...) que o imperativo da ’função social do contrato’ estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros (...) Como uma das formas de constitucionalização do Direito Privado, temos o § 4º do Art. 173 da Constituição, que não admite negócio jurídico que implique abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Esse é um caso extremo de limitação do poder negocial, não sendo possível excluir outras hipóteses de seu exercício abusivo, tão fértil é a imaginação em conceber situações de inadmissível privilégio para os que contratam, ou, então, para um só deles." (Função Social do Contrato. Disponível em: http://www.miguelreale. com.br/artigos/funsoccont.htm. Acesso em 08/08/2004).

          92.apud DELGADO, Mário Luiz. Prefácio. Op. cit. , p. XVII.

          93.A segunda parte, como já dissemos é meramente exemplificativa, por isto foge ao estudo da estrutura interna da norma jurídica.

          94.Neste ponto ousamos a discordar de autores como Maria Helena Diniz e Mario Delgado. Segundo a autora "incabível seria a existência de direito adquirido ou ato jurídico perfeito contra norma de ordem pública, aplicável retroativamente a atos anteriores a ela. O direito precedente cede a ela o lugar, submetendo-se aos princípios da função social do contrato e da propriedade, com os quais não pode conflitar, visto que têm supremacia por força cabe Constituição Federal" (Comentários, op. cit. p. 184). Para Salgado, "mais polêmica ainda que a regra constante do caput do art. 2.035 é a norma do parágrafo único, que prevê não só a aplicação imediata, mas também a aplicação retroativa (nenhuma convenção prevalecerá) das normas de ordem pública, citando como exemplos aquelas relativas à função social dos contratos e da propriedade. O dispositivo deixa claro que está apenas a exemplificar, e quaisquer outras normas, desde que consideradas como ‘de ordem pública’, terão aplicação imediata, contra elas não cabendo invocar direito adquirido ou ato jurídico perfeito" (Op. cit. 91).

          95.Idem.

          96.Op. cit. Tomo I, p. 16.

          97.O exemplo é real, porém, resumido e adaptado ao que queremos demonstrar. Refere-se ao parecer de Eulâmpio Rodrigues Filho (Compra e Venda de Soja para entrega futura – Nulidade, Resolução ou Revisão do Contrato – Parecer. Disponível em: http://www.apriori.com.br/artigos/prelo/compra_e_venda_de_soja_para_entrega_futura.htm. Acesso em 10 set. 2004).

          98.RODRIGUES FILHO, Eulâmpio. Compra e Venda de Soja para entrega futura – Nulidade, Resolução ou Revisão do Contrato – Parecer. Disponível em: http:// www.google.com.br. Acesso em 10/09/2004.

          99.Idem.

          100.O Novo Código Civil e os Contratos Celebrados antes da sua Vigência. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4002 Acesso em 13/10/2004.

 

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6843