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A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DE SITE QUE UTILIZA "FÓRUNS DEDISCUSSÃO"
- Decisão da corte Argentina
Autor: Demócrito Reinaldo
Filho
Fonte: Infojus
Uma corte argentina emitiu
recentemente importante decisão sobre a responsabilidade do provedor de
conteúdo na Internet (1). Os juízes da "Sala Primera de la Cámara Civil y
Comercial" da província de Jujuy, no dia 30 de junho deste ano, condenaram
o proprietário e a empresa responsável pela manutenção do site JUJUY.COM a
indenizar um casal que se sentiu ofendido por mensagens postadas no sistema do
"livro de visitas" do referido site. A importância da decisão reside
no fato do seu ineditismo em cortes latino-americanas, que pode influenciar a
formação da jurisprudência nos países da região que adotam o sistema de
tradição civilista (Civil Law), de origem romano-germânica. Nos Estados Unidos,
o primeiro precedente sobre responsabilidade de proprietários de site por
mensagens inseridas em "fóruns de discussão" (o caso Cubby v.
Compuserve) é de 1991, produzido por uma corte distrital de Nova Iorque. De lá
pra cá, se tem registro de muitas decisões em tribunais daquele país sobre o
mesmo tema, mas são escassas as notícias a respeito de decisões semelhantes em
países da América Latina. A decisão da corte Argentina, por essa razão, ganha
em importância e, como se disse, pode ser um referencial a determinar o padrão
de responsabilidade dos operadores de websites.
No caso julgado pelos juízes
da província argentina, os autores reclamaram indenização por dano moral em
decorrência de uma mensagem difamatória, inserida por um usuário anônimo do
site, que colocou informações atribuindo à mulher do casal uma conduta adúltera,
criando para eles uma situação de constrangimento. Os juízes compararam a
posição do mantenedor do site com a do difusor da mídia tradicional. Não sendo
o editor da matéria, ou seja, a pessoa que fez a fixação da mensagem para
conhecimento ao público, o mantenedor do site pode ser responsável na condição
de simples difusor da informação. O Juiz que proferiu o voto condutor, seguido
pelos dois outros integrantes do órgão, explicou que em regra a
responsabilidade do difusor de conteúdos ilícitos depende da prova de sua
conduta, quer participando ativamente da conduta de outra pessoa (colaborando
na formação do conteúdo) ou se omitindo de fazer o que tinha obrigação de fazer
(o que ocorre quando, conhecendo o caráter ilícito do conteúdo e podendo evitar
a difusão, não o faz). Entretanto uma circunstância pesou na decisão dos
juízes: a circunstância de que a área destinada ao fórum eletrônico de
discussão continha um destaque, onde os visitantes eram advertidos de que suas
mensagens poderiam ser retiradas, no caso do conteúdo "ser inconveniente
para outras pessoas que visitem esta seção"(2). O operador do site, por
meio do anúncio dessa política de publicações, teria assumido para si o
controle editorial sobre as informações colocadas por terceiros (os internautas
usuários) no sistema de fórum eletrônico de discussão. Assumindo uma obrigação
de controle, é responsável pelo conteúdo publicado (ainda que produzido por
outrem). Para os juízes, na medida em que o operador não evitou a divulgação da
mensagem difamatória, incorreu em omissão culposa.
Até aí tudo bem. A decisão
seguia a linha de evolução da jurisprudência em outros países, mais voltada à
definição da responsabilidade por publicação em sistemas eletrônicos fundada na
culpa. Os juízes argentinos foram além. Contraditoriamente, na segunda parte da
decisão construíram um padrão de responsabilidade objetiva para os operadores
de site que oferecem serviço de fórum de discussão. Partiram da concepção que o
manejo de um sistema informático deve ser entendido como atividade perigosa, de
potencial risco para outras pessoas, a exemplo de quem explora o fornecimento
de energia elétrica como atividade empresarial. A atividade de processamento de
informações de forma automatizada, para eles, reúne características similares
aos da produção de energia elétrica (3), "em razão da potencialização do
perigo ínsito em seu emprego". Invocaram o artigo 1.113 (segunda parte) do
Código Civil Argentino (4) para justificar a responsabilidade objetiva do
operador do site, dispositivo semelhante ao parágrafo único do art. 927 do
nosso Código Civil (5). Ambos estabelecem uma obrigação independentemente de
culpa para os casos em que a atividade causadora do dano implicar riscos para
outrem (6).
Acreditamos que, nessa última
parte, ao tentar estabelecer a responsabilidade objetiva como padrão para os
operadores de website (provedores de conteúdo em páginas web), os juízes
argentinos podem ter se excedido. Pessoalmente, temos dúvida quanto à opção
pelo fundamento do risco em substituição ao da culpa, como critério de
responsabilização. A tentativa de equiparar a informática com a energia
elétrica - a primeira seria uma nova forma de energia - tem adquirido força
entre os juristas latinos, como se sabe. Mas a operação informatizada de processamento
de dados não pode ser considerada, por si só, como uma atividade potencialmente
periculosa, de risco especial, que envolve uma elevada carga de perigo. Tradicionalmente,
a responsabilidade objetiva só tem sido associada a atividades com esse teor de
potencialidade danosa, que criam situações de grande probabilidade de dano à
vida ou à saúde de terceiros (como a produção de energia elétrica, de
explosivos, de material radioativo, o transporte de combustíveis, entre
outras), atividades essas que não podem ser comparadas à atividade de um
controlador de website. Ademais, se se procura traçar uma analogia com os
ambientes de publicação da mídia tradicional, não se pode apoiar no elemento
objetivo como critério único para responsabilização. Em relação aos meios de
mídia clássicos e jornalistas, a responsabilidade não repousa sobre um conceito
de risco ligado à atividade, pois se trata mais precisamente de uma
responsabilidade ligada ao elemento subjetivo, da identificação de negligência
na conduta e trabalho do profissional dos meios de comunicação.
O operador de um website,
como se tem convencionado, atua em equivalência ao editor da mídia tradicional,
uma vez que tem o poder de decisão sobre o que publicar. É desse seu poder
(controle editorial) que resulta sua responsabilidade pelo conteúdo publicado. Mas,
em razão de peculiaridades técnicas só existentes no meio das redes
informáticas, ele pode construir certas áreas no site onde seu controle
editorial praticamente desaparece, sendo as informações postadas por outras
pessoas (visitantes do site). É o caso justamente dos chamados "fóruns
eletrônicos de discussão" (ou "livros de visitas"), onde os
usuários, de moto-próprio, colocam mensagens de texto que aparecem
instantaneamente em área determinada. Sobre o conteúdo que é assim divulgado, o
operador do site em regra não tem um controle editorial prévio, mas somente a
posteriori, quando toma conhecimento do que foi efetivamente publicado. Por
isso, somente pode ser responsabilizado quando, por qualquer meio, tem
conhecimento real do caráter ilícito ou algum motivo para desvendar a natureza
da informação. É a partir deste momento, em que é informado do caráter danoso
da informação hospedada em seu sistema, que tem a obrigação de tomar todas as
medidas necessárias para prevenir danos ou retirá-la, sob pena de ser
considerado um negligent controller. A sua responsabilidade tem, portanto,
fundamento na culpa, com relevo para o aspecto subjetivo (da atuação do
controlador do site).
Existem, é claro, situações
excludentes dessa premissa de inexistência de responsabilidade do controlador
do site por mensagens danosas colocadas em serviços eletrônicos de mensagens. A
primeira consistiria em anunciar que adota um código de conduta editorial de
controle de conteúdos e que mobiliza esforços para respeitá-lo - situação
idêntica à ocorrente no caso julgado pelos juízes argentinos. Nessa hipótese,
ele se torna responsável pelos conteúdos que circulam em seu site. Ao se
atribuir o mesmo controle de um editor, deve suportar o mesmo standard de
responsabilidade. Também é razoável admitir a responsabilização do controlador
quando não se tem possibilidade de identificar o causador direto do ato danoso
- situação da mesma maneira verificada no caso julgado. Lembramos que o operador
do sistema informático não é um completo alheio e eqüidistante à transmissão
(publicação) da mensagem. Ao contrário: é com o concurso de seu sistema
informático que a comunicação eletrônica é tornada possível. Se não pratica ou
executa o ilícito, nem por isso deixa de fornecer os meios materiais e físicos
(tecnológicos) para a transmissão da mensagem. Embora não seja o responsável
pela publicação da informação danosa, é no seu sistema que esta é armazenada, o
que, de certo modo e em certa extensão, pode relacioná-lo com ou vinculá-lo ao
autor direto do ato. Assim, se não se puder identificar o autor direto do ato,
é razoável a defesa da responsabilidade do operador do site. O mesmo ocorreria
no caso em que o autor do dano não estivesse submetido à jurisdição da
nacionalidade do operador (quando, por exemplo, residir em outro país). Essa
via de responsabilização possibilitaria uma forma de reparar efetivamente as
vítimas contra danos decorrentes de conteúdos informacionais ilícitos;
atenderia a um critério de Justiça e à própria essência da responsabilidade
civil, que busca restabelecer o equilíbrio violado pelo dano. Sua evolução deve
atender a uma necessidade moral, social e jurídica de garantir a segurança da
vítima violada pelo ato lesivo. Uma tal conclusão não seria destituída de
razoabilidade jurídica, pois o Direito não pode tolerar que ofensas fiquem sem
reparação. Essa seria, no entanto, sempre uma responsabilidade secundária,
significando a possibilidade de chamar o operador à responsabilização como
substituto responsável, diante de uma situação fática que impede alcançá-lo. Não
seria nunca uma responsabilidade solidária, no sentido de o ofendido poder
escolher contra quem demandar (entre o controlador do site e o autor direto do
dano).
A definição de um critério de
responsabilidade objetiva como padrão para o operador de website, fundada no
risco de sua atividade (como fizeram os juízes argentinos), significa que ele
poderá sempre ser demandado de forma solidária com o autor direto de um ato danoso
decorrente de publicação de conteúdo ilícito. Parece-nos que a construção de um
parâmetro tão rígido de responsabilização, além de contrariar a evolução da
jurisprudência em outros países, pode trazer um certo chilling effect sobre
alguns esquemas técnicos e áreas de publicação em sites na Internet. Não
somente os "fóruns de discussão" e "quadros de avisos
eletrônicos", mas também o desenvolvimento de outros esquemas de
publicação baseados na participação colaborativa, a exemplo dos blogs (que
tanto serviços têm prestado à democracia e à divulgação do conhecimento) e
listas de discussão, podem ser afetados se a responsabilidade objetiva do
operador (de todo e qualquer tipo) de sistema informático se tornar o modelo
para a responsabilidade extra-contratual. Um operador de site que toma medidas
razoáveis de cautela ao construir um sistema desses, através do cadastramento
dos participantes e a restrição de acesso por meio de senhas (ou qualquer outro
mecanismo de segurança), procurando evitar possíveis abusos dos usuários,
talvez não deva ser considerado aprioristicamente responsável por tudo o que
estes últimos divulguem.
Essas são questões que, de
qualquer sorte, ainda demorarão muito para encontrar pacificação. A evolução da
jurisprudência nesses temas, sobretudo nos países menos desenvolvidos, se dá em
passos lentos. Por enquanto, fiquem os operadores de websites advertidos dos
problemas que podem se defrontar ao disponibilizar serviços que permitem a
publicação direta de informações pelos visitantes, sem um controle prévio. A
construção de "fóruns ou quadros eletrônicos de discussão", pelo
menos em relação a eles próprios (os operadores de sites), é sem dúvida uma
atividade bastante perigosa.
Recife, 08.09.04.
Notas:
(1) Processo Nº B-85235/02,
registrado como "Ordinario por danõs y perjuicios". Os autores
identificados só pelas iniciais S.M. e L.E.M, e os réus JUJUY DIGITAL, empresa
mantenedora do site, e o representante dela, Sr. Omar Lozano.
(2) O site continha uma
legenda onde se lia: "pedimos moderación en las expresiones vertidas ya
que no es nuestra política censurar ningún mensaje, pero si su contenido es
inconveniente para otras personas que visiten esta sección nos veremos
obligados a borrarlos. Muchas Gracias".
(3) Os juízes recorreram ao
ensinamento do jurista Gabriel STIGLITZ, o qual afirma, citando Frossini, que
"la informática o información computarizada es una nueva forma de
energía…Que el tratamiento (computarizado) de la información, comporta la utilización,
para el almacenamiento, procedimiento, y trasmisión de los datos, de señales
electro-magnética, a través de pulsos eléctricos, electro ópticos, registros
magnéticos, etc."
(4) Artículo 1113 do Código
Civil de la Republica de Argentina:
"La obligación del que
ha causado un daño se extiende a los daños que causaren los que están bajo su
dependencia, o por las cosas de que se sirve, o que tiene a su cuidado. (Párrafo
agregado por Ley 17.711)En los supuestos de daños causados con las cosas, el
dueño o guardián, para eximirse de responsabilidad, deberá demostrar que de su
parte no hubo culpa; pero si el daño hubiere sido causado por el riesgo o vicio
de la cosa, sólo se eximirá total o parcialmente de responsabilidad acreditando
la culpa de la víctima o de un tercero por quien no debe responder. Si la cosa
hubiese sido usada contra la voluntad expresa o presunta del dueño o guardián,
no será responsable" (grifo nosso).
(5) Parágrafo único do art.
927 do CC: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem".
(6) O artigo do Código
Argentino se refere à responsabilidade objetiva do proprietário da coisa que
causa risco, estabelecendo que só não responderá pelo dano por esta causado
quando prove a culpa da vítima ou de terceiro. Os doutrinadores argentinos,
todavia, apontam esse dispositivo como o fundamento da responsabilidade por atividade
perigosa da empresa.
Retirado de: http://www.ibdi.org.br/index.php?secao=&id_noticia=356&acao=lendo>