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“A responsabilidade objetiva no novo Código Civil”
Sílvio de Salvo Venosa
Para
a caracterização do dever de indenizar devem estar presentes os requisitos
clássicos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano
e, finalmente, culpa. No tocante especificamente à culpa, lembramos que a
tendência jurisprudencial cada vez mais marcante é de alargar seu conceito.
Surgiu, daí, a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever genérico de não
prejudicar. Esse fundamento fez também nascer a teoria da responsabilidade
objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a
culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a
responsabilidade objetiva.
Daí por que a insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou à
criação da teoria do risco, com vários matizes, a qual sustenta que o sujeito é
responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque
toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco
criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em
razão dessa atividade deve indenizar os danos que ocasiona. Em síntese,
cuida-se da responsabilidade sem culpa em inúmeras situações nas quais sua
comprovação inviabilizaria a indenização para a parte presumivelmente mais
vulnerável. A legislação dos acidentes do trabalho é o exemplo marcante que
imediatamente aflora como exemplo.
Neste aspecto há importante inovação no novo Código Civil, presente no
parágrafo único do artigo 927. Por esse dispositivo, a responsabilidade
objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também "quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem". Por esse dispositivo o
magistrado poderá definir como objetiva, ou seja, independente de culpa, a
responsabilidade do causador do dano no caso concreto. Esse alargamento da
noção de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovação do novo
código em matéria de responsabilidade e requererá, sem dúvida, um cuidado
extremo da nova jurisprudência. Nesse preceito há, inclusive implicações de
caráter processual que devem ser dirimidas, mormente se a responsabilidade
objetiva é definida somente no processo já em curso.
A legislação do consumidor é exemplo mais recente de responsabilidade objetiva
no ordenamento. Portanto, o âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta
significativamente em vários segmentos dos fatos sociais. Nesse diapasão,
acentuam-se, no direito ocidental, os aspectos de causalidade e reparação do
dano, em detrimento da imputabilidade e culpabilidade de seu causador. Daí
porque, por exemplo, o novo código estampa a responsabilidade do incapaz; a
possibilidade de seu patrimônio responder por danos por ele causados, ainda que
de forma mitigada (artigo 928).
Na responsabilidade objetiva, há pulverização do dever de indenizar por um
número amplo de pessoas. A tendência prevista é de que no contrato de seguro se
encontrará asolução para a amplitude de indenização que se almeja em prol da
paz social. Quanto maior o número de atividades protegidas pelo seguro, menor
será a possibilidade de situações de prejuízo restarem irressarcidas. Ocorre,
porém, que o seguro será sempre limitado ou tarifado; optando-se por essa
senda, indeniza-se sempre, mas certamente indenizar-se-á menos.
É o que ocorre, por exemplo, na indenização por acidentes do trabalho, nos
acidentes aéreos e em várias outras situações. Sob esse prisma, o novo Códiglo
Civil apresenta , portanto, uma norma aberta para a responsabilidade objetiva
no parágrafo único do artigo 927. Esse dispositivo da lei nova transfere para a
jurisprudência a conceituação de atividade de risco no caso concreto, o que
talvez signifique perigoso alargamento da responsabilidade sem culpa. É
discutível a conveniência de
uma norma genérica nesse sentido. Melhor seria que se mantivesse nas rédeas do
legislador a definição da teoria do risco. Reiteramos, contudo, que o princípio
gravitador da responsabilidade extracontratual no novo Código Civil é o da
responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com culpa, pois esta
também é a regra geral traduzida no caput do artigo 927.
Não nos parece, como apregoam alguns, que o novo estatuto fará desaparecer a
responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou
responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei
expressa que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a
responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no
direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova
lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina.
No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explica que somente pode ser
definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este
decorrer de "atividade normalmente desenvolvida" por ele. O juiz deve
avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma
atividade esporádica ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por
uma circunstância possa ser considerada um ato de risco. Não sendo levado em
conta esse aspecto, poder-se-á transformar em regra o que o legislador colocou
como exceção.
A teoria da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida como
regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o do novo aspecto
enfocado pelo novo código. Levemos em conta, por outro lado, que a
responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência. A cada momento
estão sendo criadas novas teses jurídicas como decorrência das necessidades
sociais. Os novos trabalhos doutrinários da nova geração de juristas europeus
são prova cabal dessa afirmação. A admissão expressa da indenização por dano
moral na Constituição de 1988 é tema que alargou os decisórios, o que sobreleva
a importância da constante consulta à jurisprudência nesse tema, sobretudo do
Superior Tribunal de Justiça, encarregado de uniformizar a aplicação das leis.
Desse modo, também em relação à definição da responsabilidade objetiva no caso
concreto, há que se aguardar o rumo dos julgados nos próximos anos.
* Silvio Venosa é sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados, um dos
mais conceituados especialistas em Código Civil e juiz aposentado do Primeiro
Tribunal Civil de Alçada de S. Paulo.
Retirado de: http://www.societario.com.br/demarest/svrespobjetiva.html