Algumas
impropriedades do denominado “Novo” Código Civil
Cláudio Calo Sousa
Índice
:
I-
I-
Introdução :
II-
II-
Incongruências :
II.1- Situação do menor ;
II.2-Momento de aquisição da personalidade jurídica;
II.3-Inalienabilidade do nome empresarial;
II.4-Pessoa jurídica como sócia-administradora;
II.5-Sociedade entre cônjuges;
II.6-Teoria “Ultra vires societatis”;
II.7-Aval parcial e endosso;
I- Introdução
Está em período de “vacacio
legis” a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que, entre os operadores do
direito, está sendo mais conhecida como o “Novo” Código Civil, sendo certo que,
se nenhuma alteração for feita, entrará plenamente em vigor em janeiro de 2003.
Este diploma legal, apesar
de “novo”, acabará revogando várias leis, inclusive, a primeira parte da Lei nº
556/1850 (Código Comercial).
Não há dúvidas de que em
pleno século XXI a Lei nº 10.406 retrata a falta de visão e capacidade jurídica
do Poder Legislativo, vez que dá ensejo à várias incongruências, a começar pelo
fato de o direito empresarial e cambiário (parte geral) constar no Código
Civil. Será que o legislador procurou a difícil unificação do direito privado?
Qual a finalidade desta disciplina? Será que para o direito brasileiro adotar a
teoria da empresa deveria esta estar disciplinada no Código Civil? Não seria
melhor uma reforma total no Código Comercial do século XIX ?
Bom, certo é que o “Novo
Código Civil” deixa de enfrentar algumas questões bastantes controvertidas na
doutrina e na jurisprudência e, às vezes, acaba optando pela posição menos
aconselhável.
II - Incongruências
II.1- Situação do menor
Atualmente, em razão do
disposto no artigo 9º, p. único, do Código Civil de 1916, a menoridade civil
cessa aos 21 (vinte e um) anos completos, sendo que uma das hipóteses de o
menor emancipar-se é o fato de o mesmo estabelecer-se comercialmente com
economia própria, havendo controvérsia sobre o limite etário mínimo, ou seja,
se a partir dos dezesseis anos ou dezoito anos. Neste contexto, levando-se em
consideração o art. 3º, inciso II, do Decreto-lei nº 7.661/1945, que admite a
falência do menor desde que tenha mais de dezoito anos, e a maioridade penal,
que começa aos dezoitos anos, filiamo-nos à posição que defende o limite etário
mínimo de dezoito anos, com fundamento em uma interpretação sistemática.
A questão torna-se
problemática no momento em que o ‘Novo Código Civil”, no artigo 5º, altera a
maioridade civil para dezoito anos de idade completos, sendo que no parágrafo
único, inciso V, passa admitir expressamente a emancipação do menor, desde que
devidamente estabelecido comercialmente, tenha economia própria e dezesseis
anos de idade completos.
Desta forma, poderíamos
concluir que o legislador civilista, sem analisar a atual lei de falências
(art. 3º, inciso II, do Decreto-Lei nº 7.661/1945), passou a admitir a
emancipação aos dezesseis anos ? E em sendo positiva a resposta, a falência
poderá ser decretada ?
Não há dúvidas de que urge
que a lei de falências seja reformada, valendo registrar que está em tramitação
no Poder Legislativo um projeto de lei de falências e concordatas, que já foi
chamado de projeto de lei de liquidação judicial e recuperação. No entanto,
este projeto, dificilmente, tornar-se-á lei antes da entrada em vigor do “Novo
Código Civil”. Ademais, mesmo que entre em vigor, de toda sorte haverá uma
incongruência do “Novo Código Civil” com o Código Penal, vez que, mesmo que o
menor venha a emancipar-se com dezesseis anos de idade e seja admissível o
decreto falimentar, mesmo assim, em eventual cometimento de crime falimentar,
este menor emancipado não poderá ser responsabilizado criminalmente, diante do
critério biológico adotado quanto à menoridade penal.
Nesta linha de raciocínio, o menor emancipado pela atividade
empresarial aos dezesseis anos terá capacidade civil plena, capacidade
falimentar, mas, penalmente, será inimputável. E se o menor der um “rombo” no
mercado ? Nada sofrerá ou responderá à processo sócio-educativo junto ao r.
Juízo da Infância e da Juventude ?
Ora, das duas uma, ou se
altera o “Novo Código Civil” ou terá que ser alterada a maioridade penal !
Ainda sobre a questão do
menor, o “Novo Código Civil’ deixou de analisar a possibilidade de o menor
poder ser sócio de uma sociedade, ressaltando que, atualmente, a questão é
controvertida na doutrina e na jurisprudência no tocante às sociedades limitadas. Já no
tocante às sociedades reguladas no Código Comercial, este diploma legal veda
expressamente no artigo 308 a participação do menor como sócio da sociedade.
Mas, e com o “Novo Código
Civil” ? Da mesma forma que o Código Civil de 1916, o novel diploma
legislativo, no artigo 104, preceitua que, como um dos requisitos de validade do
negócio jurídico, no caso o contrato social, tem-se a capacidade do agente,
fazendo crer que o menor não emancipado, por ser incapaz, não poderá ser sócio
de sociedade. No entanto, aquela controvérsia, apesar dos longos anos,
continuará subsistindo no século XXI, até porque o Código Civil de 1916 também
exigia agente capaz para o contrato ser válido (art. 81) e, mesmo assim, tem-se
a divergência doutrinária e jurisprudencial.
II.2- Momento da aquisição
da personalidade jurídica
Atualmente, antes da entrada
em vigor do “Novo Código Civil, há controvérsia quanto à aquisição da
personalidade jurídica pela sociedade comercial, predominando o entendimento de que tal ocorre com o devido
arquivamento do ato constitutivo na junta empresarial (arts. 16 e 18, ambos do
Código Civil de 1916). No entanto, há quem defenda que com a simples constituição já há a
aquisição da personalidade jurídica, sendo que o registro é importante para que
a sociedade possa funcionar de forma regular.
Após décadas, esta controvérsia
continuará sendo atual, mesmo após janeiro de 2003, vez que o artigo 985 do
“Novo Código Civil”, de forma expressa, dispõe que a sociedade adquire
personalidade jurídica com a inscrição no registro próprio e na forma da lei,
dos seus atos constitutivos, além do mais, o artigo 45 do mesmo diploma legal,
de forma categórica, preceitua que a existência legal das sociedades privadas
começa com a inscrição. Portanto, tal diploma legal faz crer, aparentemente,
que a personalidade jurídica é adquirida com o registro.
No entanto, o próprio
legislador civilista, quando dispõe sobre as sociedades em comum (leia-se
irregulares ou de fato) no artigo 990, de forma também categórica, preceitua
que os sócios destas sociedades têm responsabilidade solidária e ilimitada,
sendo que está excluído do benefício de ordem. Em outras palavras, não possuirá
responsabilidade subsidiária apenas aquele sócio que contratou pela sociedade,
presentando-a. Em sendo assim, os demais sócios que não contrataram pela
sociedade terão responsabilidade subsidiária, o que significa dizer que os
credores da sociedade deverão executar primeiramente o patrimônio desta e, se
for o caso, executarão, de forma ilimitada, os bens dos sócios. Há, portanto,
benefício de excussão, o que evidencia a existência de autonomia patrimonial,
isto é, o patrimônio da sociedade não se confunde com os patrimônios dos
sócios, salvo o do sócio que contratou pela sociedade. Assim, objetivamente, o
legislador civilista acabou acolhendo a teoria da personalidade jurídica,
prevista atualmente no artigo 20 do Código Civil de 1916.
Portanto, apesar de o “Novo
Código Civil” procurar fazer crer que as sociedades em comum são
despersonificadas, pois exige o registro para a aquisição da personalidade jurídica
e acaba por tratá-las no capítulo “ Da Sociedade Não Personificada”, admite a
autonomia patrimonial, que é o substrato da teoria da personificação.
Ademais, no tocante à
sociedade em conta de participação, que é uma sociedade sem personalidade jurídica,
o próprio “Novo Código Civil”, no artigo 993, admite que a mesma possa ser
registrada, mas preceitua que tal registro não irá conferir personalidade
jurídica.
Conclui-se, assim, que a
controvérsia subsistirá em pleno século
XXI !
II.3- Inalienabilidade do
nome empresarial
O nome empresarial é o
elemento de identificação do empresário individual ou coletivo, que admite duas
espécies, quais sejam : firma ou denominação.
Nosso ordenamento jurídico,
de forma expressa, no artigo 34 da Lei nº 8.934/1994, acolheu o sistema da
autenticidade ou veracidade das firmas, em que, para formar a firma individual
ou coletiva, deve-se observar o nome da pessoa natural (empresário individual)
ou dos sócios (sociedade empresária). Do contrário, o nome será inautêntico.
Já com relação à
denominação, que identifica a sociedade anônima e pode identificar as
sociedades por quotas de responsabilidade limitada (ou simplesmente limitada) e
as sociedades em comandita por ações, não se adota o sistema da autenticidade.
Em sendo assim, se for transferida uma sociedade, esta poderá continuar com a
mesma denominação, não havendo óbice na alienação da denominação, até porque
não há que se cogitar de autenticidade nem, muito menos de caráter
personalíssimo.
No entanto, o “Novo Código
Civil”, nos arts. 1.115 ao 1.168, resolveu disciplinar o nome empresarial,
sendo que no artigo 1.155, de forma clara e abrangente, preceitua que o “nome
empresarial” pode ser firma ou denominação, sendo que no art. 1.164, de forma
cristalina, preceitua que o “nome empresarial não pode ser objeto de
alienação” (grifei).
Ora, deve-se compatibilizar
tal dispositivo com o sistema da autenticidade das firmas, devendo-se indagar :
Qual a razão de se vedar a alienação da denominação ?
II.4- Pessoa Jurídica como
sócia-administradora
É certo e sabido que a
sociedade empresária, em regra, deve ser formada por duas ou mais pessoas,
sendo a pluralidade um pressuposto de existência da sociedade, não havendo dúvidas de que o sócio pode
ser pessoa natural ou jurídica, dependendo do tipo societário, até porque o
art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.404/1976, admite, expressamente, que a sociedade
anônima possa ter por objeto a participação em outras sociedades.
Desta forma, não há
controvérsia quanto à possibilidade de uma pessoa jurídica ser sócia de uma
sociedade empresária (limitada e por ações). No entanto, no tocante à
possibilidade de ser sócia-administradora (presentante), a questão não é tão
simples.
No caso da sociedade em
nome coletivo, esta é formada apenas por pessoas naturais (art. 1039 do NCC), o
que demonstra que o legislador não quis que pessoa jurídica fosse
sócia-administradora.
Em relação a sociedade em
comandita simples, os sócios-administradores são os comanditados,
necessariamente pessoas naturais (art. 1045 do NCC).
Ademais, estas sociedades,
em caso de omissão, passam a ser disciplinadas pelas regras das sociedades
simples (arts, 1040 e 1045, ambos do NCC). Em sendo assim, aplica-se-lhes, se
for o caso, o disposto no artigo 977, inciso VI, do “Novo Código Civil”, que
exige que a administração seja feita por pessoas naturais.
Mas, e no caso da sociedade
limitada ?
Atualmente, a questão é
controvertida, havendo entendimentos nos dois sentidos. Porém o “Novo Código Civil”, ao invés de
enfrentar a questão, acabou omitindo-se, pois no artigo 1.060, fez constar
apenas que a sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas
sem esclarecer se natural e/ou jurídica.
Cremos que o entendimento
mais acertado é pela admissibilidade da gestão por sócio pessoa jurídica, mas
por que o “ Novo Código Civil” não colocou uma “pá de cal’ na questão ?
II.5- Sociedade entre
cônjuges
A mulher casada, com o
advento da Lei nº 4.121/1962, passou a ser plenamente capaz, podendo exercer a
atividade empresária como empresária individual sem a necessidade da
autorização do marido. Após, o artigo 5º da Constituição da República, de forma
categórica, também admitiu igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Portanto, a mulher casada pode ser empresária individual e pode também falir
(art. 3º do Decreto-lei nº 7.661/1945).
Porém, quanto à
possibilidade de ser constituída sociedade empresária entre cônjuges, o
entendimento prevalente na doutrina e na jurisprudência é de que não há qualquer óbice para
ocorrer tal constituição, não havendo qualquer violação ao regime matrimonial
de bens, mesmo que este seja o da comunhão universal, até porque o art. 3º da
Lei nº 4.121/1962 destaca bem os patrimônios dos cônjuges.
No entanto, o “Novo Código
Civil”, no artigo 977, de forma expressa, passará a admitir a constituição de
sociedade apenas entre cônjuges, porém de forma condicionada, ou seja,
desde que o regime matrimonial de bens não seja da comunhão universal de bens
ou da separação obrigatória de bens.
Diante da redação do art.
3º da lei nº 4.121/1962, que destaca bem o patrimônio dos cônjuges mesmo que o
regime matrimonial de bens seja o da comunhão universal, do ponto de vista jurídico,
despicienda a subordinação à condição. Com a devida vênia, disse demais.
II.6- Teoria “Ultra Vires
Societatis” :
Esta teoria surgiu na
jurisprudência inglesa, no século XIX, segundo a qual, se o administrador, ao
praticar atos de gestão, violar o objeto social (objeto-atividade e
objeto-lucro) delimitado no ato constitutivo, este ato ultra vires
societatis não poderá ser imputado à sociedade, sendo considerado, segundo
alguns autores, inválido e, para outros autores, ineficaz.
Portanto, a sociedade fica
isenta de responsabilidade perante terceiros, salvo se tiver se beneficiado com
a prática do ato, quando então, passará a ter responsabilidade na medida do
benefício auferido.
A aplicação desta teoria
tem sido afastada por grande parte dos países, pois tem-se procurado prestigiar
a proteção ao terceiro de boa-fé, adotando-se a teoria da aparência.
Entretanto, quanto à
incidência desta teoria no nosso ordenamento jurídico, a questão suscita
controvérsias, sendo certo que filio-me à posição que defende a não aplicação
desta teoria, pois deve-se admitir a responsabilidade da sociedade, até porque
esta possui direito regressivo com relação ao sócio que praticou indevidamente
atos de gestão, sendo que este sócio, ao praticar o ato ultra vires
societatis, o fez com aparência de licitude, não se podendo exigir que
terceiros sempre venham consultar o ato constitutivo para saber se o ato está
ou não dentro do objeto social delimitado, até porque o direito comercial e as
relações comerciais são dinâmica por natureza.
No entanto, o “Novo Código
Civil”, consubstanciando idéias retrógradas, no artigo 1.015, parágrafo único,
inciso III, quando trata da sociedade simples, acabou acolhendo a teoria.
II.7-Aval parcial e endosso
:
O aval é uma declaração
cambiária sucessiva e eventual, em que uma pessoa natural ou jurídica apõe sua
assinatura em um título de crédito, garantindo o cumprimento da obrigação
cambiária.
Portanto, configura uma garantia
cambiária fidejussória, sendo um ato de liberalidade.
Atualmente, o ordenamento
jurídico admite que o avalista garanta totalmente a obrigação cambiária ou
apenas uma parte dela. No entanto, o “Novo Código Civil’, no art. 897,
parágrafo único, de forma expressa, veda o aval parcial.
Ora, se o aval é uma
garantia e um ato de liberalidade, por que proibir o aval parcial ? Sob a ótica
do credor, é melhor possuir uma garantia por parte da obrigação ou não possuir
garantia alguma ? Será que a admissão do aval parcial obstaculariza a
circulação do título ? Certamente que não.
Uma outra “pisada na bola”
por parte do legislador foi o fato de, no art. 914 do “Novo Código Civil’,
tratar o endosso da mesma forma que a cessão ordinária de crédito (art. 296 do
NCC), ou seja, o endossante, ao transferir a titularidade do direito de crédito
e o respectivo título, não garante o cumprimento da obrigação caso o devedor
direto não o faça, salvo se constar na cártula uma cláusula garantia. Ora, qual
foi a finalidade desta alteração ? Não seria melhor continuar como está, ou
seja, o endossante é garantidor, salvo cláusula expressa em contrário ?
Certamente há outras
incongruências no “Novo Código Civil”, porém o presente trabalho tem por escopo
ventilar aos operadores do direito que, quando da análise da novel legislação,
procurem fazê-la de forma crítica, a fim de contribuir para a elaboração de uma
legislação mais moderna e adequada ao meio social em que vivemos.
Ademais, não se pode perder
de vista que no segundo semestre aproximam-se as eleições presidenciais e,
principalmente, para os Poderes Legislativos, o que faz com que devamos
refletir, diante das inúmeras incongruências legislativas (Exemplo : Leis do
Crimes Hediondos e a Lei de Tortura; Lei dos Juizados Especiais Criminais
Federais e a esfera estadual; Lei de Tóxicos e diversas outras alterações
pontuais) se os atuais integrantes do Congresso Nacional, apesar de
legitimados, estão atingindo o anseio social.
Artigo retirado do
site www.mundojuridico.adv.br
Promotor de Justiça da 14ª Promotoria de Justiça de Defesa do
Consumidor- RJ. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV); da Fundação Escola
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (FEMPERJ), da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), professor-contratado da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dos Cursos preparatórios para
concursos “Master Juris Professores Associados/RJ”, “CEPAD-Centro de Estudos
Pesquisas e Atualização em Direito/RJ”, Uniequipe/SP