Procurador Federal
A união estável (seja ela na forma de
companheirismo ou convivência) e as diversas modalidades de uniões instáveis
(entre elas o concubinato moderno) são temas de real importância para a
sociedade atual, quer seja ela de países desenvolvidos, países em
desenvolvimento ou países subdesenvolvidos, quer seja ela primitiva ou em
processo de civilização avançado. Todas as sociedades humanas praticam relações
sexuais instáveis e estáveis, conforme a sua estrutura social e as necessidades
determinadas pelos seus próprios costumes, pela sua própria moral corrente,
enfim pela sua própria cultura e pelos efeitos colaterais produzidos pelos instintos
naturais inerentes a qualquer ser humano, os quais não o largaram durante
milhões de anos e não resta a menor esperança de que o larguem, por mais que a
espécie venha a evoluir. Certo é que são exatamente os costumes, a moral
corrente de uma sociedade e os resquícios do estado de natureza do homem que
vão definir quais as modalidades de uniões estáveis e uniões instáveis a serem
adotadas no seu âmbito. É um equívoco histórico dizer que essas modalidades de
uniões sexuais (estáveis e instáveis) são definidas pelo legislador de um
determinado momento histórico de produção das leis. Também trata-se de um
enorme equívoco se acreditar que os membros de uma sociedade de um modo geral
irão conduzir suas vidas sexuais conforme as opções autorizadas pelo legislador
e conforme as penas, vantagens e desvantagens por ele oferecidas. Tudo isso
compõem um mecanismo de produção de leis fadado ao desuso e ao desrespeito
pelas suas determinações, pois não há como a produção de leis acontecer em
sentido contrário à moral corrente e as necessidades de uma determinada
sociedade verificadas no momento presente de sua evolução histórica, bem como
aos mais fortes instintos naturais da espécie humana. Assim, o legislador, que
quer produzir alguma coisa que verdadeiramente seja útil e importante para a
sociedade que representa, deve produzir leis em harmonia com a moral corrente e
as ditas necessidades reclamadas pelos membros desta sociedade, sob pena de
incentivar o surgimento e a disseminação maciça do chamado “direito alternativo”,
“direito vivo” ou “costume alternativo”, o qual, impondo um inabalável processo
de deslegitimação localizada da lei, irremediavelmente a substituirá em todas
as oportunidades e aspectos onde o direito oficial não consegue atender as
verdadeiras expectativas e necessidades da população. Com isso a sociedade,
paulatinamente, irá “expulsando” a presença e a coação do Estado do âmbito das
relações sexuais instáveis e estáveis, para ela mesma, de fato, promover a sua
organização.
Todavia, esta visão atualizada de um Direito de Família
seriamente compromissado com a realidade das uniões sexuais na sociedade da
atualidade, seja qual for esta realidade, vem sendo inibida pelo forte e
organizado lobby dos conservadores e propagadores de uma moral que não
existe mais ou utópica. Isto acabou por provocar a situação em que vivemos: as
práticas familiares e sexuais sendo comandadas pelo direito alternativo e não
pelas leis que insistem em permanecer voltadas para um passado já distante. No entanto, sabemos que não estamos sós na luta para
aproximar o texto legal da realidade social, através de uma virtual
reformulação das opções legais de uniões estáveis oficiais à sociedade, de
maneira que se produza lei ordinária que efetivamente regulamente o §3° do art.
226 da Constituição Federal, e insira, na legislação civil, regras,
estabelecendo formas de constituição e dissolução, direitos e obrigações para,
pelo menos, cinco situações distintas: a) o matrimônio propriamente dito
ou casamento, sujeito a celebração oficial; b) a união livre e estável
que pode ser convertida em casamento oficial; c) a união livre e estável
em face de impedimentos matrimoniais previstos em lei; d) a união
experimental; e e) a união livre e estável formada pelo par não
andrógino, principalmente no caso de se confirmar sua origem biológica.
Essas medidas se fazem necessárias também em respeito ao direito moral à
felicidade dos consortes e em respeito à ampla cidadania daqueles que, por uma
razão ou outra, foram afastados da atenção do legislador.
Este assunto é estudado com maior profundidade na obra de
minha autoria A EVOLUÇÃO DO DIREITO E A REALIDADE DAS UNIÕES SEXUAIS,
publicada pela Editora Lumen Juris, em 1996.
Artigo retirado do site www.mundojuridico.adv.br