A Propriedade Fiduciária e o Novo Código Civil
Ana Carolina de Salles Freire
Sócia na área de
Mercado de Capitais e Direito Bancário de
Tozzini, Freire,
Teixeira e Silva Advogados
Mateus Donato Gianeti
Advogado na área
de Mercado de Capitais e Direito Bancário de
Tozzini, Freire,
Teixeira e Silva Advogados
O Novo Código Civil (Lei
10.406/2002) trouxe uma inovação a respeito da alienação fiduciária em
garantia, ao regulamentar a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368.
A alienação fiduciária em
garantia de bens móveis, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela
Lei 4.728/65, conforme alterada pelo Decreto-lei 911/69, tem sido largamente
utilizada como instrumento de garantia de financiamentos bancários,
acentuadamente no financiamento de automóveis.
As características básicas do
instituto da alienação fiduciária, estabelecidas pelo art. 66 da Lei 4728/65,
são idênticas às da propriedade fiduciária. Trata-se, em ambos os casos, da
transferência da propriedade resolúvel de bens móveis pelo devedor ao credor,
como garantia de obrigações assumidas por aquele junto a este. Com a
constituição da propriedade fiduciária ocorre ainda o desdobramento da posse,
tornando-se o devedor possuidor direto da coisa, enquanto o credor permanece
com a posse indireta da coisa.
Essa coincidência autoriza a
interpretação de que o Novo Código Civil revogou tacitamente o art. 66 da Lei
4728/65, tendo regulado inteiramente a matéria da alienação fiduciária de bens
móveis (a alienação fiduciária de imóveis, regulada pela Lei 9.514/97,
permanece inalterada). Dessa forma, as expressões propriedade fiduciária e
alienação fiduciária se confundem, podendo ser utilizadas indistintamente para
designar o mesmo instituto jurídico. Uma vez admitida referida interpretação,
deve-se ressalvar que os dispositivos processuais relacionados com a alienação
fiduciária introduzidos pelo Decreto-lei 911/69 permanecem em vigor, de acordo
com os termos do art. 2.043 do Novo Código Civil, o qual estabelece que
permanecem em vigor as disposições processuais constantes de leis cujos
preceitos de natureza civil tenham sido incorporados ao Novo Código Civil.
Apesar de ser muito utilizada
nos financiamentos de bens de consumo, a alienação fiduciária também se
configura como um importante instrumento de garantia nas operações de
financiamento a empresas. No entanto, sua utilização em referidos
financiamentos quando o credor não era uma instituição financeira nacional
sofreu questionamentos nos tribunais com o passar dos anos.
Tendo em vista as vantagens
oferecidas ao credor na alienação fiduciária, o STF acabou por determinar que
esta somente poderia ser utilizada por instituições financeiras sujeitas à
fiscalização do Banco Central do Brasil, o que limitava a utilização do
instituto, inclusive nos casos de financiamentos concedidos por instituições
estrangeiras.
Além disso, o parágrafo 1º do
art. 66 da Lei 4728/65 estabelecia que o instrumento de constituição da
alienação fiduciária devia ser registrado no domicílio do credor, o que seria
impraticável caso referido credor fosse uma instituição com sede no exterior.
Na regulamentação dada pelo
Novo Código Civil, a propriedade fiduciária pode ser livremente utilizada em
quaisquer financiamentos, independentemente do credor ser brasileiro ou
estrangeiro, tendo em vista que o Novo Código Civil é de aplicação genérica e
não traz qualquer tipo de diferenciação ou restrição.
Devido as suas características
básicas, a propriedade fiduciária possui algumas vantagens como garantia,
influenciando, inclusive, na análise do risco de crédito da operação. Isso
porque quando se utiliza a propriedade fiduciária para garantir uma dívida –
seja em operações de empréstimo locais ou externas – o devedor transfere ao
credor a propriedade, ainda que resolúvel, do bem objeto da garantia.
Caso ocorra o vencimento da
dívida garantida pela propriedade fiduciária sem o devido pagamento por parte
do devedor, o credor fica obrigado a vender, seja judicialmente ou de forma
amigável, a coisa a terceiros, aplicando o preço no pagamento de seu crédito e
das despesas por ele incorridas com sua cobrança, retornando o saldo, se
houver, ao devedor.
Cumpre ressaltar que o
Decreto-lei 911/69, ao alterar as disposições da Lei 4728/65 sobre a alienação
fiduciária, assim dispõe com relação à falência do fiduciante: “Art. 7º: Na falência do devedor alienante,
fica assegurado ao credor ou proprietário fiduciário o direito de pedir, na
forma prevista na lei, a restituição do bem alienado fiduciariamente.”
Assim, no caso de falência do
devedor fiduciante, o credor fiduciário tem o direito de exigir a restituição
dos bens objeto da alienação fiduciária. Nesse caso, o credor fiduciário não
precisará habilitar seu crédito e aguardar o pagamento da dívida nos termos da
Lei de Falências, mas sim solicitar a imediata restituição dos bens dados em
garantia, para posteriormente vendê-los para saldar seu crédito.
A regulamentação da
propriedade fiduciária pelo Novo Código Civil oferece assim uma modalidade de
garantia vantajosa e interessante, cuja utilização não é limitada apenas às
instituições financeiras nacionais, podendo ser utilizada em quaisquer
operações financeiras, inclusive em operações com credores estrangeiros.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
FREIRE, Ana Carolina de Salles. GIANETI, Mateus
Donato. A Propriedade
Fiduciária e o Novo Código Civil. Disponível na Internet:
<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em xx de xxxxxxxx de xxxx
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