A finalidade do seguro
obrigatório de danos pessoais por veículos automotores de via terrestre - DPVAT
Por Rodrigo Binotto
Grevetti, Acadêmico de Direito.
oram os riscos gerados
pela circulação de veículos que motivaram o legislador a estabelecer uma espécie
de seguro, cuja finalidade seria garantir uma indenização mínima às vítimas de
acidentes automobilísticos, independente de perquirição acerca de culpa. Nessa
espécie de seguro é irrelevante indagar-se acerca da culpa.
A Lei 6.194/1974
instituiu no sistema jurídico brasileiro o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais
por Veículos Automotores de Via Terrestre – DPVAT. Posteriormente, a Lei
8.441/1992 veio ampliar a indenização, com o intuito de tornar mais efetiva ao
fim que se destinava.
O seguro obrigatório,
como é comumente conhecido, é um seguro especial de acidentes pessoais,
decorrente de uma causa súbita e involuntária, destinado às pessoas
transportadas ou não, que porventura venham a ser lesionadas por veículos em
circulação.
Na lição de Sergio
Cavalieri Filho, pode se dizer que o seguro obrigatório deixou de ser
caracterizado como um seguro de responsabilidade civil do proprietário, para se
transformar em um seguro social em que o segurado é indeterminado, ó se
tornando conhecido quando da ocorrência do sinistro, ou seja, quando assumir a
condição de vítima de um acidente automobilístico. Segundo o autor, o
proprietário do automóvel, ao contrário do que ocorre no seguro de
responsabilidade civil, não é o segurado, e sim o estipulante em favor de
terceiro. [1]
Sob esta
interpretação, pode-se dizer, ainda conforme o precitado autor, que não há um
contrato de seguro propriamente dito, e sim uma obrigação legal, um seguro de
responsabilidade social imposto por lei, para cobrir os riscos da circulação
dos veículos em geral. [2]
A cobertura do seguro
obrigatório abrange todos os danos pessoais sofridos, inclusive os sofridos
pelo próprio segurado. O seguro prevê indenização nos casos de: morte,
invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares.
Não estão cobertos,
por expressa previsão legal: danos materiais (roubo, colisão ou incêndio de
veículos); acidentes ocorridos fora do território nacional; multas e fianças
impostas ao condutor ou proprietário do veículo e quaisquer despesas
decorrentes de ações ou processos criminais; danos pessoais resultantes de
radiações ionizantes ou contaminações por radioatividade de qualquer tipo de
combustível nuclear, ou de qualquer resíduo de combustão de matéria nuclear.
Os valores das
indenizações e as hipóteses de ressarcimento podem ser facilmente visualizados
na tabela [3] seguinte:
Morte R$ 6.754,01
Invalidez Permanente
[4] até R$ 6.754,01
Reembolso de Despesas
Médicas e Hospitalares (DAMS) [5] até R$ 1.524,54
Para que se
operacionalize esse seguro previsto em lei, faz-se necessário uma ação conjunta
das seguradoras de todo o país, organizadas em um consórcio. Todas as
seguradoras conveniadas atuam em conjunto e solidariamente, administradas pela
Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização.
O pagamento resulta
dos simples evento danoso, tendo por base a responsabilidade objetiva dos
usuários de veículos pelos danos pessoais que venham a causar,
independentemente de apuração de culpa.
O seguro obrigatório
tem uma conotação social muito elevada, em razão de fazer frente às despesas
urgentes das vítimas de acidentes de trânsito. Para fazer jus à indenização,
basta que a vítima apresente os documentos que comprovem o acidente e a
condição de beneficiário.
Para que não restassem
desamparadas as vítimas de acidentes cujo veículo não foi identificado, dispõe
o artigo 7º da Lei 6.194/74 que a indenização por pessoa vitimada por veículo
não identificado será paga, nas mesmas condições que as indenizações em que é
identificado o veículo, porém, por um consórcio de Sociedades Seguradoras. Aqui
está presente mais um aspecto que deixa evidente a natureza objetiva da
responsabilização.
A jurisprudência é
tranqüila nesse sentido:
Indenização – Seguro obrigatório
de veículos automotores de vias terrestres – Morte da Vítima – Verba devida
pelas sociedades seguradoras que obrigatoriamente participam do consórcio,
ainda que não identificados o veículo ou sua seguradora ou mesmo se o seguro
estiver vencido na data do evento – Inteligência do art. 7º da Lei 6.194/74. (RT,
761:255).
Ainda, por se tratar
de um seguro de conotação social, o próprio não pagamento do prêmio por parte
do proprietário do automóvel não impede o pagamento da indenização. Esse
entendimento é pacífico e já ensejou a edição de verbete sumular pelo Superior
Tribunal de Justiça:
Súmula 257 – A falta
de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por
Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do
pagamento da indenização.
Isso se dá em função
da relevância social do DPVAT, não sendo razoável que uma vítima de acidente de
trânsito deixe de receber a indenização pelos danos pessoais sofridos, apenas
em razão do responsável ter faltado com o pagamento do prêmio do seguro.
Duas situações
suscitam uma certa controvérsia na doutrina, Acerca do cabimento ou não da
indenização.
A primeira é quando a
vítima procede dolosamente na causação do acidente. Exemplo comum é o suicídio,
onde a vítima atenta dolosamente contra a sua integridade física, buscando a
morte.
Para Arnaldo Rizzardo,
são perfeitamente indenizáveis os danos pessoais causados em virtude de
acidente de trânsito, ainda que a vítima tenha se comportado de forma a
contribuir dolosamente para com o evento danoso:
Justifica-se que o
direito à indenização brota independentemente da existência de culpa,
abstraindo-se qualquer indagação sobre a participação voluntária da vítima. A
lei, de outra parte, arredou o debate sobre a responsabilidade do condutor. O
fato gerador da obrigação é a circulação do veículo, e nada mais que isto. A
circunstância de ter sido o evento deliberadamente buscado não retira o caráter
de imprevisibilidade, de fortuito ou inesperado para o condutor. [6]
Há, nesse sentido,
entendimento jurisprudencial, trazido pelo próprio autor: [7]
Seguro obrigatório –
DPVAT [...] Seu pagamento é devido ainda quando a vítima seja suicida, que se
lançou à frente do automotor. Não há exclusão explícita da cobertura para essa
hipótese; o sistema do seguro, de pagamento pronto e desburocratizado, não se
compadeceria com tal exclusão; e a vedação da discussão em torno da culpa do
automobilista importa em afastar também a indagação da culpa do pedestre
vitimado [...]. (TARS – Ap. Cív. 13.702 – C. Cível Especial)
A segunda situação a
suscitar controvérsia acerca do cabimento ou não da indenização é a hipótese do
condutor que se apropria indevidamente do veículo e ocasiona danos a si e a
terceiros. O exemplo mais comum é o furto ou roubo de veículos.
A melhor saída
elaborada pela doutrina foi a de que a seguradora não responde pelos danos
causados ao próprio motorista, porém, deve indenizar terceiros, quando
atingidos.
Com relação ao
condutor, a interpretação doutrinária se justifica em razão de ser o objeto da
ação do condutor, ilícito. Assim sendo, o ato está descoberto de qualquer
proteção legal.
Mesmo se tratando de indenização
eminentemente social, deve ser destinada a quem teve comportamento normal,
dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade.
Já com relação aos
terceiros eventualmente lesados em virtude da ação daquele que ilicitamente
conduzia o veículo, inexiste razão para que a seguradora deixe de pagar a
indenização.
Para finalizar,
destaca-se que os valores de indenização pagos a título de seguro obrigatório
estão em um patamar muito aquém do razoável, porém, em razão da
responsabilidade objetiva que norteia esse instituto e da desburocratização no
seu recebimento, acaba por cumprir o fim a que se destina, constituindo o DPVAT
um mínimo fundamental às vítimas de acidentes de trânsito.
[1] CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 153.
[2] Ibidem loc. cit
[3] MINISTÉRIO DA
FAZENDA. Superintendência de Seguros Privados. DPVAT. Disponível em:
<http://www.susep.gov.br/menuatendimento/dpvat.asp>. Acessado em 11 de
julho de 2004.
[4] A quantia que se
apurar, tomará por base o percentual da incapacidade de que for portadora a
vítima, de acordo com a tabela constante das Normas de Acidentes Pessoais,
tendo como indenização máxima a importância segurada prevista na norma vigente.
[5] Os valores de
indenização de Despesas de Assistência Médica e Suplementares serão pagos até o
limite definido em tabela de ampla aceitação no mercado, tendo como teto máximo
o valor previsto na norma vigente, na data de liquidação do sinistro. Os
valores de indenização de tal tabela deverão ter, como limite mínimo, os
valores constantes da Tabela do Sistema Único de Saúde.
[6] RIZZARDO, Arnaldo.
A reparação nos acidentes de trânsito. 9ª. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 216.
[7] Ibidem loc. cit.
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Informações
bibliográficas sobre este artigo (Norma 6023:2002 da ABNT)
GREVETTI, Rodrigo
Binotto. A finalidade do seguro obrigatório de danos pessoais por veículos
automotores de via terrestre - DPVAT. DireitoNet, São Paulo, 13 set. 2004. Disponível
em: <http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/17/15/1715/>. Acesso
em: 04 out. 2004.