Apontamentos sobre o Direito das Obrigações sob a
ótica do Código Civil de 2002
Resultado de um
projeto de 1975, na qual se buscou a unidade e a coerência das regras civis, o
novo Código Civil finalizou com 2.046 (dois mil e quarenta e seis) artigos,
entrando em vigor em 11 de janeiro de 2003. Várias e significativas mudanças
podem, de imediato, serem percebidas. Entretanto, a principal característica
desse código é a legalização de matérias já consolidadas pelo uso e costume,
bem como pela jurisprudência. Assim, poucas inovações foram trazidas por esse
novo Código Civil, já que ele, na maior parte de seus dispositivos, apenas
atualizou a antiga legislação civil.
Devido a essa peculiaridade, alguns doutrinadores e, principalmente, muitos
leigos acreditam que o Código Civil de 2002 nada acrescentou ou elucidou no
mundo sócio-jurídico. Apenas configurando-se como mais uma lei. Logo, o impacto
social da mencionada inovação legislativa foi pouco significativo, haja vista
que, para muitos, ela somente atualizou o mundo jurídico, menosprezando as
necessidades e anseios que o mundo social esperava saciar com a sua vinda.
Entretanto, esse fenômeno de legalização é de fundamental importância, pois são
as leis uns dos principais guias do ordenamento jurídico brasileiro.
Os pontos de alteração vão desde a parte estrutural até as palavras empregadas
nos dispositivos legais. Todas as alterações buscaram a socialização do direito
privado, assegurar a função social da propriedade e dos contratos, excluir
normas de natureza processual, eliminar solenidades inúteis, privilegiar o
conteúdo e o fundamento. Apesar da frustração social, não se pode negar que a
atualização do Código Civil trouxe estabilidade e segurança tanto para
sociedade em si como para o ordenamento jurídico, pois legalizou o que já era
adotado pelo senso comum, dirimindo qualquer tipo de dúvida existente sobre as
matérias civis reguladas.
Neste artigo, serão exemplificadas as principais mudanças do Código Civil no
que se refere as obrigações, mostrando seus impactos e efeitos na sociedade e
no mundo jurídico.
As obrigações sob a ótica do Código Civil de 2002
Os conceitos basilares da teoria geral das obrigações, praticamente, foram
reproduzidos no novo Código Civil. Entretanto, assuntos antes não expressamente
regulados por lei, porém, sempre em voga no mundo social, estão agora no corpo
da Lei Civil, por exemplo:
A vinculação dos juros legais à taxa adotada pela Fazenda Nacional;
Um capítulo
especial foi reservado para tratar da assunção da dívida, legalizando-a segundo
a doutrina dominante. Uma regra interessantíssima foi adotada na assunção da
dívida: ao contrário do que ocorre na cessão de crédito, o devedor atual não
pode opor ao credor exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo;
O contrato preliminar não necessariamente precisa ter a mesma forma do contrato
final a ser celebrado, ou seja, uma promessa de contrato solene poderá ter a
forma de documento particular;
O contrato com pessoa a declarar é uma sub-rogação antecipada que será
verificada somente com a anuência desse terceiro, sendo desnecessária a concordância
do outro contratante, salvo se o terceiro for insolvente.
Da mesma forma, a abrangência da cláusula penal veio expressamente regulada
pelo novo código, extinguindo qualquer tipo de dúvida até então existente.
Agora, existindo estipulação expressa no contrato, poderá haver indenização
suplementar superior ao estabelecido pela cláusula penal, se o prejuízo for
provado. Até o limite da cláusula penal não precisa provar o dano causado.
A teoria da imprevisibilidade e a possibilidade de resolução por onerosidade
excessiva foram amparadas no novo Código Civil com o intuito de dar segurança
jurídica às relações sócio-jurídicas, bem como proteger o cidadão de fatos
imprevisíveis que lhe causariam prejuízos, afetando a harmonia econômica dos
contratos já firmados por ele. Então, o legislador expressamente declarou que,
por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da
prestação ou o devedor pedir a resolução do contrato.
Porém, o que é um fato imprevisível? Serão os juros considerados como tais?
Dúvidas surgirão nesse aspecto. Algumas doutrinas afirmam que a existência dos
juros na realidade brasileira é indiscutivelmente da ciência de todos,
entretanto, seu valor poderá ser considerado imprevisível quando atingir
patamares estratosféricos.
Duas novidades foram inseridas quanto ao lugar de pagamento. Ambas, com o
escopo de dinamizar e obstruir o andamento do contrato, previram que ocorrendo
motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o
devedor faze-lo em outro, sem prejuízo para o credor, bem como, se o pagamento
for feito reiteradamente em outro local faz presumir renúncia do credor
relativamente ao previsto no contrato.
Diferentemente do que ocorria anteriormente, agora o credor, por exemplo,
poderá consentir em prestação diversa do estabelecido, recebendo o equivalente
em dinheiro. Do mesmo modo, houve mudança na classificação de um dos modos
indiretos de pagamento, a transação. Hodiernamente, ela é tratada como contrato
em espécie, um negócio jurídico bilateral, apesar de ter as mesmas
conseqüências jurídicas anteriores.
Porém, a principal mudança na parte dos contratos, foi a incorporação de um dos
principais princípios norteadores da atualidade: o da função social. Vários são
os dispositivos que foram inseridos com o intuito de imprimi-lo nos contratos,
obrigações e em qualquer tipo de relação, in verbis:
“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”.
O novo Código Civil vai mais adiante. A liberdade de contratar ficará sempre em
segundo plano quando o interesse e a harmonia do Estado se virem atingidos de
alguma forma. Assim, para resguardar a própria sociedade, o legislador colocou
a boa fé e a probidade como obrigação e não mais como faculdade das partes.
Esse posicionamento fica evidente quando, por exemplo, a oferta ao público é
equiparada à proposta, ou seja, não poderá mais a população ficar a mercê dos
ditames do comércio. O que for ofertado deve ser cumprido por quem o prometeu.
Não pode mais o adquirente ser ludibriado com falsas promessas.
Da mesma forma ocorrerá com o
contrato preliminar, cuja celebração poderá ser exigida, desde que não conste
cláusula de arrependimento, por qualquer das partes, podendo ser exigido perdas
e danos, caso não seja dado prosseguimento à sua execução. Agora, além da opção
por perdas e danos, o credor pode preferir o próprio cumprimento da obrigação.
Nesse caso, será fixada uma multa diária até que se realize a mencionada
obrigação. Isso se verifica quando é obrigação de fazer.
O princípio da função social do contrato também é adotado nos contratos de
adesão, quando se estipulou que as cláusulas ambíguas e contraditórias neles
existentes serão interpretadas da forma mais favorável ao aderente, bem como a
nulidade de cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio.
Seguindo a mesma vertente do mencionado princípio, duas mudanças podem ser
verificadas. A primeira é o aumento do prazo de verificação e reclamação de
possíveis vícios redibitórios, não se permitindo o enriquecimento ilícito por
uma das partes ou possíveis fraudes atentatórias à verdadeira função social do
contrato. Atualmente, a parte tem, no caso de bens móveis, prazo de 30 (trinta)
dias e, no caso de bens imóveis, o prazo de 1 (um) ano para rejeitar o bem
defeituoso ou requerer o abatimento no seu preço. É de bom alvitre destacar que
em relação ao bem imóvel esse prazo será contado a partir da sua entrega
efetiva. Se o bem já está na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzindo-se
a metade.
A segunda é o valor da coisa quando ocorre a evicção. Antigamente, o preço era
atualizado, havendo, assim, um enriquecimento ilícito por uma das partes.
Hodiernamente, o preço, seja na evicção total ou na parcial, será o do valor da
coisa, na época em que se evenceu.
Bibliografia
ANGHER, Anne Joyce, et all, Novo Código Civil, Editora Rideel, São
Paulo, 1º edição, 2003
FIUZA, Ricardo, Novo Código Civil Comentado, Editora Saraiva, São Paulo,
1º Edição, 2002
Lei nº10.406 de 10 de janeiro de 2002- Código Civil
REALE, Miguel. O Projeto do Novo Código Civil, editora Saraiva, 2a
edição reformulada e atualizada, 1999
Retirado de: http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/17/27/1727/