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Rodrigo Adorno
RESUMO:
Este trabalho tem por
objetivo desencadear a reflexão de uma problemática jurídica da sociedade
moderna, a saber: a pessoa humana como objeto do negócio jurídico. Neste artigo
abordaremos o tema sob o prisma da doutrina civilista e constitucional,
aplicadas no contexto social hodierno.
SUMÁRIO: 1. Resumo. 2.
Introdução 2.1. Objeto do negócio jurídico. 3. Direitos e garantias
fundamentais 3.1. Direito à privacidade, à intimidade e à honra. 4. Dignidade
da pessoa humana. 5. Autonomia da vontade. 6. Considerações finais. 7.
Referências Bibliográficas
1. Introdução:
A validade do negócio
jurídico requer a presença de um objeto lícito, possível e determinado ou
determinável (Art. 104, II, NCC). Assim, percebe-se que o objeto deve ser
possível frente ao ordenamento jurídico, pois "[...] é frustro o negócio,
em razão de se não poder configurar a relação jurídica, que, na verdade,
reclama a existência do elemento objetivo para armar-se e ser impossível (se
impossibilidade absoluta) o objeto, o mesmo é que não haver" (PEREIRA,
Caio Mário, 1994, p.311).
Portanto, para que um negócio jurídico seja válido, sempre deve ser configurada
a perfeita adequação do objeto na relação jurídica; sendo assim, apresenta-se
nulo qualquer negócio jurídico em que seu objeto recai sobre bens ou direitos
subjetivos inalienáveis, indisponíveis ou irrenunciáveis, dentre estes, os
direitos personalíssimos.
Feitas tais considerações, observa-se que todo e qualquer contrato, v.g.,
aquele aderido pelos participantes do "Big Brother" (programa
televisivo, que consiste na permanência de um grupo de pessoas em uma casa, na
qual são filmados em todos os locais desta, 24 hs por dia; modelo atualmente
muito difundido em diversos países do mundo, conhecido como reality show, em
que se dispõe (de forma onerosa) de direitos como a intimidade, privacidade,
honra e dignidade, atingiriam, estes negócios, pleno iure de nulidade).
2. Objeto do Negócio Jurídico:
Os objetos dos negócios
jurídicos podem ser os fatos (positivos e negativos) ou os bens (coisas e
direitos), sendo "[...] a própria coisa ou o próprio interesse sobre os
quais recai o negócio" (Id., ibid., p. 161-162).
Como vimos, é necessário o cumprimento de certos requisitos por parte do objeto
(art.104, II, CC), pois não se pode converter em objeto aquilo que não é
suscetível de objetivação. Ademais, como ministra em seus ensinamentos o douto
professor Eduardo Luiz Benites "[...] se os objetos do negócio jurídico
são os fatos e os bens, jamais será ou poderá ser a pessoa (...). Igualmente,
os denominados direitos personalíssimos ou direitos da personalidade" (2002;
p.23).
Desta forma, um negócio que tivesse a pessoa ou seus direitos personalíssimos
como objeto, careceria de validade, pois este encontraria uma impossibilidade
jurídica absoluta (VENEZA, Silvio de Salvo, 2001, p. 336).
3. Direitos e Garantias
Fundamentais:
O surgimento da necessidade
da integração de direitos e garantias fundamentais pelo constitucionalismo
brasileiro deveu-se as desigualdades existentes no país, as quais ocasionavam
desrespeitos de tais direitos, através de perseguições políticas e ideológicas,
torturas etc (SAMPAIO, Luiz, 1989, p. 5). Com a Democracia instalada no Brasil,
este tipo de desrespeito diminuiu a números consideráveis, mas outras formas de
violações surgiram, não mais através de armas comandadas por generais, mas pelo
poder econômico patrocinado por empresas multinacionais visando a auferir
milhões de dólares de lucro.
Não obstante os genéricos e abrangentes dispositivos legais inseridos na
história dos ordenamentos jurídicos (Já na Declaração Americana do Estado de
Virgínia tínhamos: "[...] todos os homens têm certos direitos inatos, dos
quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus pósteros..." (BASTOS, Celso, 1990, p. 155)) das
nações "civilizadas" preocupam-se com o desrespeito dos direitos e
garantias fundamentais por via da violência arbitrária, inobservando-se, ainda,
a arbitrariedade motivada pelo interesse financeiro, capaz de fazer com que
alguém queira alienar até o que não é suscetível de alienação, cabendo ao
ordenamento conformar tal situação.
Nos ensinamentos de José Afonso da SILVA, os direitos e garantias fundamentais
"São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo
econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não
se pode desfazer, porque são indisponíveis" ( s.d., p. 163).
3.1. Direito à Privacidade,
à Intimidade e à Honra:
O direito à privacidade, à
intimidade e à honra, segundo PINTO FERREIRA, "[...] inexistia no Direito
Constitucional anterior, porém a ampla publicidade, devassando a vida privada e
a intimidade das pessoas, bem como desfigurando sua imagem, motivou sua
inclusão no texto" (1989 p. 79).
Desta forma, a Constituição Federal trás em seu art. 5º, X, a proteção destes
direitos, prevendo, ainda, indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação. Assim, a indenização é um instrumento para reparar o dano
causado pela inobservância destes direitos; todavia, pode a vítima deixar de
exigir tal indenização, o que não implica em renúncia ou alienação de seu
direito personalíssimo, visto que tal indenização, como vimos, não se trata de
uma contraprestação e sim da reparação de um dano, a qual a vítima, em
determinada situação, pode considerá-la desnecessária ou ineficaz para sua
finalidade e dela dispor.
A relevância da observação destes direitos reside, justamente, em serem eles a
base que compõe o direito à dignidade da pessoa humana, um dos pilares da
República.
4. Dignidade da Pessoa
Humana:
A dignidade da pessoa
humana encontra abrigo constitucional em seu art. 1º, III, da Constituição
Federal, assim esta se configura como um dos fundamentos no qual a República
Federativa do Brasil assenta-se. Destarte, o constituinte visou proporcionar às
pessoas uma vida digna, evitando entre outras situações as de "[...]
humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso País. Este foi sem dúvida, um
acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa
sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como por
exemplo, o econômico" (BASTOS, Celso, 1990, p.148).
Com efeito, quando se viola a dignidade de outrem, não se está apenas violando
o direito de uma pessoa, mas se está quebrando um dos pilares nos quais se
assenta o ordenamento jurídico do país. Por conseguinte, não pode o sujeito
dispor de tal direito, sendo este caracterizado por sua irrenunciabilidade,
haja vista que tal efeito atingirá a toda a coletividade.
5. Autonomia da Vontade:
Segundo SERPA LOPES,
"A vontade é o elemento essencial do factum no negócio jurídico"(1996,
p. 428), esta vontade possui autonomia, sendo "[...] a esfera de liberdade
da pessoa que lhe é reservada para o exercício dos direitos e a formação das
relações jurídicas do seu interesse ou conveniência" (GOMES, Orlando,
1997, p. 265). Contudo, como decorrência natural de uma vida em sociedade, esta
autonomia sofre limitações. Assim, "Não há, portanto, um caráter absoluto
no poder de autoregramento da vontade, mas apenas um permissivo que o sistema
jurídico outorga as pessoas" (MELLO, Marcos Bernardes de, 1999, p. 158).
Pontes de MIRANDA falava, com acerto, sobre o Princípio da Incolumidade das
Esferas Jurídicas, chamando a atenção para a "[...] necessidade de
respeito às esferas jurídicas alheias; quer dizer, a vontade somente pode ser
livremente manifestada enquanto não prejudique interesses que integram esferas
jurídicas de outras pessoas, salvo lex especialis" ( Id., ibid., p.
161-162) .
Por conseguinte, embora se discuta a disponibilidade de direitos como os
supracitados (mesmo que constitucionalmente pareça não haver o que discutir),
mais evidente torna-se a indisponibilidade de direitos de terceiros. Assim, não
pode haver um negócio jurídico cujo objeto seja um bem indisponível do seu
titular, muito menos de um bem alheio (o programa referido ("Big Brother")
além de violar direitos de seus titulares (como a intimidade, honra,
privacidade e dignidade), pode vir a atingir diretamente a terceiros, como seus
parentes ou pessoas próximas, v.g., o que ocorreu em outro programa
"semelhante" ("Casa dos Artistas"), em que uma mulher
casada passou a ter relações extraconjugais no programa, vindo a atingir
diretamente a honra de seu marido).
6. Considerações Finais
Haja vista os dispositivos
legais inseridos em nosso ordenamento jurídico que, como vimos, caracteriza
certos direitos como inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis - uns por
serem inerentes ao indivíduo, outros por serem imprescindíveis para que se
mantenha erigido um Estado Social Democrático e de Direito - é mister ao Estado
conformar as situações de fato de acordo com o que é preconizado em suas leis.
Nos ensinamentos de Darcy AZAMBUJA, "[...] o Estado é uma forma natural da
sociedade humana e tem por fim realizar o bem comum dos que o constituem, a
autoridade, elemento essencial do Estado, é também natural e necessário nas
sociedades humanas"(1985, p.151). Portanto, a necessidade de uma
intervenção estatal, seja legislativa ou judiciária, não se confunde com
autoritarismo, ao contrário, é indispensável para a existência de um Estado de
Direito em que se vela pelo bem comum e pelo respeito de seu ordenamento
jurídico, égide de uma sociedade organizada e democrática.
Doravante, espera-se que o Estado assegure a resguarda dos direitos dos seus
cidadãos e de sua sociedade, regulando e coibindo violações, observando,
especialmente, as arbitrariedades de todas as suas formas, sejam elas
políticas, militares, morais, econômicas, raciais, etc., sob pena de tais
violações tornarem-se rotineiras e deturparem nosso ordenamento jurídico,
configurando-se um retrocesso social-normativo (inadmissível em nosso Texto
Constitucional). Destarte, devemos estar atentos, pois as arbitrariedades e os
despotismos persistem, só mudaram de táticas e de uniformes!
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AZAMBUJA, Darcy. Teoria
Geral do Estado. 24.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1985.
BASTOS, Celso Ribeiro.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
BENITES, Eduardo Luiz.
Resumo do Capítulo Elementos do Negócio Jurídico. 2002.
FERREIRA, Pinto.
Comentários à Constituição Brasileira. V.1. São Paulo: Saraiva, 1989.
GOMES, Orlando. Introdução
ao Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
LOPES, Miguel de Serpa.
Curso de Direito Civil. V.1. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.
MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
PEREIRA, C.M. da Silva.
Instituições de Direito Civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994
SAMPAIO, Luiz Augusto
Paranhor. Comentários à Nova constituição Brasileira. São Paulo: Atlas, 1989.
SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, s.d.
VENEZA, Silvio de Salvo.
Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001.
(texto confeccionado em:
10/2002)
Retirado de: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=142