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A morte presumida no novo Código Civil
Paulo Villela
"Por
muito tempo convivemos sem a possibilidade de declaração de presunção de
morte" ·
A morte
presumida no novo Código Civil
Por Sílvio de Salvo
Venosa
Caberá ao juiz, na
nova lei, fixar a data da morte presumida do desaparecido na sentença
A
existência da pessoa natural termina com a morte (artigo 10 do Código de 1916;
novo, artigo 6º). Como com a morte termina a personalidade jurídica (mors omnia
solvit, a morte tudo resolve), é importante estabelecer o momento da morte ou
fazer sua prova para que ocorram os efeitos inerentes ao desaparecimento
jurídico da pessoa humana, como a dissolução do vínculo matrimonial, o término
das relações de parentesco, a transmissão da herança etc.
A
regra geral é que se prova a morte pela certidão extraída do assento de óbito.
Em sua falta, é preciso recorrer aos meios indiretos, à prova indireta. Não
devemos confundir, entretanto, a prova indireta da morte com o instituto da
ausência, em que existe apenas a certeza do desaparecimento, sem que ocorra
presunção de morte. O artigo 88 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73)
permite justificação judicial de morte, "para assento de óbito de pessoas
desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra
catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não
for possível encontrar-se o cadáver para exame".
Não
temos a denominada morte civil, embora haja resquício dela, como, por exemplo,
no artigo 1.599 do Código Civil de 1916 (novo, artigo 1816). Por esse
dispositivo, os excluídos da herança por indignidade são considerados como se
mortos fossem: seus descendentes herdam normalmente. Nas legislações antigas, a
morte civil atingia, como pena acessória, os delinqüentes condenados por
determinados crimes graves. Eram reputados como civilmente mortos. Como
conseqüência, podia ser aberta a sucessão do condenado como se morto fosse;
perdia ele os direitos civis e políticos e dissolvia-se seu vínculo
matrimonial. O direito moderno repudia unanimemente esse tipo de pena, embora
permaneçam traços como os apontados, mais como uma solução técnica do que como
pena.
No
sistema do Código de 1916, não existia o instituto da morte presumida, a não
ser para efeitos patrimoniais, nos casos de sucessão provisória e definitiva.
Tal não implica extinção da personalidade. É permitida a abertura da sucessão
provisória ou definitiva do desaparecido, para proteção de seu patrimônio.
Permite-se, no entanto, a justificação judicial de morte nos termos do artigo
88 da Lei de Registros Públicos. Não se trata de presunção de morte. No
entanto, mesmo que acolhida uma justificação nesse sentido, nada impede que a
pessoa surja posteriormente sã e salva, o que anula todos os atos praticados
com sua morte justificada, protegendo-se os terceiros de boa-fé.
A
posição tomada pelo novo Código foi outra. De um lado, o instituto da ausência
é tratado dentro da parte geral do diploma (artigos 22 ss.) e não mais no
direito de família. Essa declaração de ausência tradicionalmente tem por
finalidade a proteção do patrimônio do desaparecido levando à sucessão
provisória e à sucessão definitiva. Os fins do instituto são exclusivamente
patrimoniais. No Código de 2002, expressamente o legislador aponta que sejam
consideradas mortes presumidas as situações que autorizam a abertura da
sucessão definitiva (artigos 37 ss.). Nesse sentido dispõe o artigo 6º da nova
lei civil: "A existência da pessoa natural termina com a morte. Presume-se
esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão
definitiva."
No
entanto, o novo ordenamento foi mais além, autorizando a declaração de morte
presumida em outras situações, independentemente da declaração de ausência:
"artigo 7º - Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida; II - se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A
declaração da morte presumida nesses casos, somente poderá ser requerida depois
de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável
do falecimento."
Tudo
que é presumido é altamente provável, mas não constitui certeza. Caberá ao
juiz, na nova lei, fixar a data da morte presumida do desaparecido na sentença,
requisito que é essencial, melhor cabendo estabelecê-la no dia da sua última
notícia, na ausência de critério mais seguro, segundo a prova apresentada. A
maior cautela possível deverá, no futuro, ser exigida na declaração de
presunção de morte, tamanhas e tão graves as conseqüências de ordem patrimonial
e familiar. A nova disposição, de qualquer forma, harmoniza-se com o mencionado
artigo da Lei dos Registros Públicos: acidentes, naufrágios, incêndios e outras
catástrofes permitem maior grau de presunção de morte. A nova disposição
menciona ainda o desaparecido em campanha ou feito prisioneiro quando não é
encontrado até dois anos após o término da guerra. Guerra é termo que deve ser
entendido com elasticidade, pois deve compreender também a revolução interna e
movimentos semelhantes como, por exemplo, exercícios bélicos. Como notamos, há
situações de desaparecimento da pessoa e de probabilidade de morte que exige
uma acertamento judicial, uma sentença. Essa declaração de morte do novo
código, como é óbvio, dependerá sempre de sentença judicial, em procedimento no
qual todas as investigações devem ser permitidas, além do esgotamento das
buscas e averiguações de que fala a lei.
Devemos
entender de forma clara as situações de desaparecimento da pessoa e suas
conseqüências jurídicas. A morte de uma pessoa pode ser incerta quando não
houver notícia de seu paradeiro e houver motivo para acreditar que tenha
falecido. Por outro lado, ainda que haja certeza da morte, pode haver dúvida
sobre o momento do passamento, a data da morte, a qual gera importantes
conseqüências jurídicas, mormente no campo sucessório. A data da morte deve ser
fixada na sentença. Não se apontam presunções para o juiz estabelecer essa data
como ocorre no direito comparado: o critério caberá à prudente decisão do
magistrado, cujo cuidado deve ser extremo.
A
ausência, sob o ponto de vista técnico, cessará com o retorno da pessoa, com a
certeza de sua morte ou com a declaração de morte presumida . Face à
possibilidade latente de reaparecimento da pessoa, afirma-se que a sentença que
admite a morte presumida, embora opere efeitos em relação a todos, não faz
coisa julgada. Qualquer interessado, a qualquer momento, poderá impugná-la
provando que teve notícias do paradeiro do desaparecido, insurgindo-se,
inclusive, quanto à data da morte provável estabelecida na decisão, o que
poderá alterar a ordem de vocação hereditária.
Como
aponta a doutrina estrangeira, se um dia o declarado morto regressa, existe
desde esse momento certeza de que não faleceu e que, por isso, muito menos
perdeu seus direitos. Seu patrimônio não passou aos presumidos herdeiros, tendo
pertencido ao titular como anteriormente. A declaração de falecimento não
ocasionou precisamente a perda da capacidade jurídica nem a transmissão de seu
patrimônio aos sucessores. Questões devem ser deslindadas no tocante ao
rompimento de seu vínculo matrimonial. Há muitas situações que podem advir do
fenômeno, a começar pela proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé; retenção
e indenização por benfeitorias; responsabilidade pela perda ou deterioração da
coisa etc. A matéria requer, sem dúvida, maior aprofundamento de estudo, que
diz respeito à matéria, entre outras, sobre herdeiro aparente e aplicação dos
princípios da sucessão definitiva nas hipóteses de retorno do titular do
patrimônio. A verdade é que durante muito tempo, sob o manto do Código de 1916,
convivemos sem a possibilidade de declaração de presunção de morte nas
hipóteses do novo artigo 7º e sua omissão não foi sentida ou reclamada pela
sociedade. A nosso ver, as inconveniências de termos essa possibilidade na lei
superam nitidamente as vantagens.
Este
é o primeiro de uma série de 20 artigos sobre o novo Código Civil a ser
publicada nesta página.
Sílvio
de Salvo Venosa é ex-juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São
Paulo, sócio do Demarest e Almeida Advogados, membro da Academia Paulista de
Magistrados e autor de obra completa sobre Direito Civil, em seis volumes, pela
Editora Atlas.
Retirado de: http://www.mail-archive.com/civil@grupos.com.br/msg00240.html