Adoção nuncupativa
Marlusse Pestana Daher
promotora de Justiça
no Espírito Santo, radialista, jornalista, escritora
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SUMÁRIO:Introdução;
Filhos de criação; Adoção à brasileira; Adoção segundo o Estatuto; Convivência
humana e direito; Nuncupo; Um fato; Adoção nuncupativa.
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Introdução
"Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como
filho, este adotado não poderá mais ser reclamado" diz o art. 185 do
Código de Hamurabi, pelo que se conclui que adoção é um instituto cuja cogitação
legal dista de milênios. Sempre haverá quem precise de uma família por ter
perdido a própria ou dela tiver-se por qualquer circunstância afastado.
Adoção, do latim "ad" =
para + "optio" = opção, conota a idéia de uma opção deliberada.
Em direito, sempre foi entendida
pelo ato de perfilhar alguém ou assumir na condição de filho, fazendo gerar
aquelas relações previstas para a família biológica, inclusive a de impedimento
para o matrimônio entre adotante e adotado.
No Código Civil Brasileiro, sem
cogitar-se de condição, nem termo tem como forma a escritura pública perante o
tabelião competente. Ali, a rigidez da norma é mais restritiva a possibilidade
de adotar. Estabelece que "só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar;
que o adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o
adotado; para que sejam dois os adotantes têm que ser casados há mais de cinco
anos".
Seguem-se ainda, outras exigências
minoradas pelo advento do Estatuo da Criança e do Adolescente, com ampliação
das possibilidades. Claro que faz exigências fundamentais, mas visando,
sobretudo a finalidade social a qual o ato se destina, preocupa-se
fundamentalmente ou principalmente com a colocação da criança em uma
família-substituta, convencido de que os direitos irrenunciáveis que a ela
assistem, até por se constituir em prioridade absoluta, navegam no seio de uma
família.
Entre o que melhor apresenta de
relevante está o de que a família que substitui a natural seja preservada de
eventuais riscos, inclusive com o cancelamento do registro original de
nascimento que se transforma em legalmente inexistente.
Depois de superar o código civil
em seus termos, o estatuto o substituiu, de modo que, segundo sua letra é que
se dá adoção, seja nacional e até internacional, esta agora também, em estrita
observância com o que dita Convenção de Haia a respeito.
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Filhos de criação
No tempo dos nossos avós
(expressão que neste sentido, as gerações dos últimos anos não usarão) as casas
se enchiam de filhos de outros pais e era com respeito e até verdadeiro orgulho
que se ouvia dizer deles: tiveram 15 filhos e criaram 12...
Eram os filhos de criação, as
vezes, sejamos honestos, destinados aos trabalhos domésticos exclusivamente,
ainda que freqüentassem escola. Não eram pessoa da família, raramente, algum se
sentava à mesa de refeição da família e nunca se arrogaram, sabiam que não
tinham, direitos sucessórios. Se na maioridade não batessem asas, saiam
casados, ou permaneciam ali, mudando só de casa. Quantos passaram a servir as
famílias dos filhos, às vezes dos netos dos seus "pais de criação".
Constituíram-se assim, em pessoas
muito queridas. Alguns sumiram de vista, mas outros nunca esqueceram seus
benfeitores e sempre houve quem "um belo dia", voltava para uma
visita.
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Adoção à brasileira
Mais rara nos últimos tempos, foi
com muita naturalidade, freqüentíssima em outros e teve sempre como razão
propulsora um sentimento humanitário e de bondade. Passava a largo da lei. Traduzia-se
no ato de muitos que "apanharam" em hospitais ou em outro lugar, ou
receberam das próprias mães sob alegação de falta de condições para criá-las,
crianças recém-nascidas ou não, registraram como se fossem seus filhos e nunca
se ouviu dizer que em qualquer tempo, pudessem ter sido questionadas pelos
adotados ou por quem quer que seja.
Recebeu o título de adoção à
brasileira.
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Adoção segundo o
estatuto
Com as mudanças que se processaram,
a ação dos meios de comunicação social, outros fatores, como as chamadas
facilidades da vida moderna, principalmente, além da ação decisiva da Igreja
com a sua opção preferencial pelos pobres, tornou-se claro o conhecimento de
que adoção se faz, através de requerimento judicial.
É decisiva a divulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente nos seus diversos aspectos e a grande
maioria sabe que segundo os termos dessa lei é que se procede à uma adoção.
De fato, o estatuto inovou com a
chamada colocação em família substituta, de três modos ou mediante tutela,
guarda ou adoção.
Quem quiser adotar terá que
comprovar sua efetiva disposição, tanto quanto a capacidade física, social,
psíquica e econômica. Uma equipe inter disciplinar entra em ação e só mediante
o resultado das diversas diligências que procede finalizando com um relatório é
que virá o juízo do ministério público e finalmente o deferimento mediante
sentença que uma vez passada em julgado torna a adoção irreversível.
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Convivência humana e
direito
Tudo em direito é dinâmico. A
convivência humana, ao longo dos tempos, vem-se encarregando de criar situações
as mais diferenciadas, com origem em inúmeras circunstâncias. Mantém em estado
de repouso as pessoas envolvidas, principalmente seus ânimos. E, geralmente,
tem sido debitado à questões patrimoniais ou econômicas o ônus de ser ponto de
partida das desavenças que venham a surgir, ou seja, nelas é que se criam
desagradáveis "zonas-de-conflito".
Quando os ditames da boa convivência
não se revelarem suficientes, quando forem esquecidos tantos momentos bons
anteriormente vividos, quando o clima de família tantas vezes respirado em
comum, asfixiar, impõe-se a necessidade de invocar a tutela jurisdicional do
estado.
Daí a necessidade de que o juiz de
direito se revele capaz de ver além das aparências, de buscar a solução nas
entrelinhas da lei se necessário, na analogia e nos costumes. Principalmente,
estar atento ao que recomenda o art. 5º da Lei de introdução ao código civil:
"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum", pois sua resposta deve ter em conta o grito
pela melhor justiça.
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Nuncupo
Nuncupo significa proclamar,
pronunciar-se solenemente, declarar, adotio nuncupata, adoção solenemente
proclamada, afirmar solenemente que os posteres receberiam o espólio. (Dizionario
della lingua latina – Socuta Editrice Internazionale – Torino – 1946).
Nuncupativo vem do verbo
"nuncupare" – chamar, nomear, declarar. (Dicionário latino, Ed. Saraiva).
No Direito Romano, se chamava nuncupatum testamentum o testamento apenas de
boca.
O Código Civil Brasileiro adotou a
idéia, mas uma única vez como advérbio, usa o termo: "As pessoas
designadas no art. 1.660, estando empenhadas em combate, ou feridas, podem
testar nuncupativamente, confiando a sua última vontade a duas
testemunhas". (art 1.663)
Com guerras, na acepção do termo,
não convivemos, mas com convivência duradoura entre homem e mulher em nossa
sociedade, sim. Por isto, o quinto melhor código civil do mundo, que é o nosso,
preveniu a possibilidade de procederem à celebração do casamento. "Em caso
de iminente risco de vida (in articulo mortis), as partes podem chamar, pedir o
comparecimento da autoridade ou de seu substituto para celebrar-lhes o
casamento na presença de seis testemunhas. (inc. II, art. 199).
A este, por analogia, com o testamento nuncupativo (testamento de boca),
se denominou casamento nuncupativo.
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Um fato
De um jurista iniciante, do
interior mineiro, via e-mail, nos chegou a seguinte colocação: "há cerca
de quarenta anos, uma senhora casada, sem filhos, "apanhou" na
maternidade da cidade, uma criança do sexo masculino e levou para casa. O
marido não a quis assumir em qualquer termo. Um fazendeiro vizinho, solteiro,
se encanta, pega o menino, leva para casa, cria com ajuda da mulher de um dos
seus empregados. Tornou-se pai de fato. O menino cresceu, casou-se, continuou
morando com o pai, seus filhos chamavam a este de avô e todos se referiam a ele
como filho de tal pai. O relacionamento entre eles era realmente de pai para
com o filho e de filho para com o pai.
A realidade era tão forte que
nenhum vento jamais soprou para a necessidade de que a consolidação daquela
realidade requeresse algo mais.
Com a morte do fazendeiro, sem
ascendentes, os colaterais buscaram a herança.
À alegação que fizeram de que o
rapaz não era filho, foi contraposta com uma escritura pública de aquisição de
uma área de terra, quando o mesmo ainda era "menor impúbere" da qual
consta que "neste ato, Fulano de Tal é representado por seu pai, Beltrano
de Tal".
Corria o tempo em que a forma
exclusiva de adotar era escritura, quando não se exigia "condição, nem
termo" exatamente como previsto no art. 375 - A adoção far-se-á por
escritura pública, em que se não admite condição, nem termo. (CC)
Perguntou-nos aquele colega:
Este rapaz tem direito à herança
do fazendeiro?
No mesmo momento, procedendo à
analogia, respondemos: sim. Trata-se de uma adoção nuncupativa.
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Adoção nuncupativa
As mutações no direito vêm
continuamente cedendo às fortes pressões das mudanças pelas quais passam a
sociedade, pois, deve ser sensível às situações peculiares que a convivência
humana recomenda, chegando mesmo a impor, sob pena de assumir a
responsabilidade pela ausência de paz que puder causar no ânimo de alguém.
Durante muitos anos,
hostilizaram-se pessoas vivendo em concubinato, chegavam a ser olhadas
transversalmente. Novos horizontes trouxeram-nas ao convívio aceitável. Veio a
lhes ser reconhecido, no caso da mulher especificamente, indenização pelos
serviços que prestou enquanto convivente, ao se separar. Nem se olvide que a
jurisprudência dos tribunais, mediante reiteradas decisões contribuiu
decisivamente para o advento do que veio a prever a Constituição Federal de 88:
"para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento". (§ 3º art. 226).
Por extensão, todas as ações que
versam sobre tal união são tratadas em varas de família.
Tais pressupostos especificamente,
arrimam nossa convicção de que aquela é, com todas as letras, caso de uma
adoção nuncupativa.
Se bem atentarmos, como dito
inicialmente, repetindo, vamos convir. "Nuncupare significa proclamar,
pronunciar-se solenemente, declarar, adotio nuncupata, adoção solenemente
proclamada, afirmar solenemente que os posteres receberiam o espólio". Já
tendo sido pacificado que na mencionada circunstância se dá um casamento
nuncupativo, nada falta ao caso enfocado para ser uma adoção nuncupativa.
Com muito mais razão que ao
casamento, onde os cônjuges são meeiros, adotio nuncupata se refere a filho e
quem é filho, herdeiro é.
Como tudo que é novo vai provocar
acirradíssimos embates. A irresignação dos vencidos não se furtará a percorrer
todos os caminhos que ainda estejam abertos, a cada decisão que os
desfavorecer.
Uma coisa é certa, se pelas características e pela semelhança
com a prestação da reverência recíproca devida e cumprimento dos deveres de
respeito e fidelidade mútua erigiram a união estável à condição de entidade
familiar, será sua correspondente na relação entre pais e filhos a reconhecer
entre estes o vínculo parental.
Adota nuncupativamente quem no
exercício pleno de sua capacidade de decidir, mediante qualquer forma, declara
ser pai de uma criança socialmente reconhecida como seu filho.
Artigo retirado do
site http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2371