Michelle Salvany Caputi
Acadêmica do Curso de Direito da
Universidade Federal de Santa Maria
O Novo Código Civil trouxe muitas
inovações no campo do Direito Sucessório Brasileiro. Dentre elas destaca-se a
criação do artigo 1790, referente exclusivamente à sucessão da companheira que
não possui correspondência no Código revogado. Outra importante inovação, foi o
estabelecimento da concorrência do cônjuge com os descendentes e ascendentes na
ordem de vocação hereditária estabelecida agora pelo artigo 1829 do Novo
Diploma. Observe-se que o legislador tratou separadamente dos direitos
sucessórios dos cônjuges e dos companheiros e, importante que se diga,
tratou-os de forma bastante distinta. Este, quisá,
foi o seu maior erro.
Para sabermos as conseqüências que
tais dispositivos acarretarão às relações sucessórias entre cônjuges e
companheiros primeiramente teremos que nos reportar ao Direito de Família para
que possamos deixar claras algumas regras.
O artigo 1725 do Código Civil
atual estabelece expressamente que na União Estável, o regime legal é o da
comunhão parcial de bens. Isto é, na falta de disposição em contrário pelos
companheiros, exteriorizada através de contrato escrito, regulará as relações
patrimoniais entre eles o regime referido. O mesmo se dá com relação aos
cônjuges de acordo com o artigo 1640 do mesmo Estatuto.
No regime de comunhão parcial, os
bens comunicáveis são aqueles adquiridos depois do casamento ou após a
constituição da união estável. Excetuando-se, em qualquer dos casos, os bens
apontados no artigo 1659 do Código Civil.
A companheira, com a morte do
companheiro, ou vice e versa, terá direito a sua meação, pois houve a
dissolução da sociedade afetiva. A meação já pertencia a companheira eis que
referente ao Direito de Família e não de Sucessão como pode parecer em primeira
vista. No caso da meação não há transferência de bens, pois estes já pertenciam
á meeira desde a constituição da união afetiva.
Portanto, metade dos bens
adquiridos na constância da união estável pertencem ao companheiro
sobrevivente. Quanto a outra metade, ocorrerá a sucessão conforme estabelece o inovador artigo 1790. Nesta metade, o
companheiro vivo herdará concorrendo com descendentes comuns e, nesse caso,
receberá cota correspondente a dos filhos. Concorrerá também com os filhos só
do falecido recebendo, aqui, metade do que couber a cada um destes. Se
concorrer com outros parentes terá direito a um terço da herança e, se não
houver parentes sucessíveis, tocar-lhe-á a totalidade da herança. Note-se que
quando falamos em concorrência do companheiro com descendentes comuns ou só do
falecido, esta só ocorre quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a
constância da união estável e após a retirada da meação da companheira que,
como dito, pertence a ela não se tratando de parte da herança. Os bens
adquiridos antes da constituição da união estável serão herdados, em sua
totalidade, pelos filhos do falecido. Já quando falamos na concorrência do
companheiro sobrevivo com outros parentes do de cujus (inclusive ascendentes) esta estende-se a toda a herança
e, neste caso, o companheiro terá direito a um terço de todo o patrimônio,
inclusive dos bens trazidos pelo morto para a união estável. Tal conclusão fica
clara quando da leitura do artigo 1790, anteriormente mencionado. Os incisos I
e II do mesmo dispositivo, que tratam da concorrência entre o companheiro e os
filhos, referem-se ao caput que fala
que o companheiro sobrevivente participará na sucessão do outro quanto aos bens
adquiridos onerosamente na constância da união estável. Já os incisos III e IV,
que referem-se à concorrência com os demais parentes, referem-se à herança como
um todo.
Vejamos um exemplo para facilitar
o entendimento: comprovada a união estável entre um casal e não tendo estes
estabelecido nenhum regime de bens contratualmente, o regime entre eles será o
da comunhão parcial. Digamos que possuam um filho comum e o companheiro morre.
Nesse caso, se não existisse nenhum bem trazido pelo homem para a união
estável, isto é, se o casal tivesse adquirido todo o patrimônio onerosamente
após estarem juntos, a companheira teria direito a 75% deste patrimônio e seu
filho apenas a 25%. Ela receberia 50% a título de meação, onde não há
transmissão conforme já referido, e mais 50% dos 50% restantes, a título de
herança, em concorrência com o filho comum. Importante referir, neste ponto,
que se houvessem bens anteriores à união estável pertencentes ao falecido ou se
alguns bens forem adquiridos de forma não onerosa por este, o filho seria o
único herdeiro quanto a este acervo, não tendo a concorrência da mãe
relativamente a estes bens.
No caso do cônjuge, as regras são
diferentes. Se casado pelo regime legal da comunhão parcial de bens, o cônjuge
sobrevivo poderá levar desvantagem com relação ao companheiro na mesma
situação. Ocorre que para os casados, o novo Código estabeleceu um tratamento distinto
daquele aplicado aos companheiros. Tal dissociação de normas poderá acarretar
conseqüências práticas, no mínimo, curiosas.
As normas que deverão ser
aplicadas no caso de sucessão entre cônjuges são aquelas descritas no artigo
1829 e seguintes do Código Civil. Observe-se que para os casados, concorrência
entre cônjuge e descendentes somente ocorre quanto ao acervo de bens em que não
há direito de meação, segundo o que prescreve o inciso I da norma citada. No
caso de casamento pelo regime de comunhão parcial de bens e tendo o casal um
filho, se o marido vier a falecer a viúva receberá a sua meação quanto aos bens
adquiridos onerosamente na constância do casamento e herdará metade dos bens
particulares do de cujus que são
aqueles já pertencentes a ele antes do casamento e os recebidos de forma não
onerosa durante o matrimônio. Assim, o filho, se único, herdará na mesma
proporção da mãe. O interessante é que no caso do cônjuge a meação e a herança
recaem sobre patrimônios diversos. A meação se dá com relação aos bens
presumidamente comuns (aqueles adquiridos durante a vida conjugal) e a herança
recai sobre os bens particulares do falecido. Só quanto a estes é que acontece
a concorrência estabelecida no artigo 1829, I do Código. Não há sucessão do
cônjuge e muito menos concorrência com relação aos bens comuns. E a meação,
como na união estável, já pertence ao cônjuge desde a realização do casamento.
Caso curioso ocorre quando não
existirem bens particulares do morto, isto é, se todo o patrimônio for formado na
vigência da união estável ou do casamento. Neste caso, tendo o casal um filho,
a companheira sobrevivente terá direito a 75% do patrimônio, conforme já visto,
e o filho comum ficará com os 25% restantes. Já o cônjuge vivo, na mesma
situação, receberá apenas 50% dos bens, a título de meação. Nesse caso, como
não existiam bens particulares, também não haverá concorrência da mãe com o
filho. Este herdará os 50% do patrimônio que restaram depois de retirada a
meação da viúva.
O Código criou uma situação que
poderá trazer uma vantagem patrimonial relativamente grande para a companheira
com relação à cônjuge sobrevivente. Tudo isso porque o Novo Diploma operou um
retrocesso ao tratar de forma diversa os direitos do cônjuge e do companheiro.
Segundo a melhor interpretação do artigo 226, par. 3º da Constituição Federal,
o Novo Código Civil deveria ter igualado os direitos sucessórios dos cônjuges e
dos companheiros e não tratar os institutos de forma diversa fazendo mais
complicar do que modernizar seus preceitos.
Com toda a certeza, muito trabalho
terão nossos Tribunais para estabelecer a melhor interpretação aos novos
dispositivos procurando evitar situações injustas que certamente ocorrerão se
alguma providência não for tomada.
CAPUTI, Michelle Salvany. A vantagem da companheira
perante o novo Direito Civil. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa
Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/civil/vantagem-companheira.htm>.
Acesso em: 4.AGO.2004