Lara Marina Zanella Martínez Caro
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria
1. O antigo
e o atual código civil quanto à sucessão do cônjuge supérstite, 2. A
legitimidade do cônjuge para suceder, 3. A sucessão do cônjuge 3.a. Sucessão do cônjuge quando
não há descendente e ascendente, 3.b.
Sucessão do cônjuge quando há
ascendentes, 3.c. Sucessão do cônjuge quando há descendentes, 4. Breve esclarecimento sobre
a situação do companheiro
1. O
antigo e o atual código civil quanto à sucessão do cônjuge supérstite
O Código
Civil de 2002 trouxe grandes modificações para o direito brasileiro, sendo uma
das principais a matéria de direito sucessório, pois, entre as muitas mudanças,
expandiu o direito sucessório do cônjuge supérstite. Regras que se aplicam para
as sucessões abertas após a entrada em vigor da lei, ou seja, 11 de janeiro de
2003.
No Código Civil de 1916 primeiramente eram
chamados à sucessão os descendentes, na sua falta os ascendentes e na seqüência
o cônjuge sobrevivente. Logo, estava em terceiro lugar, pois apenas era
chamado na falta de descendente e ascendente e desde que não estivesse separado
ou divorciado com sentença de trânsito em julgado. A separação de fato não
bastava para que o cônjuge fosse excluído da sucessão.
Como o
cônjuge não era herdeiro necessário podia ser afastado por completo da
sucessão pela via testamentária.
Assim,
sendo o caso da separação absoluta de bens, o cônjuge, quando viúvo poderia
ficar em pleno desamparo, em especial a mulher, motivo pelo qual em 1962 se deu
a edição da Lei. 4121/ 62, Estatuto da Mulher Casada, de caráter eminentemente
protetivo, instituindo o usufruto e o direito real de habitação, direitos reais
temporários, pois eram posto a termo com a morte ou com novo casamento ou união
estável.
Assim,
apenas nos casos de falta dos descentes e ascendentes era que o cônjuge era
chamado, logo, na maioria das vezes não fazia jus a herança, lhe restando
apenas as prerrogativas do direito real de habitação na residência única da
família e se casado no regime da comunhão universal de bens, ou se casado sobre
outro regime de bens que não a comunhão universal tinha direito de usufruto
sobre a metade ou quarta parte da herança, conforme tinha filhos ou não com o
autor da herança.
O Novo Código incluiu o cônjuge dentre os herdeiros
necessários (independente do regime de
bens adotado), logo, tem direito à legítima, ou seja, aos herdeiros necessários
pertence de pleno direito a metade da herança; além disto o cônjuge reserva
algumas outras vantagens sobre os descendentes e ascendentes em certos casos.
O Novo Código Civil mantém o direito real de
habitação, mas em melhores condições, pois o estende para qualquer tipo de
regime de bens, e silenciou quanto a sua
extinção ou não pelo novo casamento ou constituição da união estável.
Desta forma, há o direito real de habitação sobre o único imóvel da família,
independente do regime de bens e da manutenção do estado de viuvez.
Quanto
ao usufruto vidual, este não mais sobrevive no código que silenciou a respeito,
tendo sido substituído pela garantia de quota patrimonial em certos casos.
Conforme referido, o cônjuge foi elevado à herdeiro
necessário, entretanto, o código deixou
de tratar da deserdação do cônjuge. Embora preveja a deserdação dos descendente
por seus ascendentes e dos ascendentes
por seus descendentes, não há
dispositivo que preveja a deserdação do cônjuge.
Não sendo possível a analogia em matéria restritiva
de direito, a omissão da lei fica sem qualquer solução. Assim, embora herdeiro
necessário o cônjuge não pode ser deserdado.
O art. 1830 acresce restrição para que haja a
sucessão do cônjuge, pois não haverá a sucessão quando estavam separados judicialmente e também
quando separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, de que esta
convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.
Este dispositivo merece censura, pois não condiz
com a doutrina e legislação moderna, as quais afastam a culpa das questões
relativas ao término da sociedade conjugal. Não há porque se discutir a culpa,
pois independente desta houve o rompimento da sociedade conjugal, que não tem
mais efetividade, logo, também desaparece a comunidade de esforços e interesses
e em conseqüência, o direito sucessório.
A questão da culpa exige uma dilação probatória de
alta indagação, o que não é possível no bojo do inventário. Além disto, pode se
prever que haverá divergência entre o cônjuge sobrevivente separado de fato e
companheiro de união estável, a fim de se atingir a inclusão ou exclusão de um
destes como herdeiro.
3. A sucessão do cônjuge
Para
verificar a sucessão do cônjuge há que Inicialmente se diferenciar os
institutos da meação e da sucessão.
A
meação, instituto de direito de família, refere-se a divisão dos bens comuns e
depende do regime de bens adotado. Ou seja, os bens pertencem ao sobrevivo,
embora, eventualmente, estejam em nome do falecido. Na comunhão parcial todo o
patrimônio é divido ao meio entre os cônjuges. Na comunhão de aqüestos serão
divididos pela metade os bens adquiridos na constância do casamento. Sendo o
regime da comunhão parcial, também serão divididos na metade os bens adquiridos
na constância do casamento.
Já a sucessão, se dá sobre os bens do falecido,
sendo deferida a transmissão causa mortis. Assim, excluída a
meação há o patrimônio do falecido, que é a herança, a qual será dividida entre
os herdeiros.
3.a. Sucessão do cônjuge
quando não há descendente e ascendente
O Cônjuge sobrevivente, na ausência de
ascendentes e descentes herdará a totalidade da herança, independente do
regime de bens.
O Cônjuge, concorrendo com ascendentes, herdará
qualquer que seja o regime de bens, sendo que se concorrer com o pai e mãe
do falecido, caberá 1/3 da herança para cada um, inclusive o cônjuge. Se
concorrer apenas com o pai ou a mãe, ao cônjuge e ao ascendente caberá ½ da
herança.
Já, se concorrer com outros acedentes de grau mais
distante, sempre caberá ao cônjuge ½ da herança, sendo a outra parte dividida
em linha para os ascendentes. Será a mesma regra se os ascendentes que
existirem forem mais distantes. A divisão por linha só opera uma única vez.1
Por
exemplo, se falecendo deixa dois avós maternos, um avô paterno e o cônjuge. O
cônjuge ficará com 50% da herança, cada avô materno ficará com 12,5% e ao avô
paterno 25% da herança, pois havendo igualdade em graus e diversidade em linhas
a herança partir-se-á entre as duas linhas pelo meio.
3.c.
Sucessão do cônjuge quando há
descendentes
Havendo descendentes o
cônjuge poderá herdar, dependendo do regime de bens.
Sendo o
regime da separação obrigatória ou regime da comunhão total de
bens o cônjuge nada herdará.
Em se
tratando da separação obrigatória não herda o cônjuge devido a imposição legal
decorrente do art.1641 do Código Civil.
Assim, o cônjuge não herdará quando contrair o casamento com
inobservância das causas suspensivas, sendo um dos cônjuges maior de 60 anos ou
quando dependa de consentimento judicial para casar.
No caso
da comunhão total de bens, o cônjuge
não herda, pois presume-se a
herança desnecessária, tendo em vista que na qualidade de meeiro detém a metade
de todo o patrimônio.
Sendo o regime da separação consensual de bens, o
cônjuge herdará concorrendo com os herdeiros no patrimônio do falecido e
frise-se que neste regime não há meação.
A
problemática esta quando se trata do regime da comunhão parcial de bens,
tendo em vista que há entendimentos divergentes.
Pois,
para alguns, como Luiz Felipe Brasil Santos1 e Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka 2, havendo bens particulares o cônjuge herdará sobre estes e também
sobre os quais já era meeiro.
Esta
interpretação gera uma discrepância, sendo que através do exemplo que segue,
será facilmente visualizada a questão. Vejamos. Se um casal adquiriu na
constância do casamento dois imóveis de igual valor. Tendo apenas um filho,
falecendo um cônjuge, ao sobrevivente restará apenas a meação, ou seja, um
apartamento e o outro apartamento ficará de herança para o filho.
Porém,
se neste mesmo caso o “de cujus” possuía uma bicicleta anteriormente ao
casamento, caberia ao cônjuge sobrevivente a sua meação, ou seja, um
apartamento, e de herança, ½ da bicicleta e ½ do outro apartamento, pelo
simples fato de haver o bem particular bicicleta.
Certo é
que existindo bens particulares o cônjuge é chamado à sucessão indistintamente
pela nova lei. O legislador não disse que sua legítima recai apenas sobre os
bens particulares, assim, poderia também recair sobre a meação do falecido (a
que é objeto de herança dos descendentes).
Bastaria
um singelo bem particular para que se faça diferença tão grande.
Seguindo
entendimento mais coerente com o espírito buscado com o novo código, há que se
interpretar que sendo o regime o da comunhão parcial e havendo bens
particulares o cônjuge é chamado a concorrer na herança apenas nos bens
particulares, ou seja, nos bens em que não for meeiro.
Por exemplo, o falecido ao se casar já possuía uma
fazenda. Casou-se pelo regime da comunhão parcial e durante esta adquire um
apartamento. Deixa dois filhos e a cônjuge. Os bens serão divididos da seguinte
maneira. A cônjuge tem meação sobre o apartamento, ou seja, ½ do apartamento,
sendo que além da meação herdará 1/3 da fazenda (bem particular do falecido).
Aos filhos será destinado ½ do apartamento e 2/3 da fazenda, o que será divido
igualmente entre os mesmos.
Ocorre que sendo os descentes comuns, ao
cônjuge sobrevivente será reservada a quarta parte da herança. Por
exemplo, se tinham cinco filhos, ao cônjuge caberá a quarta parte da herança e
o restante será dividido entre os filhos. Assim, no mesmo exemplo acima, se ao
invés de 2 filhos esses forem 5, a divisão ficará da seguinte forma: A cônjuge
tem igualmente da sua meação, ou seja, 50% do apartamento que foi adquirido na
constância do casamento. Quanto à herança, que é a totalidade da fazenda e 50%
do apartamento, será reservado ¼ para a cônjuge, logo, esta ficará com ¼ da
fazenda e 12,5% do apartamento. Como já possuía 50% do apartamento devido a
meação, ficará com 62,5% deste. Para os
filhos ficará ¾ da fazenda e 37,5% do apartamento, o que será dividido igualmente
entre eles.
No entanto, sendo os descendentes apenas do
autor da herança, ao cônjuge não será reservada parte alguma, sendo
dividida a herança igualmente. Por exemplo, havendo 6 filhos mais o cônjuge, a
cada um deste caberá 1/7 da herança.
O problema da questão é quando há descendentes
comuns e descentes apenas do autor da herança,
posto que se deve respeitar a quarta parte mínima do cônjuge, conforme reza
Silvo de Salvo Venosa, sendo que não pode haver distinção entre os filhos, haja
vista que deve ser assegurada a igualdade constitucional, sendo inviável
estabelecer qualquer diferença de quinhões entre os descendentes.
Para Luiz Felipe Brasil Santos, havendo herdeiros
comuns cumulativamente com filhos apenas do autor da herança, não haveria
solução na lei.
Para outros, a solução seria dividir-se a herança
igualmente entre todos. Ou seja, sendo 2 filhos comuns, 1 filho somente do autor da herança e o
cônjuge, a herança seria divida em 4 partes iguais.
Entretanto, a situação apresenta solução, e
esta é através da matemática, levando em conta que há que se respeitar a
igualdade entre os descendentes e resguardar a cota mínima de ¼ ao cônjuge
sobrevivente.
Por exemplo, digamos que haja o cônjuge supérstite
e sejam 5 filhos, sendo 4 filhos comuns e 1 exclusivo do falecido. Supondo que
a herança seja de R$ 1.200. Procede-se da seguinte forma4:
a) Total
da herança dividida pelo número total de herdeiros:
1.200/6= 200 (parte que
caberia se não houvesse filhos comuns)
b) Total da herança menos o nº filhos exclusivos
autor da herança x parte que caberia se todos os filhos fossem apenas do autor
da herança:
1.200-
(1 x 200)= 1.000
c)resultado anterior / 4 (reserva de ¼) = parte do
cônjuge
1.000/4
= 250→ parte que cabe ao cônjuge.
d) Total da herança – parte que cabe ao cônjuge=
parte da herança que será dividida por cabeça entre os filhos.
1.000-250 = 950 / 5 = 190→ para cada filho
Assim, o
resultado da divisão da herança é R$ 250,00 para o cônjuge sobrevivente e R$
190 para cada um dos 5 filhos. Desta forma, se preservou a igualdade entre os
filhos e a quarta parte do cônjuge supérstite.
4. Breve
esclarecimento sobre a situação do companheiro frente a igualdade
constitucional da união estável e o
casamento. Considerações finais
A
existência da União Estável não transformava o companheiro ou companheira em
herdeiros no sistema de 1916. A união estável podia era gerar efeitos
patrimoniais, mas não a titulo de herança e sim a de dissolução de condomínio,
a fim de que não houvesse enriquecimento de uma das partes em relação à outra.
Através
da Constituição Federal de 1988 a união estável foi elevada a condição de
entidade familiar, fazendo jus a receber igualdade de tratamento do casamento.
No entanto, apenas em 1994 se reconheceram direitos sucessórios ao companheiro
através da Lei nº 8.971/94.
Referida lei conferiu ao companheiro sobrevivente
direito ao usufruto vidual nos bens do de cujus, nos moldes do que era
conferido ao cônjuge, repetidas as mesmas frações, quando concorria com
descentes e ascendentes.
Conferia ao companheiro a totalidade da herança
inexistindo descendentes ou ascendentes sucessíveis, passando a figurar na
sucessão legitima, assim como estava o cônjuge no código de 1916, ocupando a
terceira classe de ordem hereditária.
A lei recente fez com que o companheiro viesse a
participar da herança, no entanto, o código é ultrapassado e apresenta
retrocesso ao tratar do direito sucessório do companheiro, pois se mostra
preconceituoso e contrário à ordem constitucional, a qual repudia qualquer
discriminação no âmbito da família, pois o cônjuge apenas herdará sobre os bens
adquiridos na constância da União Estável.
Referida nova lei traz em sua essência
desigualdades substanciais entre a sucessão do companheiro e a do cônjuge,
assim, se faz imperiosa modificação da lei a fim de que se respeite o preceito
constitucional previsto no art.226, §3º
da Constituição Federal.
Notas:
1.
Venosa, Silvio de Salvo . Direito Civil: Direito das Sucessões (Coleção de
Direito Civil. V. 7, p.103).
2.
Santos, Luiz Felipe Brasil. A Sucessão do Cônjuge no Novo Código Civil. Revista
Brasileira de Direito de Família.
3.Hironaka,
Gisela Maria Fernandes Novaes. Direito Sucessório Brasileiro. Revista
Brasileira de Direito de Família, n° 12, jan.fev.mar. 2002.
4.Barros,
Flavio Augusto Monteiro de. Direito Civil. Sucessão do Cônjuge. Aula Instituto
Luiz Flávio Gomes. 17/09/2003.
VENOSA,
Silvio de Salvo . Direito Civil: Direito das Sucessões (Coleção de Direito
Civil. V. 7, p.103).
BARROS,
Flavio Augusto Monteiro de. Direito Civil. Sucessão do Cônjuge. Aula Instituto
Luiz Flávio Gomes. 17/09/2003.
GUIMARÃES,
Luís Paulo Cotrim. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil: um
exercício de paciência. Revista Jurídica Consulex- Ano VII, n° 148- 15/03/03,
pg. 54
HIRONAKA,
Gisela Maria Fernandes Novaes. Direito Sucessório Brasileiro. Revista
Brasileira de Direito de Família, n° 12, jan.fev.mar. 2002.
MAURO, Adalgiza Paula Oliveira.
Sucessão do cônjuge e do companheiro à luz do novo código civil. Revista
Prática Jurídica, ano II, n° 11- 28/02/2003, pg. 15.
SANTOS,
Luiz Felipe Brasil. A Sucessão do Cônjuge no Novo Código Civil. Revista
Brasileira de Direito de Família.
Informações
Bibliográficas
CARO, Lara Marina Zanella Martínes. A sucessão do cônjuge no
Novo Código Civil. Site
do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/civil/sucessao-conjuge.htm>.
Acesso em: 4.AGO.2004