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A PRESCRIÇÃO ETÁRIA E O ESTATUTO DO IDOSO


Wiliam Wanderley Jorge


Procurador de Justiça aposentado
Professor de Direito Penal da FADISP




A recente lei nº 10.741/2003, que instituiu o denominado Estatuto do Idoso, determinou algumas modificações explícitas e implícitas na Parte Geral e Especial do nosso Código Penal e em Leis especiais.

Vejamos as modificações explícitas:

O artigo 61 diz que são sempre circunstâncias que agravam a pena, quando o crime for praticado contra a pessoa maior de 60 anos de idade.

No parágrafo 4º do artigo 121 estabeleceu que, em se tratando de crime doloso de homicídio, caso a vítima tenha mais de 60 anos , a pena será aumentada de 1/3 (um terço). No artigo 134, ao cuidar do "abandono de incapaz", acrescentou o parágrafo terceiro, determinando também, o aumento de 1/3 |(um terço) na pena caso a vítima tenha mais de 60 anos. No artigo 140, parágrafo 3º houve a inclusão , sem menção à idade, de uma circunstância agravadora da pena: se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à condição da pessoa idosa e no artigo seguinte (art.141), a pena também é aumentada se os crimes de calúnia e difamação forem praticados contra pessoa maior de 60 anos de idade.
Idêntico procedimento ocorreu no artigo 148, parágrafo 1º , inciso, artigo 159, parágrafo 1°, , artigo 183, inciso III (onde se nota a equiparação entre o que tem 60 anos e o que tem mais idade) e artigo 244 (abandono material), todos do Código penal vigente.
A alteração do critério de idade também se processou na Lei das Contravenções Penais em seu artigo 21, parágrafo único, no artigo 1º , inciso II, parágrafo 4º da Lei nº 9.455 de 7 de abril de 1977 , no artigo 18 Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976 e no artigo 1º da lei nº 10.048, de 8 de novembro de 1980.

Pode-se sustentar, pois, que com o advento da lei que instituiu o Estatuto do Idoso, passamos a ter um critério não mais biológico para determinar maior apenação quando a vítima se encontra em certa faixa etária avançada, mas um critério legal pela vez primeira em nossa legislação penal comum e especial. E mais , estabeleceu o referido Estatuto que é também idoso o que tem 60 anos completos, não, apenas, o que tem mais dessa idade, gozando de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei especial, bem como tornando obrigatório ao Poder Público lhe assegurar a efetivação do direito de liberdade.

Três dispositivos permaneceram sem modificação: o artigo 65, inciso I, o artigo 77, parágrafo 2º e o artigo 115, todos se referindo ao critério biológico, ou seja, 70 anos de idade.

Os doutrinadores estão de acordo que o critério adotado pelo legislador de 1940 , repetido em 1984 , foi o critério biológico, que , com a devida vênia , não mais deve existir em nossa legislação diante do critério legal explicitamente adotado com o advento do Estatuto do Idoso. É o que chamamos de modificação implícita.

Deixando de lado o "sursis" etário e a circunstância atenuante, cuidemos da prescrição pela metade prevista no artigo 115 do Código Penal.

Com a ocorrência do crime nasce para o Estado o ius puniendi. Esse direito não pode, contudo, eternizar-se como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do indivíduo. Em decorrência disso o próprio Estado estabelece critérios que limitam o exercício de punir, e, levando em consideração a gravidade do crime e da pena, fixa lapso temporal dentro do qual estará legitimado a aplicar algum tipo de sanção.Escoado o prazo o direito de punir prescreve, vale dizer, o Estado não mais pode exercê-lo; pelo decurso de tempo , em razão de seu não exercício, dentro do prazo fixado, a pena não pode ser imposta ou cumprida.
A prescrição, segundo pensamos, é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal e é matéria de ordem pública , devendo ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do próprio interessado, constituindo preliminar de mérito que deve ser declarada em qualquer fase do processo.

O artigo 115 do Código Penal, que estabelece a idade de 70 anos para a contagem pela metade do prazo prescricional, deve sofrer uma nova interpretação, seja extensiva ou analógica, para fazer com que o maior de 60 anos de idade possa ser beneficiado. É que agora temos critério legal para conceituar quem é idoso, ao contrário do anterior, eminentemente biológico e até arbitrário.

A conseqüência mais importante dessa conclusão é que , em se cuidando de instituto de direito penal, tem inteira aplicação o princípio de que a lei que beneficia sempre retroage, isto é aplica-se aos casos em curso e não definitivamente julgados, que necessitarão de novos cálculos para se saber se o Estado perdeu o direito de punir ou de fazer cumprir a pena. Repita-se, a conseqüência é maior do que se pensa, pois cumpre, agora, reexaminar a idade de todos os que respondem a processo penal para se saber se ocorreu a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, da prescrição intercorrente, da retroativa ou executória. E até mesmo dos que foram julgados, por força do parágrafo único do artigo 2º do Código Penal: novatio legis in mellius, que consagra retroatividade de maneira incondicional, mesmo diante da coisa julgada.Na novatio, ao contrário da abolitio criminis, o fato continua sendo típico, ocorrendo apenas a inclusão de circunstâncias favoráveis ao agente, como, por exemplo, a lei que reduz o prazo prescricional do delito.
Para melhor compreensão do leigo e do estudante ainda não afeito ao instituto prescricional, vejamos alguns exemplos práticos , seguidos de explicações teóricas de maneira perfunctória.

Caso no curso determinado lapso temporal (estabelecido pelo artigo 109 do Código Penal e que vai de 2 anos a 20 anos) , o Estado não conseguir impor uma pena ao autor do crime, ocorrerá , grosso modo, a prescrição. O que irá determiná-la, pois, será a superação do prazo estabelecido em lei para a punição do culpado, que é estabelecido de maneira variável na proporção da gravidade do delito. Delito mais grave prescreve em maior tempo. O artigo 115 do Código Penal , contudo, estabelece que em se tratando de certa faixa etária, tais prazos serão calculados pela metade.

Assim, caso a pessoa tenha praticado um delito de lesão corporal (artigo 129, "caput"), cujo prazo prescricional é de 4 anos (artigo 109, inciso V) , em 20 de abril de 1993 , a prescrição ocorrerá em 19 de abril de 1997.
Todavia, se tiver 70 anos ou mais de idade, quando da sentença (pouco importa a idade que tinha ao tempo do crime), a perda do direito de punir ocorrerá dois anos antes, vale dizer, em 19 de abril de 1995. Lógico que o prazo pode ser interrompido, mas as dimensões desse trabalho não comportam tais explicações . A se contar o prazo segundo nosso entendimento, 60 anos de idade quando da sentença, haverá uma redução de 10 anos, beneficiando uma enorme faixa etária.

Tal raciocínio simplista pode ser aplicado a todos os casos de prescrição, seja da pretensão punitiva, executória , retroativa ou intercorrente, muito embora várias outras considerações possam ser aduzidas e, necessariamente, levadas na devida conta.

Importante ressaltar, que a oportunidade para a declaração da prescrição ocorre em qualquer fase do processo, sendo possível até a impetração de hábeas corpus para se obtê-la.

Não se trata de aplicar a analogia porque não há ausência ou lacuna da lei; na interpretação analógica, o fato está previsto na fórmula genérica da lei, inexistindo lacuna e na extensiva, que parece ter aplicação ao caso, o fato está previsto implicitamente no texto da lei, sem se falar em interpretação progressiva, também chamada adaptativa ou evolutiva , na qual se amolda a lei à realidade existente, ou seja, o intérprete deve adaptá-la às concepções atuais , pelo que não devemos esquecer que velho , idoso ou ancião são palavras sinônimas , dizendo a lei que todo o que tem mais de 60 anos de idade ou mais , é velho , queiramos ou não . E o critério adotado foi beneficiá-lo . Nelson Hungria usa até o vocábulo "ancião".
Pode-se argumentar que o Estatuto do idoso em revogando numerosos dispositivos e silenciando a respeito do artigo 115 do Código Penal, não pretendeu modificá-lo , permanecendo o critério biológico dos 70 anos de idade. Mas não seria caso de supor que dispondo em numerosos dispositivos do Código Penal e de Leis especiais que há um novo critério , ou seja, legal, todas as disposições que o contrariarem , estariam revogadas , implícita ou explicitamente? Não seria caso de revogação tácita , onde a nova lei apresenta-se incompatível com a anterior ?

É certo que a lei geral não revoga a especial, nem a especial revoga a geral. A lei especial só é revogada por outra lei especial, o mesmo se pode dizer quanto a lei geral. Caso, porem , sejam compatíveis devem conviver no ordenamento jurídico. Entretanto , caso a nova lei seja simultaneamente geral e especial, havendo incompatibilidade absoluta entre elas, ocorrerá a revogação da lei anterior na parte em que houver tal incompatibilidade.

A questão, pois, está posta.

 

Wiliam Wanderley Jorge

Procurador de Justiça aposentado

Professor da Fadisp – Faculdade Autônoma de Direito de SP


Al. Lorena, 800 – 4º andar – Jardins –S.Paulo – SP

Tel. (11) 8196.9562

e-mail www.wiliamwanderley@uol.com.br


Artigo criado em março de 2004

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retirado de: http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?t=604