São Paulo, Brasil, Terca, 3 de Agosto, 2004 1:53 p.m.
A alienação fiduciária de imóveis e a polêmica acerca da
Revogação ou não da Lei 9514/97 pelo Novo Código Civil
Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, em 11 de
janeiro de 2003, criou-se uma discussão acerca da revogação ou não da Lei n.º
9.514/97, a qual versa sobre o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI e a
Alienação Fiduciária de Imóveis, uma vez que o Código não inclui em seu texto a
alienação fiduciária de bem imóvel, tratando apenas da propriedade fiduciária
de bem móvel infungível.
Preliminarmente, quanto a terminologia, podemos inferir que
o Código dispõe sobre a propriedade fiduciária, enquanto a Lei 9514/97
regulamenta o negócio jurídico da alienação fiduciária de imóveis. Dessa forma,
os dois textos legais estariam tratando de temas diferentes, não havendo
qualquer conflito entre os mesmos.
Depois de considerar a questão terminológica, ao analisarmos
a interpretação e a forma como foi redigido o Art. 1361 do Novo Código Civil,
verificamos que não é possível considerar a existência de uma restrição a bens imóveis
no referido artigo, uma vez que: “Art. 1361. Considera-se fiduciária a
propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de
garantia, transfere ao credor”. Dessa forma, a propriedade resolúvel de bem
móvel infungível é considerada fiduciária, porém, não sendo a única possível,
uma vez que não consta, expressamente, no artigo, a sua exclusividade. Logo, é
notável não haver qualquer incompatibilidade entre os dois textos legais, já
que tratam de assuntos distintos, sem que um impeça a realização do outro.
No tocante a revogação das leis, podemos considerar apenas
três formas de sua ocorrência, conforme o disposto na Lei de Introdução ao
Código Civil, em seu Artigo 1º, que esclarece: “A lei posterior revoga a
anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Sendo
assim, a revogação de uma lei pode ocorrer dos seguintes modos: quando é
expressa, quando há incompatibilidade entre os textos legais ou quando a lei
posterior aborda, inteiramente, a matéria, dispondo de forma diversa da lei
anterior.
Quanto à Revogação expressa, o Novo Código não menciona
expressamente a Revogação da Lei n.º 9.514/97 em seu texto, ficando, dessa
forma, completamente afastada tal hipótese.
Quanto à incompatibilidade dos textos legais, não é possível
considerá-la, uma vez que o texto do Novo Código não contraria, não proíbe e
nem dispõe de forma diversa sobre a Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, da
Lei do Sistema Financeiro Imobiliário.
Por fim, não se pode sequer considerar que o NCC vem a
tratar sobre o mesmo tema que a lei anterior de forma diferente, pois este nem
mesmo o prevê em suas disposições.
Logo, verifica-se, no caso em questão, a ausência dos
requisitos para a revogação da Lei especial, permanecendo esta em pleno vigor.
Sob outro prisma, devemos observar a máxima: “lex posteriori
generalis non derogat legi priori speciali”, ou seja, lei posterior geral não
derroga lei anterior especial. Segundo Carlos Maximiliano , o aparecimento de
norma ampla não pode causar, por si só, a queda da autoridade da prescrição
especial vigente, prevalecendo a máxima supra. Segundo o autor, não se presume
a revogação da lei especial pela lei geral, é mister que esse intuito decorra
claramente no contexto. Portanto, a entrada em vigor do Novo Código, por si só,
não derroga a Lei especial, a menos que estivesse expresso em seu conteúdo a
derrogação de tal norma anterior.
Quanto à hierarquia normativa, o Professor Tércio Sampaio
Ferraz Júnior define que, havendo antinomia, será aplicado o princípio supra,
quando se tratar de leis de igual posição hierárquica. Dessa forma, observamos
que tanto a Lei 9514/97, lei anterior especial, quanto o Novo Código, lei
posterior geral, consistem em Leis Ordinárias, devendo, assim, ser respeitado
tal princípio.
A Jurisprudência confirma a aplicação de tal princípio na
prática, como pode ser observado nas seguintes ementas:
TACivSP - EMBARGOS DO DEVEDOR – Execução fiscal – Prazo –
Lapso para a interposição dos embargos que é de 30 dias, conforme o art. 16 da
Lei 6.830/80, e não de 10 dias, segundo o disposto no art. 738 do CPC –
Legislação processual que, embora posterior, é norma geral, não podendo revogar
norma da Lei de Execução Fiscal, por ser especial. EXECUÇÃO FISCAL –
Comprovação de pagamento de tributo realizado em banco que mantinha convênio
com a Municipalidade para recebê-lo – Pagamento que extingue a obrigação
tributária – Existência de falha no título executivo, em face dessa extinção,
que deve ser reconhecida de ofício – Inadmissibilidade da propositura da ação.
TARJ – CITAÇÃO – Execução – Crédito vinculado ao Sistema
Financeiro da Habitação – Ato realizado por edital apesar de estar o executado
em local certo e sabido em comarca diversa daquela da situação do imóvel –
Admissibilidade – Lei especial que prevalece sobre a geral – Aplicação do art.
3.º, § 2.º, da Lei 5.741/71
TAMG - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Prisão civil – Admissibilidade
– Alienante fiduciário que definido como depositário pelo art. 66 da Lei
4.728/65 pode ter sua prisão decretada se caracterizada a infidelidade depositária
– Pacto de São José da Costa Rica, que, por se tratar de norma
infraconstitucional geral, não derroga as normas infraconstitucionais especiais
sobre a segregação do depositário infiel. HABEAS CORPUS – Impetração em
processo civil – Admissibilidade se se tratar de ato judicial eivado de vício
ou de qualquer mácula que enseje a privação do direito de ir e vir –
Necessidade, ainda, do preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 5.o,
LXVIII, da CF
TACivSP - APELAÇÃO – Execução – Cédula rural pignoratícia –
Recurso interposto contra sentença que julgou procedentes, em parte, os
embargos opostos – Recebimento do apelo no duplo efeito – Inadmissibilidade –
Matéria regida por lei especial que prevalece sobre a regra geral – Recurso que
deve ser recebido apenas no efeito devolutivo – Inteligência dos arts. 41, §
1.º, do Dec.-lei 167/67 e 520, V, do CPC.
Posto isso, além do ponto de vista jurídico, o Novo Código,
cujo projeto de lei é anterior à Lei 9.514/97, não tem, de forma alguma, a
intenção de proibir a alienação fiduciária de bem imóvel, apenas não a prevê,
pois se trata de tema recente, e cuja proibição significaria um grande
contra-senso, pondo em risco um enorme volume financeiro e uma grande
quantidade de empregos, caminhando na contramão do desenvolvimento econômico
nacional.
Felsberg e Associados
Artigo retirado do site: http://www.societario.com.br/felsberg/L9514eNCC.html