A POSSE E A PROPRIEDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL*

 

Edilson Pereira Nobre Júnior**

 

1. Palavras iniciais e plano de exposição. 2. A posse no novo Código Civil. 3. O instituto da propriedade e seu perfil hodierno. 4. Direito de superfície.

 

 

1.      Palavras iniciais e plano de exposição.

 

                        Antes de iniciar esta exposição, gostaria de manifestar o meu agradecimento ao convite recebido dos amigos e colegas de judicatura, Maria Soledade Fernandes e Bento Herculano Duarte, para neste seleto seminário, patrocinado pela Escola de Magistratura do Rio Grande do Norte, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ensino e Cultura, discorrer sobre as alterações que o Código Civil, aprovado pela Lei 10.406/02, produzirá, a partir de 11 de janeiro do ano seguinte, nos institutos da posse e da propriedade.

                        Por imperativo de sistematização, a abordagem será feita em três partes, assim dispostas: a) modificações inerentes à posse; b) alterações imprimidas ao instituto da propriedade; c) o direito de superfície. Não lograrão qualquer comentário, até mesmo diante dos inexoráveis reclamos de ordem temporal, as mutações imprimidas às servidões, ao usufruto, uso, habitação, penhor, hipoteca e anticrese. Pelo mesmo motivo, a nossa investigação será meramente ilustrativa das alterações impostas pela nova lei civil, não atuando com a profundidade que cada uma delas exige.  

 

2.      A posse no novo Código Civil.

 

                        A nova disciplina não se afastou da precedente no que concerne à definição da posse, para fins de sua tutela pela via dos interditos. Dentre as teorias subjetiva, elaborada por Savigny, a demandar a presença conjunta do corpus (poder físico sobre a coisa), aliado ao animus (intenção de ter a coisa como sua), e a objetiva, oriunda do engenho de Jhering, calcada na visibilidade do domínio, onde sobreleva a destinação econômica do bem, o art. 1.196 do Código Civil se perfilou a esta, basicamente repetindo o texto do art. 485 do diploma de 1916.

                        Afina-se o legislador brasileiro com o art. 1.251º do Código Civil português de 1966, ao ditar: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém atue por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. Idem com o art. 1.140 do Código Civil italiano de 1942[1]. Todavia, distanciou-se, mais uma vez, da orientação plasmada em outros ordenamentos, como a contida no art.  430 do Código Civil da Espanha e do art. 921 do Código Civil do Québec, presumindo este a existência da elementar subjetiva.

                        Isso não quer dizer que exista posse nas hipóteses em que o exercente do poder físico sobre a coisa aja em cumprimento a determinações de outrem. Restou também consagrado o conceito de detentor, consistente naquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

                        Novidade constitui a presunção da condição de detentor. De fato, o art. 1.198, no seu parágrafo único, dispõe que aquele que começar possuindo um bem em nome de outrem se presume como detentor, salvo prova em contrário.

                        A Lei 10.406/02 novamente deixou em aberto a questão relativa à natureza jurídica da posse, mostrando-se silente em enveredar pela sua possível natureza de direito real. É que, ao enumerar, de forma taxativa, os institutos que qualifica como tais não incluíra aquela. Com isso, mantém-se inalterada a convicção que exclui da incidência do art. 10, §1º, I, do CPC, as demandas possessórias.

                        A posse, assim, é de continuar a ser considerada, como bem afirma Dilvanir José da Costa[2], como direito especial, ou instrumento indispensável à manifestação dos direitos reais. 

                        Quanto à perda da posse, o art. 1.223 adotou solução mais simplista, ao invés de partir para enumeração não exaustiva, dispondo que se perde a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem a que se refere o art. 1.196[3].

                        Sensível diferença, com relação à sistemática pretérita, está em que o anteprojeto, cuja elaboração, na parte inerente aos direitos reais, coube ao Desembargador e Professor Ebert Chamoun, sem embargo de haver previsto, como efeito da posse, a possibilidade de sua tutela em juízo, através dos interditos de manutenção, reintegração e proibitório, absteve-se de traçar a disciplina do respectivo rito procedimental, tal como o fazia o art. 523 do Código Civil de 1916, deixando o assunto entregue ao Código de Processo Civil[4].

                        Deve ser verificado ainda que, nos termos do art. 1.212 da Lei 10.406/02, há a previsão de que o possuidor poderá intentar, em detrimento de terceiro, que recebera a coisa esbulhada, sabendo dessa qualidade, ação de esbulho ou a de indenização.

                        Constitui inovação, frente à redação do art. 505 do Código Civil de 1916,  a vedação da exceptio proprietatis no âmbito do juízo possessório, ao estatuir-se, no art. 1.210, §2º, não obstar a manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa[5]. Seguiu-se, no particular, a tendência já esboçada pelo art. 923 do CPC, com a redação que lhe ofertara a Lei 6.820/80.

                        Desse modo, somente na hipótese de a posse ser disputada com base no domínio, o que ocorre com a ação reivindicatória, é que ressai a possibilidade de enfoque do domínio[6].

                        Poder-se-ia, a bem da verdade, prescindir-se do dispositivo, haja vista que, como salientado, o diploma processual já regulava a matéria nesse sentido.

                        Ainda merece ser enfocado que, não obstante conservada a disciplina ainda vigente quanto aos efeitos da posse, o art. 1.222 da Lei 10.406/02, alterando a disciplina anterior, dispõe que o reivindicante, obrigado à indenização por benfeitorias perante o possuidor de má-fé, poderá optar entre o seu valor atual e o de custo. Entretanto, se o beneficiário do ressarcimento for o possuidor de boa-fé, o pagamento far-se-á pelo seu valor atual. Há, portanto, diferença frente ao art. 519 do Código Civil, ao prescrever o direito de opção entre o valor atual e o de custo, independente de tratar-se ou não de possuidor de boa-fé.

                        Sem embargo de opiniões adversas, entre as quais a de Jackson Rocha Guimarães[7],  penso que a mudança trilhou o caminho acertado, ao realçar, no atual estádio da cultura jurídica, uma das múltiplas facetas ostentadas pela boa-fé, qual seja a de assegurar ao sujeito de direito um tratamento jurídico benéfico.

 

3.      O instituto da propriedade e seu perfil hodierno.

 

                        Desde princípios da centúria passada, a noção de propriedade fora alvo de notável transformação. Da concepção sacré et inviolable, plasmada pelo art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, legado da Revolução Francesa, com os adornos inscritos no art. 544 do posterior Código Civil de 1804, capitulou ante a necessidade de ser harmonizada com os imperativos da sociedade.

                        O abandono da exploração da coisa, ou a sua destruição, outrora faculdade do titular do domínio, passou a ser reputada como ilícito, haja vista a carência de bens pela grande maioria das pessoas, destinatários finais da ordem jurídica, para a satisfação de suas necessidades básicas de produção, moradia e consumo.

                        A tônica das novidades vem assimilada pelo enunciado da parte final do art. 153, da Constituição de Weimar, ao proclamar: “A propriedade obriga e seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função social”. Esta mensagem, que semeara o constitucionalismo do segundo pós-guerra (art. 42, Constituição italiana de 1948; o art. 14.2 da Constituição alemã de 1949; o Preâmbulo da Constituição francesa de 1946, possuidor de valor constitucional por remissão do Preâmbulo da Lei Fundamental de 04 de outubro de 1958; art. 33º.1 da Constituição da Espanha de 1978), mereceu a seguinte observação de Pietro Barcellona: “A função social da propriedade se refletiria, pois, sobre a determinação dos comportamentos possíveis; o proprietário não pode ser considerado árbitro absoluto das escolhas relativas à utilização do bem”[8]. Daí deflui que, dentre todos os comportamentos que o titular do domínio pode abstratamente ter, “é de considerar-se meritório e legítimo aquele que, além de realizar o seu interesse, realiza contemporaneamente a exigência de sociabilidade indicada pela Constituição”[9].

                        O direito constitucional pátrio não ficou fora dessa sintonia. A Constituição de 1934 consignou, além da garantia do direito de propriedade, que o seu uso não poderia ser exercido em contraposição ao interesse social ou coletivo, na forma determinada em lei (art. 113, §17, primeira parte). Por sua vez, o documento resultante da Assembléia Constituinte de 1946, no seu art. 147, outorgou ao legislador competência para que os entes políticos possam desapropriar por interesse social, promovendo, assim, o justo reparto da propriedade, sendo, para tanto, editada a Lei 4.132, de 10-09-62. Posteriormente, a Emenda Constitucional 10, de 09-11-64, foi mais além, instituindo, entre nós, a possibilidade de desapropriação por interesse social, como forma de sancionar o proprietário remisso em  adequar a utilização dos imóveis rurais a sua função social, procedendo-se ao pagamento da indenização mediante títulos especiais da dívida pública. Referida modalidade expropriatória, com algumas variantes, foi mantida pela Constituição de 1967 (art. 157, §§ 1o a 6o) e pela Emenda Constituição 01/69 (art. 161, §§1o a 5o).

                        Por sua vez, a Lei Fundamental de 05-10-88, revelando pioneirismo inseriu, no texto magno, os contornos da função social da propriedade, fazendo-o tanto para fins rurais como urbanos, conforme se obtém da leitura dos seus arts. 182, §2o, e 186, I a IV.

                        Esse, em suma, o cenário presente quando da promulgação da Lei 10.406/02.

                        Desse modo, ao contrário do Código de Civil de 1916 que, a despeito de cronologicamente situar-se no período da segunda codificação, fora moldado de acordo com as linhas mestras do individualismo que marcara a ordenança napoleônica de 1804, a nova disciplina, não podendo ignorar os mandamentos do constitucionalismo vigente, logo após prescrever, no seu art. 1.228, caput, que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha, frisou, no seu §1o, que o exercício do jus proprietatis deve pautar-se em compasso com as suas finalidades econômicas e sociais[10].

                        Mas não é só. Prosseguindo, o §1o do art. 1.228 deixa claro que o condicionamento do direito de propriedade à sua função social passa necessariamente pela preservação da flora, da fauna, das belezas naturais, do equilíbrio ecológico e do patrimônio histórico e artístico, incorporando, nessa perspectiva, o respeito aos direitos de terceira geração[11].

                        No diapasão de que a propriedade há de ser exercida com vistas a satisfazer uma missão social, o art. 1.228, §2º, além das tradicionais limitações inerentes ao direito de vizinhança, constantes dos arts. 1.277 a 1.313, estatuiu serem proibidos os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam movimentados pela intenção de prejudicar terceiros. O dispositivo hauriu sua inspiração no art. 833 do Código Civil da Itália, relativo aos atos de emulação, ao dizer: “O proprietário não pode praticar atos que não tenham outro escopo senão aquele de lesar ou trazer moléstia a outrem”[12].

                        Consectário do reconhecimento da função social da propriedade, os §§4o e 5o, do art. 1.228, prescrevem: “§4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. §5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”.

                        À primeira vista, a figura acima plasmada parece caracterizar-se como autêntica desapropriação, pois não se aparenta à aquisição negocial (compra e venda) nem ao usucapião, que prescinde de contrapartida econômica. Muito menos pode ser equiparada à acessão. A referência à necessidade do pagamento de justa indenização aproxima a novidade legislativa ao modelo expropriatório[13], mais precisamente em sua modalidade indireta, o que é reforçado pela circunstância da aquisição do domínio ocorrer de forma compulsória. 

                        Pressupõe algumas singularidades, a saber: a) incide unicamente sobre imóveis, urbanos ou rurais, cuja retomada de sua posse pelo titular do domínio esteja sendo objeto de ação reivindicatória; b) tratar-se de extensa área, o que deve ser aferido conforme se trate de bem de raiz urbano ou rústico[14]; c) posse ininterrupta e de boa-fé pelo intervalo de cinco anos; d) o apossamento se dê por considerável número de pessoas; e) realização pelos possuidores, em conjunto ou separadamente, de obras e serviços reputados pelo magistrado de interesse social e econômico relevante, tais como a construção de habitações populares e a exploração agrícola familiar[15].

                        Assim, argüindo os réus, em ação de reinvindicação contra estes proposta, a presença dos requisitos do art. 1.228, §4º, impende ao julgador determinar a realização de perícia, a fim de fixar o valor do bem ocupado, não devendo ser incluídas as benfeitorias e construções edificadas pelos possuidores. De conseguinte, a sentença julgará  improcedente o pleito do reivindicante, fixando o valor a ser depositado.

                        Penso que o depósito não é de ser feito pelos possuidores, porquanto, se assim for, estará frustrado o objetivo da norma, o qual fora o de favorecer pessoas carentes de recursos pecuniários. Tal encargo tocará ao Poder Público. Impende perguntar qual a entidade política responsável? Não obstante a hipótese assemelhar-se à desapropriação comum por interesse social, com pagamento integral da indenização em moeda corrente, onde a competência pertence indistintamente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sob o ponto de vista prático é assaz conveniente a definição de quem deverá arcar com o pagamento. Penso que, em se tratando de imóvel urbano, deve ser chamado à lide o Município, diante da competência que lhe outorga o art. 30, VIII, da Lei Maior, inerente à promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Caso se refira a imóvel rural, caberia o pagamento ao órgão federal incumbido da reforma agrária[16], sem prejuízo da atuação suplementar do órgão fundiário dos Estados e do Distrito Federal.

                        A aquisição do domínio dar-se-á logo após quitado o preço, a ser procedida, à míngua de prazo legal, na forma de execução por quantia certa, caso não ocorra o solvimento voluntário da obrigação, tão logo passada a sentença em julgado. O posterior registro apenas formaliza a qualidade de proprietários dos antigos possuidores.

                        Digno de nota que a aquisição se faz a título originário. Segue-se, então, que, encontrando-se, quando do pagamento da indenização, o imóvel sob penhora, ou sendo objeto de hipoteca, a constrição ou gravame passará a incidir sobre o numerário depositado à ordem do juízo.

                        O art. 1.229, na trilha da legislação a ser revogada, torna a mencionar que a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício.

                        Poder-se-á supor, numa rápida análise, que tal dispositivo, em face de ser cronologicamente posterior aos arts. 28 a 31 da Lei 10.257/01, revogara o instituto da aquisição onerosa do direito de construir.

                        Eis, portanto, um dos fortes inconvenientes da excessiva demora na tramitação do novo Código Civil, o qual, ao ser promulgado, já apanhou a legislação extravagante em notável avanço. Para contorná-lo, forçosa a aceitação, como lei especial, das normas constantes da Lei 10.257/01, destinadas a satisfazer o anelo constitucional (art. 182, caput, CF), de plena ordenação do desenvolvimento das funções sociais da cidade. Desse modo, a revogação estaria obstada pela cláusula do art. 2º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

                        Percebe-se desse entendimento que o art. 1.229 da Lei 10.406/02 já nasceu condicionado pelo instituto da outorga onerosa do direito de construir, segundo a qual o direito de edificar, ou seja, de utilizar o imóvel com relação aos seus respectivos espaço aéreo e subsolo, está submetido a um coeficiente de aproveitamento (plafond légal de densité), a partir do qual tal faculdade pertence não mais ao proprietário, havendo, no particular, domínio do Município.

                        Significa dizer que, para poder erigir construção além de tal coeficiente, faz-se mister que o proprietário adquira o respectivo direito mediante uma contrapartida em prol do Poder Público municipal[17].

                        Complementando o art. 1.229, o art. 1.230, seguindo a esteira do nosso direito constitucional (art. 176, caput, CF), com início em 1934, afirmou que a propriedade do solo não engloba as jazidas, minas, demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica. Vai além do texto magno, dispondo que o proprietário do solo também não é dono dos monumentos arqueológicos[18] e de outros bens referidos em leis especiais.

                        Não esquecer que o art. 1.230, parágrafo único, traçou exceção, a meu sentir não colidente com o texto sobranceiro, assegurando ao proprietário do solo o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial.

                        Destacáveis são as sensíveis mudanças verificadas na aquisição de imóveis por usucapião[19]. Quanto ao usucapião extraordinário, sem embargo da mantença da tradicional posse contínua, pacífica e com intenção de dono, e da desnecessidade da existência de justo título e boa-fé, o seu lapso temporal fora reduzido de vinte para quinze anos. A redução ainda será maior, ou seja, para dez anos, caso o possuidor haja estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras e serviços de caráter produtivo.

                        No particular do usucapião ordinário, que, ao contrário do anterior, pressupõe justo título e boa-fé, fora fixado o prazo único de dez anos. Restou, assim, abandonada a distinção entre presentes e ausentes, contida no art. 551, e parágrafo único, do Código Civil antecedente, ao estipular o período de quinze anos para a última hipótese.

                        Ainda quanto ao usucapião ordinário, o prazo será reduzido a um lustro, contanto que: a) o imóvel tenha sido adquirido, de forma onerosa, com base no registro constante do correspondente ofício imobiliário, posteriormente cancelado; b) haja o possuidor estabelecido no bem a sua moradia, ou nele realizado investimentos de interesse social e econômico.

                        A primeira condição, acentue-se, é mais do que o conceito habitual de justo título, moldado por ponderável parcela da doutrina patrial[20], afinada com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[21], como aquele que, em tese, é hábil para a transmissão da propriedade (venda, doação, testamento, dação em pagamento, etc.), mas que, padecendo de defeito ou irregularidade (não ser o alienante titular do domínio, ou carecer do poder legal para alienar), não pode, no caso concreto, realizá-la. Requer-se que o alienante, à época do ato jurídico, tenha a sua qualidade de proprietário inscrita no registro de imóveis. Foi transposta, no particular de aludida redução de prazo, a noção de justo título relacionada ao usucapião decenal, previsto no art. 1.159 do Código Civil itálico.

                        Acrescente-se também que, para fins de união de posses no usucapião ordinário, o art. 1.243 da Lei 10.406, bem mais preciso em sua redação do que o legislador de 1916 (art. 552), exigiu, além do caráter contínuo e pacífico, a existência de justo título e boa-fé.

                        Foi incorporado ao texto do Código Civil (art. 1.239, caput) o instituto do usucapião especial rural, adotando o legislador, quase com as mesmas palavras, o art. 191, caput, da Lei Maior[22].

                        Igualmente, fora praticamente repetida a redação do art. 183, §§1o e 2o, da Norma Ápice, com relação ao usucapião especial urbano, conforme o art. 1.240, §§1o e 2o, da Lei 10.406/02.

                        No que toca ao usucapião especial urbano, em situação de vanguarda, que não pode aqui deixar de ser referida, encontra-se o Estatuto da Cidade. De fato, o seu art. 9o, §3o, dispõe ser possível que o herdeiro legítimo continue, de pleno direito, a posse de seu antecessor, bastando que, ao instante da abertura da sucessão, já resida no imóvel. Desfez, dessa maneira, a dúvida que atormentava os estudiosos que se debruçavam sobre a matéria, cuja maioria se posicionava com restrições à soma das posses nos casos de sucessor a título universal ou singular.

                        Percebe-se, no caso do sucessor a título singular, que o cenário legislativo  consolida a tendência contrária à adição das posses.

                        Avanço maior foi legado pelo Estatuto da Cidade, ao instituir, com vistas a sanar o grave problema habitacional nas cidades, o usucapião especial urbano coletivo, dispondo, para tanto, no seu art. 10, caput: “As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.

                        Os pontos marcantes do novo instituto podem ser, a vol d`oiseau,  assim enumerados: a) ao identificar o seu destinatário, serviu-se o legislador do vocábulo “população”, a exprimir a idéia de que a ocupação deve ocorrer por um conjunto considerável de pessoas; b) incide sobre imóvel urbano, podendo a sua extensão ultrapassar o limite de duzentos e cinqüenta metros quadrados, previsto no art. 183, caput, da CF; c) ausência da possibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor, tanto que, ao declarar a aquisição do domínio, a sentença atribuirá aos possuidores, independente da área que ocupem, frações ideais do imóvel usucapido, salvo acordo em contrário dos usucapientes, formando-se condomínio especial indivisível, a ser desfeito apenas por decisão de dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior (art. 10, §§ 3o e 4o, Lei 10.257/01); d) configura, a exemplo da motivação sufragada pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao art. 183, caput, da CF, direito novo, de modo que o lustro prescricional haverá de ter por dies a quo a data de 10-10-02, que assinalou a vigência do Estatuto da Cidade[23]; e) ser possível, nos casos de sucessão a título universal ou a título singular, a soma das posses, desde que ambas sejam contínuas ( art. 10, § 1o, Lei 10.257/01)[24].

                        Outro surpreendente progresso emanado da legislação extravagante, cuja omissão neste trabalho seria imperdoável, constitui-se na concessão de uso especial de bem público urbano, para fins de moradia, criada pela MP 2.220, de 04-09-01, cujo mérito está em  regularizar a ocupação, para fins habitacionais, de imóveis integrantes do patrimônio disponível da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que fora, de forma insensata, suprimido pela Constituição de 1988, ao peremptoriamente vedar o acesso ao usucapião (art. 183, §3o, CF).

                        Não obstante a concessão de uso de bem público constituir, a princípio, figura de que se ocupa o direito administrativo, os seus requisitos são basicamente os mesmos do usucapião especial urbano, admitida a sua forma coletiva. Pode ser obtida mediante procedimento administrativo, ou, caso haja recusa ou omissão do Poder Público, por sentença judicial. Extingue-se quando o concessionário der ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou sua família, ou adquirir a propriedade ou concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural.

                        Importante salientar que, na disciplina da aquisição da propriedade imobiliária por ato inter vivos, restou mantida a tradição germânica, que influenciara o legislador de 1916 (art. 531 e seguintes), no sentido de que o negócio jurídico, isoladamente, não traz a força geratriz da propriedade, sendo indispensável o registro (não mais se utiliza a palavra transcrição) do título translativo no ofício imobiliário[25].

                        Não deve passar despercebido que o art. 1.276, a exemplo do art. 589 do diploma pretérito, contempla, de modo mais simplista, a perda da propriedade de imóvel urbano quando o proprietário abandoná-lo, com a intenção de não mais conservá-lo em seu patrimônio, podendo, caso não esteja na posse de outrem, ser arrecadado como bem vago, e passar, apôs três anos, ao domínio do Município ou Distrito Federal. Tratando-se de imóvel rural, passará, três anos depois de sua arrecadação, à propriedade da União. Inseriu-se aqui uma presunção absoluta de abandono, ocorrente quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais incidentes sobre o bem (art. 1.276, §2o).

                        Praticamente foram mantidas as linhas básicas já existentes quanto à aquisição imobiliária pela acessão natural, de que são exemplos a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e  o álveo abandonado.

                        Diferenças são trazidas com a nova disciplina inerente às construções e plantações. Na hipótese de edificação ou plantação em terreno alheio a regra de que o construtor ou plantador perde as sementes, plantas ou construções, em proveito do proprietário, ressalvado o direito de indenização em caso de boa-fé, é relativizada pelo art. 1.255, parágrafo único. Excedendo a construção ou plantação, de modo considerável, o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou construiu, adquirirá a propriedade do solo, bastando, para tanto, realizar o pagamento de indenização fixada em juízo, à falta de acordo.

                        Diz mais o art. 1.258. Se a construção, erguida parcialmente em solo próprio, invadir solo de terceiro em proporção não superior à vigésima parte deste, o construtor de boa-fé adquirirá a propriedade do terreno invadido, caso a estimativa da parte construída seja superior à do terreno, devendo efetuar o pagamento de indenização, a qual deverá ser capaz de ressarcir tanto a importância da área perdida quanto a desvalorização do remanescente. Na hipótese de má-fé, ajunta o parágrafo único do preceito acima que a aquisição da parte invadida está subordinada: a) ao pagamento do décuplo do valor que seria devido pelo possuidor de boa-fé; b) a que o valor da construção exceda consideravelmente o da vigésima parte do bem invadido; c) a não possibilidade de demolição da parte invasora sem grave prejuízo para a construção.

                        Dispõe, por seu turno, o art. 1.259 que, excedendo-se a invasão além da vigésima parte do imóvel esbulhado, o construtor de boa-fé adquirirá o domínio da fração invadida, contanto que efetue o pagamento de ressarcimento que abranja o valor que o apossamento indevido acresceu à edificação, o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente. Verificada má-fé, há a obrigação de demolir-se o que se construiu, com o pagamento em dobro de perdas e danos.

                        Em comentário a tais disposições, acentua Luiz Roldão de Freitas Gomes: “Com respeito à construção parcialmente erguida em solo alheio, a parte de se reclamar a distinção entre a boa e má fé, por parte do construtor, não se deixou de reconhecer o valor social das edificações, que jamais serão demolidas nem a restrição que deve sofrer quem não exerce oportunamente o seu direito de domínio, não embargando a construção invasora”[26].

                        No que diz respeito ao Capítulo V, do Título III, dedicado aos direitos de vizinhança, o Código Civil acrescentou poucas mudanças[27]. Logo após reproduzir a mensagem consagrada no art. 554 do diploma anterior, aludindo a interferências prejudiciais, especificou, no parágrafo único do seu art. 1.277, que, na apreciação destas, devem ser levadas em consideração a natureza da utilização, a localização do prédio, as normas que distribuem as edificações em zonas e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

                        Da mesma forma, permite, no art. 1.278, sejam suportadas as interferências quando forem justificadas por interesse público, devendo o seu causador pagar ao vizinho indenização cabal.

                        Acrescente-se ainda as seguintes particularidades: a) a disciplina, nos arts. 1.286 e 1.287, da passagem de cabos e tubulações; b) no que toca à construção de janelas, o art. 1.301, §1o , amenizando a proibição do art. 573 do Código Civil anterior, permite, nalguns casos, a abertura de janelas com a distância de setenta e cinco centímetros da linha divisória; c) não será permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento, ou deslocamento de terra, ou de comprometer a segurança do prédio vizinho, a não ser depois de haverem sido realizadas as obras acautelatórias, fazendo o vizinho prejudicado jus a ressarcimento se, mesmo assim, vier a sofrer prejuízos (art. 1.311); d) o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, a fim de temporariamente usá-lo, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução, ou limpeza de sua casa ou do muro divisório, bem assim para apoderar-se de coisas suas, inclusive de animais que aí se encontrem casualmente, sendo, se for o caso, devida indenização ao prejudicado (art. 1.313).

                        Quanto à aquisição da propriedade móvel, foram mantidas as linhas mestras quanto à ocupação, ao achado de tesouro, à especificação, à confusão, à comistão e à adjunção.

                        Quanto à tradição, modificação de destaque está em ressalva aposta à regra de que, uma vez efetuada por quem não é dono, não haveria a alienação. Segundo o art. 1.268, afigura-se a traditio válida na hipótese de coisa ofertada ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, caso as circunstâncias do negócio sejam tais que, tanto ao adquirente de boa-fé como a qualquer pessoa, o alienante se apresente como proprietário.

                        A invenção, mantida sob a denominação de descoberta, passou a ostentar as seguintes  novidades: a) a recompensa, cuja determinação passa a obedecer a critério de ordem objetiva (esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou legítimo possuidor, as possibilidades que este teria para encontrar a coisa e a situação econômica de ambos), não poderá ser inferior a cinco por cento do valor do objeto perdido (art. 1.234); b) ao invés da dispendiosa expedição de editais, a ser somente determinada quando o eqüivalente pecuniário da coisa justificar, a autoridade competente poderá dar conhecimento da descoberta mediante notícias na imprensa ou outros meios de informação (art. 1.236); c) o prazo para a realização de hasta pública, caso não venha o dono a aparecer, fora reduzido para sessenta dias, contados da divulgação da notícia pela imprensa, ou publicação do edital, passando o resultado líquido da arrematação a pertencer ao Município em cujos limites territoriais fora descoberto o bem perdido, o qual poderá abandoná-lo se de diminuto valor (art. 1.237, e parágrafo único).

                        A regência da propriedade dos direitos autorais e programas de computador, qualificados como móveis, continua entregue à legislação especial (Leis 9.609/98 e 9.610/98), dela não se ocupando o Código Civil.

                        Incorporou-se ao macrossistema o instituto da promessa de compra e venda de imóveis, outrora regulado em leis esparsas (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766/79). Nos termos do art. 1.417, o compromisso de compra e venda, celebrado por instrumento público ou particular, desde que não pactuado arrependimento, e registrado no cartório imobiliário competente, confere ao promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Daí que este poderá exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos forem cedidos, a outorga da escritura definitiva e, havendo recusa, fica aquele habilitado a postular em juízo a adjudicação do imóvel[28].

                        Sucedeu aqui o inverso do fenômeno, retratado por António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro[29], como sendo uma das questões solucionadas pelo surgimento, na França de 1804, do movimento codificador, qual seja a adaptação dos institutos a novas realidades.

                        Olvidou-se, no curso legislativo do projeto, a larga transformação pela qual passara o sistema jurídico brasileiro nas últimas três décadas do século recém findo, máxime a partir da renovação de pensamento que acompanhou a doutrina e jurisprudência posterior à Constituição de 1988.

                        Isso é explicável tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça, atento à informalidade cada vez mais crescente na sociedade quanto à compra e venda de imóveis, produziu sensível reviravolta, aprovando a Súmula 84: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”[30].

Afastou, portanto, a orientação da Súmula 621, que exigia o registro da promessa de compra e venda para a ação de embargos de terceiro, aforada pelo promitente comprador, visando liberar o imóvel objeto daquela de constrição em execução promovida contra o promitente vendedor.

                        Na esteira do novo excerto sumular, o Superior Tribunal de Justiça propendeu, de forma tranqüila e torrencial, por entender dispensado, para fins de adjudicação compulsória, o registro do instrumento, público ou particular, de compromisso de compra e venda[31].

                        Essa tendência também impregnou a legislação especial, prescrevendo o art. 48 do Código de Defesa do Consumidor: “As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às  relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos”. Este comando implicara, como uma de suas importantes conseqüências, o reconhecimento do contrato preliminar como negócio jurídico, de maneira que o seu descumprimento comporta execução específica, afastada, como regra, a condenação em perdas e danos[32], sem fazer qualquer menção ao seu registro.

                        Para evitar retrocesso, já que o art. 1.417 condiciona a adjudicação compulsória à falta de cláusula de arrependimento e ao registro da promessa, a melhor solução recai na adoção do art. 48 do CDC às relações de consumo, remanescendo a incidência do Código Civil às demais relações negociais. Por exemplo, a promessa de compra e venda firmada com incorporadora há de subsumir-se às normas protetivas dos liames entre consumidores e fornecedores[33]. É a aplicação da regra da especialidade, com vistas a desfazer as antinomias do ordenamento jurídico.

                        Também procurando conjurar possível atraso, a Jornada de Direito Civil, antes referida, alvitrou exegese na tentativa de conciliar a disciplina da adjudicação compulsória com a notável evolução jurisprudencial que sofrera nos últimos anos, formulando o Enunciado 95: “ O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ)”.

                        A Lei 10.406/02 agregou ao seu texto a propriedade fiduciária, a representar, como diz o seu art. 1.361, o domínio resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com a finalidade de garantia, transfere ao credor. Com isso, ficam revogadas as disposições  do art. 66 da Lei 4.728/65 e o Decreto-lei 911/69, relativas à disciplina dos aspectos substantivos do instituto.

                        As alterações não quebrantaram os traços fundamentais do instituto. Acresceu-se que aquele não recairia sobre todas as coisas móveis, mas somente as que sejam infungíveis, secundando, a esse respeito, entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, para fins de uniformidade interpretativa da lei federal, assentou o seu não cabimento sobre coisas fungíveis[34]. O credor permanecera com domínio sob condição resolutiva e a posse indireta do bem, reservando-se ao devedor a posse direta e a qualidade de depositário, com a especificação, pelo art. 1.363, dos encargos de: a) empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza; b) entregá-la ao credor, se a dívida não for saldada no vencimento.

                        Manteve-se a possibilidade de venda, judicial ou não, da coisa pelo credor, cujo resultado será aplicado na quitação do débito, mais despesas de cobrança, com a entrega do saldo, se houver, ao devedor.

                        A constituição da propriedade fiduciária -  expressa-se o art. 1.361, §1o - dar-se-á com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, no registro de títulos e documentos, dispensado este quando se tratar de veículos, em que será suficiente o registro na repartição competente para o licenciamento.

                        O texto, na sua literalidade, parece reputar o registro como essencial ao negócio jurídico criador da propriedade fiduciária, superando, ao primeiro súbito de olhos, o engenho jurisprudencial cristalizado na Súmula 92 – STJ, a não reputar o registro na repartição de trânsito como requisito de validade do contrato, mas apenas como necessário para que fosse oponível a terceiros de boa-fé. Penso, no entanto, que a questão não está encerrada com o novel comando legal, devendo comportar maior aclaramento dos tribunais.

                        Malgrado manter o Código Civil a nulidade da cláusula que autorizar o credor fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, caso o débito não seja pago no vencimento, permitiu-se, ao invés, que o devedor fiduciante transfira, em benefício daquele, o seu direito sobre a coisa em pagamento da dívida, desde que vencida esta (art. 1.365, parágrafo único).

                        Cuidou também o Código Civil do condomínio edilício, revogando, de conseguinte, o Título I da Lei 4.591, de 16-12-64. Eis, com rapidez, os sinais inovadores mais perceptíveis, quais sejam a: a) indicação não definitiva das partes suscetíveis de utilização independente e das partes comuns (art. 1.331, §§1o e 2o); b) diferença entre a instituição do condomínio, a ocorrer por ato inter vivos ou testamento, registrado no cartório de registro de imóveis (art. 1.332, I e II) e sua constituição, através de convenção de condomínio, subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais, com posterior registro no ofício imobiliário, para validade contra terceiros (art. 1.333 e parágrafo único); c) enumeração dos direitos (art. 1.335, I a III) e dos deveres  (art. 1.336, I, II e III) dos condôminos, não ficando excluída a possibilidade de sua extensão pelo regimento interno; d) a redução para dois por cento do limite da multa pelo atraso no pagamento das contribuições, bem como a possibilidade de fixação de alíquota de juros moratórios em patamar mensal superior a um por cento (art. 1.336, §1o); e) possibilidade do ato constitutivo ou da convenção cominar multa pelo não cumprimento dos deveres legais, limitada a cinco vezes o valor das contribuições mensais, independente de perdas e danos (art. 1.336, §2o); e) previsão de multa para os condôminos que, de forma reiterada, não observarem os seus deveres, aplicada mediante deliberação de três quartos dos condôminos (art. 1.337 e parágrafo único); f) preempção em favor do condômino na locação para  abrigo de veículos (art. 1.338); g) previsão legal de quorum para deliberações, tais como o de dois terços para realização de obras voluptuárias pelo condomínio; ou da maioria para a realização de benfeitorias úteis (art. 1.341, I e II); ou da unanimidade, para a construção de outro pavimento, ou de outro edifício, a fim de abrigar novas unidades imobiliárias (art.1.343); o de dois terços para a alteração da convenção e do regimento interno (art. 1.352) e, para as demais deliberações que não exijam quorum especial, demandar-se-á, em primeira convocação, maioria de votos, presentes pelo menos a metade das frações ideais e, em segunda convocação, a maioria dos votos dos presentes (arts. 1.352 e 1353); h) possibilidade do síndico, ou, em caso de omissão deste, qualquer condômino, realizar obras ou reparações necessárias urgentes, independente de qualquer autorização (art. 1.341, §§1o a 4o); i) disposição em lei da maneira de escolha do síndico e respectivas atribuições (arts. 1.347 a 1.350 e 1.355), sem prejuízo, quanto à última parte, da atuação supletiva de convenção ou do regimento interno; j) possibilidade de instituição de conselho fiscal, constituído de três pessoas, para apreciar as contas do síndico (art. 1.366).

 

4.      Direito de superfície.[35]

 

                        Não poderia deixar de analisar, mesmo rapidamente, aquela que foi uma das mudanças mais marcantes no Livro III, dedicado ao direito das coisas, embora não se localize nos Títulos I e III, onde são abordados os instituto da posse e da propriedade, configurando-se, ao invés, como direito real sobre coisa alheia, qual seja o instituto do direito de superfície.

                        Pode ser conceituado, na feliz síntese de Alberto Trabucchi[36], como um direito incidente sobre um bem imóvel, independente do direito do solo sobre o qual é exercido. Tem como efeito excepcionar o brocardo latino quod solo inaedificatur solo cedit, consoante o qual tudo aquilo que é construído sobre o solo acede a este.

                        A origem do instituto recua às fontes romanas. De fato, Paul Jörs[37] noticia que os romanos nominaram superficies como o direito, transmissível por herança, de conservar por longo tempo sobre um terreno alheio uma construção, realizada pelo superficiário, inicialmente concedido, quase que exclusivamente, pelos municípios[38], em troca do pagamento de uma pensão (solarium), passando, num momento posterior, a ser também utilizado pelos particulares, na qualidade de arrendadores de terrenos em edificação. Ainda segundo o autor, o caráter real da superfície tivera o seu reconhecimento no período clássico, tributado ao labor dos pretores, através da concessão, em proveito do superficiário, de interdito especial de proteção contra perturbações ou violações de terceiros, sem prejuízo de outras ações[39].

                        Também é da época clássica a continuidade da evolução da superfície como direito real, com a admissão de que o superficiário pudesse alienar seu direito, juntamente com a concessão, a exemplo da propriedade, das actiones utiles para a defesa daquele[40].

                        Prosseguiu a superfície durante a Idade Média, com sua utilização para fins agrícolas, sendo estimulada sobre a propriedade eclesiástica, tanto no escopo de legitimar as construções sobre os seus terrenos quanto para torná-las produtivas, sem perder-se de vista o influxo do antigo direito germânico, a mais valorar o trabalho do construtor do que o direito do proprietário do solo.

                        O Código Civil francês de 1804, marcado pelas idéias do movimento liberal de 1789, não mais contemplou a superfície, dada a ligação desta com as classes favorecidas pelo Ancien Régime. O mesmo ocorreu com os códigos italiano de 1865 e espanhol de 1889, expressando a sua não consagração em sede legal o pendor que acompanhara a 1ª codificação.

                        O ressurgimento ocorrera, em 1896, com o BGB (§§ 1.012 a 1.017, substituídos pela Lei de 04 de março de 1919), estando prevista nos atuais estatutos civis itálico (arts. 952 a 956), lusitano (arts. 1.524o a 1.542o) e do Québec (arts. 1.009 e 1.011).

                        Entre nós, o direito de superfície, aplicável pela dilação da vigência das Ordenações Filipinas, ex vi da Lei de 20 de outubro de 1823, teve sua extinção com a Lei 1.257, de 24 de setembro de 1864.

                        O retorno do instituto às nossas plagas, devido à excessiva demora na promulgação do tão esperado Código Civil em comento, adveio com o Estatuto da Cidade, mais precisamente com seus arts. 21 a 24.

                        O primeiro problema que assoma é o de saber se tais dispositivos da Lei 10.257/01 foram ou não ab-rogados pelo macrossistema da Lei 10.406/02. A resposta é afirmativa[41].

                        O apelo à opinião contrária, em virtude do critério da especialidade, tendo em vista que o primeiro dos diplomas se refere aos terrenos urbanos, não se sustenta. É que o Código Civil, desde a sua gestação, vocacionava-se ao trato da matéria como um todo, tanto que aludira, no seu art. 1.369, a superfície como abrangente do direito de construir, utilidade conatural aos terrenos citadinos.

                        Esse entendimento não conflita com o aqui exposto quanto ao usucapião especial urbano, onde se pode inferir a aplicação do art. 9o, §3o, da Lei 10.257/01, que dispõe sobre a possibilidade de soma de posses de diferentes possuidores. A não revogação desse dispositivo pelo Código Civil se justifica pela circunstância de que tanto este quanto o Estatuto da Cidade não regularam de maneira diversa os requisitos do instituto, os quais foram e continuam sendo estabelecidos pelo art. 183 da Constituição, situação não verificada quanto ao direito de superfície.

                        Feita essa advertência, passo à análise dos dispositivos que regem a matéria. O art. 1.369, ao moldar a definição do instituto de que se ocupa, dita que o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno por tempo determinado, o que se dá mediante escritura pública, registrada no cartório de registro de imóveis[42]. De logo, a primeira inovação quanto ao Estatuto da Cidade, cujo art. 21, caput, fala da concessão da superfície por tempo indeterminado.

                        Em seguida, o art. 1.369, no seu parágrafo único, restringe o direito de superfície a realização de obras no solo, mais uma vez revogando a disciplina da Lei 10.257/01 (art. 21, §1o), a dispor diferentemente[43].

                        A outorga da superfície poderá ser gratuita ou onerosa. Preferida esta, toca às partes estipularem se o pagamento será feito de uma só vez, ou em parcelas.

                        Nos termos do art. 1.371, o superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Demais da impropriedade da lei ordinária para reger o assunto, em face do art. 146, III, alínea a, da Lei Básica, o preceito é desnecessário, já que o art. 29 e 32, ambos do Código Tributário Nacional, reportam-se, ao gizarem as hipóteses de incidência dos impostos sobre as propriedades rural e urbana, à posse, atributo de que goza o superficiário.

                        O direito de superfície é transferível por atos inter vivos ou causa mortis. Não se descurar que, na alienação do imóvel ou do direito de superfície, ao superficiário ou proprietário será assegurado, em igualdade de condições, direito de preferência, de natureza real. Desrespeitada a preempção (que tem feição real e não pessoal), dá-se azo à possibilidade de o interessado acorrer a juízo, para a obtenção do domínio sobre o imóvel, ou da superfície.

                        A extinção do direito ocorrerá com o transcurso do prazo pelo qual fora concedido. Antes da expiração deste, poderá operar-se a sua resolução caso o superficiário dê ao terreno destino diverso ao convencionado.

                        Dá-se também a extinção do direito de superfície com a desapropriação, devendo a indenização ser partilhada entre proprietário e superficiário, na conformidade do valor correspondente ao direito de cada um.

                        Extinta a concessão, volve ao proprietário o domínio pleno do imóvel, incluídas as construções e plantações, sem qualquer indenização, salvo se contrário o ajustado.

                        O direito de superfície, quando outorgado por pessoa jurídica de direito público interno, reger-se-á pelo Código Civil, ressalvada a edição posterior de leis específicas.

                        Decorrência da consagração do direito de superfície fora a vedação à constituição de novas enfiteuses[44] e subenfiteuses, mantendo-se incólumes as existentes, as quais seguirão o disposto no Código Civil de 1916, estando interditada a: a) cobrança de laudêmios, ou prestação análoga, nas transmissões dos bens aforados, cuja base dimensível venha a projetar-se sobre o valor das construções ou plantações; b) constituição de subenfiteuse.

                        A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos continuará regulada por lei especial, in casu o Decreto-lei 9.760/46 e a Lei 9.636/98.

 

Artigo retirado do site: http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina180.doc



* Texto de exposição realizada durante o Seminário “Grandes Temas Jurídicos: O Novo Código Civil”, no dia 14 de junho de 2002, com pequenos acréscimos, tecidos em decorrência de sua adaptação a palesta proferida no Simpósio Norte-Riograndense de Direito Civil, no dia 25 de outubro de 2002.

** Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Especialização em Direito Administrativo da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e da Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Norte - ESMARN. Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito do Recife – UFPE. Juiz Federal, exercendo a jurisdição perante a Seção Judiciária do Rio Grande do Norte.

[1] Ao largo da escolha legislativa, a doutrina italiana não dispensara na caracterização da posse o elemento intencional, havendo Chiara Tenella Sillani afirmado: “Se bem que o legislador de 42 não fizesse expressa referência ao requisito intencional, este resulta na prática constantemente utilizado, sobretudo para distinguir a posse da detenção ( ou do poder de fato meramente tolerado), e para considerar continuada a posse também na falta de concretas manifestações de exercício”. (Benché il legislatore del’42 non faccia espresso riferimento al requisito intenzionale, esso risulta nella pratica costantemente utilizzato soprattutto per distinguere il possesso dalla detenzione (o dal potere di fatto meramente tollerato), e per considerare continuato il possesso pur in mancanza di concrete manifestazioni di esercizio). (Possesso e detenzione. In: Digesto delle discipline privatistiche, sezione civile. 14ª ed. Turim: UTET, 1993, v. XIV, p. 15). Nesse diapasão, Alberto Trabucchi (Instituciones de Derecho Civil. Tradução: Luis Martínez-Calcerrada. Madri: Editorial Revista de Direito Privado, 1967. v. I, p. 451) defende que o animus, quer o de agir como proprietário, ou por outro título, como o do usufrutuário, enfiteuta etc., é decisivo para o discrímen entre as figuras do possuidor e do detentor.

[2] Inovações principais do novo Código Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 796, p. 53-54, fev. de 2002. Não se pode desconhecer propensão doutrinária a reputar a posse como lídimo direito real, como se pode observar das penas de Álvaro Moreira e Carlos Fraga: “É – o – um direito real – e não um direito relativo, porque é um direito absoluto, com eficácia “erga omnes”, o que confere um poder sobre a coisa – tem, portanto, as notas específicas dos direitos reais” (Direitos reais. Coimbra: Almedina, 1970. p. 128). Concluem pela adicional nota de direito real provisório, porquanto a sua proteção somente atua enquanto não for definitivamente apurado quem é o autêntico titular do direito real sobre a coisa. 

[3] Esse ponto mereceu o aplauso de Jackson Rocha Guimarães (O Projeto do Código Civil e o direito das coisas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 22, p. 75-76, out. de 1974), ao declarar que assim agindo se robustece a coerência com a teoria de Ihering, ad instar do que acontece com o § 856 do BGB.

[4] Esse não constitui o exemplo do Código Civil de Portugal. Este diploma, de forma minudente, no Livro III, Título I, Capítulo V, arts. 1.276º a 1.286º, regula a defesa da posse em juízo.

[5] Diversamente, colhe-se do art. 1.278º do Código Civil lusitano. Em Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 11 a 13 de setembro do corrente ano, sob o patrocínio do Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado 79: “ A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias títpicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”.

[6] Sobre o tema, consultar José Guilherme Braga Teixeira (A exceção de domínio no juízo possessório e o Projeto 634 – B, de 1975, de Código Civil Brasileiro. Revista de Direito Civil, São Paulo, n. 35, p. 213-218, jan./mar. 1986), ao salientar que a consagração da exceção de domínio desfiguraria a teoria objetiva, acolhida quanto à determinação do conceito de posse. Somente a título ilustrativo, adiante-se que o julgado constante do RESP 32.467 – MG (STJ, 4ª T., ac. un., rel. Min. Dias Trindade, DJU de 19-09-94, p. 24.697) deixou bem claro que a Lei 6.820/80, ao alterar o art. 923 do CPC, enfaticamente proibiu a discussão de domínio na seara possessória. 

[7] O Projeto do Código Civil e o direito das coisas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 22, p. 74-75, out. de 1974.

[8] “La funzione sociale della proprietà si rifletterebbe, quindi, sulla determinazione dei comportamenti possibili; il proprietario non può essere considerato arbitro assoluto delle scelte relative alla utilizzazione del bene”. (Proprietà(Tutela Costituzionale). In: Digesto delle discipline privatistiche, sezione civile. 14ª ed. Turim: UTET, 1993, v. XV, p. 459).

[9] ‘è da considerare meritevole e legittimo quello che, oltre a realizzare il suo interesse, realizza contemporaneamente le esigenze di socialità indicate dalla Costituzione”. (idem, ib., p. 459). O desenvolvimento pelo qual passou a propriedade, partindo do seu caráter absoluto até o estádio de direito-função, foi objeto de excelente comentário de Francesco Messineo (Manuale di Diritto Civile e Commerciale. 9 ed. revista e atualizada. Milão: Dott. A. Guiffrè Editore, 1965. p. 303-306 e 313-317).  

[10] Diferentemente da mutação acolhida na nova legislação civil brasileira, mais precisamente no referido art. 1.228, §1o, grande parcela dos códigos continuaram a contemplar o direito de propriedade como direito subjetivo sem a necessidade da satisfação de uma missão social. Basta, para tanto, que se proceda à leitura dos arts. 544 do Código Civil francês, 348 do Código Civil espanhol, 832 do Código Civil italiano, do 1.305º do Código Civil de Portugal e, mais recentemente, do art. 947 do Código Civil do Québec.   

[11] Anteriormente, o art. 186, II, da CF, relativo à missão social da propriedade rural, aludira à utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente.

[12] “Il proprietario non può fare atti i quali non abbiano altro scopo che quello di nuocere o recare molestia ad altri”.

[13] Esse ponto de vista é esposado por Dilvanir José da Costa (Inovações principais do novo Código Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 796, p. 54, fevereiro de 2002), ao falar em desapropriação no interior  de ações reivindicatórias. Jackon Rocha Guimarães (O Projeto do Código Civil e o direito das coisas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 22, p. 74-75, out. de 1974) também vislumbra desapropriação, manifestando-se, em contenda instalada entre Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Reale, em defesa do entendimento do primeiro, ao asseverar a inconstitucionalidade do dispositivo, por acrescentar, fora dos parâmetros da Lei Fundamental, mais uma hipótese expropriatória. Pela conformidade do novo instituto com a Lei Magna foi a conclusão da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, sendo aprovado o Enunciado 82. Infelizmente, idêntico conclave, no Enunciado 83, propendeu por exonerar o Poder Público, quando remisso em utilizar o seu patrimônio devoluto, da medida em comento.

[14] Quanto aos imóveis rurais, deve-se inferir por extensa área aquelas que superem, nos termos do art. 4º, III, da Lei 8.629/93, o teto de quinze módulos fiscais.

[15] Aliás, com relação às desapropriações ordinárias por interesse social, a Lei 4.132/62 já havia gizado hipótese similar, ao prever, no seu art. 2º, IV, revestir-se de interesse social “a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famílias”.

[16] Observe-se, em reforço, que, ao tratar da perda de imóvel rural por abandono, o Código Civil (art. 1.276, §2º) prevê a sua passagem ao acervo dominial da União.

[17] Maiores esclarecimentos, consultar Caio Tácito (O direito de propriedade e o desenvolvimento urbano. In:  Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), Rio de Janeiro, Renovar, 1997. v. 1, p. 583) e José Marcelo Ferreira Costa (Solo criado: aspectos jurídicos do direito de propriedade e do direito a edificar. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 785, p. 80-81 e 84, mar. de 2001). Merece atenção, a respeito, o disposto na espanhola Ley 6, de 13 de abril de 1998, disciplinadora do regime do solo, ao estatuir, no seu art. 2º, que as faculdades urbanísticas do proprietário se exercerão sempre dentro dos limites, e com o cumprimento dos deveres legais, ou resultantes do planejamento urbano, fundado na classificação dos imóveis, não resultando da atividade ordenadora do uso dos terrenos e das construções direito à indenização 

[18] O art. 216, V, da Lei Fundamental, considera os sítios de valor arqueológico e paleontológico como integrantes do patrimônio cultural brasileiro. Vide também a Lei 3.924, de 30-12-61, que dispõe sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos.

[19] Os arts. 1.260 a 1.262 da Lei 10.406/02 mantiveram íntegra a disciplina antecedente em sede de usucapião de móveis. Abstraindo a querela filológica, sindicável através do confronto das lições de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio Eletrônico, versão 2.0, Editora Nova Fronteira, 1996), que considera o vocábulo usucapião como sendo de gênero feminino, de Caldas Aulete (Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa, vol. 5, 3ª ed., Editora Delta, 1980, p. 3.732-3), ao visualizá-lo como do gênero masculino e de Antônio Houaiss (Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, 2001), que o reputa como substantivo de dois gêneros, utilizaremos, no curso da abordagem, o vocábulo usucapião, derivado do latim usucapio, como substantivo masculino, prestigiando assim a escolha do legislador quando da nomenclatura da Seção IV, Capítulo II, do Título II, do Código Civil de 1916, nada obstante a preferência pelo gênero feminino haver sido sufragada pela superveniente Lei nº 6.969/81 (arts. 2º, 3º e 7º), bem como pelo novo Código Civil, no Título III, Capítulo II, Seção I e pelos arts. 9º a 14 da Lei 10.257/01.

[20] Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. Tomo XI, p. 143), Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. IV, p. 129-130), San Thiago Dantas (Programa de Direito Civil. 2ª ed. Editora Rio: Rio de Janeiro, 1981. v. III, p. 159), José Carlos de Moraes Sales (Usucapião. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.  93-99), Darcy Bessone (Direito reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 171), Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. v. III, p. 154) e José Ernani de Carvalho Pacheco (Usucapião. 10ª ed. Curitiba: Paraná, 1998. p. 23). Diversamente, Maria Helena Diniz (Curso de direito civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1987. v. 4, p. 121) e Carlos Alberto Bittar (Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 88) requeriam, para fins de usucapião ordinário, que o justo título tivesse sido objeto de transcrição.

[21] 3ª T., mv, RESP 32.972 - SP, rel. desig. Min. Nilson Naves, DJU de 10-0696, p. 20.230.

[22] O art. 1.159 – bis do Código Civil italiano também trouxe a lume o usucapião especial, cujo objeto é representado pela pequena propriedade rural, exigindo o prazo de quinze anos, reduzido para cinco anos na hipótese do interessado contar com justo título, devidamente transcrito.

[23] 1ª T., ac. un., RE 145.004, rel. Octávio Gallotti, DJU de 13-12-96, p. 50.180.

[24] Isso sem contar que o Estatuto da Cidade, frente à Lei 6.969/81, aparelhou  o instituto com importante disposição de cunho  processual, consubstanciada na legitimação, na qualidade de substituto processual, das associações de moradores da comunidade, regularmente constituída, desde que explicitamente autorizada pelos representados (art. 12, III, Lei 10.257/01).   

[25] Em escrito coevo da tramitação parlamentar do anteprojeto, Afrânio de Carvalho (O Anteprojeto de Código Civil e o registro de imóveis. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 280, p. 25-30, out./dez. 1982) aparelha inúmeras críticas à nova disciplina proposta ao assunto, dentre as quais, com muita propriedade, o abandono  de dispositivo semelhante ao art. 532 do Código Civil de 1916, ao trazer sentido aperfeiçoamento ao sistema de registro imobiliário, consistente na atração das transmissões causa mortis e por ato judicial, a concretizar o princípio da continuidade mediante a formação das cadeias dominiais sem rupturas.

[26] Notas sobre o “direito das coisas” no Projeto do Código Civil. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 71, jan./mar. 2000.

[27] A importância da regulamentação do direito de vizinhança tem sido tamanha que o Estatuto da Cidade (arts. 36 a 38) prevê o estudo de impacto de vizinhança (EIV) como condição para o licenciamento de construções.

[28] Tais efeitos coexistem com o instituto do contrato preliminar, de que se ocuparam os arts. 462 a 466.

[29] Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2000. Tomo I, p. 69-70.

[30] Dentre os precedentes que deram origem à Súmula 84 – STJ, merecem atenta leitura o RESP 188 – PR (4ª T., mv, rel. Min. Bueno de Souza, LEX JSTJ e TRF 03/112-125) e o RESP 1.172 – SP (4ª T., ac. un., rel. Min. Athos Carneiro, LEX JSTJ e TRF 13/67).

[31] 3ª T., ac. un., RESP 247.344 – MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 16-04-01, p. 107; 3ª T., ac. un., RESP 203.581 – SP,  rel. Min. Carlos Alberto Direito, DJU de 08-03-2000, p. 107; 4ª T., RESP 237.098 – SP, ac. un., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 28-02-00, p. 089; 4ª T., ac. un., RESP 64.457 – RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 09-12-97, p. 64.706. Ajunte-se que tais precedentes desaguaram na Súmula 239 – STJ: “ O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

[32] Francisco Cavalcanti (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1991, p. 108) se manifesta no sentido de que o art. 48 do CDC equipara o pré-contrato ao contrato propriamente dito, possibilitando a execução da obrigação de fazer na forma do art. 84 do mesmo diploma e dos arts. 632 e seguintes do CPC. Já Nelson Nery Júnior (Da proteção contratual. In: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Ada Pellegrini Grinover (et alli). 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 323) entende que a execução específica a que se refere o art. 48 do CDC é a prevista no seu art. 84 e não a regulada pelo CPC.

[33] O RESP 299.445 – PR (STJ, 4ª T., ac. un., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 20-0801, p. 477) deixa inconteste que a promessa de compra e venda de imóvel, firmada com empresa imobiliária, está submetida à regência do Código de Defesa do Consumidor.

[34] 4ª T., ac. un., RESP 145.596 – SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 26-10-98, p. 122; 4ª T., ac. un., RESP 194.731 – MT, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU de 21-06-99, p. 165; 3ª T., ac. un., RESP 81.799 – RS, rel. Min. Nilson Naves, DJU de 27-05-96, p. 17.869.

[35] Na literatura patrial sobre direito de superfície, destaca-se o excelente estudo de Ricardo Cesar Pereira Lira (O moderno direito de superfície. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, v. 35, p. 3-98, 1979). Ainda podem ser citados os ensaios de Márcio Klang (O direito de superfície e a questão habitacional brasileira, Revista Forense, v. 280, p. 518-520, jan./mar. 1983), Frederico Bittencourt (Direito real de superfície. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 272, p. 402-410, out./dez. 1980), de Rosane Abreu Gonçalves Pinto (O direito real de superfície e a sistemática de novo Código Civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 775, p.79-95, maio de 2000), bem como trabalho sob a coordenação de Fernando Dias Menezes de Almeida e Odete Medauar (Estatuto da Cidade – comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 111-125).

[36] Instituciones de Derecho Civil. Tradução: Luis Martínez-Calcerrada. Madri: Editorial Revista de Direito Privado, 1967, p. 491.

[37] Derecho Privado Romano. 2ª ed. Tradução: L. Prieto Castro. Barcelona: Editorial Labor S. A., 1937. p. 217-218.

[38] A origem estatal da superfície é ratificada por Paul Frédéric Girard (Manuel Élémentaire de Droit Romain. 5ª ed. Paris: Arthur Rousseau, Éditeur, 1944. p. 384), ao remontar aos usos do Estado que, ao depois do direito comum, tornara-se proprietário das construções erigidas pelos particulares sobre o solo público, procedendo a aluguel mediante o pagamento de uma renda.

[39] Era o interdito de superficiebus.

[40] Aponta Adalício Nogueira (Introdução ao Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1971. 2o v., p. 114) que a consolidação da superfície como autêntico direito real ocorrera no direito justinianeu.

[41] Assim não prevaleceu na Jornada de Direito Civil, onde, com apertada maioria, aprovou-se o Enunciado 93: “ As normas previstas no Código Civil, regulando o direito de superfície, não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano”.

[42] O art. 1.528o do Código Civil português fala ainda em testamento e no usucapião.

[43] Idêntica orientação é a do art. 1.533o, do Código Civil lusitânico, ao proclamar: “O uso e a fruição do subsolo pertencem ao proprietário; este é, porém, responsável pelos prejuízos causados ao superficiário em conseqüência da exploração que dele fizer”. Já o art. 955 do Código Civil italiano permite a extensão do direito de superfície quanto ao subsolo.

[44] Sem dúvida que o direito de superfície guarda semelhança com a enfiteuse, mas com esta não se confunde. Como principais diferenças, pode-se apontar: a) a superfície é concedida por ato inter vivos, enquanto que o art. 678 do Código Civil de 1916 faz remissão também a atos de última vontade; b) a enfiteuse é perpétua, não se confundido com tempo indeterminado, concebido em outros ordenamentos para o direito de superfície, o qual poderá ser resolvido por outras causas, como é o caso do direito português (art. 1.536o, n. 1); c) na superfície não há pagamento de laudêmio quando o senhorio não se valer do direito de preempção, como dispõe o art. 685 do Código Civil de 1916 quanto à enfiteuse; e) a superfície implica o direito a coisa própria em bem alheio, enquanto a enfiteuse importa no domínio útil sobre todo o imóvel; f) diversamente da enfiteuse – anota José Carlos Moreira Alves (Direito Romano. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. I, p. 384), ao investigar o esplendor da obra jurídica atribuída aos romanos – para a superfície não era essencial o pagamento de uma pensão anual, nota ainda presente na atualidade, com o art. 678, parte final, do Código Civil de 1916, ao contemplar o senhorio com a prestação, pelo enfiteuta, de uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.