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26.12.03 - Valor
Econômico A
atual Constituição Federal mudou a estrutura
jurídico-desportiva
nacional
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Às vésperas de completar um
ano de vigência do novo Código Civil brasileiro,
permanecem algumas dúvidas sobre seu raio de
abrangência, em especial sobre os clubes
desportivos, constituídos sob a forma de
associações (sociedades civis sem ou com fins
econômicos). Em outras palavras: deverão as
entidades esportivas adaptar seus documentos
societários ao novo regramento até 11 de janeiro
próximo? Definitivamente, a resposta é não. O
questionamento refere-se ao teor dos artigos 59,
2.031 e 2.033 do novo código. A indagação que se
faz é se esses dispositivos, conquanto imperativos
legais, são válidos ou não para as associações
desportivas de modo geral. As entidades
desportivas têm regime organizativo e funcional
especial, como determina a Constituição Federal
(artigo 217, inciso I). O artigo 59 do Código
Civil, aplicável a todas as associações como norma
geral, reza: "Compete privativamente à assembléia
geral: I - eleger os administradores; II -
destituir os administradores; III - aprovar as
contas; IV - alterar o estatuto. Parágrafo único:
Para as deliberações a que se referem os incisos
II e IV é exigido o voto concorde de dois terços
dos presentes à assembléia especialmente convocada
para esse fim, não podendo ela deliberar, em
primeira convocação, sem a maioria absoluta dos
associados, ou com menos de um terço nas
convocações seguintes." Já o artigo 2.031
prescreve: "As associações, sociedades e
fundações, constituídas na forma das leis
anteriores, terão o prazo de um ano para se
adaptarem às disposições deste Código, a partir de
sua vigência; igual prazo é concedido aos
empresários." E o artigo 2.033 determina: "Salvo o
disposto em lei especial, as modificações dos atos
constitutivos das pessoas jurídicas referidas no
artigo 44, bem como a sua transformação,
incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo
por este código."
Os três artigos da lei
não se aplicam às entidades de prática desportiva,
que gozam de autonomia peculiar
No meu
entender, os três artigos do Código Civil não se
aplicam às entidades de prática desportiva, que
gozam de autonomia peculiar conferida pela
Constituição Federal, para definir suas
organizações e funcionamento. Vejamos o que afirma
o artigo 217, inciso I da Constituição: "É dever
do Estado fomentar práticas desportivas formais e
não formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas
dirigentes e associações, quanto à sua organização
e funcionamento." "Organização" e
"funcionamento", sabem todos que participaram,
como nós, da inserção constitucional do esporte,
são expressões que somente podem ser entendidas
como organização e funcionamento internos e
especiais, exigindo norma peculiar, e jamais sua
nivelação à organização e funcionamento de todas
as demais entidades não esportivas. Aliás, a
expressão "internos" existia no texto
constitucional antes da revisão da comissão de
sistematização que a suprimiu, pois, por óbvio,
seria uma redundância falar em "sua" e "interno"
ao mesmo tempo. É, portanto, absolutamente
inquestionável que a autonomia de organização e
funcionamento das associações desportivas diz
respeito a algo diferente daquela autonomia
própria das associações em geral. Não é por outra
razão que as entidades esportivas têm, em seus
estatutos, a previsão de que seus associados
elegem seus conselhos e, estes, elegem seus
dirigentes, reformam os estatutos e aprovam as
contas. É importante destacar que a Constituição
Federal está em nível hierárquico superior ao
Código Civil, não importando se ela é datada de 5
de outubro de 1988 e o Código Civil é de 10 de
janeiro de 2002. E a norma especial para as
associações desportivas, constante do artigo 217
da Constituição, não pode ser revogada por norma
geral. A matéria, conquanto ainda de forma
inicial, já foi apreciada no Agravo de Instrumento
nº 293.980-4/0, de relatoria do desembargador J.
Roberto Bedran, do Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP): "O artigo 59 do novo Código Civil
não leva à convicção certa e induvidosa de que a
eleição dos dirigentes de associações e clubes
desportivos, em assembléia geral, respeitados os
princípios constitucionais da autonomia de
organização e funcionamento (artigo 217, inciso I
da Constituição Federal) e da liberdade de
associação (artigo 5º, inciso XVII da Constituição
Federal), só possa ser a direta, pelos próprios
sócios, e não a indireta, em dois ou mais
pleitos." Outra prova de que este entendimento
está correto foi a eleição, recentemente, para a
presidência do Santos Futebol Clube, precedida de
reforma em seus estatutos sem observância do
quanto disposto no artigo 59 do Código Civil, o
que foi objeto de questionamento judicial, porém
repelido duas vezes pelo desembargador Morato de
Andrade, seja no Agravo de Instrumento nº
322.990-4/1, seja na Ação Cautelar Inominada, de
caráter incidental, nº 333.006-4/6, e uma vez pelo
desembargador Theodoro Guimarães no Agravo de
Instrumento nº 329.611-4/2. No Brasil, a
prática desportiva e sua respectiva organização,
ao contrário de outros países, tem uma autonomia
muito maior, principalmente no que se refere à
prática profissional. Embora no passado tenha
existido um sistema com um órgão que enfeixava
poderes quase que absolutos na seara desportiva, o
extinto Conselho Nacional de Desportos, a atual
Constituição Federal mudou significativamente a
estrutura jurídico-desportiva nacional, abolindo
velhos conceitos intervencionistas. Portanto, a
visualização do desporto deve partir destas
premissas constitucionais. E as agremiações devem
continuar sendo regidas pelo disposto no artigo
217 de nossa Constituição. Esse é o nosso
entendimento, que vem sendo agasalhado pelo Poder
Judiciário e pelos doutrinadores, como os
eminentes professores Miguel Reale e Ives Gandra
da Silva Martins. Carlos Miguel C. Aidar é
advogado, sócio do escritório Felsberg, Pedretti,
Mannrich e Aidar, especialista em direito
desportivo e presidente da seccional paulista da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
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