A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO NOVO CÓDIGO CIVIL

 

 

 

Inacio de Carvalho Neto

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito pela Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá. Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo-USP. Professor de Direito Civil da Unifil, da Escola do Ministério Público e da Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor de diversos livros jurídicos, entre outros, Novo Código Civil comparado e comentado, em 7 volumes, em co-autoria com Érika Harumi Fugie, ed. Juruá, e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

E-mail do autor: inaciocarvalho@onda.com.br.

 

 

1. Intróito

 

O capítulo do novo Código Civil mais alterado, no âmbito do Direito das Sucessões, foi, sem dúvida, aquele que trata da sucessão do cônjuge e do companheiro.

 

Este trabalho tem, então, o objetivo de enfocar essas alterações, dando noções do direito que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003.

 

2. Sucessão e meação

 

Em primeiro lugar, convém distinguir sucessão de meação de bens.

 

A meação, instituto de Direito de Família, refere-se ao regime de bens. Sendo o regime do casamento ou da união estável[1] o da comunhão (universal ou parcial, ou até mesmo o novo regime da participação final nos aqüestos), terá o sobrevivo, por ocasião da morte do consorte[2], direito à partilha dos bens comuns. Tem-se, aí, meação.

 

A sucessão, no entanto, independe do regime de bens. É deferida ao cônjuge ou companheiro por força de seu status de consorte.

 

Na meação, os bens já pertencem ao sobrevivo, embora eventualmente estejam em nome do falecido. Já na sucessão não, os bens pertenciam ao de cujus[3], sendo-lhe deferida a título de transmissão gratuita causa mortis.

 

3. A sucessão do cônjuge no Código de 1916

 

O Código Civil de 1916 tratou o cônjuge em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária[4] (art. 1.603). Consagrou aí já um avanço em relação ao direito anterior, que tratava o cônjuge em quarto lugar na ordem, após os colaterais, sendo que estes herdavam até o 10º. grau[5].

 

O cônjuge, ademais, não estava arrolado entre os herdeiros necessários (art. 1.721). Isto significa dizer que o de cujus podia afastá-lo livremente da sucessão, apenas dispondo de todos os seus bens em favor de terceiros em testamento.

 

4. O Estatuto da Mulher Casada

 

Para obviar algumas situações extremas, em que o cônjuge poderia ficar completamente desassistido após a morte do seu consorte, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62) criou o usufruto vidual e o direito real de habitação, inserindo-os, respectivamente, nos §§ 1º. e 2º. do art. 1.611 do Código Civil de 1916.

 

Usufruto vidual é o direito que se dava ao cônjuge viúvo, se o regime de bens não era o da comunhão universal, enquanto durasse a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houvesse filhos, ou à metade, se não houvesse filhos.

 

Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único imóvel a inventariar.

 

5. A sucessão do companheiro

 

Somente em 1994, por meio da Lei nº. 8.971/94, reconheceu-se direito sucessório aos companheiros.

 

O art. 2º. desta lei dizia que as pessoas referidas no artigo anterior, ou seja, as que vivam com pessoa solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, participariam da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: o(a) companheiro(a) sobrevivente teria direito enquanto não constituísse nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houvesse filhos deste ou comuns; ao usufruto da metade dos bens, se não houvesse filhos, embora sobrevivessem ascendentes; na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente teria direito à totalidade da herança.

 

Estabeleceu-se, aí, portanto, direito sucessório e direito ao usufruto vidual, em condições muito semelhantes às dos cônjuges.

 

Completando tal disposição, o art. 7º., parágrafo único, da Lei nº. 9.278/96, dava ao companheiro o direito real de habitação, também em condições muito parecidas com as dos cônjuges.

 

Estava assim completada a igualdade de tratamento entre cônjuges e companheiros em termos de direitos sucessórios.

 

6. O novo Código Civil

 

O novo Código Civil (Lei nº. 10.406/02) inova profundamente a matéria relativa à sucessão do cônjuge e do companheiro. Foi esta, certamente, a maior alteração feita pelo novo Código em matéria de Direito das Sucessões.

 

Melhorou muito o novo Código, como veremos, a situação do cônjuge. Quanto ao companheiro, em parte acompanhando as inovações em relação ao cônjuge, também recolhe melhoramentos. Mas naquilo que se distanciou da sucessão do cônjuge, foi efetivamente um desastre a regulação da matéria.

 

A primeira crítica a se fazer ao novo Código é o tratamento distinto da questão. Não havia razão para diferenciar cônjuge e companheiro no trato da matéria sucessória, sobretudo porque a igualdade já tinha sido alcançada anteriormente[6].

 

Ademais, também é criticável o fato de o novo legislador ter regulado a sucessão do companheiro no capítulo das disposições gerais da sucessão em geral (Capítulo I do Título I do Livro V da Parte Especial), enquanto que a sucessão do cônjuge é corretamente tratada no capítulo da ordem de vocação hereditária, que se coloca no âmbito da sucessão legítima (Capítulo I do Título II). Isto só se explica pelo fato de que o Projeto original não se referia ao companheiro, tendo sido o tema acrescentado, sem muito cuidado, em revisão no Congresso, por meio de Emenda apresentada em 1984[7] pelo saudoso Senador Nelson Carneiro.

 

7. A sucessão do cônjuge no novo Código

 

A sucessão do cônjuge, como já dissemos, sofreu profunda modificação no novo Código.

 

A primeira alteração importante foi a colocação do cônjuge como herdeiro também nas duas primeiras classes preferenciais, em concorrência, portanto, com os descendentes e os ascendentes[8]. É, com efeito, o que dispõe o art. 1.829:

 

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais”.

 

Tal disposição substitui o usufruto vidual, e com grandes vantagens, pois agora o cônjuge tem, não apenas o usufruto, mas direito a parte da herança. Mas é bom se recordar que tal inovação só se aplica às sucessões abertas após a vigência do novo Código, ou seja, se o de cujus faleceu após 11 de janeiro de 2003.

 

Pela nova disposição legal, o cônjuge herda juntamente com os descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens[9], ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares[10]. Ou seja, herda o cônjuge se for casado com regime de separação total de bens, participação final nos aqüestos ou, não havendo bens particulares, comunhão parcial de bens[11].

 

O pressuposto da lei para a limitação quanto ao regime é de que, havendo comunhão ilimitada (que é evidenciada no regime de comunhão universal – embora neste também haja bens excluídos da comunhão – e no regime de comunhão parcial em que não haja bens particulares do de cujus), não tem o cônjuge necessidade de concorrer à sucessão com os descendentes[12]. Esqueceu-se o legislador, contudo, de que também no regime de participação final nos aqüestos pode haver comunhão ilimitada[13].

 

Nos termos do art. 1.832, caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Então, se houver mais de quatro descendentes concorrendo por cabeça, não haverá igualdade de quinhões. O cônjuge herdará uma quarta parte, sendo as três restantes divididas por cabeça entre os descendentes. Note-se que isto só ocorrerá se o cônjuge for ascendente de todos os herdeiros com que concorrem[14]. Havendo herdeiros não descendentes seus (ainda que em concorrência com outros descendentes), sua cota será sempre igual à deles.

 

Em segundo lugar, herdam os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Aqui a lei não faz distinção quanto ao regime de bens do casamento; em qualquer regime o cônjuge tem direito à concorrência na sucessão. Nos termos do art. 1.837, concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; mas lhe caberá a metade da herança se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. Ou seja, se o de cujus tiver pai e mãe vivos, o cônjuge herdará um terço. Se só tiver pai ou só tiver mãe, o cônjuge herdará metade, cabendo ao ascendente sobrevivo a outra metade. Se não tiver pai nem mãe, também o cônjuge herdará metade, devendo a outra metade ser dividida igualmente por todos os ascendentes sobrevivos que estiverem no mesmo grau (avós, bisavós etc.).

 

Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente (art. 1.838), como já se dava no sistema passado.

 

Mantém o novo Código o direito real de habitação no art. 1.831, estendendo-o a qualquer regime de bens. Não repetiu o novo Código a expressão “enquanto viver e permanecer viúvo”. Obviamente o direito só existe enquanto viver o cônjuge, não sendo transmissível com sua morte. Quanto à exigência de que permaneça viúvo, parece-nos revogada, embora seja criticável a nova disposição legal, em face do caráter assistencial do instituto. É inconveniente que o imóvel permaneça gravado, onerando o herdeiro em benefício do cônjuge que já se casou de novo e que, provavelmente, não necessita mais do benefício.

 

O novo Código acresce também uma restrição para o cônjuge no art. 1.830: seu direito sucessório se encerra não apenas com a dissolução da sociedade conjugal, como no Código anterior (art. 1.611, caput), mas também com a separação de fato por mais de dois anos. Trata-se, a nosso ver, de inovação inadequada, tendo em vista que a separação de fato não extingue a sociedade conjugal, não devendo ser causa de extinção dos direitos conjugais. Mas pode o cônjuge provar que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente[15].

 

Por fim, cabe referir uma outra alteração importante no tocante à sucessão do cônjuge: passa ele a ser considerado herdeiro necessário (art. 1.845). Isto significa dizer que o cônjuge não pode mais ser afastado da sucessão por mero capricho do de cujus, simplesmente testando em favor de terceiro. Somente por meio da deserdação poderá o testador afastar seu cônjuge da sucessão.

 

Mas aqui também reside o maior defeito do novo Código nesse campo: embora o cônjuge passe a ser herdeiro necessário, não cuida o novo diploma da sua deserdação. Com efeito, embora o art. 1.961 preveja a deserdação dos herdeiros necessários (aí incluído o cônjuge) e os dois artigos seguintes tratem, respectivamente, das causas de deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes por seus descendentes, não há no novo Código dispositivo que preveja as causas de deserdação do cônjuge[16].

 

Não sendo possível a aplicação da analogia em matéria restritiva de direito, a omissão da lei fica sem qualquer possibilidade de solução, até porque as hipóteses de deserdação tratadas na lei não seriam mesmo aplicáveis aos cônjuges[17]. Assim, até que se supra tal omissão, o cônjuge, embora herdeiro necessário, não pode ser deserdado.

 

8. A sucessão do companheiro no novo Código

 

Assim como em relação ao cônjuge, também a sucessão do companheiro sofreu profundas alterações no novo Código. Algumas positivas, justamente as que seguiram a linha da sucessão do cônjuge; outras, todavia, extremamente negativas, verdadeiros retrocessos na sucessão do companheiro.

 

A começar pelo local em que a matéria foi tratada (art. 1.790[18]), no capítulo I (Disposições gerais) do título I (Da sucessão em geral), fora, portanto, do capítulo referente à ordem de vocação hereditária (capítulo I do título II), e, sobretudo, distanciado da sucessão do cônjuge, o que é absolutamente injustificável. Nada impediria que o novo Código tratasse a matéria em conjunto com o cônjuge, simplesmente acrescendo a referência ao companheiro nos arts. 1.829 a 1.832 e 1.836 a 1.839. Mas este é um defeito de somenos importância, se comparado aos demais que daqui por diante se analisarão.

 

Em primeiro lugar, limita o art. 1.790 a sucessão aos bens adquiridos na vigência da união estável[19]. Esse fato mostra a confusão que o legislador fez entre sucessão e meação. Veja-se o absurdo desta regra: não tendo o de cujus deixado nenhum outro herdeiro sucessível, o companheiro recolherá todos os bens adquiridos na constância da união a título oneroso, e os demais bens serão considerados vacantes, passando ao domínio da Fazenda Pública. Não obstante a confusão, prevalece ainda a distinção, já que o art. 1.725 é claro em falar do regime de bens na união estável. Não vemos incompatibilidade entre as duas disposições. Nada impede que o companheiro tenha direito à meação e à herança. Mas esta será sempre[20] sobre os bens adquiridos na constância da união a título oneroso. Luiz Felipe Brasil SANTOS dá claro exemplo do absurdo desta regra:

“Basta imaginar a situação de um casal, que conviva há mais de 20 anos, residindo em imóvel de propriedade do varão, adquirido antes do início da relação, e não existindo descendentes nem ascendentes. Vindo a falecer o proprietário do bem, a companheira não terá direito à meação e nada herdará. Assim, não lhe sendo mais reconhecido o direito real de habitação nem o usufruto, restar-lhe-á o caminho do asilo, enquanto o imóvel ficará como herança jacente, tocando ao ente público”[21].

Na disposição do inciso I, concorrendo o(a) companheiro(a) com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à de cada um destes[22]. Assim, a herança, excluída a meação, será dividida em tantas partes quantos sejam os filhos comuns, mais uma. Exemplificando: havendo três filhos comuns, a herança, excluída a meação, dividir-se-á em quatro partes iguais, ficando cada filho com uma parte e o(a) companheiro(a) com uma parte. Também não refere o dispositivo à possibilidade de ser outro o regime da união, com base no art. 1.725[23], quando então haverá distinção em relação ao cônjuge, tendo em vista que, para este, o art. 1.829, inciso I, faz discriminação de acordo com o regime de bens.

 

Entretanto, havendo bens adquiridos na constância da união e bens não comuns, esta divisão igualitária só se aplica aos primeiros; os demais bens serão divididos exclusivamente aos filhos.

 

Não estabelece aqui a nova lei o mínimo de um quarto da herança ao companheiro, estabelecendo assim mais uma injustificável distinção entre a sucessão do companheiro e a sucessão do cônjuge (art. 1.832).

 

Pela disposição do inciso II, se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocará ao(à) companheiro(a) a metade do que couber a cada um daqueles. Neste caso, então, havendo, por exemplo, dois filhos somente do de cujus, os bens comuns serão divididos em duas partes e meia, ficando cada filho com uma parte e o(a) companheiro(a) com meia parte. Os bens não comuns serão integralmente divididos entre os filhos do de cujus.

 

Dificuldade pode se colocar quando houver filhos comuns e não comuns. Ter-se-ia, neste caso, que conjugar as disposições dos incisos I e II do art. 1.790, ou seja, ao(à) companheiro(a) caberia cota equivalente à dos filhos comuns e que fosse, ao mesmo tempo, de metade do que coubesse aos filhos não comuns. Ocorre, entretanto, que eles são incompatíveis entre si, em vista da necessidade de igualdade de quinhões entre os filhos. Se o filho comum A recebe x e o filho não comum B recebe também x, como poderia o companheiro receber o mesmo que A (x) e a metade de B (x/2)? Parece-nos prevalecer, neste caso, a regra do inciso I, dividindo-se igualmente a herança por todos[24].

 

Diz o inciso III do art. 1.790 que, se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. Trata-se de mais uma injustificável discriminação do companheiro em relação ao cônjuge, e, mais ainda, uma injustificável redução no direito hereditário do companheiro. Com efeito, neste inciso, o companheiro é preterido inclusive pelos colaterais, o que é um grande absurdo. Somente não havendo colaterais, recolherá o companheiro a totalidade da herança[25], assim como ocorre com o cônjuge.

 

Tendo em vista o absurdo de tais disposições, o Projeto o 6.960/02, do Deputado Ricardo Fiúza, pretende alterar significativamente este dispositivo, sob o correto argumento de que “o art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor - Leis nºs. 8.971/94 e 9.278/96”, passando a constar:

“Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I - em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);

II - em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III - em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

Preserva, contudo, o texto projetado a discriminação em relação ao cônjuge. O ideal seria simplesmente revogar este artigo 1.790, acrescentando a referência ao companheiro nos dispositivos que se referem à sucessão do cônjuge (notadamente os arts. 1.829, 1.832 e 1.837).

Discutível é a manutenção do direito real de habitação estabelecido para os companheiros no art. 7º., parágrafo único, da Lei nº. 9.278/96 e não repetido pelo novo Código, embora tenham os cônjuges semelhante direito (art. 1.831). Não tendo havido revogação expressa da lei, Sílvio VENOSA defende a manutenção do dispositivo[26]. Embora de lege ferenda pudéssemos concordar com o nobre autor, não nos parece, data venia, que lhe assista razão. A nova lei regula por completo a sucessão do companheiro e, embora possamos ver nisto um grande defeito da lei, o fato é que não lhe concede o direito real de habitação, pelo que nos parece estar tacitamente revogada a Lei da União Estável[27].

 

9. Conclusão

 

Em síntese, segundo nosso entendimento, andou mal o legislador do novo Código no trato da matéria da sucessão do companheiro, seja pela desigualdade de tratamento em relação ao cônjuge, seja pela limitação da sucessão aos bens adquiridos na constância da união, confundindo assim sucessão com meação.

 

Urge a correção dessas disposições, antes mesmo que entre em vigor o novo Código Civil.

 

Quanto ao cônjuge, avançou o legislador no trato da sucessão do cônjuge, podendo-se até mesmo ver exagero nas inovações.

 

10. Referências

 

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: sucessões. 4. ed. Coimbra, 1989.

CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil comparado e comentado: direito de família. Curitiba: Juruá, 2002, v. 6.

___. Novo Código Civil comparado e comentado: direito das sucessões. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 7.

DIAS, Maria Berenice. Ponto-e-vírgula. In: O Estado do Paraná. Curitiba, 27/abr./2003. Caderno Direito e Justiça.

GONTIJO, Segismundo; GONTIJO, Juliana. Sucessão – regras gerais do novo CC. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br>. Acesso em: 04.06.2003.

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Pontuações. In: O Estado do Paraná. Curitiba, 11/maio/2003. Caderno Direito e Justiça.

___. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br>. Acesso em: 04.06.2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Os direitos sucessórios na união estável. In: Jornal Valor Econômico. Seção Legislação & Tributos, 19-21.04.02.



[1] Observe-se que, na união estável, antes da entrada em vigor do novo Código, não se falava propriamente em regime de bens; a Lei nº. 9.278/96 fala em “condomínio”. O novo Código Civil, entretanto, altera isso, passando a presumir o regime de comunhão parcial de bens na união estável (art. 1.725).

[2] Observe-se que a partilha se dá não só em caso de morte, mas em toda dissolução da sociedade conjugal ou da união estável. Aqui, entretanto, nos interessa apenas a hipótese de morte.

[3] A expressão de cujus, de uso corrente em matéria de sucessões, é abreviação da expressão de cujus sucessione agitur, ou seja, refere-se à pessoa “de cuja sucessão se trata”.

[4] Ordem de vocação hereditária é a distribuição, pela lei, dos herdeiros em classes preferenciais.

[5] Nas Ordenações de Portugal dava-se aos colaterais o direito hereditário até o 12º. grau. Vê-se aí o quanto seria improvável a sucessão do cônjuge.

[6] Observe-se não se poder falar propriamente em igualdade constitucional ou equiparação entre o casamento e a união estável. Embora se tratem, ambos, de formas de constituição de família, são formas diferentes. A própria Constituição Federal faz distinção ao mandar à lei facilitar a conversão da união estável em casamento. Tratou, assim, o casamento como forma mais importante. Assim, não há inconstitucionalidade na distinção operada pela lei. No entanto, não há razão lógica para a distinção, sobretudo se considerarmos que a igualdade já havia sido consagrada no direito anterior.

[7] Observe-se que, para a época, tratava-se de um significativo avanço para os então chamados de concubinos, tendo em vista que não se tinha ainda o trato constitucional da união estável como entidade familiar e, sobretudo, não se tinha ainda consagrado qualquer direito sucessório entre companheiros não casados.

[8] Tal regra tem origem no Código Civil português (art. 2.133º.), que enumera as seguintes classes: a) cônjuge e descendentes; b) cônjuge e ascendentes; c) irmãos e seus descendentes; d) outros colaterais até o 4º. grau; e) Estado. Mas nosso dispositivo é mais técnico, enunciando uma classe específica para o cônjuge, ausente no sistema lusitano, o que dá margem às justas críticas da doutrina: “Mas a verdade é que, se não houver ascendentes nem descendentes, não se pode dizer que o cônjuge integra a 1ª. classe sucessória – a pertença à 1ª. classe não pode estar condicionada ao fato de não haver ascendentes, que integram a 2ª. classe. Para melhor esclarecimento sistemático – e sem que isto traga nenhuma discrepância quanto ao regime – melhor fora distinguir três classes sucessórias: 1ª. caracterizada pela concorrência de descendentes, haja ou não cônjuge; 2ª. caracterizada pela presença de ascendentes, haja ou não cônjuge; 3ª. integrada pelo cônjuge somente, pressupondo-se que não concorrem descendentes nem ascendentes” (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: sucessões. 4. ed. Coimbra, 1989, p. 343-344).

[9] Observe-se que a lei faz errônea remissão ao art. 1.640, parágrafo único, sendo que o texto referente ao regime de separação obrigatória está agora no art. 1.641.

[10] DIAS, Maria Berenice (Ponto-e-vírgula. In: O Estado do Paraná. Curitiba, 27/abr./2003. Caderno Direito e Justiça, p. 1) defende a idéia, contrária à defendida no texto, de que o ponto-e-vírgula empregado no dispositivo teria o efeito de alterar o seu sentido. Segundo a autora, “no regime da comunhão parcial há a concorrência ‘se’ o autor da herança não houver deixado bens particulares. A contrario sensu, se deixou bens exclusivos, o cônjuge concorrerá com os descendentes”. Mas, data venia, este entendimento não pode prevalecer. O ponto-e-vírgula empregado no texto não tem o condão de afastar o “salvo se” empregado no texto. O emprego do “ponto-e-vírgula” se explica para evitar a falta de clareza com o emprego de sucessivas vírgulas. É neste sentido também o entendimento de SANTOS, Luiz Felipe Brasil (Pontuações. In: O Estado do Paraná. Curitiba, 11/maio/2003. Caderno Direito e Justiça, p. 1), que, citando gramáticos, diz que “utiliza-se o ponto-e-vírgula ‘para separar as partes, séries ou membros de frases que já estão interiormente separados por vírgula’”. Ademais, como bem lembra também o citado Desembargador, a interpretação finalística também não socorre à douta Desembargadora. É que o intuito do legislador é justamente o contrário daquele defendido pela autora, e justamente no sentido defendido no texto, qual seja: sendo o regime de comunhão parcial de bens, mas não deixando o de cujus bens particulares, o regime é semelhante ao de comunhão universal, em que todos os bens são comuns, pelo que se deve dar igual tratamento, ou seja, não deve haver direito à herança. Já se houver bens particulares, justifica-se o direito sucessório do cônjuge por não participar ele da sucessão sobre todos os bens. Insustentável, portanto, data venia, o entendimento esposado pela nobre autora.

[11] Poder-se-ia discutir se também se aplicaria o dispositivo aos regimes mistos, formados com base no art. 1.639, caput, em que os nubentes, ao invés de escolherem um dos regimes fixados na lei, criam regime novo. Parece-nos, contudo, ser mais conveniente, neste caso, analisar-se o regime criado, estabelecendo uma comparação com os regimes fixados na lei. Regular-se-á a sucessão do cônjuge, neste caso, da forma como seria se o regime fosse aquele previsto em lei que mais se aproxima com o regime criado.

[12] Esta disposição pode gerar situações complexas, bem exemplificadas por CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Curso avançado de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 247-248): “Veja-se que se o casamento tiver sido celebrado pelo regime da comunhão parcial, e o falecido não possuía bens particulares, o viúvo deixa de participar da herança, ressalvado seu direito à meação; mas se o único bem particular, adquirido antes do casamento, for uma linha telefônica, o cônjuge sobrevivente recebe, além da meação que já lhe é destinada, uma parcela sobre todo o acervo, inclusive daquele que é meeiro. E nesta mesma situação com apenas uma linha telefônica adquirida anteriormente ao matrimônio, se o regime adotado for o da comunhão universal, o cônjuge recebe a meação também sobre o telefone, mas fica privado da concorrência na herança sobre a integralidade do acervo hereditário”.

[13] Na verdade a impressão que se tem é que, como este regime foi acrescido no Congresso, esqueceu-se de fazer a atualização devida.

[14] Esta interpretação se tira da expressão “se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”, da parte final do art. 1.832. Com efeito, se nem todos os descendentes forem descendentes do cônjuge sobrevivo, este concorrerá tanto com descendentes seus quanto com descendentes apenas do de cujus, ou seja, não será ascendente dos herdeiros com que concorrer, pelo menos de nem todos eles, pelo que não se lhe reserva a cota mínima de um quarto da herança.

[15] Observe-se que é dele o ônus da prova da ausência de culpa.

[16] Bem por isso o Projeto de Lei nº. 6.960/02, do Deputado Ricardo Fiúza, pretende acrescer o art. 1.963-A, com a seguinte redação: “Art. 1.963-A. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação do cônjuge: I – prática de ato que importe grave violação dos deveres do casamento, ou que determine a perda do poder familiar; II – recusar-se, injustificadamente, a dar alimentos ao outro cônjuge ou aos filhos comuns; III – desamparado do outro cônjuge ou descendente comum com deficiência mental ou grave enfermidade”.

[17] Vide, a propósito, CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil comparado e comentado: direito das sucessões. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, vol. 7, comentários ao art. 1.961, p. 178-179.

[18] “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.

[19] Observe-se que, para se falar em direito sucessório, é necessário estar caracterizada a união estável. Havendo impedimentos matrimoniais, ou não estando caracterizada a relação estável, ou seja, tratando-se de mero concubinato, nos termos do art. 1.727, não se pode falar em direito sucessório.

[20] Ressalve-se a hipótese de haver testamento beneficiando o companheiro, quando então poderá este ser contemplado inclusive com bens anteriores à união. O “sempre” empregado no texto se refere apenas à sucessão legítima.

[21] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br>. Acesso em: 04.06.2003.

[22] A lei fala em “cota equivalente à que por lei for atribuída ao filho”, sendo de se questionar o termo “por lei”, já que, como bem diz VENOSA, Sílvio de Salvo (Op. cit., p. E3), “não há herança que possa ser atribuída sem lei que o permita”. Esta expressão só pode ser entendida como limitando a equivalência à cota do filho na sucessão legítima, o que não leva o companheiro à condição de herdeiro necessário, como pensa o citado autor.

[23] Vide, a propósito, CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil comparado e comentado: direito de família. Curitiba: Juruá, 2002, v. 6, comentários ao art. 1.725, p. 259-260.

[24] No mesmo sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Os direitos sucessórios na união estável. In: Jornal Valor Econômico. Seção Legislação & Tributos, 19-21.04.02, p. E3; SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Op. cit..

[25] Lembrando sempre que a lei limita o direito do companheiro aos bens adquiridos na constância da união e a título oneroso. Embora SANTOS, Luiz Felipe Brasil (A sucessão... cit.,) fale em antinomia entre o caput e o inciso IV, falando em “interpretação construtiva” para entender que, no caso do inciso IV, não haveria o limite aos bens adquiridos na constância da união e a título oneroso, em nosso entender, tal interpretação é inadmissível de lege lata. Embora injusta, não vemos como tirar tal interpretação da lei.

[26] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. E3. Contraditoriamente, afirma o autor estarem revogados os dispositivos da Lei nº. 8.971/94 sobre o direito hereditário do companheiro ou da companheira, por estar a matéria disciplinada no art. 1.790 do novo Código.

[27] Neste sentido: GONTIJO, Segismundo; GONTIJO, Juliana. Sucessão – regras gerais do novo CC. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br>. Acesso em: 04.06.2003.