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Abuso
de direito
Celso Marini
professor de Direito,
mestrando pela Universidade Metodista de Piracicaba, preposto de delegação do
1º Oficial de Notas e Anexos de Registro de Imóveis em Salto (SP)
Na Idade Média, foi formulada
a "teoria dos atos emulativos", segundo a qual, se entendia que
quando no exercício de um direito, alguém de forma maliciosa, intencional,
prejudicava outrem, sem tirar para si qualquer proveito, tinha o dever de reparar
o dano.
Contudo,
tal teoria, deixou de ter relevância, pois foi absorvida pela "teoria do
abuso do direito". Segundo esta última, constitui abuso de direito, o
exercício irregular, portanto anormal, de um direito, causando dano a outrem.
O
grande diferencial entre as duas teorias, é que na primeira a culpa deveria
ficar provada, enquanto na segunda, o simples fato de exceder a pessoa o
exercício de seu direito, causando prejuízo a terceiros, estabelece para ela, o
dever de indenizar os danos causados, independentemente da prova de ter agido
com culpa.
O
exercício irregular, anormal, por conseguinte, abusivo de um direito, seria
aquele exercido por uma pessoa, que desviando da destinação social e econômica,
para qual esse dito direito foi criado, cause eventualmente dano a outrem.
A
responsabilidade pelo abuso de direito, se estabelece, segundo a doutrina, uma
vez que, o exercício do direito, tido como abusivo, é menos útil socialmente,
do que a reparação do dano causado pelo titular deste mesmo direito.
Em
nosso sistema jurídico, o abuso do direito, teve acolhida, segundo está
pacificado na doutrina e jurisprudência, no artigo 160, inciso I, "parte
final", que diz:
"Art. 160. Não
constituem atos ilícitos:
I. Os praticados em legítima
defesa, ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II. ..." (grifo nosso).
A
sustentação da existência dessa teoria, pela doutrina e jurisprudência, no
direito positivo pátrio, dá-se mediante interpretação a contrario sensu do
aludido dispositivo.
Segundo
Carlos Roberto Gonçalves, "se ali esta escrito não constituir ato ilícito
o praticado no exercício regular de um direito reconhecido, é intuitivo que
constitui ato ilícito aquele praticado no exercício irregular ou abusivo de um
direito".
São
exemplos de comportamento abusivo, segundo a doutrina:
"a) matar o gado alheio
que pasta no campo;
b) requerer o credor arresto
de bens que sabia não pertencer ao devedor;
c) requerer busca e
apreensão sem necessidade;
d) requerer falência de
alguém quando as circunstâncias e as relações entre ele e o requerente não o
autorizam;
f) requerer busca e
apreensão preliminar de queixa-crime, por suposta contrafação de patente,
visando eliminar concorrência.
g) revogação, pelo mandante,
de procuração sem nenhuma razão plausível;
h) esgotar o proprietário as
fontes em seu terreno, por mera emulação e em detrimento dos vizinhos;
i) o exercício egoístico,
anormal do direito, sem motivo legítimos;
j) reiteradas purgações de
mora nas ações de despejo por falta de pagamento;
l) oferecer queixa-crime ou
"delatio criminis" contra pessoa sabidamente inocente."
Com
relação ao tema, tem decidido nossos tribunais:
"Evidenciados os
elementos constitutivos do ato ilícito, surgirá a obrigação de indenizar, pouco
importando se o fato danoso viola ou não simultaneamente a lei penal. (RT
509/231)."
"O empregador que
denuncia criminalmente o empregado, atribuindo-lhe crime que atinja a sua honra
e boa fama, responde civilmente pelos prejuízos que causa. O dano moral com
consequências patrimoniais enseja reparação econômica. (RT 521/267)."
"Aquele que foi
absolvido em queixa crime por uso indevido de marca comercial, tem direito de
ser indenizado do que despendeu, para se defender. (RT 554/116)."
"Comete abuso de
direito, que é ato ilícito absoluto, o contraente que, com grave prejuízo ao
outro, exercita de forma irregular o poder de desconstituição unilateral de
contrato por prazo indeterminado. De modo que o comete o cedente que, sem
provar necessidade inadiável, denuncia contrato atípico de cessão de águas, ou
termo do plantio do cessionário, comprometendo-lhe toda a safra com a falta de
irrigação. (JTJ-LEX 148/81)."
Ainda
segundo a melhor doutrina, cinco são as categorias de direitos de prejudicar,
admitidos por exigência da vida social, como corolários dos princípios
protetores da liberdade individual.
Excluem
a ilicitude:
1.
Direito de Concorrência:
Desde
que, competindo de forma lícita, não se pode dizer, que o concorrente mais
afortunado, aja de forma abusiva, pelo simples fato de prejudicar os outros
concorrentes.
2.
direito de defesa:
É
faculdade inerente a pessoa de repelir, pelos meios admitidos em lei, lesão ou
turbação a um bem jurídico seu ou de outrem.
3.
direito de promiscuidade e de vizinhança:
Derivam
da impossibilidade de viver ao lado de alguém, sem de alguma forma lhe impor um
constrangimento, um incômodo.
4.
direito de informação:
É
consequência da liberdade de pensamento e de palavra; é possível, em face dele,
justificar-se o prejuízo a outrem, se o direito lesado, confrontando com aquele
cujo exercício resultou a lesão, se revela menos relevante.
5.
direito de abstenção:
Pode,
de nossa atividade, resultar benefício para outrem, ou, pelo menos, o proveito
indireto de evitar-lhe o prejuízo. Não obstante, é-nos possível abster-nos,
mesmo em detrimento a terceiros, quando não estivermos obrigados, por um princípio
prevalente sobre a liberdade de abster-se, a realizar a atividade proveitosa
para aquele.
No
direito alienígena, a "teoria do abuso do direito" foi largamente
difundida, sendo oportuno comparar a forma que, de acordo com a doutrina e
jurisprudência, ela foi acolhida pelo direito pátrio, e de como a mesma, foi
recepcionada pelo direito estrangeiro.
No
Código Suíço - artigo 2º "parte final" - "O abuso manifesto de
um direito, não goza de nenhuma proteção".
No
Código Civil Português - artigo 334 - "Há abuso de direito, sempre que o
titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos
bons costumes, ou pelo fim econômico ou social desse direito".
No
Código Polonês de Obrigações - artigo 135 - "Aquele que, intencionalmente
ou por negligência, cause dano a outrem no exercício do seu direito, tem de
reparar o dano sempre que exceda os limites fixados pela boa-fé ou pelo objeto
em atenção ao qual esse direito haja sido outorgado".
Para
finalizar é interessante ressaltar que o Projeto de Código Civil de 1.975
(Projeto 634-B), consagrando a teoria do abuso do direito em nosso ordenamento
jurídico, declara em seu artigo 187 que:
"Art. 187. Também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé
ou pelos bons costumes." (grifo nosso).
Contudo,
se não estivesse expressamente previsto no artigo 187 do citado projeto, o
artigo seguinte, repete exatamente a letra da lei prevista atualmente no artigo
160, inciso I.
Por
todo o exposto, em conclusão ao ensaio do estudo ao tema aqui enfocado, tem-se
por conclusão que o abuso do direito tem origem no individualismo do ser humano
em seu aspecto mais egoístico, suas raizes, remontam a própria existência da
humanidade, e provavelmente, quando o abuso de direito, deixar de ser objeto de
controvérsias jurídicas, a humanidade, terá atingido um estágio de evolução tão
diferenciado do que hoje presenciamos, que o direito será sinônimo do justo, em
sua acepção mais ampla. A justiça não necessitará ser imposta, ela será uma
consequência do convívio social.
Bibliografia
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Retirado de: http://www1.jus.com.br