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A
ausência no novo Código Civil
Hélio
Alberto de Oliveira Serra e Navarro, Advogado
Código Civil de 1.916 elencava
entre os absolutamente incapazes os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
Entretanto, tal incapacidade foi abolida pelo novo codex. Tal
modificação tem sentido porque o ausente era absolutamente incapaz de exercer
os atos da vida civil apenas no local onde era domiciliado. Entretanto, como a
declaração de ausência não pressupõe desde logo a morte da pessoa, o ausente
era considerado plenamente capaz de exercer sozinho a sua vida no local onde se
encontrava. A título de esclarecimento: a pessoa residia em São Paulo e de lá
se ausentava, vindo a mudar-se para o Rio de Janeiro sem deixar notícias de seu
paradeiro. Em São Paulo, era considerado absolutamente incapaz para exercer os
atos da vida civil. Entretanto, no Rio de Janeiro, seu novo domicílio era
considerado plenamente capaz.
Para evitar estes tipos de contratempos o legislador entendeu por bem
restringir o rol do artigo 3º do novo Código, deixando de considerar o ausente
como absolutamente incapaz.
Ainda como inovação o legislador retirou a ausência do Direito de Família e a
incluiu entre os capítulos da Parte Geral. Isto porque os efeitos da declaração
da ausência são projetados em todos os demais livros da parte especial.
Pelo novo estatuto legal considera-se ausente pessoa de que deixa o seu
domicílio, sem deixar notícias suas e nem representante ou procurador que
administre os seus bens. Nestes casos, a requerimento do MP ou de outro
interessado, o juiz declarará a ausência e nomeará curador provisório. Depreende-se,
portanto, do artigo 22, que somente no caso do ausente desaparecer sem deixar
mandatário é que o juiz declarará desde logo a ausência. O Código Civil de
1.916 não estabelecia em seus artigos o momento no qual se declarava a ausência
da pessoa desaparecida. Suprindo a omissão o novo Código Civil inovou e deixou
claro que havendo o desaparecimento de alguém, que deixe bens e não deixe
procurador que os administre, poderá o juiz desde logo declarar-lhe a ausência.
O código anterior falava apenas em nomeação de um curador para defender os
interesses do ausente.
"O novo Código Civil inovou e deixou claro que
havendo o desaparecimento de alguém, que deixe bens e não deixe procurador que
os administre, poderá o juiz desde logo declarar-lhe a ausência"
Declarar-se-á também a ausência, e normear-se-á curador, quando o mandatário
nomeado pelo ausente se recusar ou não puder continuar a exercer o mandato ou,
ainda, quando os poderes a ele conferidos forem insuficientes (art. 23).
Duas são as preocupações do legislador: 1) num primeiro momento, preservar os
bens do ausente evitando o seu perecimento, tendo em vista que, quando o
desaparecimento é recente, a probabilidade de morte é pequena e a possibilidade
de retorno é maior; 2) quando a ausência já perdura por bastante tempo a
preocupação do legislador é maior com os herdeiros que com o próprio ausente,
posto que a possibilidade de morte se torna bem maior, e a probabilidade de
volta, bem menor. Neste último caso os herdeiros se tornam proprietários dos
bens deixados pelo ausente.
Levando-se em conta a preocupação do legislador com os bens do ausente de se
destacar que não há porque declarar a ausência de alguém que desaparece sem
deixar patrimônio.
Ao se analisar o tempo que perdura a ausência, três momentos distintos podem
ser destacados, a saber:
1) Curadoria dos bens do ausente: quando o desaparecimento é recente e a
possibilidade de retorno do ausente é, portanto, bem grande, o legislador tem a
preocupação de preservar os bens por ele deixados, evitando a sua deterioração.
Nesta fase o juiz declara a ausência da pessoa e nomeia-lhe curador.
Ao nomear o curador o juiz deve fixar os limites de seus deveres e suas
obrigações (art. 24). Sua incumbência precípua é zelar pela administração e
conservação dos bens do ausente. Esta nomeação deverá respeitar a ordem
previamente estabelecida pelo legislador no artigo 25 do novo Código Civil.
Neste inciso reside outra inovação trazida pelo novo diploma legal: é a
inclusão, no caput do artigo 25, do cônjuge separado de fato há mais de
dois anos antes da declaração da ausência entre as exceções àqueles que seriam
curadores legítimos. O antigo texto legal impedia apenas o cônjuge separado
judicialmente de exercer o munus de curador. Tal inclusão se explica
pela entrada em vigor da Lei 6.515/77 (Lei de Divórcio), que prevê a hipótese
de divórcio direto nos casos em que os cônjuges estejam separados de fato pelo
referido período. Assim, se há a possibilidade de requerimento de divórcio,
seria um contra-senso permitir que uma parte cuidasse dos bens deixados pela
outra.
O mesmo dispositivo legal, adequado à nova realidade do mundo contemporâneo,
foi modificado para conferir aos pais (e não mais ao pai, e em sua falta à mãe)
a curadoria dos bens do ausente. Excluiu-se, outrossim, a preferência
anteriormente conferida aos varões em relação às mulheres. Atualmente todos têm
igualdade de direitos em relação à curadoria dos bens do ausente.
2) Sucessão Provisória: ainda nesta etapa o legislador se preocupa com a
conservação dos bens do ausente, pois existe ainda a remota possibilidade de
que este volte para retomar o que é seu de direito. A preocupação daquele é
voltada mais para os herdeiros e credores e menos para o ausente. No que tange
à sucessão provisória o novo Código Civil reduziu os prazos para o seu
requerimento. Com a sua entrada em vigor basta que decorra um ano da data da
arrecadação dos bens do ausente, ou três anos no caso de haver sido deixado
mandatário constituído, para que os interessados possam requerer a declaração
de ausência e abertura da sucessão provisória do ausente.
A sucessão provisória é requerida como se o ausente estivesse morto,
estabelecendo o legislador um rol de pessoas que têm legitimidade para requerer
a sua abertura. São legítimos interessados:
I) o cônjuge não separado judicialmente. Tem interesse em requerer a abertura
da sucessão para que seu quinhão seja delimitado;
II) os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários. Têm interesse, pois a
decisão que declara a ausência confere a eles o domínio dos bens deixados;
Uma vez imitidos na posse dos bens, os seus herdeiros ficarão responsáveis por
representar o ausente em juízo, tanto em relação às ações em curso, quanto em
relação àquelas que eventualmente vierem a ser propostas contra ele (art. 32).
III) aquele que tenha direito a algum bem do ausente subordinado à sua morte,
como no caso do donatário que recebe uma doação subordinada à condição
suspensiva da morte do doador. Declarada a ausência do doador o donatário
poderá requerer a abertura da sucessão provisória daquele para receber a
propriedade do bem doado;
IV) os credores de obrigações vencidas e não pagas. Com a morte do ausente as
dívidas passam a ser devidas pelos seus herdeiros na proporção de seus
quinhões. Neste caso os credores poderão cobrar os seus créditos dos herdeiros
do ausente.
Vale salientar que mesmo com a abertura da sucessão provisória a probabilidade
de volta do ausente, ainda que remota, existe. Por isso o legislador cercou-se
de diversos cuidados para evitar que os bens por ele deixados desapareçam.
Podemos destacar algumas:
a) a decisão que declarar a ausência só produzirá efeitos após 180 dias da sua
publicação. Trata-se de um prazo suplementar conferido ao ausente, para que
volte e reivindique os seus bens. Entretanto, tão logo transite em julgado a
sentença declaratória de ausência proceder-se-á a abertura de testamento, se
houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se morto fosse o ausente;
b) a partilha dos bens deixados será feita, mas para que os herdeiros entrem na
posse dos bens recebidos deverão prestar garantias, através de penhor (bens
móveis) ou hipoteca (bens imóveis), correspondentes ao valor dos quinhões que
estejam recebendo (art. 30). Entretanto, o art. 30, § 2º atenua esta exigência
permitindo que os ascendentes, descentes e o cônjuge entrem na posse dos
referidos bens, desde que comprovem a qualidade de herdeiros. Aplicar-se-á
o caput deste artigo, por exemplo, em relação aos herdeiros colaterais,
ao Estado, ao Município etc.
Se o herdeiro não tiver condições de prestar a garantia não poderá entrar na
posse dos bens correspondentes ao seu quinhão e estes ficarão sob a
responsabilidade do curador ou de outro herdeiro designado pelo juiz, que
preste a garantia (art. 30, § 1º). Poderá, entretanto, justificando a falta de
condições de prestar a garantia, requerer seja-lhe entregue metade dos frutos e
rendimentos do quinhão que caberia a ele (art. 34).
c) os bens imóveis do ausente não poderão ser vendidos, salvo em caso de desapropriação
pelo poder público ou para evitar que se deteriorem, e também não poderão ser
hipotecados, salvo por determinação judicial (art. 31). Neste aspecto merece
destaque a modificação trazida pelo novo Código Civil. O seu artigo 31 suprimiu
a possibilidade de alienação dos bens do ausente para convertê-los em títulos
da dívida pública. Com a entrada em vigor do novo diploma somente é permitida a
alienação dos bens do ausente em caso de desapropriação e para evitar a sua
ruína. Inovação é a possibilidade de gravar-lhes com a hipoteca, hipótese que
não era prevista anteriormente.
d) a renda produzida pelos bens cabentes aos descendentes, ascendentes e ao
cônjuge, pertencerá a estes. Os demais herdeiros deverão capitalizar metade
destes frutos e rendimentos de acordo com o artigo 29, e prestar contas ao
juízo anualmente (art. 33).
Mesmo procurando preservar ao máximo o patrimônio do ausente
enquanto houver uma possibilidade, ainda que remota, de retorno, estabeleceu-se
no Novo Código Civil uma espécie de punição para o caso deste retornar e
provar-se que a ausência foi voluntária e injustificada. Dispõe parágrafo único
do artigo 33 que neste caso o ausente perderá o direito ao recebimento de sua
parte nos frutos e rendimentos produzidos pelos bens por ele deixados e
arrecadados por seus herdeiros. A preocupação do legislador é clara: evitar que
a pessoa desapareça sem motivo justo e retorne quando quiser, aproveitando-se
da boa-fé dos herdeiros que zelaram pela conservação de seus bens.
"Durante
o período da sucessão provisória ainda é possível que o ausente retorne, quando
em vigência a posse provisória dos herdeiros"
Cumpre salientar, ainda, que durante o período da sucessão provisória ainda é
possível que o ausente retorne, quando em vigência a posse provisória dos
herdeiros. Poderá ser provado, outrossim, que o ausente se encontra vivo.
Nestes casos, todas as vantagens que os herdeiros estiverem auferindo em
relação aos bens do ausente cessam, e este tem o direito de recobrar a posse
dos bens. Ocorre que, até a efetiva entrega destes bens ao ausente, será de
responsabilidade dos herdeiros a sua guarda e manutenção (art. 36).
3) Sucessão Definitiva: seguindo a mesma linha do artigo 26, o legislador
diminui, no artigo 37, o prazo para o requerimento da sucessão definitiva. Com
a entrada em vigor do novo Código Civil, decorridos dez anos do trânsito em julgado
da sentença concessiva da abertura da sucessão provisória, é permitido que os
interessados requeiram a abertura da sucessão definitiva do ausente, bem como o
levantamento das cauções anteriormente prestadas. Tal faculdade será ainda
conferida a eles no caso de se provar que o ausente conta com oitenta anos e há
mais de cinco anos são suas últimas notícias. Nestes casos, o legislador,
supondo certa a sua morte, seja pelo tempo decorrido, seja pela sua idade
avançada, passa a se preocupar somente com o direito dos seus herdeiros e
permite que estes requeiram a conversão da sucessão provisória em definitiva, e
o levantamento das cauções prestadas (art. 38). As demais restrições
impostas em relação aos bens deixados pelo ausente também desaparecem.
Trata-se em verdade de uma sucessão quase definitiva, pois, mesmo que a volta
do ausente seja remotíssima face à enorme probabilidade de morte, ainda existe
uma pequena possibilidade de retorno.
Frente a esta possibilidade o legislador estabeleceu que, caso o ausente ou
algum de seus ascendentes ou descendentes volte nos dez anos subseqüentes ao
trânsito em julgado da sentença que determinou a abertura da sucessão
definitiva terão eles o direito de receber os seus bens no estado em que se
encontrarem, os sub-rogados em seu lugar ou o preço recebido pelos referidos
bens alienados depois daquele tempo (abertura da sucessão definitiva) (art.
39).
Voltando após dez anos da abertura da sucessão definitiva perde o ausente o
direito aos bens, pois a partilha torna-se irrevogável. Não havendo
interessados em requerer a abertura da sucessão definitiva, a teor do artigo
39, § único, os bens arrecadados passarão para o domínio do Município ou do
Distrito Federal, quando localizados nestas circunscrições, ou para o domínio da
União.
Bibliografia.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do
Direito Civil. vol. 1, 18. ed. São Paulo:Saraiva, 2.002.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Parte Geral. vol. 1, 32. ed. São
Paulo: Saraiva, 2.002.
SANTOS, J. M. Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado. v. VI, 9.
ed. Rio de Janeiro:Editora Freitas Bastos, 1978.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. V. 1, 2. ed. São
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Retirado de: http://www.direitonet.com.br