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Notas sobre a alienação fiduciária de bens imóveis
DR. EDUARDO TAKEMI KATAOKA
1. Introdução
A alienação fiduciária tende a tornar-se uma das mais importantes figuras na
prática de financiamento ao consumidor. Pretende-se com este texto analisar
algumas questões concretas que hão de ocorrer no desenrolar do processo de
alienação fiduciária de imóveis em garantia.
Afirma-se que a alienação fiduciária é um processo, pois tem-se aí uma sucessão
de atos com uma unidade teleológica, o que caracteriza-a como tal. Desde a
contratação – talvez mesmo nas tratativas preliminares quando se pensa na
boa-fé pré-contratual que é mister existir – até a sua extinção pelo pagamento
ou pela retomada e venda do bem, o que se vê é uma série de atos que têm a
finalidade de realizar os interesses econômicos dos envolvidos.
O adquirente do bem visa à compra de determinado bem que, caso não houvesse o
mecanismo de financiamento, não conseguiria obter, ou se o fizesse seria com
maiores dificuldades e a prazo mais longo. O financiador faz da alienação
fiduciária, dependendo da posição que ocupe, o seu negócio principal, ou um
modo de realizar as suas vendas. Como será visto, a legitimidade para contratar
a modalidade de alienação fiduciária de que se vai tratar não se limita, no
polo de financiador, às instituições financeiras, como no regime do Decreto-lei
911/69.
Portanto, é nesta linha que se deve interpretar o negócio jurídico. Sempre
pensando-se neste todo econômico, nestas finalidades das partes. Obviamente,
isto, sem descurar-se do valor maior do ordenamento jurídico pátrio que é a
dignidade da pessoa humana. Afinal, a alienação fiduciária na modalidade que se
estuda neste momento é um importante mecanismo de realização de um dos direitos
fundamentais do indivíduo que é a habitação.
Na verdade, a alienação fiduciária de bens imóveis é importante instrumento de
realização da dignidade da pessoa humana, por seu potencial de democratização
do financiamento imobiliário. É de senso comum que os agentes financiadores não
agem por caridade, desejando nas suas operações obter lucro, o que é razoável
no sistema em que se vive na atualidade. Se opta-se por um sistema capitalista,
marcado pela busca de lucro pelos agentes privados como modelo de vida, deve-se
ser coerente com tal escolha.
A alienação fiduciária de bens imóveis, como será visto, facilita imensamente a
retomada do imóvel do devedor inadimplente, o que poderia fazer soar como non
sense a afirmação acima. Mas a realidade é outra, em face da seguinte
consideração: um dos fatores determinantes para a formação da taxa de juros é o
risco. Se o risco de perda para o agente financiador é reduzido,
simultaneamente poder-se-á reduzir a taxa de juros.
Não parece ser razoável pensar que as coisas se passem de modo diferente em uma
lógica de mercado. A menos que o governo intervenha para baixar manu militarae
as taxas, os agentes verificam o interesse em disponibilizar financiamentos e
em que condições. Caso pensem não ser lucrativos os investimentos, simplesmente
destinarão os seus recursos para outros setores. É preciso que valha a pena
para os agentes privados ; e a alienação fiduciária de imóveis auxilia neste
sentido. Uma maior disponibilidade de recursos/taxa de juros mais baixos ajuda
a democratizar a habitação. Aí a relevância para a realização do direito
fundamental à habitação.
Caso o governo intervenha e obrigue os agentes a financiar com alto risco, os
reflexos se darão na taxa de juros – mais elevada – ou na redução dos recursos
para a habitação . E uma menor parcela da população poderá ter acesso ao
financiamento imobiliário.
Não se realiza uma pregação em favor do liberalismo econômico exacerbado nesta
sede, mas simplesmente encara-se o fato de que os agentes do mercado reagem à
realidade contigente de cada momento na sua perseguição à remuneração do seu
engenho.
A alienação fiduciária apresenta, com efeito, inúmeras vantagens (inclusive
para o devedor, o fiduciante, como será visto). Trata-se de instrumento prático
e rápido à disposição dos operadores do Direito que deve ganhar importante
relevância nos próximos anos.
Também pelo fato de qualquer pessoa física ou jurídica poder utiliza-lo para
reforço da garantia geral concretizada no patrimônio do devedor. Vale dizer,
qualquer um poderá contratar a alienação fiduciária, em qualquer dos seus
pólos, isto é, como fiduciante ou como fiduciário. Sem embargo é de se
acreditar
No presente trabalho, não se pretende esgotar o tema, mas simplesmente tratar
de alguns problemas que devem surgir no dia-a-dia dos tribunais. Deixa o autor
as considerações seguintes para o julgamento dos mais doutos.
2. Bens Móveis e bens Imóveis
Dizer que o regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis
restringe-se à da Lei 9.514/97 é uma impropriedade técnica no que diz respeito
à classificação dos bens em móveis e imóveis. Antes de explicar as razões desta
afirmação, permita o leitor uma breve digressão a esta classificação dos bens.
Bens móveis, como regra geral, são aqueles que se podem mover sem prejuízo para
a sua substância. Ao contrário, os bens imóveis como regra geral não se podem
mover sem perda para a sua substância. Este o conceito destas categorias de
bens, que não correspondem inteiramente à sua realidade jurídica. Certos bens
que se podem mover, ou ser movidos, sem detrimento seu podem ser reputados
imóveis. Nem sempre os conceitos jurídicos serão coincidentes com os da
realidade fática .
É o caso dos bens enquadrados na categoria dos imóveis por acessão intelectual.
Tais bens estão previstos no art. 43, III do Código Civil e concretizam-se em
bens móveis por natureza, mas que reputam-se imóveis para todos os efeitos
legais por força da destinação do proprietário. Como se verá, tais bens podem,
quando tratados em conjunto com o solo, suas acessões, etc. ser objeto de
alienação fiduciária em garantia .
3. Objeto da Alienação Fiduciária em Garantia
Segundo o sistema da Lei 9.514/97 , que disciplinou no seu Capítulo II a
alienação fiduciária de coisa imóvel, o negócio de alienação fiduciária é
aquele “pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata
a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa
imóvel”.
Desta conceituação legal, já se podem retirar, no que concerne ao objeto da
alienação fiduciária da Lei, algumas primeiras conclusões. Em primeiro lugar,
que a alienação fiduciária de bens móveis continua a ser regulada pelo
Decreto-lei 911/69. Em segundo lugar, que qualquer coisa imóvel pode ser objeto
de alienação nos moldes da Lei 9.514/97. Contudo, este segundo corolário deve
ser lido cum grano salis.
A categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, abrange todos aqueles que
são empregados no embelezamento, ou na exploração econômica do bem. Tais bens,
contudo, têm natureza de bens móveis, como por exemplo, o trator que o
proprietário usa em sua fazenda, o quadro que o dono do bem pendura na parede,
etc. Tais bens só podem ser objeto da alienação fiduciária, se permanecerem
afetados à exploração (ou embelezamento) do imóvel. Se vistos destacadamente do
imóvel em que estão, devem ser tratados como bens móveis (e por isso uma sua
eventual alienação fiduciária deve ser submetida ao Decreto-lei 911/67). Por
outro lado, se considerados em conjunto com o imóvel por natureza (ou por
acessão física) podem tais bens ser inseridos na avaliação com fulcro de fixar
o valor do imóvel (art. 24, VI da Lei 9.514/97), sendo mister, contudo, que
tais bens constem da descrição do imóvel (art. 24, IV da Lei 9.514/97).
Imagine-se o exemplo de um apartamento que tem como peça de decoração um quadro
de Renoir. Tal bem, por natureza móvel, mas por acessão intelectual imóvel,
possui grande valor econômico. Pode ser interessante para as partes fazer
constar da descrição e da avaliação o preço do quadro. Ou, na hipótese de uma
fazenda, os tratores, insumos, frutos, etc.
Em estreita síntese, os bens móveis por natureza, quando estiverem imobilizados
por acessão (física ou intelectual, sendo certo que a primeira modalidade não
coloca maiores problemas) podem ser objeto de alienação fiduciária em garantia
da Lei 9.514/97. Porém, se vistos separadamente ficam sujeitos à disciplina do
Decreto-lei 911/67 .
4. Direito Real de Hipoteca e Alienação Fiduciária
Uma relevante questão, quanto ao tema em exame, é a de saber se será possível
dar em alienação fiduciária em garantia um imóvel que seja objeto de uma
hipoteca anterior . Para responder a tal questão, impende recorrer aos
princípios gerais dos direitos reais.
A alienação fiduciária de imóveis em garantia insere-se naquela categoria dos
negócios fiduciários, que se caracteriza pelo fato de que os efeitos do negócio
jurídico praticado extrapolam os necessários para cumprir a finalidade desejada
pelas partes. In casu, ocorre uma alienação sendo objetivo das partes a
instauração de uma garantia, ou melhor se diria um reforço na garantia geral
das obrigações. Normalmente quem garante os débitos de uma pessoa é o seu
patrimônio, prevendo o Direito possíveis modelos, de escolha das partes, para
enfatizar a referida garantia genérica. Repare-se, sem embargo, no descompasso
entre tal objetivo e o resultado do negócio jurídico adotado para tanto:
garantia versus alienação. Aqui o enquadramento como negócio fiduciário .
Tem-se uma alienação. A alienação fiduciária nada mais é do que uma cessão da
propriedade com características especiais (notadamente a resolubilidade da
propriedade resultante). Indaga-se: à luz do sistema jurídico pátrio é possível
a cessão de imóvel gravado com um direito real de hipoteca? A resposta é, à
todas as luzes, sim. Desta feita, não se pode negar que um imóvel hipotecado
possa ser objeto de alienação fiduciária em garantia. Apenas uma peculiaridade
surge.
Não se pode esquecer aquelas importantes características dos direitos reais – a
hipoteca é um deles – que são a seqüela e a preferência. Por força da primeira,
o direito real vai aderir à coisa e acompanha-la por todos os seus dias até que
sobrevenha uma causa especial de extinção (e.g. resgate no direito real de
enfiteuse, confusão no usufruto, não uso por prazo fixado em lei na servidão,
pagamento da dívida principal no caso da hipoteca, etc). O direito real adere à
coisa, para usar a imagem romana ut lepra cuti, acompanhando-a. Não se passa de
modo diferente na constituição de alienação fiduciária; quando o fiduciário
(credor) recebe a propriedade do imóvel, recebe-o com todas as suas
vicissitudes, ônus reais, particularidades.
Ou seja, apropria-se o fiduciário do imóvel com a hipoteca. Sujeita-se, por
força da seqüela, aos efeitos da eventual excussão por não pagamento da dívida
principal garantida pela hipoteca. E não terá, sobre o credor hipotecário, que
tem direito ao valor do imóvel, preferência, em face da anterioridade da
inscrição da hipoteca. Apesar de a propriedade ser um direito real mais amplo,
não se pode perder de vista o objetivo que orientou as partes na constituição
do negócio fiduciário.
Uma outra hipótese será a de saber-se da possibilidade de um devedor
(fiduciante) dar um imóvel alienado fiduciariamente em hipoteca. Pensa o autor
que a reposta deve ser afirmativa. Mas o credor hipotecário que recebe a
garantia sofre certas limitações. Apesar de não ser o fiduciante proprietário
do imóvel, ele tem, em certa medida, o direito de dele dispor (como se nota da
faculdade, ainda que controlável pelo fiduciário, do art. 29 da Lei 9.514/97,
em que se autoriza a cessão dos direitos e deveres decorrentes da alienação
fiduciária de imóveis). A regra geral em relação à hipoteca é a de que quem
pode dispor do bem, pode grava-lo com este ônus real de garantia.
A hipótese, em relação ao credor, será análoga à do parágrafo único do art. 756
do Código Civil. O domínio superveniente terá o efeito de aperfeiçoar a
hipoteca, tornando-a passível de excussão. Não poderá o credor fiduciário ser
sujeito aos efeitos da excussão hipotecária se a garantia real do Código Civil
for gravada posteriormente. Não tem, igualmente, qualquer interesse em impedir
que o fiduciante dê o bem em hipoteca. Não sofrerá o fiduciário qualquer efeito
nefasto, pois a hipoteca é ineficaz em relação a ele. Uma vez dada a quitação
da alienação e resolvida a propriedade fiduciária, na forma do art. 25 da Lei
9.514/97, aperfeiçoa-se a hipoteca e passa a sujeitar-se o bem à eventual
excussão por falta de pagamento da dívida hipotecária. Parece isto, ser
corolário dos princípios gerais regentes do setor civilístico dos direitos
reais de garantia.
Diferentemente, deverá ser tratada a hipótese de hipoteca gravada com anuência
do fiduciário. Aí este personagem do drama da alienação fiduciária
sujeitar-se-á aos efeitos da hipoteca. Manifestou ele a sua vontade no sentido
de tacitamente limitar os seus direitos relativos ao imóvel. Nada impede, no
sistema pátrio, que um terceiro grave um bem seu para garantir a dívida de
outrem . Sabia ele que a hipoteca poderia redundar em excussão e ainda assim
concordou com o gravame. Pode ele negar a sua concordância e deixar de sofrer
as conseqüências negativas da hipoteca durante a vigêrncia da propriedade
fiduciária. Mas não poderá, por outro lado, impedir que o fiduciante dê o bem em
garantia sendo certo, sem embargo, que o clássico direito real de garantia é
ineficaz em relação ao fiduciário e inescutível enquanto vigorar a propriedade
fiduciária .
5. Quais as dívidas podem ser garantidas pela alienação fiduciária de imóveis
É de se indagar quais são as obrigações que podem ser garantidas pela alienação
fiduciária de imóveis em garantia. Pensa o autor que apenas as obrigações de
dar; e nem todas elas, mas apenas as pecuniárias. E são, fundamentalmente dois
os argumentos a favor desta opinião.
Em primeiro lugar, a Lei 9.515/97 ordena que as parte expressem no instrumento
do negócio jurídico “a taxa de juros” (art. 24, III). Ora, só se fala de taxa
de juros em dívidas pecuniárias.
Como segundo argumento apresenta-se o fato de que as obrigações de fazer e não
fazer, bem como as demais obrigações de dar sujeitam-se a maiores questões
relativas à liqüidação. Como será visto, o procedimento de consolidação da
propriedade fiduciária, pelo qual o fiduciário deixa de ser proprietário
resolúvel e passa a ter o domínio pleno, passa-se, inteiramente, perante o
registro geral de imóveis. Por conta disso, não se pode entregar a
responsabilidade de uma liqüidação a tal oficial, por se lhe carecerem os meios
técnicos para tanto.
Desta forma, e por conta destes agumentos, não cabe a constituição de garantia
por meio de alienação fiduciária nas hipóteses de obrigações de fazer e não
fazer, bem como nas obrigações de dar não pecuniárias.
Consigne-se, por outro lado, que qualquer pessoa pode garantir dívida por meio
de alienação fiduciária em garantia. Isto é, não é necessário que o imóvel
alienado fiduciariamente seja de propriedade do devedor da obrigação principal.
Não veda a lei esta situação e por conta disto, reputa-se ela permitida .
Eventualmente, quem sofrerá as conseqüências da perda será o terceiro, mas tal
possibilidade, como já se afirmou anteriormente, não representa qualquer
novidade no sistema jurídico brasileiro.
6. Procedimento de consolidação da propriedade fiduciária
Outro importante problema da alienação fiduciária de imóveis é o procedimento
de consolidação da propriedade fiduciária. Por outros termos, como se dá a
extinção da garantia quando do inadimplemento da dívida garantida, para que o
fiduciário passe a ser pleno proprietário do bem dado em garantia .
Inicialmente, é necessário que o devedor seja notificado da ausência de
pagamento, o que se dá após um certo prazo de carência contratualmente fixado
(§§ 1° e 2° do art. 26 da Lei 9.514/97). Ou seja, é necessário que haja o
inadimplemento de uma parcela – ou da dívida toda, quando não for parcelado o
objeto da obrigação pecuniária – e que passe um determinado prazo fixado pelas
partes.
É preciso, sem embargo, que o prazo assinado para que o credor inicie os
procedimentos tendentes à consolidação da propriedade fiduciária seja razoável.
Não deve ser fixado de modo a impossibilitar totalmente o devedor a pagar o
débito, ou mesmo dificultar tal pagamento, pois isto afrontaria um dever mínimo
de conduta no sentido de estimular o exato cumprimento do pactuado que as
partes hão de ter entre si, por força da boa-fé objetiva, que deve pautar todos
os contratos.
Decorrido o prazo de carência, o credor fiduciário pode solicitar ao oficial do
registro geral de imóveis que expeça uma intimação para que o fiduciante
realize o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias. Caso o devedor purgue a mora
no prazo indicado, o contrato de alienação fiduciária de imóveis volta à sua
normalidade, retornando o contrato ao seu desenrolar normal. Ou seja, voltam as
partes à situação em que estariam se não tivesse havido inadimplência, não
cabendo falar de cobranças outras que as ordenadas pela Lei.
Aliás, o credor só pode cobrar neste momento as prestações vencidas e as
vincendas até o momento do pagamento, bem como os acessórios decorrentes do
inadimplemento (juros, multas e encargos legais) e da cobrança (rectius as
despesas para a notificação, etc.). O vencimento antecipado da dívida só se dá
se houver a consolidação da propriedade nas mãos do fiduciário. Antes disto, a
cobrança se restringe ao exigível naquele momento.
Quanto à notificação, ela deve, ao contrário do que se passa com os bens móveis
submetidos ao regime do Decreto-Lei 911/69, ser pessoal. Ou seja, é necessário
que o próprio devedor tome ciência de que o credor está a promover os
procedimentos tendentes à consolidação da propriedade fiduciária. Ela poderá
ser promovida, inicialmente, por dois meios diferentes, analogamente ao que
ocorre com a citação para o processo civil: ou por carta com aviso de recebimento,
ou por oficial de justiça do cartório de títulos e documentos, por requisição
do oficial do registro de imóveis.
É mister que o próprio devedor, ou o seu procurador, assine o termo de
recebimento da correspondência. Não basta que se expeça a intimação, sem
qualquer inquietação quanto à sua sorte. O devedor deve estar ciente. Tal regra
deriva da gravidade das conseqüências impostas a ele em caso de não purgação da
mora .
Uma outra situação é possível, que é a de o devedor estar em local incerto e
não sabido, caso em que a intimação será feita por edital. Apenas nestas
circunstâncias poder-se-á, sob pena de nulidade dos atos seguintes à este,
intimar alguém por edital. O edital deve ser publicado por três dias em um
jornal de maior circulação no local no local da situação do imóvel, ou do
último endereço conhecido do devedor quando este diferir do local onde está o
imóvel. A notificação por edital é promovida pelo oficial do registro de
imóveis após a certificação pelo oficial de justiça de que o devedor não pode
ser encontrado.
A partir daqui são duas as possibilidades: ou a) o devedor purga a mora; ou b)
ele não a purga.
Na primeira situação – i.e. o devedor paga os valores em atraso com todos
aqueles acessórios legalmente admitidos – o contrato se convalesce. Mas a quem
o fiduciante deve pagar? Ao oficial do registro de imóveis. Tal decorre, lógica
e implicitamente, do §6° do art. 26 da Lei 9.514/97. Ora, se o oficial do
cartório imobiliário tem a obrigação de entregar o produto recebido em função da
purgação da mora no prazo de 3 (três) dias, é pelo simples fato de que quem
deve receber os valores é ele. Purgada a mora e entregues os valores
correspondentes ao fiduciário encerra-se esta etapa e o contrato retorna à
normalidade.
Por outro lado, pode ser que o fiduciante não pague, no prazo legal de 15
(quinze) dias, os valores devidos. Neste caso, o fiduciário recolherá o imposto
de transmissão de bens imóveis incidente sobre a consolidação da propriedade
nas suas mãos e, diante disto, o oficial do registro imobiliário cancelará a
alienação e a propriedade estará definitivamente perdida para o devedor.
Contudo, o fiduciário não recebe a propriedade sem quaisquer deveres anexos. O
Direito brasileiro proíbe o pacto comissório, que autorizaria o credor a ficar
com o bem dado em garantia. Por outros termos, não poderá o credor que recebe
um bem imóvel em garantia pretender não promover a excussão (venda judicial do
imóvel), ou venda extrajudicial, como no caso da alienação fiduciária de
imóveis, e manter o bem em suas mãos.
O credor está vinculado a alienar o imóvel para se pagar da dívida e entregar o
excedente ao devedor fiduciante. Para tanto, deverá levar o imóvel a leilão.
Há, analogamente ao que ocorre no processo civil, possibilidade de haver dois
leilões. Em um primeiro deles, o preço mínimo para a alienação será aquele de
avaliação do imóvel nos moldes estabelecidos pelo contrato de alienação
fiduciária (art. 24, VI e § 1° do art. 27 da Lei 9.514/97).
Caso ninguém lance com este valor, será promovido um segundo leilão em que o
preço mínimo será o valor da dívida com os acessórios legais (§2° do art. 27 da
Lei 9.514/97). Apesar de a Lei não o dizer, não pode o preço ser vil, de modo a
ocasionar um enriquecimento sem causa do arrematante em detrimento do devedor
que perdeu a propriedade e teve o seu antigo bem alienado de modo coativo.
Finalmente, recebido o preço pelo fiduciário, naquele momento já proprietário
pleno do bem imóvel, deve ele descontar o que lhe caiba por força da obrigação
principal garantida – bem como os seus acessórios – e entregar o valor que a
isto exceder ao antigo proprietário.
Com tal entrega, encerra-se o contrato de alienação fiduciária de imóveis, bem
como a dívida principal. Aliás, a este propósito interessa tanger um caso interessante,
que é aquele que se abriga sob a umbela do § 5° do art. Caso o valor de
arrematação não seja suficiente para pagar a dívida principal (portanto só é
possível que tal aconteça no segundo leilão, tendo em vista o lance mínimo do
primeiro) o credor (novo proprietário) deixa de ter que entregar qualquer valor
ao devedor, o que seria evidente. O ponto de interesse está em declarar o
dispositivo legal a extinção da dívida.
Ao contrário do que ocorre com a hipoteca na qual, uma vez excutido o bem e sendo
insuficiente o valor apurado para o pagamento integral do credor garantido,
continua ele credor do proprietário excutido, apenas com a peculiaridade de ter
mudado de classe – de devedor com garantia real, torna-se quirografário – na
alienação fiduciária de imóveis em garantia o devedor resta liberado. Ou seja,
na hipoteca a dívida permanece no seu totum et totaliter não pago, sendo
diametralmente oposta a solução legislativa em matéria de alienação fiduciária
de imóveis. Por outros termos, se o preço arrecadado no leilão não for
suficiente para o pagamento integral do débito, o devedor não corre mais riscos
de perder outros bens patrimoniais seus.
Não se diga que, in casu, tem-se enriquecimento sem causa do devedor, pois que
a causa do enriquecimento (na sua modalidade de poupança de despesas) é a
própria Lei. O credor que aceitar a caução presentada pela alienação fiduciária
deve saber que corre tal risco. É uma contrapartida para o processo célere de
retomada do bem, que se passa, inclusive, perante o oficial do registro
imobiliário e não no âmbito do poder judiciário.
7. O Equilíbrio da Alienação Fiduciária de Imóveis em Garantia: vantagens para
credor e devedor
A alienação fiduciária de imóveis, como garantia real de uma dívida pecuniária,
tem vantagens para ambas as partes envolvidas. A primeira grande vantagem para
o credor é a celeridade com que se passa a retomada do imóvel, que se passa,
inclusive, perante o oficial do registro imobiliário e não diante de um juiz. A
consolidação da propriedade dá-se de modo muito ágil, pois uma vez constituído
em mora o devedor pela notificação pessoal e passado o tempo fixado pela Lei
para tanto, basta que o credor apresente a guia de pagamento do imposto de
transmissão para que esta fase esteja concluída.
É necessário que os juízes, para que não reste inviabilizada a figura jurídica,
julguem coerentemente com o sistema da Lei não chancelando medidas
procrastinatórias por parte dos devedores. Tomar uma atitude diversa implicará,
a médio e longo prazos, a inutilidade do novo direito real de garantia e uma
completa anulação do benefício de juros mais baixos que se pode obter por se
usar um modelo que dá o benefício da celeridade.
Para o devedor, a celeridade com que pode perder o imóvel – e portanto o
incremento do risco contratual – implica uma maior segurança para o credor.
Isto reflete-se, insista-se, em uma menor taxa de juros. Portanto,
economicamente será melhor para um bom pagador a alienação.
Para além disso, uma vez paga a dívida, o devedor somente tem que levar a
quitação da mesma no registro de imóveis para encerrar definitavamente a
alienação. Note-se como há uma vantagem em relação à figura da hipoteca ou
mesmo da promessa de compra e venda. Todas aquelas ações judiciais que
atravancam a celeridade da aquisição da propriedade (como a adjudicação
compulsória, por exemplo) deixam de ter sentido. A quitação tem como efeito,
uma vez levada ao registro de imóveis de encerrar uma série de questões.
A figura, portanto, apresenta-se como equilibrada e vantajosa para ambas as
partes em cotejo com os demais mecanismos utilizados para dar caução para
dívidas pecuniárias. Se de um lado a velocidade com que alguém pode perder o
bem dado em garantia aumenta, do outro isto se compensa com taxas de juros mais
baixas. Se de um lado é mais fácil para o credor consolidar a propriedade, do
outro é mais simples para o devedor cancelar no registo imobiliário a garantia.
A propriedade também sai em vantagem, pois acaba-se com a infinidade de imóveis
em que só há direito real de aquisição e não propriedade plena, o que facilita
o tráfego jurídico sensivelmente.
8. Conclusão
Muitos são os problemas que poderia ter sido aqui versados, como por exemplo a
questão da aplicação do Código de defesa do consumidor aos contratos de
alienação fiduciária de imóveis. Optaram-se apenas por algumas das muitas
possíveis e espera o autor que tenha contribuído para o estudo da figura
relativamente nova em sede de direitos reais de garantia.
A alienação fiduciária, como se procurou mostrar, apresenta inúmeras vantagens
para os operadores do sistema de crédito. É uma figura que deve ser prestigiada
e não inviabilizada com decisões judiciais que permitam procedimentos
delongadores da retomada do imóvel em caso de inadimplemento e de
procrastinação do cancelamento da alienação por outro.
As perspectivas para o instituto são boas. Pena que os operadores ainda não
tenham se dado conta das vantagens que a alienação fiduciária de imóveis
oferece. Teve o autor a informação informal de que apenas dois empreendimentos
imobiliários estavam sendo vendidos no Rio de Janeiro usando a alienação
fiduciária de imóveis como garantia do financiamento no início de 2001.
Aliás, a tendência é a de que a maior parte da utilização desta modalidade de
direito real de garantia seja de responsabilidade dos bancos e das
construtoras. A Lei permite que qualquer pessoa física ou jurídica utilize-se
dela, mas a vocação maior realmente é a do uso para o financiamento
imobiliário.
DR. EDUARDO TAKEMI
KATAOKA
http://www.jur.com.br/