A
pessoa jurídica pode sofrer danos morais?
José
Augusto Roveri
acadêmico de Direito na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN)
Não havendo mais nenhuma dúvida a respeito da obrigatoriedade de
indenização por danos morais à pessoa física, surge uma outra grande discussão
paralela sobre a possibilidade da pessoa jurídica situar-se no pólo ativo de
uma ação por danos morais.
As pessoas jurídicas, a exemplo das pessoas físicas ou naturais, também
possuem bens patrimoniais e extrapatrimoniais. Dentro dos bens patrimoniais,
nem todos são corpóreos, como as máquinas, instalações, materiais de
escritório, etc. Também existem os bens patrimonais incorpóreos, que cada vez
mais vêm aumentando sua participação no patrimônio total das pessoas jurídicas.
São inúmeros os exemplos de empresas em que a grande parte do seu patrimônio é
composto por bens imateriais. Em muitos casos, somente o nome vale bilhões de
dólares (Coca-Cola, Marlboro, Nike, etc).
Obviamente esse patrimônio imaterial não cai do céu. Ele é resultado da
tradição, qualidade dos produtos, eficiência organizacional, pontualidade nos
pagamentos, etc. Muitas vezes é resultado de maciços investimentos em imagem,
realizado por campanhas sistemáticas de propaganda.
Não há dúvida que esses fatores agregam substancial valor à empresa, e
não são raros os exemplos de empresas que valem bilhões mas possuem pouco
patrimônio material. Essa regra é válida tanto para as gigantescas corporações
multinacionais quanto para o pequeno comerciante de esquina.
Além de possuir bens patrimoniais, é indiscutível que as pessoas
jurídicas possuem também bens extrapatrimoniais como a credibilidade,
reputação, confiança do consumidor, etc., todos ligados à sua honra subjetiva. Dependendo
do grau da lesão a esses bens, uma empresa pode ser levada até à bancarrota,
especialmente se ocorrer num mercado aberto e de grande concorrência.
Todos aqueles que negam que a pessoa jurídica porssa sofrer dano moral
partem do pressuposto evidente e incontestável de que a mesma não é um ser
vivo, portanto não sofrem padecimentos espirituais.
SILVA, um dos autores que encontra-se entre os que negam a existência do
dano moral em relação a pessoa jurídica, escreveu com maestria:
Ora, a pessoa jurídica não é um ser orgânico, vivo, dotado de um sistema
nervoso, de uma sensibilidade, e, como tal, apenas poderia subsistir como
simples criação ou ficção de direito. ( ... )
Seriam, pois, assim, para os efeitos dos danos morais, as pessoas
jurídicas meras abstrações, não tendo mais vida que a que lhes é emprestada
pela inteligência ou pelo direito. Seriam vivas apenas para os juristas que
lhes não podem comunicar, ao corpo, o quente calor animal e a divina chama da
alma, não tendo, pois, capacidade afetiva ou receptividade sensorial.
Não se angustiam, não sofrem.
Não seriam, jamais, suscetíveis dos danos anímicos que lhes não poderia
insuflar a mais sutil casuística (1).
Mas se não sofrem dano moral, como dizem, de que natureza seriam os
danos cometidos à sua honra objetiva, como o bom nome, a imagem, a reputação, e
o conceito que as pessoas jurídicas desfrutam na sociedade?
A saída encontrada pela maioria dos que negam o dano moral da pessoa
jurídica é a utilização da tese da indenização do dano patrimonial indireto, ou
seja, indeniza-se somente se ocorrer um dano patrimonial. O absurdo dessa tese
é associar um primeiro fenômeno a ocorrência de um segundo, de forma a anular
esse primeiro fenômeno. Assim, o dano moral na verdade nunca é considerado,
pois o que se indeniza é tão somente o dano patrimonial. Relembrando aquele
velho slogan repetido por comerciantes ambulantes, é o mesmo que dizer
"mulher bonita não paga, mas também não leva!". Significa que se a
mulher for bonita, pode levar a mercadoria de graça, desde que pague, mas se a
mulher for feia...
Essa tese, além de ser um verdadeiro absurdo lógico, encontra uma grande
dificuldade em explicar o dano moral a uma pessoa jurídica sem fins lucrativos,
como as associações beneficentes, fundações, clubes, organismos internacionais,
governos, etc. Ficariam essas pessoas absolutamente desprotegidas pelo direito
somente porque não visam ao lucro, e seus agressores poderiam ficar
absolutamente tranqüilos, sem medo de serem obrigados a indenizar ou de serem
punidos por suas atitudes anti-sociais?
No próprio ordenamento constitucional podemos observar que o dano moral
às pessoas jurídicas é perfeitamente cabível, pois os incisos V e X ,do artigo
5º da Constituição Federal prescrevem que:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de
indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
É interessante notar que no inciso X não existe qualquer distinção entre
pessoa natural ou jurídica, o que desautoriza qualquer tentativa de fazê-lo.
Mas mesmo se não houvesse essa garantia constitucional, seria correto
que uma pessoa jurídica vítima de um dano moral somente pudesse deduzir uma
pretensão em juízo de natureza indenizatória se houvesse dano material?
Se a resposta a essa indagacão for positiva, estaríamos ferindo um
princípio constitucional positivado no inciso XXXV do artigo 5º: "a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito",
ou mesmo o artigo 75 do Código Civil: "A todo o direito corresponde uma
ação, que o assegura".
Negar esses princípios seria deixar as pessoas jurídicas à mercê de toda
espécie de abusos e violações aos seus direitos que nem sempre são de ordem
patrimonial.
Felizmente, a tendência atual é considerar que todas as pessoas, tanto
as físicas quanto as jurídicas, possuem honra objetiva que devem ser tutelada
pelo direito, independentemente da ocorrência de danos patrimoniais.
Essa visão baseia-se no fato de que, para a ciência do direito a noção
de pessoa é sobretudo uma noção jurídica, e não filosófica ou biológica.
Para saber se certos entes são sujeitos de Direito, não é necessário
examinar se constituem pessoas no sentido filosófico da palavra, mas perguntar
somente se são de uma natureza tal que devam ser-lhes atribuídos direitos
subjetivos. Em conseqüência, estabelecer quais são esses entes é um problemas
eminentemente técnico, que a ciência jurídica deve resolver, estabelecendo a
quais fenômenos da vida jurídica deve ser aplicado (2).
Não há como negar que mesmo as pessoas jurídicas possuem um conceito
social baseado em valores estabelecidos pela própria sociedade, como por
exemplo, a respeitabilidade, a confiança, a reputação, a honra, e até mesmo a
afetividade que as pessoas mantêm em relação a elas. Mas também não há como
negar que qualquer ataque a esse patrimônio ideal, por maior que seja esse
ataque, não tem o poder de produzir dor moral, muito menos dor psíquica, pois
falta à pessoa jurídica vida orgânica. Nenhuma pessoa jurídica é um ente
biológico, mas um sistema organizacional criado pelo próprio homem em
sociedade.
Assim, ficamos em uma situação aparentemente sem saída: por um lado não
podemos negar que a pessoa jurídica possui valores morais que devem ser
tutelados pelo direito, mas de outro lado ficamos sem possibilidade de
aplicação da indenização por danos morais ao ofensor, uma vez que esse tipo de
indenização tem um objetivo muito restrito que é mitigar e compensar a dor, e a
dor não pode ser sentida pela pessoa jurídica pela ausência de um substrato
biológico.
Nem ao menos podemos aceitar a tese do
dano patrimonial indireto, que além de absurda, também tem o grave
inconveniente de não proteger a pessoa jurídica sem fins lucrativos.
Restou-nos somente a pena civil.
Assim, a única possibilidade que nos resta para não deixar passar in
albis o dano moral à pessoa jurídica, é considerar os valores desembolsados
pelo causador do dano não como indenização, mas como pena civil.
Mas na imensa maioria dos casos, o dano moral à pessoa jurídica acaba
trazendo algum tipo de dano patrimonial em cumulação remota, ou seja, num
primeiro momento causa um dano não patrimonial, mas que logo em seguida
transforma-se num dano patrimonial. Assim, uma informação inverídica e
maliciosamente divulgada a respeito de um produto, por exemplo, pode fazer com
que o consumidor deixe de comprar esse produto, provocando uma conseqüente
queda no faturamento da empresa, o que nada mais é do que um dano patrimonial. Primeiro
ocorre um dano moral, para algum tempo após surgir o dano patrimonial.
Esse fenômeno ocorre com muito mais freqüência do que ocorreria com as
pessoas físicas, isso porque o objetivo básico da existência da pessoa jurídica
com fins lucrativos (empresa) é a circulação da mercadoria com o objetivo de
lucro. É claro que qualquer ação que interfira negativamente nessa circulação,
acaba por refletir-se na queda dos lucros.
Esse dano patrimonial pode ser quantificado e expresso em dinheiro, e o
seu quantum pode ser estabelecido de maneira objetiva pelo juiz.
Mas a função social da empresa assume grande relevância nos dias atuais,
e não se pode mais pensar a empresa somente como uma máquina de produzir lucro.
A empresa, assim como as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, também
tem direitos e deveres análogos à pessoa física, excetuando-se, é claro,
aqueles que relacionam-se com a existência biológica.
Como não há no que se falar em indenização pelo padecimento espiritural
e muito menos corpóreo, a pena civil cumpriria o papel de punir o agressor, que
em última análise feriu toda a sociedade através de sua ação mesquinha.
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CONCLUSÃO
A pessoa jurídica pode ser vítima de um dano em sua honra subjetiva, e
esse dano quase sempre transforma-se num dano de natureza patrimonial. As
pessoas jurídicas sem fins lucrativos, obviamente, não sofrem esse abalo
patrimonial, mas mesmo assim podem ser vítimas de um dano moral. Não existe
propriamente indenização por danos morais no caso das empresas jurídicas, por
ser impossível a ocorrência de dor psicológica a ser mitigada. Os valores
desembolsados pelo causador do dano devem ser considerados como uma penalidade
com função retributiva, pedagógica e exemplar, mas não como indenização strictu
sensu.
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NOTAS
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