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A EXCEPÇÃO DA PRÉ-EXECUTIVIDADE (Parte 2)

 

 

Cláudio Luiz Gonçalves de Sousa

Advogado

 

 

EXECUÇÃO – OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – HIPÓTESE DE CABIMENTO – 1. O desfazimento do contrato por novo acordo de vontades impede que persista qualidade de título executivo extrajudicial (artigo 585, inciso II, CPC) do instrumento escrito que as partes haviam assinado, no que tange às prestações que venceriam posteriormente. 2. – A existência de título executivo é pressuposto processual necessário do processo de execução, dele podendo o Juiz conhecer de ofício ou por provocação incidental do devedor, independentemente de penhora e da propositura da ação autônoma de Embargos. Agravo de Instrumento provido. Execução extinta."

 

 

                        Destaca-se, ainda, o aresto da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que é esclarecedor:

 

"Execução. Título Imperfeito. Nulidade. Declaração independentemente da apresentação de embargos.

 

A argüição de nulidade da execução com base no art. 618 do Estatuto Processual Civil não requer a propositura da ação de embargos à execução, sendo resolvida incidentalmente".

 

                        Na realidade, estar-se-ia perante um absurdo jurídico, pois priva-se o demandado  de apontar a inexistência  ou deficiência congênita da relação jurídica materializada em um título não revestido das formalidades legais.

 

                        Para Paulo Henrique dos Santos Lucon; "A doutrina e jurisprudência têm gradativamente e com maior freqüência afirmado ser possível, pelo executado, a impugnação à executividade do título apresentado pelo exeqüente antes mesmo da realização da penhora. Como ato de afetação patrimonial que é, a penhora atinge de forma severa a esfera jurídica do executado, que muitas vezes está sendo injustamente demandado".

 

                        Dessa forma, indaga-se: Qual será, então, a natureza jurídica da exceção de pré-executividade, uma vez que o processo de execução não prevê apresentação de defesa, e não envolve análise cognitiva?

 

                        Mais uma vez, antecipamo-nos na análise da jurisprudência, que vem buscando definir a natureza do instituto da exceção de pré-executividade, atribuindo-lhe a natureza de defesa específica no processo de execução. Exige, entretanto, como regra de admissão da postulação especial, nos próprios autos, a demonstração cabal do vício apontado, sem importar em aprofundamento  na dilação probatória, conforme aresto do TRF 3ª Região, que apesar de extenso, transcrevemos  integralmente, pela profundidade de análise que apresenta:

 

"EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – CONCEITO – REQUISITOS – GARANTIA DO JUÍZO – DEVIDO PROCESSO LEGAL.

 

0A exceção de pré-executividade é uma espécie excepcional de defesa especificado processo de execução, ou seja, independentemente de embargos do devedor, que é ação de conhecimento incidental à execução; o executado pode promover a sua defesa pedindo a extinção  do processo, por falta de preenchimento dos procedimentos legais. É uma mitigação ao princípio da concentração da defesa, que rege os embargos do devedor. 2 – Predomina na doutrina o entendimento no sentido da possibilidade da matéria de ordem pública ( objeções processuais e substanciais), reconhecível, inclusive, de ofício pelo próprio magistrado, a qualquer tempo e grau de jurisdição, ser  objeto de exceção de pré-executividade ( na verdade objeção de pré-executividade, segundo alguns autores que apontam a impropriedade do termo), até porque há interesse público de que a atuação jurisdicional, com o dispêndio de recursos materiais e humanos que lhe são necessários, não seja exercida por inexistência da própria ação. Por ser legítima a parte, não haver interesse processual e possibilidade jurídica do pedido; por inexistentes os pressupostos processuais de existência e validade da relação jurídica-processual e, ainda, por se mostrar a autoridade judiciária absolutamente incompetente. 3 – Há possibilidade de serem argüidas também causas modificativas, extintivas ou impeditivas do direito de exeqüente (v.g. pagamento, decadência, prescrição, remissão, anistia, etc.) desde que desnecessária qualquer dilação probatória, ou seja, desde que seja de plano, por prova documental inequívoca, comprovada a inviabilidade da execução. 4 – Isso não significa estar correta a alegação,  de certa forma freqüente principalmente em execuções, de que, com a promulgação  da atual Constituição Federal, a obrigatoriedade da garantia do juízo para oferecimento de embargos mostrar-se-ia inconstitucional, tendo em vista a impossibilidade de privação de bens sem o devido processo legal. É certo que o devido processo legal é a possibilidade efetiva  da parte ter acesso ao poder judiciário, deduzindo a pretensão e podendo se defender com a maior amplitude possível, conforme processo descrito na lei. O que o princípio busca impedir é que de modo arbitrário, ou seja, sem qualquer respaldo legal,  haja desapontamento de bens e da liberdade da pessoa. Havendo um processo descrito na lei, este deverá ser seguido de forma a resguardar tanto os interesses do autor, como os interesses do réu, de forma igualitária, sob pena de ferimento de outro princípio constitucional, qual seja, da isonomia, que também rege a relação processual. Agravo Improvido."

 

 

Sendo assim, a possibilidade de se discutir a eficácia do título executivo em sede dos próprios autos de execução, justifica-se pela necessidade do Poder Judiciário dar proteção jurídica aos interesses individuais ilegitimamente ameaçados de lesão pela própria ação de execução.

 

Contudo, quando o assunto é daqueles  que comportam uma investigação  prévia e sumária, suprindo o juízo inicial de admissibilidade deficitariamente realizado pelo Juiz, "cada vez mais os tribunais brasileiros têm aceito as denominadas objeções de pré-executividade, que versam sobre matéria de defesa e são cognoscíveis de ofício pelo julgador por se referirem a questões de ordem pública, passíveis de apreciação independentemente de qualquer iniciativa do demandado (CPC, art. 267, § 3º, e 301, § 4º). Permite-se com tais objeções o oferecimento de defesas antes da efetivação da penhora ou do depósito e ao longo de todo o arco procedimental, pois não estão  sujeitas à preclusão; o demandado pode insurgir-se contra a execução, antes de seguro o juízo, que autoriza a oposição de embargos por petição dirigida aos próprios autos do processo executivo."

 

                        Na visão de Antônio Carlos Costa e Silva, se a hipótese for de ausência  de pressupostos processuais, o Juiz não poderá  abster-se de conhecer a  exceção de pré-executividade, uma vez que tem por dever zelar pela regularidade do feito. Neste aspecto é que o autor assevera, ao falar dos deveres do Juiz perante as partes, que aquele "não poderá deixar de extinguir o processo quando lhe faltar qualquer dos pressupostos processuais (art. 267, IV combinado com o art. 598, do CPC)".

 

                        Sendo assim, é de se imaginar o quanto de ônus a decisão pode abreviar para o exeqüente indevidamente demandado, em hipóteses em que não existe a relação jurídica invocada pela parte autora ou há, no título, nulidade que o torna imprestável a exigir a obrigação que supostamente encerra.

 

                        Um caso típico é o de falsidade do documento ou da assinatura nele lançada, ou, ainda, de emissão maliciosa e fraudulenta, como ocorre no desconto de duplicatas que não correspondem a uma venda real.

 

                        Nesse plano, seria injustamente oneroso exigir que o devedor gravasse seu patrimônio para só então demonstrar a estapafúrdia inexigibilidade do título executivo, movimentando  ação de embargos, que se rege pelo processo de conhecimento, com a exigência de dispêndio de valores nada módicos e experimentando, às vezes por anos, o dissabor da morosidade do Judiciário para ver anulada a pretensão executória.

 

                        Para Paulo Henrique dos Santos Lucon "quando o título não existe ou quando a sua própria existência é posta em discussão, seria uma ilegalidade exercer constrição sobre o patrimônio obrigado, justamente porque para tanto falta o elemento legitimador possível – ou seja, o título executivo".

 

                        Da mesma sorte, é o entendimento de Araken de Assis, muito embora vislumbre a dificuldade para fazer valer a exceção sem garantia  de juízo e oposição de embargos – mas entendendo-a  plenamente admissível, sobretudo para evitar prejuízos imotivados à parte -, se não veja-se:

 

"O principal óbice à admissibilidade desta exceção reside como regime legal da oposição do devedor. Como é notório, o Código criou remédio universal e único contra a execução, a ação incidental de embargos, e condicionou-a, outrossim, à penhora (art. 737, I) ou ao depósito (art. 737, II). Em contrapartida, conferiu efeito suspensivo ao contra-ataque  do executado. Inúmeras vezes, porém, a suspensividade dos embargos se revela inútil. O depósito da coisa ou a penhora expressiva no patrimônio pode acarretar paralisação das atividades econômicas do devedor e outras conseqüências imprevisíveis".

 

2.7 – A Exceção de Pré-Executividade como Substituto dos Embargos do Devedor.

 

                        Torna-se necessário evidenciar que a Exceção de Pré-Executividade não pode ser vulgarizada ao ponto de ser utilizada  em substituição aos embargos. Importante frisar que seu cabimento é restrito às situações especiais em que, pela própria ausência de título, ou outro pressuposto processual subjetivo ou objetivo, o processo executivo tenda à extinção futura.

 

                        Destarte, nada mais lógico do que antecipar seu aniquilamento induvidoso. Há, porém, casos em que a emissão do título pelo devedor de próprio punho, como por exemplo o cheque ou a nota promissória, ou, ainda, por instrumento público, onde confessa a dívida, consolidam uma certeza inicial  de validade da dívida que não pode ser afastada por mera alegação de invalidade em sede de exceção de pré-executividade.

 

                        Nas referidas situações, os embargos são a modalidade necessária para a investigação das provas e razões que levaram o executado ao inadimplemento da pretensão deduzida. Se admitirmos discutir o mérito em casos análogos, seria o mesmo que vulnerar os princípios que informam a execução, instaurando um inexistente  contraditório em terreno  impróprio que é o processo executivo.

 

                        Assim sendo, o Juiz, atento aos preceitos processuais, somente deferirá o pedido em exceção de pré-executividade quando, de plano ou pela prova sucinta produzida pelo demandado, vislumbrar  a inexorável improcedência  de execução encetada. Na hipótese de existir a menor dúvida, ou sendo a matéria afeta ao mérito da causa debendi, com possibilidade de  manutenção do título executivo ou reconhecimento da relação jurídica que lhe deu origem, deverá, por prudência, reservar a discussão da matéria para os competentes embargos.

 

                        Percebe-se que esta atuação deve ser tratada com status de premissa ao bom desempenho da atividade judicante, pois a viciação do título executivo, que a rigor goza da presunção de liquidez, certeza e exigibilidade, têm caráter excepcional.

 

                        Mais uma vez invoca-se Araken de Assis, que discorrendo sobre o controle dos pressupostos processuais e da pretensão de executa, assinala que, em geral, sua análise "envolve 'assunto que o Juiz deve examinar  de ofício' ao lhe ser apresentada a inicial." (...) "Embora não haja previsão legal explícita, tolerando o órgão do judiciário, por lapso, a falta de algum pressuposto, é possível o executado requerer seu exame, quiçá  promovendo a extinção da demanda executória, a partir do lapso  de 24 hs., assinado pelo art. 652. Tal provocação de matéria passível de conhecimento de ofício pelo Juiz independe de penhora e, a fortiori, do oferecimento de embargos (art. 737,I)."

 

                        Ao tratar desse aspecto, Humberto Theodoro Júnior é bastante criterioso, quando aduz, textualmente, o seguinte: "É claro, porém, que tal incidente só pode ser eficazmente promovido quando a causa de nulidade ou de inviabilidade da execução for absoluta e notória, pelos próprios elementos dos autos. Se para alcança-la for necessário revolver fatos e provas de maior complexidade, somente por via dos embargos a defesa será argüível. Não é admissível  que, a pretexto  de exceção de pré-executividade, pretenda  o devedor a instauração de uma dilação probatória contenciosa, sem observar os pressupostos dos embargos da execução".

 

                        O que se observa, na maioria dos casos, é a movimentação da máquina judiciária, mesmo em sede de embargos, com fito meramente procrastinatório, o que deve ser evitado.

 

                        Como veremos mais adiante, a jurisprudência, atenta às mostras  contumazes de esperteza por parte dos devedores, tem sido coerente nos seus julgados, não admitindo os expedientes  tendentes a driblar  o roteiro traçado  pelo Código para a oposição  ao débito constituído no título, conforme demonstrado a seguir:

 

EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – SUSPENSÃO DO PROCESSO – SUSPENSÃO ANTES DA PENHORA – IMPOSSIBILIDADE –

Execução por título extrajudicial, suspensa antes da penhora, para aguardar-se pelo exeqüente oferecida em ação declaratória do valor do débito, em outra Vara ajuizada. Não se inscrevem o ajuizamento da declaratória e a exceção como causas de suspensão da execução. De previsão estrita (art.791, do CPC). Nem incide a hipótese do art. 265, IV, consoante prevalente orientação jurisprudencial. Não se configura exceção de pré-executividade. Em tema de execução , a defesa do devedor se exerce por meio de embargos (art. 741) ou de exceção de incompetência, se for o caso (art.742). Agravo provido para prosseguir-se a execução.

 

AGRAVO REGIMENTAL – EXECUÇÃO – COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU – DESNESSECIDADE DE  CITAÇÃO – ART. 214 § 1º DO CPC – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – MATÉRIAS IMPERTINENTES.

O comparecimento espontâneo do réu torna desnecessária sua citação – Excesso de execução oriundo de cobrança de juros acima do limite constitucional é matéria a ser suscitada em embargos e não em exceção de pré-executividade.

 

                        Dessa forma, apresenta-se como alcance do instituto da exceção de pré-executividade dar conhecimento ao juízo da execução, de circunstância que fulmina o processo executivo e pode ser conhecida de ofício por este.

                                              

 

 

 

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