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A EXCEPÇÃO DA PRÉ-EXECUTIVIDADE (Parte 1)

 

 

Cláudio Luiz Gonçalves de Sousa

Advogado

 

 

1 – INTRODUÇÃO

 

            O presente estudo refere-se ao instituto da "exceção de pré-executividade", abordando seus aspectos históricos, de direito comparado e seus reflexos na jurisprudência.

 

            Por meio da análise histórica e do direito aplicado, tornou-se necessário estudar fontes secundárias, para examinar a doutrina no sentido de demonstrar o contraditório e as diversas formas de defesa intra-execução, que ocorreram no passado e em alguns países possuídores sistemas jurídicos mais avançados atualmente.

 

            Utilizando-se do estudo da jurisprudência, encontramos o pensamento predominante no Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o Supremo Tribunal Federal não tem competência para a apreciação dessa matéria.

 

            Da mesma forma, apresentamos o pensamento de alguns Tribunais importantes no Brasil sobre a matéria,  colacionando algumas decisões proferidas, por meio de publicações autorizadas  e em cópias de acórdãos.

 

2 – CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

2.1 – Visão Global

 

            Durante algum tempo, prevaleceu no sistema jurídico brasileiro a idéia de que o contraditório, por meio do processo de execução, era diferido aos embargos, no sentido de ser transferido aos mesmos.

 

            Muitos doutrinadores de respeito, assim como parte da jurisprudência, defendiam o princípio da inexistência de contraditório nessa modalidade de tutela jurisdicional. Não obstante, esse princípio ou idéia formada vem perdendo terreno, tanto na doutrina como na própria jurisprudência, mormente após a difusão do instituto da exceção de pré-executividade.

 

            Com efeito, durante o estudo realizado, pudemos constatar, em termos doutrinários, algumas divergências de ordem terminológica sobre o referido instituto.

 

            Em conformidade com Tarlei Lemos Pereira, que é favorável ao instituto, entende-se  que sua natureza é de objeção.

 

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, da mesma forma, utilizam-se da expressão objeção de pré-executividade em sua obra. A crítica que se apresenta à expressão  exceção se prende ao fato de que a mesma não define de forma clara o objeto em estudo, porquanto estaria encerrando uma idéia de disponibilidade.

 

            No entanto, Pontes de Miranda foi o primeiro autor  a falar em exceção de pré-executividade. Alberto Camiña Moreira também defende o emprego dessa expressão, pois, no seu entendimento : "assume o caráter de dedução, pelo executado, de defesa interna ao processo de execução, sem subordinação ao gravame da penhora (...) exceção na prática é a alegação articulada pelo réu."

 

            De acordo com essa segunda corrente de entendimento doutrinário, a expressão  exceção é utilizada  no sentido de defesa, de um modo geral.

 

            Para todos os efeitos, deve-se observar que a discussão é acadêmica e a jurisprudência vem de fato consagrando a expressão exceção de pré-executividade para definição do instituto.

 

            No que tange ao vocábulo pré-executividade, esse expressa a idéia de ato praticado antes da penhora, da constrição judicial, que é um ato indiscutivelmente executivo.

 

            Vários autores admitem o instituto da exceção de pré-executividade, dentre os quais destacamos: Galeno Lacerda, Araken de Assis, Celso Neves, Humberto Theodoro, Ovídio Baptista da Silva, Ernane Fidélis dos Santos, Donaldo Armelin, bem como Cândido Dinamarco, que apesar de não usar a expressão "exceção de pré-executividade" em sua obra, admite defesa na execução sem segurança do juízo.

 

            Destarte, existe outra corrente de autores, que por sua vez, manifesta-se de forma contrária à defesa intra-execução, em que se destacam Liebman e Alcides Mendonça de Lima, e este último afirma ser boa a idéia de um tipo de defesa como o instituto, mas de lege ferenda, porquanto inexistente no nosso sistema jurídico.

 

 

2.2 – A utilização do Processo como meio de pacificação da lide

 

            Nos dizeres de José Frederico Marques, o processo apresenta-se como "um meio de composição de litígios, ou conjunto de atos  destinados à aplicação do direito  objetivo a uma situação contenciosa."

 

            Por outro lado, Francesco Carnelutti assevera que "a palavra processo serve, pois, para indicar um método para formação ou para aplicação do direito que visa  a garantir o bom resultado, ou seja, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz e, portanto, seja justa e certa: a justiça deve ser sua qualidade superior ou substancial; a certeza, sua qualidade exterior ou formal."

 

            Carnelutti, ao tratar do conflito de interesses, por meio do qual a pacificação se faz elemento fundamental do processo, afirmou que em uma situação de conflito "a satisfação da necessidade que corresponde a um dos interesses exclui ou pelo menos  limita a satisfação  do outro", definindo assim o litígio como sendo o conflito em um sentido intersubjetivo de interesses, qualificado  por uma pretensão  contestada por uma das partes. A pretensão enfocada simboliza, na verdade, o reflexo de natureza jurídica de um interesse próprio que subordina o interesse alheio.

 

            Com efeito, por meio do processo, a pretensão que possui ressonância na lei como direito objetivo, recebe do Estado, por intermédio de seus agentes jurisdicionados, a tutela apropriada, resolvendo-se o conflito de interesses.

 

            Sendo assim, o Juiz, no exercício da jurisdição, como figura neutra e imparcial, depois da necessária provocação por parte do titular  do direito lesionado ou ameaçado de lesão, dará o devido encaminhamento aos atos processuais, em conformidade com o rito apropriado, para, ao final, proferir a sentença com o fito de solucionar o conflito.

 

            Não obstante, surgem algumas indagações. Por exemplo: Como agirá aquele que recebeu da autoridade Estatal a confirmação de sua pretensão?  Como  será dada eficácia ao comando contido na sentença, para fazer valer seu direito?

 

            Em momento pretérito, o particular exercia, pessoalmente e pela força, a satisfação de sua pretensão, praticando a denominada "auto-tutela". Na verdade, nada mais era do que o exercício da força para obter o benefício das próprias razões.

 

            Historicamente, tem-se conhecimento de que até o ano 326 a.C., o devedor respondia pelas dívidas pessoalmente, ou, em outras palavras, com sua liberdade, com seu corpo por meio de castigos físicos, e até com sua própria vida.

 

            Destarte, a denominada "Lex Poetelia Papiria", que foi editada no referido ano, teve o condão de afastar essa nefasta carga da pessoa do devedor e transferi-la exclusivamente para seus bens.

 

            O Estado, então, chamou para si o exercício da jurisdição, retirando do particular essa possibilidade. Dessa forma, procurou substituir o direito da força pela força do Direito.

 

            No entanto ao tomar essa responsabilidade, obviamente assumiu o compromisso de tutelar os interesses legitimados  pela lei objetiva e o mister de dar-lhes eficaz cumprimento.

 

            Por esse aspecto, ao lado do processo de conhecimento e do processo cautelar, o legislador cuidou de traçar normas de procedimento capazes de assegurar a observância, pela força, se preciso fosse,  do comando contido nas decisões judiciais solucionadoras  dos conflitos de interesse, ou ainda dos títulos extrajudiciais revestidos de força executiva, por meio de uma atuação prática. Assim o fez, utilizando-se do processo de execução.

 

2.3– Processo de Execução – A Garantia da Eficácia da Tutela Jurisdicional.

 

            De acordo com o que afirma Araken de Assis "nem toda regra jurídica concreta, obtida através de sentença, reclama a mencionada atuação prática, porque em si mesma já satisfaz o demandante".

 

            Com base nesse princípio doutrinário, é o que vemos nas sentenças que possuem cunho declaratório ou constitutivo, onde nada há a executar quanto ao objeto específico  da decisão  e a  parte  encontra sua satisfação na exclusiva manifestação  favorável do juiz.

 

            Contudo, quando não se verifica na prestação jurisdicional o escopo de gerar ao demandante a satisfação de sua pretensão reconhecida e deferida, torna-se necessário, se a sentença possuir eficácia condenatória, promover-se do comando contido na sentença.

 

            Voltando, então, a Araken de Assis, que cita Pontes de Miranda, ao afirmar que "a força executiva 'retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-no no patrimônio do demandante'".

 

            O próprio Pontes de Miranda, sobre o assunto, assim se manifesta: "Nas execuções forçadas, o Estado executa pelo que devia executar: o estado diz que alguém deve, decisão no plano processual, e entrega, dizendo que entregou pelo executado – o que talvez não coincida com a realidade no plano material, ou porque o réu não devesse, ou porque o objeto da entrega seja diferente, ou não exista, ou não tivesse sido realmente entregue".

 

            A mencionada atuação de natureza estatal, para que possa ser efetivamente exercida, pressupõe a existência de um direito materializado em título, revestido de força executiva.

 

            Com eficácia, Carlos Alberto Carmona aborda sobre a questão, quando afirma: "Condição indispensável para a propositura de ação de execução é a existência de título executivo, que pode ser identificado como ato ou fato a que a lei atribui ( às vezes até mesmo de forma arbitrária) tamanho grau de certeza que permite ao autor desde logo pleitear medidas satisfativas, dispensando – no caso dos título executivos extrajudiciais – o processo cognitivo condenatório prévio."

 

            Dessa maneira, existem duas modalidades de títulos providos de força executiva: o título executivo judicial proveniente de processo de cognição, materializado na sentença (art. 584, I a V, do CPC), e o título executivo extrajudicial (art. 585, I a VII, do CPC), que se origina de ato da vontade das partes, representando uma obrigação.

 

            No escol de José Frederico Marques,  aprendemos que "Título executivo é a denominação dada à prestação típica provida de força executiva, quando certa, líquida e exigível. Trata-se de prestação típica, porque não há título executivo sem disposição expressa de lei.  Indica esta qual a prestação que integra o título executivo e , ao mesmo tempo, dá os contornos formais deste. Portanto, se a prestação e respectivo instrumento se subsumem na descrição legal, configurado se acha o título executivo."

 

            Desse modo, seja pela imposição contida na decisão do estado, materializada em título judicial, seja pela força da obrigação assumida voluntariamente pelo devedor, em documento revestido de força executiva, na esfera extrajudicial, a execução é ação destinada a tutelar a pretensão do credor.

 

2.4 - Os Instrumentos de Oposição à Execução

 

                        Normalmente, proposta a ação de execução, o devedor somente pode valer-se dos meios previstos  na lei adjetiva para opor-se à pretensão do exeqüente, após ofertar ou ter contristados seus bens, em montante  suficiente para garantir o juízo da execução, por meio da penhora, ocasião em que, estando presente uma das hipóteses de contrariedade previstas no artigo 741 ou 745 do CPC, insurge-se contra a cobrança executiva por meio de embargos do devedor.

 

            De acordo com a maioria dos doutrinadores, os embargos possuem natureza de ação de conhecimento incidental. Não obstante, há quem sustente a natureza dúplice dos embargos, entendendo-os, também, como forma de defesa. Com efeito, não iremos adentrar nesse mérito, porquanto não ser relevante para o estudo em apreço.

 

            Na verdade, é certo que os embargos destinam-se a atacar a eficácia do título executivo ou a relação processual representada pelo mesmo. Nesse aspecto, os embargos são o instrumento processual adequado para opor-se o devedor à execução contra ele movimentada pelo credor.

 

            Porém, é de se indagar: somente os embargos se prestam para esse efeito?

 

              Não haveria um outro caminho a ser trilhado pelo executado, em certas condições, quando presentes vício ou irregularidade capazes de desconstituir  de plano a obrigação representada no título, ou, ainda, atacar a existência do próprio título executivo?

 

            Com certeza, teremos outro caminho. Refere-se, na realidade, a uma construção doutrinária que vem-se enraizando em nossa jurisprudência, denominada por alguns autores de exceção de pré-executividade, e por outros de objeção de pré-executividade.

 

 

2.5 – A Denominação do Instituto: Exceção de Pré-Executividade, Objeção de Pré-Executividade ou Objeção de Não-Executividade.

 

                        De acordo com  Nelson Nery Junior "a expressão objeção de pré-executividade é a mais adequada, já que o termo 'exceção' sugere que se trate de matéria de defesa, e, portanto, não passível  de ser conhecida de ofício e sujeita a preclusão."

 

                        Para os doutrinadores Cláudio Armando Couce de Menezes e Leonardo Dias Borges, " a objeção de execução ( ou a execução ?) tem dois momentos básicos: o que preexiste  à penhora e o posterior a esta.

 

                        De uma forma geral, as alegações são trazidas ao Juiz assim que se inicia a execução até que expire o prazo para pagar ou garantir a execução. Contudo, nada impede que a parte traga suas questões, decorrido o prazo de aforamento dos embargos, em hipótese de pressupostos processuais e condições da ação, pois tais matérias não são preclusíveis (art. 267, § 3º do CPC).

 

                        Estas são as que podemos dar a denominação de objeções executivas em oposição às primeiras, objeções de pré-executividade. Mas, há quem prefira distinguí-las pelo fato gerador da objeção.

 

                        Se este for anterior à execução ou concomitante com o ajuizamento da ação de execução, tem-se a objeção de pré-executividade. Após este marco, configura-se já uma objeção executiva.

 

                         José Carlos Barbosa Moreira questionou severamente a imprecisão terminológica em que têm incorrido a doutrina e a jurisprudência. De acordo com sua visão, não haveria como falar em exceção, porquanto esta tem sido ao longo dos tempos empregada para designar gênero de "defesa", em que, a rigor, descabe a apreciação ex officio pelo juiz.

 

 

                        Não obstante, a expressão pré-executividade, na opinião do referido autor, seria igualmente incorreta, posto que o substantivo abstrato "executividade" indica a qualidade do que é executivo. Sendo essa uma característica própria do processo e do título (executivos), o prefixo "pré" os atingiria, levando a pensar em processo pré-executivo ou título pré-executivo, em evidente inadequação terminológica.

 

                        Helder Martinez Dal Col referenda as considerações de Barbosa Moreira, quando sustenta que "não se trata a objeção de instrumento para questionar o tempo da execução – se antes ou depois -, mostrando-se atécnico falar em 'pré-executividade', mais porque quando o devedor manifesta-se, a execução  já existe e é contra ela que se dirige o ataque".

 

                        Dessa forma, continua Dal Col : "a oposição à execução por vício que impossibilitaria sua existência, poderia ser tratada com expressões mais oportunas  e técnicas, como: "objeção  de não-executividade" ou "objeção à executividade", que parecem melhor exprimir a negativa da executividade que deveria ter sido reconhecida de plano pelo juiz, mas que por não ter sido, pode ser-lhe apontada pelo executado, quando tomar conhecimento da execução indevida".

 

                        Considerando tal prerrogativa, o suposto devedor pode comprovar a inviabilidade do procedimento executório, diretamente nos autos de execução, sem necessitar para tanto garantir o juízo pela penhora, nem mesmo opor embargos.

 

                        Citamos novamente os autores Cláudio Armando Couce de Menezes e Leonardo Dias Borges, que lançam o seguinte questionamento: "Mas, afinal de contas, o que é a exceção ou objeção de pré-executividade ?  Independentemente do exato nome a ser dado à alegação, tem-se pela 'pré-executividade' a possibilidade de o executado alegar determinadas questões, em execução, sem a prévia garantia do juízo e o ajuizamento dos embargos do devedor."

 

                        Torna-se claro como sol de estio que tal possibilidade cinge-se aos casos em que se faz palpável a ausência dos requisitos do título executivo, em especial por lhe faltar liquidez, certeza ou exigibilidade, oportunidade em que o juiz, examinando a prova produzida pelo opoente, pode trancar a execução, por ausência dos pressupostos processuais de existência e validade da relação jurídica, qual seja, o próprio título que se desconstitui.

 

                        Sobre a questão em análise, esse é o entendimento de Humberto Theodoro Júnior: "Mostrando-se visivelmente nulo o título executivo ou manifestamente ilegítima a parte contra quem  se intenta a execução fiscal, ou ainda, estando a relação processual contaminada de nulidade plena e ostensiva, cabe o expediente que se vem denominando de 'exceção de pré-executividade', que nada mais é do que o simples pedido direto de extinção  do processo, independentemente do uso dos embargos e da segurança do juízo."

 

                        Entrementes, para Tereza Arruda Alvim Wambier, o entendimento sobre o tema assim se apresenta: "seria absurdo que o sistema não contivesse freios, consubstanciados nas decisões negativas de admissibilidade, cujo objetivo é o de evitar que prossiga uma etapa procedimental gerada por um pedido fadado ao insucesso. É justamente a isso que se visa com o possibilitar que o executado alegue certo tipo de 'defesa', mesmo antes da citação, principalmente quando se trata de alegações que, se conhecidas e acolhidas, devem gerar necessariamente a extinção daquilo que nem execução chegou a ser."

 

                        Nessa esteira, poderia não se tratar de defesa propriamente dita, mesmo porque o contraditório é sumário na execução e, apesar de ser permitida a manifestação do executado em variadas fases do processo, com o fito de assegurar que lhe seja menos gravoso, a lei adjetiva não contempla fase apropriada para o exercício defensivo e nem abre a possibilidade do executado discutir a matéria de mérito em seu bojo.

 

2.6 – Hipóteses de cabimento da Exceção de Pré-executividade como vem sendo difundida ( ou Objeção de Não-executividade)

 

                        Para utilização de referido expediente, as matérias passíveis de serem alegadas não poderiam ser outras senão aquelas que incumbe ao juiz conhecer e declarar de ofício.

 

                        Percebe-se, nesse diapasão, que a necessidade de que o processo de execução atenda aos postulados de existência e validade, possuindo como pressuposto a existência de um título executivo líquido, certo e exigível, permite, sem o caráter de defesa propriamente dita, que o executado se oponha  diretamente à execução, prescindindo dos embargos, para atacar a deficiente formação da relação jurídica processual, que não se consolida por faltar-lhe um elemento essencial.

 

                        Muito embora iremos apresentar, mais adiante, a manifestação dos nossos Tribunais sobre o tema em apreço, com fulcro no supramencionado, torna-se necessário ilustrar com o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que assim se apresentou:

 

EXECUÇÃO – OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – HIPÓTESE DE CABIMENTO – 1. O desfazimento do contrato por novo acordo de vontades impede que persista qualidade de título executivo extrajudicial (artigo 585, inciso II, CPC) do instrumento escrito que as partes haviam assinado, no que tange às prestações que venceriam posteriormente. 2. – A existência de título executivo é pressuposto processual necessário do processo de execução, dele podendo o Juiz conhecer de ofício ou por provocação incidental do devedor, independentemente de penhora e da propositura da ação autônoma de Embargos. Agravo de Instrumento provido. Execução extinta."

 

 

                        Destaca-se, ainda, o aresto da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que é esclarecedor:

 

"Execução. Título Imperfeito. Nulidade. Declaração independentemente da apresentação de embargos.

 

A argüição de nulidade da execução com base no art. 618 do Estatuto Processual Civil não requer a propositura da ação de embargos à execução, sendo resolvida incidentalmente".

 

                        Na realidade, estar-se-ia perante um absurdo jurídico, pois priva-se o demandado  de apontar a inexistência  ou deficiência congênita da relação jurídica materializada em um título não revestido das formalidades legais.

 

                        Para Paulo Henrique dos Santos Lucon; "A doutrina e jurisprudência têm gradativamente e com maior freqüência afirmado ser possível, pelo executado, a impugnação à executividade do título apresentado pelo exeqüente antes mesmo da realização da penhora. Como ato de afetação patrimonial que é, a penhora atinge de forma severa a esfera jurídica do executado, que muitas vezes está sendo injustamente demandado".

 

                        Dessa forma, indaga-se: Qual será, então, a natureza jurídica da exceção de pré-executividade, uma vez que o processo de execução não prevê apresentação de defesa, e não envolve análise cognitiva?

 

                        Mais uma vez, antecipamo-nos na análise da jurisprudência, que vem buscando definir a natureza do instituto da exceção de pré-executividade, atribuindo-lhe a natureza de defesa específica no processo de execução. Exige, entretanto, como regra de admissão da postulação especial, nos próprios autos, a demonstração cabal do vício apontado, sem importar em aprofundamento  na dilação probatória, conforme aresto do TRF 3ª Região, que apesar de extenso, transcrevemos  integralmente, pela profundidade de análise que apresenta:

 

"EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – CONCEITO – REQUISITOS – GARANTIA DO JUÍZO – DEVIDO PROCESSO LEGAL.

 

0A exceção de pré-executividade é uma espécie excepcional de defesa especificado processo de execução, ou seja, independentemente de embargos do devedor, que é ação de conhecimento incidental à execução; o executado pode promover a sua defesa pedindo a extinção  do processo, por falta de preenchimento dos procedimentos legais. É uma mitigação ao princípio da concentração da defesa, que rege os embargos do devedor. 2 – Predomina na doutrina o entendimento no sentido da possibilidade da matéria de ordem pública ( objeções processuais e substanciais), reconhecível, inclusive, de ofício pelo próprio magistrado, a qualquer tempo e grau de jurisdição, ser  objeto de exceção de pré-executividade ( na verdade objeção de pré-executividade, segundo alguns autores que apontam a impropriedade do termo), até porque há interesse público de que a atuação jurisdicional, com o dispêndio de recursos materiais e humanos que lhe são necessários, não seja exercida por inexistência da própria ação. Por ser legítima a parte, não haver interesse processual e possibilidade jurídica do pedido; por inexistentes os pressupostos processuais de existência e validade da relação jurídica-processual e, ainda, por se mostrar a autoridade judiciária absolutamente incompetente. 3 – Há possibilidade de serem argüidas também causas modificativas, extintivas ou impeditivas do direito de exeqüente (v.g. pagamento, decadência, prescrição, remissão, anistia, etc.) desde que desnecessária qualquer dilação probatória, ou seja, desde que seja de plano, por prova documental inequívoca, comprovada a inviabilidade da execução. 4 – Isso não significa estar correta a alegação,  de certa forma freqüente principalmente em execuções, de que, com a promulgação  da atual Constituição Federal, a obrigatoriedade da garantia do juízo para oferecimento de embargos mostrar-se-ia inconstitucional, tendo em vista a impossibilidade de privação de bens sem o devido processo legal. É certo que o devido processo legal é a possibilidade efetiva  da parte ter acesso ao poder judiciário, deduzindo a pretensão e podendo se defender com a maior amplitude possível, conforme processo descrito na lei. O que o princípio busca impedir é que de modo arbitrário, ou seja, sem qualquer respaldo legal,  haja desapontamento de bens e da liberdade da pessoa. Havendo um processo descrito na lei, este deverá ser seguido de forma a resguardar tanto os interesses do autor, como os interesses do réu, de forma igualitária, sob pena de ferimento de outro princípio constitucional, qual seja, da isonomia, que também rege a relação processual. Agravo Improvido."

 

 

Sendo assim, a possibilidade de se discutir a eficácia do título executivo em sede dos próprios autos de execução, justifica-se pela necessidade do Poder Judiciário dar proteção jurídica aos interesses individuais ilegitimamente ameaçados de lesão pela própria ação de execução.

 

Contudo, quando o assunto é daqueles  que comportam uma investigação  prévia e sumária, suprindo o juízo inicial de admissibilidade deficitariamente realizado pelo Juiz, "cada vez mais os tribunais brasileiros têm aceito as denominadas objeções de pré-executividade, que versam sobre matéria de defesa e são cognoscíveis de ofício pelo julgador por se referirem a questões de ordem pública, passíveis de apreciação independentemente de qualquer iniciativa do demandado (CPC, art. 267, § 3º, e 301, § 4º). Permite-se com tais objeções o oferecimento de defesas antes da efetivação da penhora ou do depósito e ao longo de todo o arco procedimental, pois não estão  sujeitas à preclusão; o demandado pode insurgir-se contra a execução, antes de seguro o juízo, que autoriza a oposição de embargos por petição dirigida aos próprios autos do processo executivo."

 

                        Na visão de Antônio Carlos Costa e Silva, se a hipótese for de ausência  de pressupostos processuais, o Juiz não poderá  abster-se de conhecer a  exceção de pré-executividade, uma vez que tem por dever zelar pela regularidade do feito. Neste aspecto é que o autor assevera, ao falar dos deveres do Juiz perante as partes, que aquele "não poderá deixar de extinguir o processo quando lhe faltar qualquer dos pressupostos processuais (art. 267, IV combinado com o art. 598, do CPC)".

 

                        Sendo assim, é de se imaginar o quanto de ônus a decisão pode abreviar para o exeqüente indevidamente demandado, em hipóteses em que não existe a relação jurídica invocada pela parte autora ou há, no título, nulidade que o torna imprestável a exigir a obrigação que supostamente encerra.

 

                        Um caso típico é o de falsidade do documento ou da assinatura nele lançada, ou, ainda, de emissão maliciosa e fraudulenta, como ocorre no desconto de duplicatas que não correspondem a uma venda real.

 

                        Nesse plano, seria injustamente oneroso exigir que o devedor gravasse seu patrimônio para só então demonstrar a estapafúrdia inexigibilidade do título executivo, movimentando  ação de embargos, que se rege pelo processo de conhecimento, com a exigência de dispêndio de valores nada módicos e experimentando, às vezes por anos, o dissabor da morosidade do Judiciário para ver anulada a pretensão executória.

 

                        Para Paulo Henrique dos Santos Lucon "quando o título não existe ou quando a sua própria existência é posta em discussão, seria uma ilegalidade exercer constrição sobre o patrimônio obrigado, justamente porque para tanto falta o elemento legitimador possível – ou seja, o título executivo".

 

                        Da mesma sorte, é o entendimento de Araken de Assis, muito embora vislumbre a dificuldade para fazer valer a exceção sem garantia  de juízo e oposição de embargos – mas entendendo-a  plenamente admissível, sobretudo para evitar prejuízos imotivados à parte -, se não veja-se:

 

"O principal óbice à admissibilidade desta exceção reside como regime legal da oposição do devedor. Como é notório, o Código criou remédio universal e único contra a execução, a ação incidental de embargos, e condicionou-a, outrossim, à penhora (art. 737, I) ou ao depósito (art. 737, II). Em contrapartida, conferiu efeito suspensivo ao contra-ataque  do executado. Inúmeras vezes, porém, a suspensividade dos embargos se revela inútil. O depósito da coisa ou a penhora expressiva no patrimônio pode acarretar paralisação das atividades econômicas do devedor e outras conseqüências imprevisíveis".

 

2.7 – A Exceção de Pré-Executividade como Substituto dos Embargos do Devedor.

 

                        Torna-se necessário evidenciar que a Exceção de Pré-Executividade não pode ser vulgarizada ao ponto de ser utilizada  em substituição aos embargos. Importante frisar que seu cabimento é restrito às situações especiais em que, pela própria ausência de título, ou outro pressuposto processual subjetivo ou objetivo, o processo executivo tenda à extinção futura.

 

                        Destarte, nada mais lógico do que antecipar seu aniquilamento induvidoso. Há, porém, casos em que a emissão do título pelo devedor de próprio punho, como por exemplo o cheque ou a nota promissória, ou, ainda, por instrumento público, onde confessa a dívida, consolidam uma certeza inicial  de validade da dívida que não pode ser afastada por mera alegação de invalidade em sede de exceção de pré-executividade.

 

                        Nas referidas situações, os embargos são a modalidade necessária para a investigação das provas e razões que levaram o executado ao inadimplemento da pretensão deduzida. Se admitirmos discutir o mérito em casos análogos, seria o mesmo que vulnerar os princípios que informam a execução, instaurando um inexistente  contraditório em terreno  impróprio que é o processo executivo.

 

                        Assim sendo, o Juiz, atento aos preceitos processuais, somente deferirá o pedido em exceção de pré-executividade quando, de plano ou pela prova sucinta produzida pelo demandado, vislumbrar  a inexorável improcedência  de execução encetada. Na hipótese de existir a menor dúvida, ou sendo a matéria afeta ao mérito da causa debendi, com possibilidade de  manutenção do título executivo ou reconhecimento da relação jurídica que lhe deu origem, deverá, por prudência, reservar a discussão da matéria para os competentes embargos.

 

                        Percebe-se que esta atuação deve ser tratada com status de premissa ao bom desempenho da atividade judicante, pois a viciação do título executivo, que a rigor goza da presunção de liquidez, certeza e exigibilidade, têm caráter excepcional.

 

                        Mais uma vez invoca-se Araken de Assis, que discorrendo sobre o controle dos pressupostos processuais e da pretensão de executa, assinala que, em geral, sua análise "envolve 'assunto que o Juiz deve examinar  de ofício' ao lhe ser apresentada a inicial." (...) "Embora não haja previsão legal explícita, tolerando o órgão do judiciário, por lapso, a falta de algum pressuposto, é possível o executado requerer seu exame, quiçá  promovendo a extinção da demanda executória, a partir do lapso  de 24 hs., assinado pelo art. 652. Tal provocação de matéria passível de conhecimento de ofício pelo Juiz independe de penhora e, a fortiori, do oferecimento de embargos (art. 737,I)."

 

                        Ao tratar desse aspecto, Humberto Theodoro Júnior é bastante criterioso, quando aduz, textualmente, o seguinte: "É claro, porém, que tal incidente só pode ser eficazmente promovido quando a causa de nulidade ou de inviabilidade da execução for absoluta e notória, pelos próprios elementos dos autos. Se para alcança-la for necessário revolver fatos e provas de maior complexidade, somente por via dos embargos a defesa será argüível. Não é admissível  que, a pretexto  de exceção de pré-executividade, pretenda  o devedor a instauração de uma dilação probatória contenciosa, sem observar os pressupostos dos embargos da execução".

 

                        O que se observa, na maioria dos casos, é a movimentação da máquina judiciária, mesmo em sede de embargos, com fito meramente procrastinatório, o que deve ser evitado.

 

                        Como veremos mais adiante, a jurisprudência, atenta às mostras  contumazes de esperteza por parte dos devedores, tem sido coerente nos seus julgados, não admitindo os expedientes  tendentes a driblar  o roteiro traçado  pelo Código para a oposição  ao débito constituído no título, conforme demonstrado a seguir:

 

EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – SUSPENSÃO DO PROCESSO – SUSPENSÃO ANTES DA PENHORA – IMPOSSIBILIDADE –

Execução por título extrajudicial, suspensa antes da penhora, para aguardar-se pelo exeqüente oferecida em ação declaratória do valor do débito, em outra Vara ajuizada. Não se inscrevem o ajuizamento da declaratória e a exceção como causas de suspensão da execução. De previsão estrita (art.791, do CPC). Nem incide a hipótese do art. 265, IV, consoante prevalente orientação jurisprudencial. Não se configura exceção de pré-executividade. Em tema de execução , a defesa do devedor se exerce por meio de embargos (art. 741) ou de exceção de incompetência, se for o caso (art.742). Agravo provido para prosseguir-se a execução.

 

AGRAVO REGIMENTAL – EXECUÇÃO – COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU – DESNESSECIDADE DE  CITAÇÃO – ART. 214 § 1º DO CPC – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – MATÉRIAS IMPERTINENTES.

O comparecimento espontâneo do réu torna desnecessária sua citação – Excesso de execução oriundo de cobrança de juros acima do limite constitucional é matéria a ser suscitada em embargos e não em exceção de pré-executividade.

 

                        Dessa forma, apresenta-se como alcance do instituto da exceção de pré-executividade dar conhecimento ao juízo da execução, de circunstância que fulmina o processo executivo e pode ser conhecida de ofício por este.

                                               

                                               

 

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