Buscalegis.ccj.ufsc.Br
Apontamentos
acerca da responsabilidade pré-contratual
Bruno Felipe Arribas, Diego Gomes, Mariana Dantas de
Paula , Matheus Gama Correia
acadêmicos de direito da Faculdade de
Direito do Recife CCJ-UFPE
Sumário: 1. Introdução. 2. Breves Considerações Acerca da Responsabilidade e Tipologia no Direito Privado. 3. O Processo Contratual Enquanto Justificativa de uma Responsabilidade Pré-contratual. 4. Acerca da Confiança e da Boa-Fé Objetiva. 5. A Responsabilidade Pré-contratual sob o Prisma do Direito do Consumidor. 6. A Fase de Negociação e os Deveres dos Possíveis Contratantes. 7. Os Deveres Específicos na Fase da Oferta. 8. Disposições Finais. 9. Bibliografia. 10. Notas
1. INTRODUÇÃO
No
Brasil, há um certo tempo, ingressou-se na justiça com uma ação a respeito da
publicidade de um aparelho de TV estéreo, o primeiro no país, na qual se
veiculavam as vantagens para o consumidor em sua obtenção. Na exibição, não foi
devidamente informado que a qualidade de som estéreo dependeria da aquisição de
outra peça específica, além do aludido aparelho. Casos como esse são
vislumbrados ordinariamente e exibem a regra da posição de hipossuficiência do
consumidor nas relações consumeristas, especificamente nesse caso quanto à
obtenção de informação clara e completa sobre o produto que se deseja adquirir.
Com
a complexificação de produtos e serviços, a incompreensibilidade para o
consumidor cresce em relação àqueles juntamente com sua posição de fragilidade,
dando legitimidade à obrigação de informar coerentemente, corolário da regra de
conduta objetiva infra-analisada.Aquele que fabrica ou disponibiliza à venda um
produto tem o dever de indicar o seu modo de emprego e como utilizá-lo
corretamente, assim como alertar para possíveis "contra-indicações"
do bem ou serviço.
Ainda,
de se inolvidar emergirem princípios outros que são bases dos apontamentos
expostos neste estudo, quais sejam, o dever de informar o consumidor por parte
do fabricante, o dever de não abusar etc.
A
ratio de tais deveres é centrada no princípio da boa-fé entre as partes,
exigida igualmente antes, durante e após a relação entre fabricante-prestador e
consumidor. Através da informação, deve-se evitar danos supervenientes ao que
adquire, exibindo uma nota hierarquicamente superior da prevenção quanto à
reparação, ou seja, atualmente existe como que um mecanismo preventivo a
proteger o hipossuficiente e que é preferível à reparação pela situação danosa
que se lhe cause.
De
tal maneira, fica obrigado o prestador ou fornecedor a informar de modo
manifesto e mais claro possível, com dados exatos, verazes e completos sobre
quantidade, qualidade, preço, composição, dentre outros, a fim de que qualquer
indivíduo de mediana inteligência possa ser capaz de optar pela concordância ou
não, conscientemente, de ingressar no vínculo negocial ou mesmo iniciar sua
entabulação.
Exatamente
do não cumprimento da norma de boa-fé, como aqui em comento, nas fases da
relação pactuada é que surge a possibilidade de incidir responsabilidade, como
castigo, sobre o agente obrigado a atuar de forma a não vulnerar as máximas
legais e sociais. Para o caso de a improcedência comportamental sobrevir no
momento de iminência contratual, ou seja, por ocasião de conhecimento e
tratativas por parte do consumidor/contratante acerca do produto ou serviço, há
a incidência da responsabilidade pré-contratual subseqüente à omissão ou
mascaramento da informação, falta de diligência ou mesmo má-fé da outra parte.
Nesta
perspectiva preliminar, propomos o presente estudo.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA
RESPONSABILIDADE E TIPOLOGIA NO DIREITO PRIVADO
Devidamente
inspirado nos anseios de justiça do ser humano, emerge o senso de
responsabilização de um agente por um dano que este tenha provocado ou cujo
resultado lhe seja de alguma forma imputado, em face de outrem, a quem
logicamente será devida a compensação ou ressarcimento. A tradição traz à
existência o princípio clássico "In lex Aquilia et levissima culpa
venit" segundo o qual, desde que haja a culpa, o agente vincula-se a
indenizar a vítima, não importando o grau deste elemento subjetivo.
Entende-se,
subseqüentemente, responsabilidade como obrigação que vincula um sujeito
perante outro, em razão de um prejuízo causado, atribuído ao responsavelmente
vinculado por fato próprio, ou de pessoas ou coisas que daquele exalam
dependência.
A
priori, necessária
apresenta-se a tipologia no Direito Privado atentando para as seguintes
distinções.
A
dicotomia responsabilidade civil x responsabilidade penal é a primeira das
propostas no presente estudo. É fato que nem sempre existiu tal distinção como
se observa em tempos de hoje. No Império Romano, não havia diversidade entre
uma e outra espécie de responsabilidade; "tudo, inclusive a compensação
pecuniária, não passava de uma pena imposta ao causador do dano". (1)
Hodiernamente,
a distinção surge e alerta para o fato de a ação ou omissão de um determinado
agente acarretar a imposição de responsabilidade civil ou penal, isoladamente,
ou ambas concomitantes.
Enquanto
a responsabilidade penal faz-se agir devido à imposição de norma de direito
público e o interesse eminentemente lesado é o da coletividade, tendendo à
punição (forma mais grave de reprimenda), a responsabilidade civil sobrevém à
ocorrência de ultraje a interesse privado, curvando-se à reparação ou
compensação do evento danoso. Nessa espécie de responsabilidade, não é o réu
senão a vítima que enfrenta entidades poderosas, como multinacionais ou o
próprio Estado (2). Além disso, qualquer ação ou omissão pode ser
estopim para detonar a responsabilidade civil, a despeito da penal na qual a
tipicidade é um dos requisitos genéricos e basilares. Finalmente, quanto à
imputação penal, a culpabilidade é menos ampla que na civil, segundo aquele
princípio (In lege Aquilia et levissima culpa venit), pois que a nota é
de pessoalidade e intransferibilidade, tendo sua efetuação, em último caso, com
a privação de liberdade.
Momentos
há em que o não cumprimento do dever por parte do agente causador de dano é
gerado de um inadimplemento de avença entre os componentes da relação, e há
casos nos quais a infração de um dever legal acarreta incidência de
responsabilidade. Nas duas situações, os requisitos para imposição de
responsabilidade foram atingidos, mas a origem foi diversa. Enquanto discussão
acerca da gênese do dever de reparar, pode-se diferenciar outras duas espécies
de responsabilidade, a saber, a responsabilidade contratual e a
responsabilidade extracontrato, por vários alcunhada aquiliana.
O
que se exibe é que, enquanto na responsabilidade contratual há o descumprimento
do pactuado, tornando-se o agente danoso inadimplente, na responsabilidade
extracontratual há infração de dever legal a despeito de prévio vínculo
jurídico entre vítima e causador do dano. Nessa última, cumpre ao agente
lesivo, qualquer que venha a ser ele, a reparação do prejuízo, enquanto dentro
do campo da responsabilidade contratual o menor só se vincula assistido por seu
representante legal. Ademais, na responsabilidade aquiliana a vítima possui o
encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano, o que dificulta sua
posição (diga-se de passagem); enquanto na outra espécie, demonstrado pelo
credor que a prestação foi descumprida, o onus probandi converte-se para
o inadimplente, que terá de evidenciar a inexistência de culpa por sua parte,
ou a existência de qualquer uma das excludentes da responsabilidade, elencadas
em parágrafo subseqüente.
"Maneiras
diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano". São as palavras de
Sílvio Rodrigues (3) ao explicar que responsabilidade subjetiva e
responsabilidade objetiva não são duas formas diferentes de responsabilidade,
senão ângulos de visão de um quadro. A primeira delas, a subjetiva, tem a culpa
como fundamento da responsabilidade civil, em uma clara influência da teoria
clássica. Em contrapartida, a objetiva, funciona através de uma imposição legal
de reparação sem culpa, ou seja, satisfaz-se somente com dano e relação de
causalidade, sendo firmada na teoria do risco.
O
Código Civil Brasileiro traz a teoria subjetiva, fundamentada na culpa, em sua
prescrição ordinária. O art. 159 do antigo Código Civil erige dolo e culpa como
fundamentos para a obrigação de reparar o dano, seguindo a tradição e a
orientação estrangeira. O Código Civil de 2002 traz novel redação em vista de
seu equivalente, o art. 159 da obra de 1916. Na antiga disposição há a
determinação de que "aquele que viole direito ou cause prejuízo a outrem
fica obrigado a reparar o dano", em outros termos, a partícula disjuntiva
"ou" dá margem à interpretação errônea de disposição
alternativa, quando na verdade o que se quer dizer é que tanto a violação de
direito como a ocorrência de dano são necessárias à indenização. O Novo Diploma
corrige a disposição cambiando a partícula disjuntiva pela aditiva "e",
conferindo o verdadeiro sentido da norma. Igualmente, é de importância citar
que a responsabilidade objetiva também é aplicada, sendo exceção à regra e
prevista nos artigos 1527 a 1529 do CC/1916, dentre outros. (4)
Em
verdade, diz-se que o art. 186 e o art. 927 do Novo Código Civil são
conjuntamente a correspondência ao art. 159 do atual Código com devidas
alterações e melhoria de redação, corrigindo imprecisão terminológica. Também
há de salientar que o Novo Código contribui com uma organização de dispositivos
sobre Responsabilidade Civil, devidamente elencados nos artigos 927 usque
954, título X, Livro I, Parte Especial da nova Lei. Pela primeira vez,
reúnem-se os dispostos sobre o tema responsabilidade, fazendo algumas alterações
importantes e necessárias.
Apreciando-se,
portanto, o codex civil brasileiro, não importa se o atual ou o de
vigência finda, vislumbram-se os pressupostos para que um agente seja compelido
a se responsabilizar por dano a outrem. São quatro os requisitos: ação ou
omissão do agente, culpa do atuante, liame de causalidade e dano experimentado
pela vítima.
O
primeiro deles, a ação ou omissão do agente, refere-se tanto a um ato próprio
do agente danoso como a um ato de terceiro ou de coisas, incluem-se animais,
sob guarda ou proteção do mesmo. Assim, tanto o ato positivo do agente como a
negativa de conduta podem ensejar imputação sobre si.
Tal
referência à ação ou omissão do agente traz à baila importante distinção entre
negligência e imprudência, termos em que a maioria dos autores teima confundir.
No que pertine à responsabilidade pré-contratual, a negligência é a falta de
informação, ou seja, a conduta negativa. Doutra feita, a imprudência é a
falsidade da informação, isto é, a ação positiva. Assim, para receber quaisquer
indenizações, a vítima deve provar, apesar das dificuldades de se a evidenciar,
a culpa do agente, seja negligente, seja imprudente.
No
século XIX, o grande jurista Rudolf von Jhering adotou verdadeiramente uma
posição de vanguarda ao afirmar a existência da responsabilidade antes mesmo da
formação de contrato. Segundo o ilustre, a idéia de responsabilidade
pré-contratual reside na culpa. No momento da formação contratual, para Jhering,
há a mesma diligência exigida no período de execução, surgindo então o famoso
conceito de culpa "in contrahendo", que assim é denominada por
ser contraída durante a formação do contrato em um âmbito de responsabilidade
de índole contratual na sua concepção (5).
Caso
deseje extinguir ou atenuar o dever de reparar dano à vítima, o agente deve
fixar-se nas alegações de excludentes da responsabilidade, a saber, a culpa da
vítima, fato de terceiro, o caso fortuito (ação de poderes da natureza contra os
quais não se pode lutar ou impedir sua ocorrência ou suas conseqüências) e
força maior (poder irresistível) e a cláusula de não indenizar. Dessa forma,
por instância e como havíamos supradito, o grau de culpa da vítima pode
diminuir a obrigação do agente, ou até mesmo extirpá-la (compensação).
Basta que haja a análise de se a culpa da vítima foi exclusiva, razão de
exclusão total da responsabilidade de reparar, ou se foi concorrente, o que
ameniza a reparação de dano. Outro ponto bastante controvertido é a
possibilidade, ou não, de haver entabulação acerca da cláusula de não
indenizar, a qual livraria o agente do dano de qualquer reparação perante a
vítima em potência, pelo fato de ela mesma havê-lo desobrigado de tal vínculo.
3. O PROCESSO CONTRATUAL ENQUANTO
JUSTIFICATIVA DE UMA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Como
já ressabiado, a responsabilidade "contratual" (entendida lato
sensu como a proveniente dum vínculo não só legal) não se implementará
apenas no decorrer da vigência de uma relação jurídica formalizada e tipificada
dogmaticamente como contrato, pois este é apenas a materialização para fins de
segurança e garantia jurídica de que ambos os sujeitos cumprirão o que fora
acordado pela vontade e liberdade de cada um deles, respeitando e atendendo as
expectativas do outro que tenha agido com honestidade e boa fé.
É
pacífico na doutrina civilista que o contrato seria a fonte "natural"
e primeira das obrigações e, por inferência lógica, das responsabilidades
tipificadas como contratuais ou não-aquilianas. Mas ao se reportar à
conceituação do mesmo pode-se incorrer no sutil, mas comum, equívoco de se
limitar à referência a uma relação jurídica entre dois sujeitos em virtude de
um objeto e estabelecendo uma vinculação formal geralmente documentada. Não há
considerar tal simplicidade ao abordar o problema, particularmente dentro da
perspectiva da doutrina que já permeava o Código Brasileiro de 1916, no qual
contrato é tido como "negócio jurídico" caracterizado pela manifestação
da vontade humana, em acordo com outra, expressa na intenção de gerar efeitos
jurídicos. Não se deseja aqui entrar no mérito de discutir, por ora, a
pertinência jurídica de tal apreciação, mas vale aplaudir a iniciativa de
definir a partir da essência e não das partes.
Segundo
Enzo Roppo (6), o contrato não seria um elemento constatável da
realidade física, mas ulteriormente externado numa seqüência de atos e
comportamentos humanos que caracterizariam um processo. Seus principais esteios
seriam a vontade e a liberdade de contratar, sem invadir a seara da competência
exclusivamente pública e respeitando os ditames jurídicos no que se refere à
capacidade do agente, forma e atributos legais do objeto.
Se,
por um lado, a aferição da autonomia da vontade parece de uma subjetividade
filosófica incompatível com a fundamentação positiva do direito de contratar e
das obrigações decorrentes do mesmo, por outro, autores como Luiz Fachin
atestam que é possível se deduzir a vontade de contratar a partir de
comportamentos concludentes, casos em que a pactuação não é exclusivamente
expressa a partir de uma declaração de vontade dimanada a teor da linguagem,
mas também de atitudes outras as quais podem-se considerar manifestações
tácitas da vontade (7) subsumidas na experiência.
De
fato, mesmo o silêncio, assim como qualquer comportamento que revele de modo
inconteste a intenção em, de acordo com as circunstâncias vigentes, realizar e
fazer executar um contrato, tem o valor jurídico de justificar a existência de
obrigações não decorrentes da defesa do interesse contratual positivo, ou seja,
aquele de realizar o adimplemento, mas do que se chama interesse contratual
negativo referente à ofensa à confiança (8). Quer dizer, não é
imprescindível que para uma responsabilização por violação do dever de conduta
constate-se a verificação de um vínculo pactuado, pois é juridicamente
conveniente que não se tutele apenas o campo dogmático-contratual (referente ao
conteúdo e legalidade das cláusulas), mas também as probas intenções ao
negociar das pessoas concretamente envolvidas.
Isso
é legítimo, pois, se o contrato possui a qualidade de em regra ser obrigatório,
quem o celebra de alguma forma se preparava desde outrora para que suas
cláusulas fossem passíveis de cumprimento, e esperava o mesmo empenho da outra
parte. Noutras palavras, existe, desde o momento da manifestação da vontade de
contratar (determinado já pela existência de comportamentos concludentes), um
compromisso entre aqueles que negociam, o qual pode ser interpretado como um
vínculo da mesma natureza do que enseja a imputação por um "lesionamento
contratual" – de responsabilização.
Destarte,
durante as negociações, cada um dos contratantes terá que zelar pela retidão,
honestidade e boa fé para que uma eventual desistência de contratar não
represente prejuízos financeiros ou morais injustos para a outra parte. Tal
atitude, como é cediço, viabiliza a confiança mútua entre os que contratam,
facilitando um diálogo mais fluente, primordial ao equilíbrio da relação e se
converte na garantia jurídica de que as discussões prévias à formalização do
contrato, nas quais cada um defenderá seus interesses buscando um acordo que
melhor faça convergir as vontades em questão, não representem qualquer
prejuízo.
A
responsabilidade pré-contratual surge, então, como um incentivo e uma garantia
à fundamentação do contrato dentro da perspectiva de zelar por sua função
social. Ora, se num sentido amplíssimo qualquer relação humana tem uma
determinada natureza contratual (se se é moralmente responsável pelo que se
cativa), seria pouco ético, como incongruente, que o Direito não reconhecesse a
responsabilidade decorrente de pré-contratações corroboradas por manifestações
de vontade juridicamente relevantes que, na verdade, constituem a essência dos
contratos.
Sem
dúvida é bastante dialética a relação de derivação entre os conceitos de
contrato, obrigação, responsabilidade e vontade. Se a princípio temos que a
vontade é a fonte dos contratos, que por sua vez ensejam obrigações
fundamentadoras de responsabilidade, a mesma vontade denota a existência de uma
responsabilidade, ligada ao conceito de capacidade (jurídica, econômica e
intencional) em assegurar o cumprimento das obrigações acerca das quais um
possível contrato possa deliberar.
Portanto,
vale observar o negócio jurídico, seus caracteres e efeitos como constituintes
de um complexo encadeamento de manifestação de vontades e obrigações, inerente
aos relacionamentos humanos que a partir de um determinado momento adquirem
relevância jurídica por culminarem numa espécie de responsabilidade que
antecede um encontro volitivo firmado formalmente, em virtude da possibilidade
concreta de danos reais por recusa ou desistência injustificadas em contratar.
Assim, vê-se que as implicações contratuais não se iniciam e encerram nos
parâmetros formais de celebração e de extinção, mas possuem eflúvios que
precedem e sucedem o vínculo estrita e fixadamente contratual.
4. ACERCA DA CONFIANÇA E DA BOA-FÉ
OBJETIVA
Embora
a boa-fé seja um princípio norteador das relações jurídicas privatísticas desde
os clássicos tempos romanos (bona fides), sua modalidade objetiva deriva
mais precisamente do direito germânico enquanto dever de cumprimento da palavra
dada em jura.
Presente
pioneiramente no Código Napoleônico em seu artigo 550, porém sem descambar em
qualquer dever, a boa-fé objetiva será uma das bases da responsabilidade
pré-contratual propagada a partir da jurisprudência alemã para as legislações
civis de países como Portugal (CC art. 227/1 – culpa na formação do contrato),
Itália (CC art. 1175 e 1337 – "regole della corretezza") e Estados
Unidos (Uniforme Commercial Code Seções 1-201 e 1-203 – "on good
faith") (9).
Na
legislação pátria tal princípio estará evidenciado principalmente no Código de
Defesa do Consumidor em seus artigos 4, III e 51, IV, bem como na Lei 10.406 de
10 de Janeiro de 2002, instituidora do Novo Código Civil, em seus artigos 112,
113, 421 e 422. Fora isso, temos apenas referências indiretas sobre as quais a
jurisprudência pátria se baseia para fazer alusões interpretativas; dentre tais
podem-se citar: artigo 4o da LICC, artigos 85, 109, 112, 1002, 1073,
1404, 1405, 1438, 1443 e 1444 do Código Civil de 1916, o artigo 131 inc. I do
Código Comercial e o Código de Processo Civil em seu Artigo 14 inc. II (10).
De
fato a maioria das referências citadas versará sobre o enfoque subjetivo da boa
fé, o qual se deve diferenciar daquele presentemente tratado. Como é comum na
doutrina, a boa-fé subjetiva atentaria ao animus de licitude na relação
intersubjetiva enquanto, por sua vez, a boa fé objetiva seria um paradigma de
comportamento esperado de um ser humano probo e escorreito. Em outras palavras,
enquanto a modalidade subjetiva pode ser entendida como a intenção de agir
conforme o Direito, a objetiva impõe um dever de conduta, uma norma de
comportamento em acordo com padrões socialmente recomendados de idoneidade moral
para não frustrar as expectativas de um outro contratante.
Ao
mesmo tempo em que "cria" obrigações anexas ao contrato, evitando
conflitos relacionados à violação do dever de confiança em virtude de condutas
sociais que contrariem determinados deveres pré-contratuais, tratados a seguir,
a boa-fé objetiva limitará o exercício abusivo dos direitos em acordo com o
dever constitucional de se observar a função social do contrato (11).
Desde
que os ordenamentos jurídicos evoluem da influência de um liberalismo
radicalmente individualista para as moderações sociais do Estado Democrático de
Direito, o dever de respeito à dignidade humana tem sido imposto em todos os
âmbitos de atuação estatal: seja numa esfera legislativa, em que se buscam incluir
normas definidoras de princípios sociais, seja na orientação de que o
judiciário zele pelo predomínio do valor humano e pela proteção daqueles
contratantes em desvantagem evidente nas negociações contratuais e
freqüentemente à mercê de uma igualdade aparente nas relações obrigacionais.
Isso significa que, hoje, quando já iniciado o processo contratual a partir do
estabelecimento das primeiras negociações, as pessoas terão liberdade para
formalizar ou não o negócio jurídico, desde que valorizando a confiança
depositada pelo pólo oposto da relação dentro da perspectiva de não ser traído,
ou prejudicado por negociações intencionalmente infrutíferas.
Em
termos práticos, a boa fé-objetiva deve reger todo o período pré, entre e
pós-contrato (dentro daquela concepção de contrato como processo, a que nos
reportamos), enquanto justificadora da responsabilidade decorrente do
descumprimento das obrigações conexas por ela engendradas. Particularmente,
referindo-se à pré-contratação, tal princípio se aplica e desencadeia efeitos
jurídicos obrigacionais quando da recusa arbitrária em contratar ou da
desistência de um contrato já "entabulado".
No
primeiro caso, pode-se invocar a exigência sociológica de que cada um cumpra a
função inerente à atividade que escolheu exercer sem discriminações arbitrárias
ou espúrias quanto ao usufrutuário dos serviços prestados, ou comprador dos
bens postos à disposição do mercado. Ora, se por um lado ninguém é obrigado a
vender ou a oferecer um serviço, quando se dispõe a fazê-lo, tem o dever de
contratar com todo aquele que de boa índole e de plena capacidade civil e
econômica o busca para tal.
Podemos
citar, por exemplo, o caso de um farmacêutico que se recusasse a vender
remédios a determinado desafeto seu, ou a um negro, ou a um qualquer do vulgo.
Ocorre que a insistência em não efetuar o negócio contraria os fins econômicos
e sociais do contrato (o suprimento de determinadas necessidades sociais versus
a aferição de lucros pelos empresários), além de serem repulsivas à moral e aos
bons costumes razões tão fúteis para se frustrarem as expectativas de quem
deseja comprar. Sendo assim, evidencia-se a responsabilidade do comerciante em
indenizar os danos decorrentes de uma eventual situação constrangedora ou
vexatória para quem confiou na sua intenção de contratar e foi injustamente
repelido por conveniência ou comodismo pessoal ou de terceiros.
Por
sua vez, enseja também responsabilidade a desistência repentina e injustificada
das primeiras negociações. Os problemas se configuram juridicamente quando a
análise das circunstâncias, nas quais se encontram as preliminares contratuais,
permita deduzir que ambos os negociantes possuem uma inclinação sincera e
iminente à realização do contrato em questão e um dos postulantes toma a
decisão arbitrária e abusiva de romper com as tratativas. Ora, dependendo do
caso, a parte que confiava na realização do contrato abortado e é surpreendido
pela atitude de outrem pode ser seriamente prejudicado, inclusive em termos
materiais em virtude de uma série de atos preparatórios onerosos em termos de
tempo e dinheiro que visavam sinceramente a possibilitar ou facilitar as
negociações (viagens, documentos etc.).
Inclui-se
nessa hipótese o exemplo de quem se propõe a vender um imóvel a outrem e,
marcado o encontro para resolver a transferência de escrituração, desiste do
negócio em virtude de uma proposta melhor ou de uma feita por amigo íntimo. O
comprador originário no caso, pode ter vindo de outra cidade e preterido a
possibilidade de adquirir outros imóveis além de ter acertado a entrega da
moradia da qual ele era inquilino na perspectiva de se mudar para sua nova casa
de acordo com os prazos definidos naquelas negociações. Não seria justo que
esse comprador arcasse sozinho com os prejuízos em virtude de uma
desarticulação unilateral e arbitrária do contrato pelo proprietário quando o
comprometimento negocial já se encontrava adiantado.
Cabe,
neste caso, a reparação pelo ocasionamento do eventus damni, uma
indenização por responsabilidade pré-contratual adequada às particularidades da
situação de prejuízo da vítima e capaz de reprimir a desobediência ao dever de
lisura e confiabilidade a que procedeu o alienante, o qual podendo se comportar
de modo objetivamente tendente à venda a um sujeito determinado recuou
injustamente faltando com sua palavra ou uma sua qualquer externação
convincente.
Na
perspectiva da concepção do contrato como um processo, pode-se aludir aqui ao
desrespeito de um compromisso de natureza análoga ao do princípio da
obrigatoriedade contratual (pacta sunt servanda). Busca-se, ao invocar a
boa-fé objetiva como norma de conduta, promover a garantia de que as obrigações
decorrentes da manifestação de vontade por qualquer espécie de comportamento
concludente terão tutela jurídica originando, pois, responsabilidade.
5. A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTATUAL E O
DIREITO DO CONSUMIDOR
A
análise da temática no âmbito do Direito do Consumidor faz-se essencial, seja
por trazer a discussão de novos institutos e teorias ao Direito Civil, seja
pelo caráter supletivo que o Código do Consumidor veio a ocupar ante a lacuna
deixada no campo do direito privado brasileiro, com a demora de atualização do
Código Civil.
Para
que possa haver uma melhor visualização do fenômeno da responsabilidade
pré-contratual, a análise privatista costuma dividi-la em dois feitos: a recusa
de contratar e o rompimento das negociações preliminares (12), como
visto anteriormente. Analogamente, pode se fazer uma outra distinção em campo
de estudo dividindo o processo pré-contratual em duas etapas distintas: a de
negociação e a da oferta.
Este
aparte é necessário não só pelo cunho didático, mas por terem estas fases recebido
tratamento jurídico diferenciado, pois a negativa de cumprimento da oferta tem
suas conseqüências postas em dispositivos legais, o que não acontece com os
possíveis danos decorrentes da fase de negociação, que têm, constantemente, de
se inspirar em o princípio geral da boa-fé objetiva. A oferta já traz uma
manifestação de vontade inequívoca de contratar e, enquanto não revogada até o
momento legalmente permitido, é obrigatória (13). Já as negociações
preliminares não traduzem uma vontade definitiva de vincular-se ao contrato
(14). São tratativas. Inobstante isso, não se pretende indicar que os
efeitos decorrentes da quebra dos deveres da fase de oferta estejam
integralmente disciplinados no CDC, tendo que muitas vezes o aplicador recorrer
aos citados princípios para uma plausível resolução do caso. Será necessária a
análise das circunstâncias concretas para a distinção de cada um dos fenômenos in
casu.
6. A FASE DE NEGOCIAÇÃO E OS DEVERES DOS
POSSÍVEIS CONTRATANTES
O
contrato necessita de um período anterior a sua formação de discussões e
ajustes para sua melhor adaptação à vontade dos contratantes. Período este que
pode ser mais ou menos longo e complexo quando, v.g., o contrato envolve
interesses econômicos relevantes ou quando há necessidade de se observarem
diversos dispositivos legais.
Existe,
portanto, a necessidade de amadurecimento das tratativas para que se culmine na
realização do contrato. É a esta fase que nos reportaremos agora e que
denominaremos negociação.
Se,
pelo citado nos demais itens, comprova-se a orientação da responsabilidade
pré-contratual pelo princípio da boa-fé (confiança), é de se apreender, na fase
de negociação, alguns deveres derivados deste preceito que hão de ser
observados pelas partes com intuito de evitar dano à outra, ora para evitar os
vícios de vontade, ora para permitir a realização do contrato. Referimo-nos aos
deveres de lealdade, de bem-informar e de não abusar.
Tais
incumbências, que segundo parte da doutrina são secundárias na relação
contratual, apresentam-se, em verdade, como essenciais no estágio de negociação
(15). Isso de tal forma é, que remansa o fato de que a sua não
observância dará sanchas à indenização por perdas e danos porventura existentes
pelo desrespeito à máxima da confiança.
O
dever de lealdade, consiste, segundo o Professor Antônio Junqueira de Azevedo,
numa exigência de confidencialidade (16). O Código de Defesa do
Consumidor não se refere expressamente a esta carência legal. Importa ressaltar
ainda que não há de se confundir o supradito, que é anterior à realização do
contrato, com o explicitado no inc. VII, do art. 39 – sobre repasse de
informações depreciativas - que é posterior ao contrato, como se nos apresenta.
Decerto,
há uma dada dificuldade de utilização do princípio no Direito do Consumidor,
devido à natureza das relações de consumo em serem mais propícias aos contratos
de adesão. Todavia a hipótese pode ocorrer, consoante exemplifica o Professor
Azevedo, com o "médico plástico, que divulga o fato de artista conhecido o
haver procurado; ou o advogado, que revela ter sido procurado por político que
pretendia se divorciar" (17). Consiste assim a lealdade,
especialmente em relação ao dever de manter sigilo, num dever negativo
resultante da cláusula geral de boa-fé objetiva.
Seguindo
no estudo, o dever de informar reporta a uma negativa do estado silente deveras
lesivo, decompondo-se, desta forma, nos deveres de esclarecer sobre as
características do objeto do negócio; de aconselhar sobre as atitudes
mais indicadas na realização do contrato para prosperidade das intenções da
outra parte; e o de advertir, se houver riscos, dos danos que possam ser
causados. Possui, portanto, gradação de austeridade, conquanto mais veemente
haja de ser a cientificação. O inc. III do art. 6º do CDC incluiu o Direito à
Informação como direito básico do consumidor, devendo o fornecedor
"informá-lo sobre os diferentes produtos e serviços, especificações,
características, composição, qualidade e preço, assim como os riscos que se
apresentam."
Fundamenta-se
a previsão no fato de poder a coisa tratada causar ao seu adquirente um dano
ainda que não apresente ela qualquer defeito. O agravo, no caso, resultaria da
má utilização do objeto, por falta de informação. Esse dever, segundo o insigne
douto, "se limita ao conteúdo do contrato, especialmente as qualidades
essenciais do objeto, e não à oportunidade ou vantagem do contrato (isto é, se
a mercadoria dentro em pouco, vai ficar mais barata ou se há no mercado, outra
superior pelo mesmo preço); quanto a esses dois pontos, vale a velha máxima caveat
emptor, ‘cuide-se o comprador’". (18)
No
mais, o dever de informar já era citado no Código Civil de 1916 em seu artigo
94, mesmo que de maneira genérica vez que "nos atos bilaterais, o silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte
haja ignorado, constitui omissão dolosa (...)". O dolo nos negócios
jurídicos, como meio ou artifício de provocação do erro constitui ato ilícito,
e mesmo acidentalmente acarreta a possibilidade de perdas e danos (art. 93 do
CC/1916).
Arrematando
o elenco ora proposto, cuidamos deixar assentado o dever de não abusar. Nos
contratos, há sempre uma gama de interesses das partes negociadoras cuja
harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. No
exercício dos direitos que são frutos das possibilidades legais da liberdade e
da vontade individual, o sujeito da relação não deve utilizar-se de uma posição
de ascendência técnica, financeira ou de qualquer outra para beneficiar-se na
relação através do prejuízo da parte alheia. Outrossim, ocorrerá abuso do
direito quando uma certa faculdade seja exercida em termos que ofendam o
sentimento de justiça dominante na comunidade social (19).
Antes
do CDC e do atual pergaminho civilístico, o abuso do direito, como ato ilícito
gerador de responsabilidade, ocorria como um princípio implícito decorrente da
exegese e da análise a contrario sensu do art. 160 do CC. Porém
com o novo Código Civil o dispositivo se aclara, consagrado que está o
princípio no art. 187 rezando que "também comete ato ilícito o titular do
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". O diploma de
proteção do consumidor já havia dedicado uma seção as práticas abusivas (Seção
IV, Cap. V) sendo que nesta apenas os incisos I usque V do art. 39 dizem
respeito a fase pré-contratual.
Necessita
o contratante, portanto, de observar este dever de não abusar, para evitar a
nulidade dos atos e as indenizações, conseqüências de seu ato violador.
A
última temática que devemos ter em atenção quando deste momento é a
responsabilidade causada pela rutura abusiva das negociações. Diversos são os
autores que indicam que o rompimento injustificado das tratativas iniciais é
causa de responsabilidade pré-contratual. Entre eles, assinala Orlando Gomes
(20) que "se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro
a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas para
possibilitar a realização do contrato, e depois, sem qualquer motivo, põe termo
às negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que
sofreu".
A
grande dificuldade quanto à responsabilização por dano causado pela desistência
de contratar refere-se à diferenciação entre quando esta decorre da plena
utilização das faculdades legais ou quando decorre do abuso do direito de livre
contratação.
Assim
faz-se mister que o estágio das preliminares da contratação já tenha imbuído o
espírito dos postulantes da verdadeira existência do futuro contrato (21)
para que seja caracterizada a responsabilidade pelo dano, explicitando aquelas
posições concludentes já ventiladas. Mesmo neste caso, é de se considerar que o
desistente pode ter motivos relevantes para a abdicação, v.g., morte de
parente próximo ou falta de idoneidade quanto ao outro contratante. Deste modo,
a apreciação não pode ser generalista, mas específica para cada evento
concreto.
Há
que se inolvidar, ainda, que a legislação não explicita nenhum dispositivo
quanto à rutura das negociações. Inclusive o CDC se revela omisso em relação ao
tema, pelo que se haverá de socorrer no princípio geral de boa-fé objetiva para
a argumentação do instituto em questão. Isto porque a responsabilidade
decorrente da quebra repentina das tratativas funda-se na teorização da quebra
da confiança como justificativa para a imputação do dano, alternativa
intermediária entre a tradicional dicotomia da responsabilidade civil como
resultante do contrato ou do delito.
Esta
greta abismal, no âmbito do Direito do Consumidor, pode se dar tanto por parte
do fornecedor, quanto do consumidor. Elucidativa a hipótese do pedido de
reserva de produto, antes de qualquer contrato. O consumidor que desperta a
confiança do fornecedor, e seguidamente a frustra, não indo buscar o produto,
pode causar prejuízo; o fornecedor, por sua vez, se promete a reserva e depois
não a logra, também pode causar dano ao consumidor. Esta base casuística será
esboço para a justa apreciação do magistrado.
Por
último, incumbe a ressalta de que não cabe propositura de uma ação de obrigação
de fazer para que o desistente conclua o contrato, vez que, sendo a desistência
de concluir o acordo lídima faculdade do que o propõe, a responsabilização não
pode implicar efeitos de suplemento volitivo (diferente da adjudicação compulsória
possível na promessa de compra e venda de imóvel). A quaestio se
resolverá, outrossim, em perdas e danos.
7. OS DEVERES ESPEFÍCIFOS NA FASE DA
OFERTA
Pelo
já concebido, temos o contrato tal qual um processo, em que se perfazem etapas
com seus diversos graus de importância. Daí, vê-se que na fase prévia à sua
celebração dispõem-se o momento anteriormente analisado (negociação) e aquele
que é, destarte, objeto de análise neste ponto.
Trata-se
do período de oferta, que enseja igualmente certos deveres cujo
inadimplemento, pautando-se no quesito da boa-fé objetiva, engendra uma
conseqüente imputação por se constituir numa violação da expectativa ora
traçada. Noutras palavras: gera aquilo a que nos temos referido na análise em
tela: a responsabilidade pré-contratual.
Pelo
caráter tecnicamente mais elaborado, e pela abrangência mais bem estruturada,
continuaremos circundando o presente tópico prioritariamente à perspectiva do
Código de Defesa do Consumidor (o que não nos retira da seara
privativo-jurídica, que nos interessa).
Capta-se
da Lei 8.078/90 que a oferta se assegura como uma proposição encoberta por
elementos informativos ou disponibilizadores acerca de produto ou serviço, de
alguma forma perpassada ao consumidor, fazendo este crer ter a sua frente uma
intenção negocial a que conjuntará sua vontade. Isto é, vemos, outrossim, nesta
definição dois âmbitos distintos de análise, equiparados e encampados por este
momento da fase pré-contratual: a informação e a publicidade.
Ao
nos referirmos sobre essa imputação ocasionada pelo dever constante da relação
contratual em nosso momento anterior, haveremos sobressaltada a exigência de
escorreição na veiculação de características de um bem economicamente
apreciável. Contudo, a este dever de informação (que possui graus de
austeridade diversos, conquanto variada seja a necessidade de apresentar a
informação mais ou menos veemente (22)) passamos, por ora, ao dever
da publicidade precisa.
Como
insculpido no art. 30 e segs. do CDC, a oferta, anunciada em concomitância de
prestação de informação ou de publicidade (a que se equipara), vincula o
fornecedor àquilo que foi objeto da veiculação, visto que a oferta nos moldes
apresentados integra, como expresso em Lei, o contrato próprio, mesmo que não
se o tenha ainda celebrado.
Disto,
não se nos mostra incoerência alguma, pois que tampouco se perdeu o espírito do
texto (e vide para isso, i.e. sobre esta ampliação de abarcamento, o fato de
que a veiculação pode atingir inclusive os consumidores equiparados de que fala
o art. 29), como, ainda, que se buscou pautar pela idéia da norma de
comportamento traduzida na expectativa em relação à conduta alheia, decorrente
duma série de ilações a que tal esperança conduzia. Se o fornecedor (ou
promitente, no Código Civil) se vale de elementos que além de informativos se
mostram persuasivos (o que é definitivamente feito na publicidade), a
expectação inculcada no receptor da mensagem gera, via de conseqüência, a
obrigação de assim se conduzir como veiculou, nos quadros da pretensão
dimanada. E não se enfadonhe o leitor ao perceber que toda a matéria se arrima,
sobremaneira, no aspecto da confiança negocial.
Percebamos,
assim, a circunscrição aqui proposta. Não há cogitar identidade sobre
informação e publicidade, muito menos entre esta e a propaganda. O que se
entende pelo dever de informar é a exigência de bem prestar, à ciência da outra
parte, as características de premente explanação relativamente ao objeto do
contrato. Diferentemente, havemos na publicidade, condutora da oferta (como
aqui nos apraz em interesse), uma informação de vista persuasiva que busca
engendrar uma vontade de contrair uma relação jurídica destinadamente econômica
pela outra parte. E para efeitos de delimitação, asseguramos ser a propaganda
uma veiculação qualquer de idéia que se pretende difundir (23).
Acontece
que a conjuntura da oferta é francamente objetiva, e, em decorrência da rutura
na expectativa e da frustração, aliados a todos os quesitos materiais
inseridos, sujeita-se o violador do dever de diligência ao ressarcimento das
perdas e danos (neminem laedere). E tal idéia se amplia, fazendo com que
nela se busque a exigência de escorreição naquilo que é passado ao
consumidor/contraente, e que visa a convencê-lo da firmação do acordo.
Não
é outro, pois, o fundamento dos quesitos prescritos ao longo dos artigos 31/35
do CDC, pois que se gera, destarte, a obrigação de o contratante seguir aquilo
que veiculou, bem como também se afere do artigo 427 do NCC e do 1.080 do
Código Civil de 1916 ("A proposta de contrato obriga o proponente, se o
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das
circunstâncias do caso.").
Com
efeito, a mostra do produto ou serviço, em caráter que visa a construir no
potencial contratante um desejo consumista - i.e., a publicidade -, não se
resume a elaborações metajurídicas. Inversamente, possui princípios que se
encontram, inclusive, regrados em vários sistemas normativos (24), e
que a tornam prenhe de higidez ética. Assim, pode-se citar, a título de
exemplo, o princípio da identificação, pois que sendo um composto
instigador da vontade de celebrar, a publicidade há de se reger pela diretiva
da referência inequívoca ao produto ou serviço. Pauta-se, outrossim, pelo termo
geral da vinculação contratual, cabendo que, como já se teve dito, a
veiculação obriga o fornecedor às condicionantes apresentadas. Subordina-se,
alfim, peremptoriamente ao princípio da veracidade, visto que, como se
vê no artigo 31 do CDC, há que constar de informações corretas, claras,
precisas e ostensivas.
Não nos cabe aqui exaustar as vicissitudes da conduta humana
que se pode traduzir em desvio acerca da precisão, veracidade e escorreição da
publicidade (25). Seja enganosa, seja abusiva (nos termos do artigo
37 e §§), importa a nós que tal comportamento é hipótese/condição duma sanção
jurídica, pois socialmente repugnante. Ressaltemos que o asseveramento da
exigência deste dever pode descambar, inclusive, ao mais ofensivo gravame
judicial previsto nos ordenamentos: a pena (26).
Inobstante
as querelas a respeito de possíveis recomendações extrajurídicas, e saneamento dos
vícios (como a contrapropaganda), que são de relevância mas neste apontamento
descabidas, o que se quer propagar é o fato de que nos Sistemas Normativos
corre, paralelo à liberdade de expressão, o direito dos demais indivíduos a não
serem engabelados. O fornecedor/promitente expressa, em seu intuito lucrativo,
o que quer, e pelo que disse se vincula. Daí que, mesmo estando em matéria
pré-contratual, reconhece-se o alcance do dever de reparação ou compensação,
conseguinte ao afronte, inclusive pelos danos futuros e pelas ocasiões
frustradas com a quebra da confiança (27).
8. DISPOSIÇÕES FINAIS
Chegando
ao arremate desta despretensiosa análise, importa grandemente que se concebam
os dois fulcros diretivos pelo que, o que há de mais, só acrescenta aos
aspectos basilares que reavivaremos agora.
No
viés seguido, além de compreender o que seja responsabilidade pré-contratual,
é de mister significação que se entenda o contrato (seja ele civil, seja
consumerista, como outrora foi textualmente ressaltado) tal qual processo.
Noutros termos, que se o perceba como uma seqüência de atos e fatos que se
entrelaçam formando um vínculo ajustado de situações e efeitos jurídicos não
limitados ao desenrolar contratual (celebração, desenvolvimento, adimplemento e
extinção), mas que também o precedem e o sucedem. O Direito Positivo atribui
alcances, resultados e produtos sucedâneos ao negócio jurídico propriamente
considerado que o extrapolam e se estabelecem temporalmente além e, isto posto,
aquém dele. Bem por isso, foi dentro deste ponto prévio que se elaborou a
circunscrição do tema, e o trabalho foi ordenado.
Além
disso, o segundo matiz se mostra tal qual sustentáculo sobre que repousa a
própria justificação da responsabilidade pré-contratual: a boa-fé objetiva, tão
querida na argumentação doutrinária e na vicissitude jurisprudencial, que
acabou ganhando graça e guarida no Novo Código Civil (artigos 113 e 422, da Lei
10.406 de 10-1-2002).
Dividindo
didaticamente o objeto em tela nos períodos de negociação e oferta, nada de
crucial se apresentaria se não fossem conduzidos os apontamentos tendo sempre
em vista a norma de conduta que se perpassa na expectativa do agir recíproco. O
dever de informar, o de não abusar, o de veicular de forma escorreita e
precisa, etc., não teriam sentido se não se dispusesse que o que gera a crença
na formulação de um contrato (incluindo os contratos preliminares, que se
reportam a uma firmação definitiva posterior) é tão conteúdo jurídico quanto os
efeitos albergados pelo Ordenamento Jurídico em decorrência da autonomia da
vontade.
Essas
idéias foram razoavelmente expressas no noviço codex civil, como de
plano já se as sentiram no CDC. A Lei 10.406/2002 vem farta em atendimentos aos
reclamos da doutrina. Relata, outrossim, uma postura cambiante que encontrou
nos Princípios Sociais (28) dum Estado Democrático de Direito
assento mais conforme que as obrigatoriedades e subjetivismos dos Princípios
Clássicos que orientaram a obra legal de 1916.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA
COSTA. Mário Júlio de. Cadernos
de Direito Privado. Universidade Federal Fluminense - Faculdade de Direito.
Rio de Janeiro: UFF, 1978. n. 1.
AZEVEDO,
Antonio Junqueira de.
Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo
comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In: Revista de Direito do
Consumidor n. 18.
BESSONE,
Darcy. Do Contrato –
Teoria Geral. São Paulo: Saraiva, 1997.
CHAVES,
Antônio. Responsabilidade
pré-contratual. 2ª ed. São Paulo: LEJUS, 1997.
CORDEIRO,
A. Manuel da Rocha e Meneses.
Da boa-fé no direito Civil. Almedina: Coimbra, 1985.
FACHIN,
Luiz Edson. O
"aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança negocial, In:
Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio
de Janeiro: Renovar, 1998.
FRADERA,
Vera Maria Jacob de. O
Dever de Informar do fabricante. In: Revista dos Tribunais. São
Paulo: RT, 1990. n.656.
GOMES,
Orlando. Transformações
gerais do direito das obrigações. 2ª ed. São Paulo: RT, 1980.
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Responsabilidade
Civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
LOPES,
Miguel Maria de Serpa. Curso
de direito civil: fontes das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas de
Bastos, 1964. v.3.
MARTINS-COSTA,
Judith. O Direito
Privado como um "Sistema em Construção". In: Revista da
Faculdade de Direito da UFGRS. 1998, v. 5.
MATEO
JÚNIOR, Ramon. A
função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo Código
Civil. Jus Navigandi,
Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2786>. Acesso em: 17 abr.
2003.
MIRANDA, José Gustavo Souza. A proteção da confiança nas relações
obrigacionais. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília.
2002. n. 153
RODRIGUES,
Sílvio. Direito Civil.
17.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
SLAWINSKI,
Célia Barbosa Abreu. A
trajetória da boa-fé objetiva no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58,
ago. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3120>. Acesso em: 10 abr.
2003.
SZAFIR,
Dora. El consumidor en el derecho comunitário. Uruguay:
Fundacion de Cultura, 1998.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das
Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Ed. Atlas, 2002. v.2.
10. Notas
01.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 1995, p.15.
02.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.. p.17.
03. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil.
17.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.11.
04.
Cf. art. 927 par. único do NCC
05.
SZAFIR, Dora. El consumidor en el derecho comunitario. Uruguay:
Fundacion de Cultura. 1998. p.62.
06.
FACHIN, Luiz Edson. O
"aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança negocial,
in Repensando
fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
p. 121/122.
07.
FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. pp. 124/125.
08.
FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. p. 127.
09.
FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. pp. 135/136.
10. 15.SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. A
trajetória da boa-fé objetiva no direito brasileiro. Jus Navigandi,
Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3120>. Acesso em: 10 abr.
2003.
11.
MATEO JÚNIOR, Ramon. A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos
contratos do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar.
2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2786>.
Acesso em: 17 abr. 2003
12.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e
Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Ed. Atlas, 2002. v.2,
pp. 477/479.
13. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso
de direito civil: fontes das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas de
Bastos, 1964. v.3, p. 75.
14.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit. p. 514.
15.
A esse respeito, vide: MIRANDA, José Gustavo Souza. A proteção da confiança
nas relações obrigacionais. In: Revista de Informação Legislativa.
Brasília. 2002. n. 153, p. 138; CORDEIRO, A. Manuel da Rocha e
Meneses. Da boa-fé no direito Civil. Almedina: Coimbra, 1985. p. 583;
MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um "Sistema em Construção".
In: Revista da Faculdade de Direito da UFGRS. 1998, v. 5, p.147/153.
16.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Responsabilidade pré-contratual no Código de
Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual
no direito comum. In: Revista de Direito do Consumidor n. 18,
p. 27.
17.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit. p. 27.
18. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op.
cit. p. 28.
19. ALMEIDA COSTA. Mário Júlio de.
Cadernos de Direito Privado. Universidade Federal Fluminense - Faculdade
de Direito, Rio de Janeiro, n. 1, 1978, p. 51-68.
20.
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2 ed.
São Paulo: RT, 1980. p. 69.
21.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 477.
22.
FRADERA, Vera Maria Jacob de. O Dever de Informar do fabricante. In: Revista
dos Tribunais. São Paulo: RT, 1990. n.656. p. 53
23.
SZAFIR, Dora. Op. cit. pp. 62/63.
24.
Vide, neste sentido, a España Ley General de Publicidad de 1988, que
declara expressamente o que entende por publicidade. Em outras ordenações, como
no Brasil, não há tal definição, mas sempre se encontram disposições que
regulam seus efeitos e proscrevem seus desvios.
25.
Para este fim, recomendamos FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito
do Consumido, São Paulo: Atlas, 1991, que procura relatar em pormenores
todos os aspectos deste tema, inclusive as implicações penais.
26.
Vide os artigos 66 usque 69 da Lei 8.078 de 11/09/1990 (CDC).
27.
CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré-contratual. 2ª ed. São Paulo:
LEJUS, 1997, p. 247.
28.
Dentre os quais podemos citar os constantes dos artigos 422, 478, 931 etc.
Retirado de: www.jus.com.br