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Gerson Luiz de Souza,
Annye Letícia, Edna Valente, Maria Isabel, Sebastião Alves
Acadêmicos do Curso de
Direito da UNIPLAC - Lages-SC
INTRODUÇÃO
“É cada vez mais
freqüente a existência de sociedades ‘de papel’, criadas para burlar o Direito
e prejudicar terceiros.” (Marçal Justen Filho)
Este trabalho tem por objetivo trazer à tona a discussão a
respeito da personalidade e da pessoa
jurídica na medida em que nos propomos a estudar exatamente a possibilidade de
sua desconsideração em determinados casos, ou seja, naqueles em que a utilização
da personalidade jurídica se faz de modo contrário à sua função e aos
princípios consagrados que regem nosso
ordenamento jurídico.
Assim, reputamos a ordem ou ordenamento jurídico não como
reduzido a um sistema de normas, mas sim como algo vivo, um todo, composto por
princípios, valores e fins, que é completado pelas normas, instrumentos e
outros elementos. Portanto, a ordem jurídica é a ordem que vigora realmente em
uma comunidade jurídica e é sempre inseparável dos fatos que lhe dão origem.
Dessa forma, vamos nos referir brevemente às teorias acerca
da natureza da pessoa jurídica, somente com o intuito de perquirir sua
importância para o conceito de desconsideração, além de apresentar a definição
e a posição de diversos autores em relação a este instituto, o que certamente servirá de ponto de
referência e fundamento de toda a nossa pesquisa no decorrer deste estudo.
Todavia, não retomamos as discussões travadas entre diversas
correntes doutrinárias acerca da sua natureza jurídica, posição esta que se
justifica pelo fato de não visar este trabalho à elaboração de um conceito uno
e comumente aceito de pessoa jurídica,
e muito menos ao estabelecimento de pressupostos idênticos em todos os
ordenamentos jurídicos para a sua existência.
Estabelecidas essas premissas básicas, passamos à análise da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, buscando precisar sua
origem, fundamentação, conceituação e finalidade, campo este, que apesar de essencial ao seu entendimento
e correta aplicação, não tem sido devidamente estudado em nosso ordenamento
jurídico.
Decidimos, também, estudar a aplicação da Disregard Doctrine
aos grupos de empresas nos ordenamentos jurídicos norte-americano, alemão,
francês e inglês, por considerarmos de grande relevância o tratamento
dispensado ao tema em análise, por aqueles países.
Finalmente, procuramos examinar a posição do Direito
brasileiro, restringindo o estudo ao Código Comercial e ao Código de Defesa do
Consumidor, pois é nesses ramos do Direito que a concentração econômica de
empresas e os problemas dela decorrentes se
fazem sentir com maior intensidade, bem como, ao final, apresentamos
análise jurisprudencial de três acórdãos com a finalidade de verificar qual a
linha de julgamento adotada nos diversos tribunais para casos análogos.
Não é nossa intenção –
e na verdade, não estaria ao nosso alcance – esgotar o tema. Pretendemos
tão somente oferecer uma contribuição, ainda que modesta, ao estudo da teoria
da desconsideração da personalidade jurídica (Disregard Doctrine) e, de certa
forma, abrir caminhos para que junto com nossos colegas acadêmicos possamos
conhecê-la, analisá-la e, quem sabe, aplicá-la em nossa futura profissão.
1. PESSOA JURÍDICA
Conceitos e Considerações:
Entidade constituída por homens e bens, com vida, direitos,
obrigações e patrimônio próprios. Podem ser, em relação ao Brasil, de direito
público externo (outras nações e organismos internacionais, por exemplo) ou
interno (a União, as Unidades
Federativas, os Municípios, as Autarquias, ....), ou de direito privado
(sociedades civis, associações, sociedades de economia mista, empresas
públicas, serviços sociais autônomos,
partidos políticos, fundações privadas e, em sua grande maioria, sociedades
mercantis, entre outras).
1.2 . A PESSOA
JURÍDICA, SEU CARÁTER INSTRUMENTAL
Abstraindo-nos no, presente trabalho, do aprofundamento sobre a questão
da sua natureza jurídica, gostaríamos, no entanto, de, preliminarmente, fazer
menção ao elemento teleológico do
instituto da personalização de entes abstratos.
No
direito moderno, a pessoa jurídica somente pode ser entendida sob o prisma de
uma instrumentalidade jurídico–formal
para a consecução de interesses e fins aceitos e valorizados pela ordem
jurídica.
Sob
esse prisma, e se nos ativermos ao aspecto comercial, econômico ou ainda
patrimonial do tema, poderíamos alinhar alguns desses fins colimados e aceitos
pela ordem jurídica:
1.
Conveniência ou viabilização de empreendimento econômico. A necessidade técnica
dos grandes empreendimentos,
necessidade de elevados investimentos, a exigirem conjugação de esforços.
Cooperação que a ordem jurídica jurisformiza através da personalização.
2. Situações
há em que a constituição de pessoa jurídica é imperativo legal. Por razões
de política econômica, há certas
atividades que a lei só autoriza às pessoas jurídicas, além de geralmente impor
a espécie societária. É o caso, por exemplo da atividade financeira, de seguros
entre outras.
3. A limitação
da responsabilidade dos sócios como instrumento de viabilização de empreendimentos. Por outro lado, presume-se
que o credor ao contratar com tais
sociedades, saiba que a responsabilidade dos sócios se limita ao capital
subscrito, daí poderem se precaver, por
exemplo, exigindo garantias adicionais.
Consoante tal linha de raciocínio, a personalização representa
instrumento legítimo de destaque patrimonial para a exploração de certos fins
econômicos, de modo que o patrimônio titulado pela pessoa jurídica responda
pelas obrigações sociais, só se chamando os sócios à responsabilidade em hipóteses restritas.
Dado
que o destaque patrimonial seja a principal característica nas sociedades comerciais, a autonomia da pessoa jurídica
não tem, entretanto, o condão , de transformá-la em ente totalmente alheio às pessoas dos sócios. Senão vejamos: O
patrimônio da pessoa jurídica é através
da ação ou quota de capital, expressão também do patrimônio dos sócios. A
vontade da pessoa jurídica é, não obstante o balizamento dos estatutos e dos
órgãos de administração neles
previstos, em grande medida, o reflexo da vontade de seus sócios.
Em síntese,
podemos afirmar: a pessoa jurídica exerce uma função legítima, não
representando abuso, a limitação de responsabilidade que propicia. Contudo, sua
autonomia em relação as pessoas dos sócios é relativa, pois indiretamente, seu
patrimônio a eles pertence, e sua vontade é, pela vontade deles, fortemente
direcionada.
1. 3 . RELATIVIDADE
DA AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICA
O
caráter de instrumentalidade implica em que a validade do instituto fique
condicionada ao pressuposto do cumprimento ou do atingimento do fim jurídico a
que este se destina, e portanto, condicionada a que não se desvie a pessoa
jurídica desse mesmo fim, defraudando-o.
Há
situações em que a utilização da pessoa jurídica é feita ao arrepio dos fins para
o qual o direito albergou o instituto.
Quando o reconhecimento da autonomia leva à negação de ideais de justiça ou à frustração de valores
por ela albergados, temos então o desvio de função. Ocorrendo a
incompatibilidade entre o comportamento da pessoa jurídica e os valores
que informam a ordem jurídica.
Podemos
aqui invocar a construção de Tércio Sampaio Ferraz Junior e Maria Helena Diniz, citada por Marçal Justen Filho (in
"Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro", p. 96), tratando da "Lacuna
Axiológica", descrita como a situação em que não há propriamente lacuna da
lei, pois o direito posto fornece a solução em seus estritos termos; ocorre,
porém, que a solução dada fere valores que o sistema jurídico tutela.
O problema que então se
apresenta em relação à lei é o de integrá-la, no aspecto axiológico, isto é, ao aplicá-la, ou deixar de aplicá-la,
fazê-lo, de forma a que, sem que se destrua sua validade, se possa evitar seja
a mesma utilizada para fins abusivos.
A
desconsideração da pessoa jurídica, que adiante estudaremos, é o instituto que
se encaixa como uma luva à construção teórica acima mencionada. Visa tal
instituto à suplantação da barreira legal imposta pela instituição da pessoa
jurídica, contornando-a de forma a manter íntegros os valores que inspiraram
sua criação.
Na
aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, se visará tanto a proteção
da própria pessoa jurídica da ação de
seus sócios gerentes, quanto a proteção dos demais sócios, terceiros que com ela se relacionem ou que
de qualquer forma sofram os efeitos de sua atividade.
E mais
do que o acima exposto, a desconsideração destina-se ao aperfeiçoamento do
próprio instituto da personalização, pois determina a ineficácia episódica de
seu ato constitutivo, preservando a validade e existência de todos os demais
atos que não se relacionam com o desvio de finalidade, e nisto protegendo o
própria existência da pessoa jurídica. A teoria ou doutrina da desconsideração
assegura a finalidade da pessoa jurídica ao
tempo em que protege os demais, dos prejuízos decorrentes da utilização
dervirtuadora de seus fins.
Antes
de adentrarmos no assunto específico da desconsideração, no entanto, devemos,
ainda em uma preliminar, analisar os instrumentos que o direito posto oferece
para limitar, ou tornar relativa a autonomia da pessoa jurídica
1.4 . MECANISMOS
LEGAIS DE CORREÇÃO DOS DESVIOS DE FUNÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Assim
como o direito reconhece a autonomia da pessoa jurídica e a conseqüente
limitação da responsabilidade dos sócios, o próprio direito pode cercear os
possíveis abusos, restringindo a autonomia de um lado e a limitação de outro.
Pode o direito limitá-la, restringi-la, excepcioná-la e condiciona-la, enfim,
pode regular seu exercício.
Vejamos, mencionando alguns mecanismos legais, como o direito posto
trata do assunto, como, sem deixar de reconhecer a autonomia, deixa expresso
ora a responsabilidade solidária, ora a responsabilidade subsidiária, ora a
responsabilidade pessoal de terceiros:
1. Na CLT,
temos a responsabilidade solidária das sociedades integrantes de um conglomerado econômico (art. 2º, § 2º)
2. A Lei das
Sociedades Anônimas (Lei 6404/76), para evitar prejuízos aos sócios
minoritários, ao mercado imobiliário, etc., contempla situações de
responsabilidade pessoal, solidária ou
subsidiária de terceiros. (arts. 115 a 117, 233, 242).
3. A Lei do Sistema Financeiro (Lei 4.595/64, art. 34), veda
determinadas operações com seus
administradores e pessoas jurídicas de cujo capital estes participem. Também
a Lei.. 7.492/86 no art. 17, dispõe de
forma semelhante.
4. A Lei de
Repressão ao Abuso do Poder Econômico (Lei 4.137/62), em seu art. 6º, responsabiliza civil e criminalmente
diretores e gerentes de pessoas jurídicas pelos abusos caracterizados na supradita lei.
5.No Código
Tributário Nacional o abuso do representante legal induz a
responsabilidade pessoal (art. 135) e a
responsabilidade subsidiária (art. 133, II, 134).
6. O art. 6º
da Lei da Sonegação Fiscal (Lei 4.729/65) trata da responsabilização penal
de "todos os que, direta ou
indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado
ou concorrido para a prática da sonegação fiscal."
7. A Lei de
usura (Decreto. 22.626/33), no artigo 13, parágrafo único, também trata da
responsabilidade penal: "Serão responsáveis como co-autores .... em se
tratando de pessoa jurídica, os que tiverem qualidade para representá-la"
Além
das restrições legais ao princípio da autonomia da pessoa jurídica, há também
as limitações oriundas das obrigações convencionais, por exemplo, vedações de
não fazer às pessoas contratantes, quando estendidas também as pessoas
jurídicas de que elas participem, ou vice-versa, vedações à pessoa jurídica,
que se estendam a pessoas físicas a ela relacionadas.
Nas
situações acima não se cogita da desconsideração da pessoa jurídica. Não há
nenhuma forma jurídica que deva ser desprezada pelo juiz. A lei prevê as
conseqüências jurídicas, sem necessidade de desconsideração.
Trata-se que a solução equânime, justa, axiologicamente adequada
corresponde ao ditame do preceito legal ou à convenção das partes. Não há
lacuna jurídica, nem lacuna axiológica. O Direito fornece o meio legal que
previne o abuso ou a fraude, cumprindo-se o fim ou valor juridicamente
tutelado. Não é preciso desconsiderar a pessoa jurídica, porque, mesmo considerada, a responsabilidade do sócio
emerge por força do preceito legal.
Não há
que confundir hipóteses legais de responsabilidade dos sócios ou
administradores com a desconsideração da personalidade jurídica. A
Desconsideração independe do tipo de estrutura societária e de suas regras
particulares de responsabilização
patrimonial.
A
teoria do ultra vires, nulos os atos praticados ultra vires, isto é, fora dos
limites impostos à sociedade pela cláusula do objeto social, a doutrina dos
atos próprios, a teoria da aparência,
são teorias que tangenciam o instituto da desconsideração. Possuem tais teorias
ou doutrinas, diferentes fundamentos
e em comum, o objetivo de preservação
da boa fé. São distintas umas das outras, embora relacionadas no elemento
teleológico.
Posto
isto, passemos a conceituação do que podemos entender como Desconsideração da Pessoa Jurídica.
2 . A
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Diz-se do “afastamento” da personalidade jurídica de uma
sociedade (basicamente, privada e mercantil) para buscar corrigir atos que atinjam-na, comumente em
decorrência de manobras fraudulentas de um de seus sócios. Não se trata,
necessariamente, de suprimir, extinguir ou tornar nula a sociedade desconsiderada. Configura, isso sim, uma
fase momentânea ou casuística durante a qual a pessoa física do sócio pode ser
alcançada, como se a pessoa jurídica não estivesse existindo.
É, no
dizer de Luciano Amaro (in "Desconsideração da pessoa jurídica no Código
de Defesa do Consumidor", p. 74) :
"... uma técnica casuística (e, portanto, de construção pretoriana) de solução de desvios de função
da pessoa jurídica,...".
Domingos Afonso Kriger Filho (in "Aspectos da Desconsideração da
Personalidade Societária na Lei do Consumidor", p. 21), sintetizando a
doutrina dominante, diz:
"A
desconsideração da pessoa jurídica significa tornar ineficaz, para o caso concreto, a personificação
societária, atribuindo-se ao sócio
ou sociedade condutas que, se não fosse a superação, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio
respectivamente. Afasta a regra geral
não por inexistir determinação legal, mas porque a subsunção do concreto ao abstrato, previsto em lei,
resultaria indesejável ou pernicioso aos olhos da sociedade."
De
forma que podemos dizer que o instituto visa, para a prática de certos atos, a
obtenção de um regime jurídico distinto do preconizado no direito posto.
Trata-se de aplicar em casos concretos,
um certo raciocínio que afasta a incidência das regras gerais aplicáveis à matéria.
Isto porque o problema da personificação, por sua especialidade, não encontra
resposta satisfatória no sistema positivo do direito. Através da
Desconsideração, atos societários são declarados ineficazes, e a importância da
pessoa do sócio sobressai em relação à
da sociedade, ficando esta em segundo plano.
Resulta
a aplicação de tal técnica da ocorrência de situações concretas em que
prestigiar a autonomia e a limitação de
responsabilidade implicaria sacrificar interesse legítimo, albergado pelo
Direito, sistematicamente considerado. Seria injusta, em tais casos, a solução
decorrente da aplicação do preceito
legal expresso. Há situações em que a pessoa jurídica deixou de ser sujeito e passou a ser mero objeto,
manobrado à consecução de fins fraudulentos ou ilegítimos. Desta forma quando o
interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável ou
menos sacrificável do que o interesse colimado através da personificação societária, abre-se a oportunidade para a desconsideração,
sob pena de alteração da escala de
valores.
"Sintomaticamente tal solução se desenvolveu nos países de Direito
não escrito (common law), Estados Unidos e Inglaterra." (Luciano Amaro in
"Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor", p. 75).
Sintomaticamente, também, por muito tempo, a implantação da solução
encontrou resistência nos países da tradição do direito escrito, entre eles o
Brasil.
A
grande dificuldade está em construir um modelo teórico que possa enfeixar,
numa formulação abrangente, as várias
situações em que essa técnica possa ou deva ser aplicada. Dificuldade mais séria nos países de direito
escrito.
A desconsideração é um conceito ligado ao
funcionamento da pessoa jurídica, tal fato
deixa pouca margem para definições apriorísticas de casos. Nada
correspondendo aos assuntos da validade
de constituição, estrutura, legalidade dos atos; para estes; associados a
defeitos tais como simulação, fraude, nulidade; o direito oferece remédios
semelhantes à desconsideração; mas que
não devem ser confundidos com a mesma. Cabe falar da desconsideração quando não haja uma solução legislada
específica para os eventuais desvios de
função da pessoa jurídica.
Nos
setores onde vige a reserva absoluta da lei, no setor tributário, por exemplo,
não há lugar para a desconsideração.
Ainda nos demais setores, onde cabível, a solução jurisprudencial da desconsideração
deve buscar apoio, se não na letra expressa da lei, ao menos nos princípios que
a informam, dentro de uma visão sistemática e fundamentalmente teleológica do
Direito.
Desta
forma, podemos sintetizar enumerando os elementos que compõem a figura da desconsideração da pessoa jurídica:
1. Ignorância
dos efeitos da personificação.
2. Ignorância
para o caso concreto e período determinado.
3. Manutenção
da validade dos demais atos jurídicos praticados.
4. Intenção de evitar o perecimento do
interesse legítimo.
O instituto, que
ainda podemos conceituar em palavras diversas como: o afastamento momentâneo da
personalidade jurídica da sociedade, para destacar ou alcançar diretamente a pessoa do sócio, responsabilizando-o como se
a sociedade não existisse, em relação a um ato concreto e específico, se
desenvolveu ao redor do mundo, recebendo diferentes designações, como:
Desconsideração: “disregard of legal entity” (desconsideração da entidade
legal), no direito Norte Americano; Levantamento: “lifting the corporate veil”,
(levantamento do véu corporativo), na Inglaterra; Penetração: “durghgriff der
juristischen Person”, (penetração da
pessoa jurídica), na Alemanha; “teoría de la penatración)”, (teoria da
penetração), na Argentina; Superação: “superamento della personalitá
giuridica”, (superação da personalidade jurídica), na Itália.
O
cabimento da desconsideração envolve sempre algo de ideológico e, certamente,
algo de axiológico, de vez que haverá sempre, quando de sua aplicação, uma
opção entre um valor ou um interesse específico, diante de outros valores ou
outros interesses específicos.
Desconsideração não se confunde nem acarreta a nulidade dos atos que
propiciaram a atuação judicial. Os atos praticados não são anulados; apenas
outras medidas são tomadas para corrigir e compensar, "dis-torcer" as
conseqüências do ato praticado, desfazer o que de fraudulento houver sido
praticado em nome da pessoa jurídica.
3 . DISPOSITIVOS LEGAIS
O fato
de ser construção pretoriana, não afasta do instituto a possibilidade, ou mesmo
a necessidade, de previsão legal, ao menos no que tange ao reconhecimento da
possibilidade de sua aplicação, à outorga aos Órgãos Judiciários da capacidade
de praticá-lo, ou, até e ainda, prevendo, genericamente, as hipóteses que
ensejem sua aplicação.
Devemos
citar a previsão legal inserta no projeto de Código Civil em tramitação no Senado, a título de melhor ilustrar a
natureza do instituto, bem como a possibilidade de sua previsão normativo-positiva.
"Art. 50. A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para
servir de instrumento ou cobertura à
prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a
requerimento de qualquer dos sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável,
ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão, conjuntamente com
os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que
dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma
especial determinar a responsabilidade
solidária de todos os membros da administração."
Em
nosso ordenamento jurídico positivo, a Desconsideração surge pioneiramente no
Código de Defesa do Consumidor (art. 28), de resto diploma amplamente inovador,
tanto do Direito Material, quanto do Direito Processual. Passemos, então, ao
Código.
4 . A DESCONSIDERAÇÃO NO CÓDIGO DEFESA DO CONSUMIDOR
Vejamos
o que diz a redação do art. 28 do CDC:
"SEÇÃO V- DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 28 - O juiz poderá
desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato
ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração.
§ 1º -
(Vetado)
§ 2º -
As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.
§ 3º -
As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste
Código.
§ 4º -
As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5º -
Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."
Podemos, à luz do quanto já acima discutido afirmar categoricamente:
a Desconsideração da Pessoa Jurídica é
objeto do caput e do § 5º do art. 28 do CDC, pois os §§ 2º a 4º, a despeito da
rubrica aposta à Seção V, versam sobre a matéria da responsabilidade subsidiária ou solidária, que a própria lei
determina, sendo desnecessária
intervenção judicial no sentido de proclamar desconsideração. Esta não
se faz necessária par o fim de fazer
atuar aquela responsabilidade.
Assim
para fins de análise, podemos dividir em três grupos as hipóteses legais de
incidência da desconsideração contidas
no art. 28. Vejamos:
Abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação de estatutos
ou contrato social. (caput, 1ª parte).
Falência, estado
de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocadas por
má administração. (caput, 2ª parte).
Qualquer hipótese
em que a personalidade da pessoa jurídica seja, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (§ 5º)
Algumas considerações:
Primeira: o pressuposto de todas as hipóteses acima arroladas é o da
lesão de interesses do consumidor. Na
realidade é o elemento integrante de todas as hipóteses que requerem, para sua efetividade, que a
prática abusiva ou ilícita o seja em virtude da preterição do direito do
consumidor. Não caberia, por motivos óbvios na aplicação em defesa de interesses outros, como os dos demais
sócios, ou os da personalidade societária.
Segunda: a desconsideração há de supor a incapacidade da pessoa jurídica
para reparar o dano. Quando tratamos de empresa com capacidade financeira para
ressarcir o consumidor, não há razão
para aplicar, prima facie o tratamento excepcional da desconsideração,
tratamento excepcional e, portanto, de uso parcimonioso.
Terceira: a desconsideração, como de resto toda a disciplina de defesa
do consumidor abraça as duas fontes da responsabilidade a da responsabilidade
objetiva, fundada na teoria do risco, e a da responsabilidade subjetiva fundada
em culpa. (fato que emerge claramente dos
arts. 12 a 14 do CDC).
Analisemos separadamente cada um dos grupos acima nominados.
Grupo 1
No
primeiro grupo de hipóteses, temos a prática de atos que implicam infração da
lei, dos estatutos ou utilização de
direitos além de sua órbita. Tais fatos, quando por si não acarretem a responsabilidade
pessoal do agente, poderão servir de embasamento à desconsideração a fim de
alcançar o patrimônio dos sócios. A desconsideração visa em tais casos a que os
bens dos sócios infratores sejam também garantia do ressarcimento do prejuízo causado ao consumidor. Deve haver
inafastável nexo de causalidade entre a conduta inadequada e o prejuízo causado ao consumidor. Conforme Arruda
Alvim (in "Código do Consumidor
Comentado", p. 181):
"O
dano indenizável, a busca do responsável, etc., só podem ocorrer se e quando tiver havido
desrespeito ao sistema jurídico, por
responsável e, em razão disto, prejuízo ao consumidor."
Caracteriza-se o abuso de direito, nas palavras de Domingos Afonso
Kriger Filho (in "Aspectos da Desconsideração da Personalidade Societária
na Lei do Consumidor", p. 23)
"... com o uso anormal das prerrogativas conferidas à pessoa
pelo ordenamento jurídico,
objetivando, por dolo ou má-fé, auferir vantagem ilícita ou indevida".
Segundo
Pedro Batista Martins (apud Rubens Requião in "Abuso de Direito e
Fraude através da Personalidade
Jurídica"): "sempre que um
titular de direito escolhe o que é mais danoso para outrem, não sendo mais útil para si ou adequado ao espírito
da instituição, comete um ato
abusivo"
"Ocorre abuso de direito quando o fornecedor, por lei ou
embasado no sistema jurídico, ou por
força dos estatutos ou contrato social,
puder praticar determinado ato, mas o faça de molde a prejudicar terceiro, a lesá-lo (consumidor)".
(Arruda Alvim in "Código do Consumidor Comentado", p. 182):
No
excesso de poder a pessoa pratica ato ou contrai negócio fora do limite da
outorga ou autoridade conferida.
Infração de lei, fato ou ato ilícito ou violação do contrato social, representam, sempre, o não cumprimento das
obrigações impostas às pessoas pela lei, ou pelo contrato social.
Frise-se que determinados autores não consideram, de desconsideração da
pessoa jurídica, as hipóteses do parágrafo anterior. Consideram a teoria inaplicável
in casu. Vejamos:
"No que se refere ao excesso de poder, infração da lei, fato,
ato ilícito, violação dos estatutos
ou contrato social, não há
desconsideração, pois aquele que excede o que lhe é permitido por
lei, age contra a lei ou, dolosamente
contra o estatuto ou contrato, responde
por ato próprio. Já há previsão legal: no caso da sociedade de responsabilidade limitada (art. 10, Decreto.
3.708, e art. 16); no caso da sociedade
anônima (arts. 115, 117 e 158, Lei 6404), demais casos, art. 159, CC.." (Alberton, Genacéia da Silva in "A
desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Aspectos Processuais".
Pag. 168 e 169)
"Excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social dizem
respeito a um tema societário diverso,
que é a responsabilidade do sócio ou do representante legal da sociedade por ato ilícito próprio, embora
relacionado com a pessoa
jurídica." (Coelho, Fábio Ulhoa in "Comentários ao Código de
Proteção do Consumidor", p. 142)
Sobre o
assunto, embora não se referindo especificamente ao CDC:
"Não podem ser entendidos como verdadeiros casos de desconsideração todos aqueles casos de
mera imputação de ato."
(Oliveira, J. Lamartine Corrêa de. In " A Dupla crise da Pessoa
Jurídica", p. 610)
"Em determinadas circunstâncias, sócios, diretores, ou
gerentes podem responder por dívidas
da sociedade. Esta situação decorrente da
lei e as conseqüências, no caso de desconsideração da pessoa jurídica
são idênticas? Quer nos parecer que não. Apenas há um ponto comum .... a
excepcionalidade. ... Qual, então a diferença ?.... Quando a lei brasileira ...impõe ao sócio, gerente ou
administrador a responsabilidade por
dívidas da sociedade, faz porque uma dessas
pessoas agiu de maneira contrária à lei ou contrato, mas como pessoa integrante da pessoa jurídica. Não foi a
pessoa jurídica que teve a sua
finalidade desvirtuada, não foi a pessoa jurídica como ser que foi manipulada mas, sim, o diretor, o gerente ou
o sócio que, na sua atividade ligada
à empresa, andou mal. Quando se fala, por outro lado, em desconsideração da pessoa jurídica, é porque a própria
entidade é que foi desviada da rota traçada pela lei e pelo contrato....
Assim, acreditamos que devemos separar
bem estas duas hipóteses por não serem
idênticas" (Casillo, João
in "Desconsideração da Pessoa Jurídica")
Acatando o ponto de vista dos autores citados, restaria apenas a
hipótese do abuso de poder, como
ensejador da aplicação da doutrina da Desconsideração, ficando as demais hipóteses ainda no campo da previsão legal,
externa à doutrina. O abuso do poder, por sua própria natureza, conforme acima
referido, se amolda a hipótese de utilização da Desconsideração, vez que
constitui, não violação clara da lei, caracterizando um "fato
típico", previsto legalmente, mas
antes, um uso abusivo da lei. Não havendo tal "tipicidade",
impossível prévia previsão legal,
imperativa então a atuação criadora judicial, através do instituto sob análise.
Parece-nos, entretanto, que há um certo excesso de rigor formal em tal
posição. Nem sempre ao ilícito legal ou
contratual corresponderá uma expressa cominacão de responsabilidade pessoal, civil ou penal. Ainda que ressalvadas
as previsões genéricas da lei, como a
do art. 159 do CC, citada por Genacéia, parece-nos que o instituto da
Desconsideração melhor cobriria esses casos de lacuna da lei no que tange a
previsão expressa da responsabilidade, lacuna que poderia ao final acobertar o
infrator. A ausência de tal expressa
previsão legal, poderia ser agitada com o propósito de elidir a
responsabilidade, em sendo o caso, o art. 28, sob comento, forneceria o respaldo
legal para a atuação jurisdicional no
sentido de alcançá-la.
Separar
o ato do responsável pela pessoa jurídica do ato da pessoa jurídica,
operação mental a que podemos ser
induzidos pelo raciocínio de Casillo, pode resultar ser tarefa árdua, considerando as sutilezas que quase sempre
cercam a situação concreta. Mais uma vez, o
afastamento da figura da Desconsideração, poderia ser utilizada no
sentido do acobertamento do infrator.
De
forma que, a despeito do rigor formal que caracteriza o exposto pelos autores
acima citados, poderíamos considerar como mais prudente, estender o manto
protetor do instituto que ora analisamos
também aos fatos aos quais o autores negam sua incidência, como faz o
diploma legal protetivo do consumidor
(CDC).
Grupo 2
No
segundo grupo o texto legal introduz um elemento não especificamente ligado
ao interesse do consumidor: a má
administração. É questionável esta inserção. Não há que se confundir a má administração com a prática
abusiva citada na parte inicial do caput. A má administração poderia, isto sim,
ensejar o uso do instituto para responsabilizar a gerência incompetente frente a própria pessoa
jurídica ou frente aos demais sócios. É de se questionar, no entanto, a
relevância deste fato frente ao direito do consumidor. É de se questionar
se alguém administraria mal uma empresa
com o fito exclusivo de fraudar os direitos do consumidor. E quanto à empresa
bem administrada, que desativada, tenha lesado consumidores.. Ficaria imune à
regra?
Concluindo, parece mal posta a hipótese
legal no que se refere a má administração, quer pela falta de nexo entre
qualidade da administração e eventuais prejuízos ao consumidor, quer pela falta
de isonomia entre o tratamento dado ao consumidor da empresa encerrada por má
administração e o dado ao cliente de uma empresa bem administrada que encerrou
suas atividades.
Certo
é, em todos os casos, que o consumidor deve ser protegido na hipótese em que
a pessoa jurídica tenha cessado a atividade
ou esteja extinta, e isto independentemente dos motivos que ensejaram tal
encerramento de atividade.
Grupo 3
Finalmente no terceiro grupo, a hipótese contemplada no §5º, parece
inconciliável com o caput. Expressões demasiadamente genéricas
("sempre", "de qualquer forma"), parecem inutilizar as hipóteses do caput. Tão
genérico, abrangente e ilimitado é o parágrafo, que aplicado literalmente, dispensaria o caput, tornaria inócua a
própria construção teórica do instituto da desconsideração, implicando derrogar
a limitação da responsabilidade de toda e
qualquer empresa no que diz respeito às relações de consumo. Frente a
tal, pelo menos aparente,
incongruência, posicionam-se os doutrinadores:
Zelmo
Denari (in "Código de Defesa do Consumidor, Comentários pelos autores
do Anteprojeto", p. 132), com a
autoridade de ser um dos autores do anteprojeto da Lei 8.078/90, postula mesmo o "aberratio
ictus da caneta presidencial". O parágrafo a ser vetado teria sido o 5º, e não o 1º, como apareceu
no diário oficial, que segundo Denari é essencial para a aplicação do artigo. Para que se coteje com o texto do §5
e, à luz da razão do veto, aprecie-se
assim a procedência da tese de Zelmo, transcrevemos abaixo o parágrafo vetado
e as razões do veto:
"§
1º. A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa
jurídica recaia sobre o acionista
controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores
societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que a integram."
Razão
do veto:
"O
caput do art. 28 já contém todos os elementos necessários à aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica, que constitui,
conforme doutrina amplamente dominante no direito pátrio e
alienígena, técnica excepcional de
repressão a práticas abusivas."
Como
claramente se vê, fortíssima pode parecer a evidência do equivocado fato
pelo qual, propugna Zelmo Denari, se
explicaria a aparente ininteligência do parágrafo que ora analisamos frente ao sistema em que se
insere. Entretanto, é também óbvio que, para
albergarmos tal tese, teríamos antes que admitir a ininteligência do
legislador a exigir atuação da
sancionadora caneta presidencial. Esta última parece-nos bem menos
provável, dada a qualidade que pautou a
produção legislativa do diploma que ora analisamos.
Vejamos, entretanto, outros posicionamentos:
Fábio
Ulhoa Coelho (in "Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor",
p. 143 e 144): censura o preceito no §
5º, concedendo apenas sua aplicação em matéria de sanções não pecuniárias
(proibições de fabricação, suspensão temporária de atividade, etc...), apesar
do contrário defluir do texto da lei: "ressarcimento de prejuízo do
consumidor". Por fim salienta
que no embate entre o caput e o § 5º, se um tiver que ceder será o parágrafo,
não o caput. A interpretação meramente
literal, no entanto não pode prevalecer e isto por três razões:
Em primeiro
lugar, porque contraria os fundamentos teóricos da desconsideração. ... Em segundo lugar, porque uma tal exegese
tornaria letra morta o caput do art. 28. ... Em terceiro lugar, porque esta interpretação equivaleria
à revogação do art. 20 do CC ("As
pessoas jurídicas tem existência
distinta da dos seus membros") em matéria de defesa do consumidor. E se esta fosse a intenção do legislador, a
norma jurídica que a operacionalizasse poderia ser direta, sem apelo à teoria da desconsideração.
Rachel
Sztajn (in "Desconsideração da Personalidade Jurídica", p. 72): O
parágrafo 5º deveria encimar o artigo:
"Se o art. 28 tivesse por caput o § 5º, além dos §§ 2º e 3º, o consumidor estaria tutelado (apenas) em face
da separação patrimonial utilizada de forma
iníqua ou inadequada." A autora condiciona a aplicação do citado
parágrafo aos pressupostos da teoria da
desconsideração.
Américo
Führer (in "Resumo de Direito Comercial", p. 74): "A teoria pode
ser aplicada diretamente pela
lei,...,independentemente de qualquer abuso ou má fé", parece que nestas palavras o autor admite o utilização
literal do § 5º.
Genacéia da Silva (in "A Desconsideração da Pessoa Jurídica no
Código de Defesa do Consumidor):
"No que ser refere ao § 5º do art. 28, é necessário
interpretá-lo com cautela. A mera
existência de prejuízo patrimonial do consumidor não é suficiente para a desconsideração. O texto deixou o
significado em aberto na medida em que assevera que a pessoa jurídica poderá
também ser desconsiderada quando sua personalidade ‘de alguma forma’ for
obstáculo ao ressarcimento, ... leia-se, quando a personalidade jurídica for óbice ao ressarcimento justo do
consumidor." (grifo nosso)
A interpretação mais consentânea parece
ser a de que o § 5º, constitui uma abertura ao
rol de hipóteses do caput, sem prejuízo dos pressupostos teóricos da
doutrina que o dispositivo visou
consagrar. A aplicação do § 5º deve restringir-se às situações em que o fornecedor do produto ou serviço ao
consumidor constitui a pessoa jurídica, ou a utiliza, especificamente para livrar-se da responsabilização de prejuízos
causados ao consumidor. Aí justamente
reside a carga axiológica do instituto, na análise judiciária da forma como a
pessoa jurídica foi constituída ou
utilizada relativamente à relação de consumo.
4.1 . A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA PREVISTA NO ARTIGO 28 DO CDC
No
presente capítulo pretendemos, no âmbito do Código de Defesa do
Consumidor, tratar apenas da
Desconsideração da Pessoa Jurídica. Não obstante, por se encontrarem enfeixados sob tal rubrica no texto
normativo, trataremos também do responsabilidade disciplinada pelos parágrafos 2º a 4º do art. 28 do CDC, que a
nosso ver, como já exposto, não compõem
o instituto da Desconsideração. Assim tratemos da:
Responsabilidade de Grupos societários e sociedade controladas.
O § 2º,
estatui responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes de grupos societários e sociedades controladas. Aqui,
como já dito, não se cuida de desconsideração,
mas de hipótese legal de responsabilização de terceiro. A própria
redação indica uma responsabilidade
objetiva, não sujeita a análise de elementos outros, presentes no caso concreto. Basta o liame a unir as entidades
societárias, para dele decorrer a responsabilização.
Tal dispositivo
previne que as obrigações sob estudo sejam concentradas na sociedade que tenha menor respaldo patrimonial.
Para
Genacéia da Silva Alberton (in "A Desconsideração da Pessoa Jurídica
no Código de Defesa do Consumidor), em
seu trabalho já várias vezes citado, o Código foi tímido em estabelecer apenas responsabilidade subsidiária,
concedendo o benefício de ordem e, conseqüentemente, impedindo que o consumidor
ajuíze a ação desde logo contra as demais
empresas. Para outros doutrinadores, no entanto, basta a prova da
impossibilidade de ressarcimento pela
empresa principal obrigada, para, já inicialmente, demandar a sociedade com responsabilidade subsidiária.
No que
se refere a sociedades controladas, o preceito parece conter alguma
impropriedade. Obviamente a responsabilização subentende-se seja por obrigações
da controladora (o texto não é explícito) que incidiria em caráter subsidiário
sob o patrimônio da controlada. Temos a considerar que seria lógico que as
ações ou quotas representativas do capital da controladora respondessem pelas
obrigações da mesma, não o sendo, entretanto, que o patrimônio da controlada,
que envolve o de terceiros (que podem deter até cerca de 83% do capital social, totalidade das ações
preferenciais + 49% das ordinárias) o fossem, já que nada tem a ver com a conduta da controladora. Só podemos
entender o dispositivo legal em sua literalidade, se o considerarmos
conseqüência de prevalência especial do interesse de ordem pública da relação de consumo sobre os interesses de ordem
privada; ou por outro, que sua aplicação dependa do pressuposto da concorrência
da controlada na lesão ao consumidor, ou por outra ótica, de sua utilização pela controladora nesse
intento.
Responsabilidade das Sociedades consorciadas.
O § 3º,
constitui também, em favor do consumidor, uma exceção a regra geral, já que
a lei das Sociedades Anônimas, que rege
esta esfera da ordem jurídica, não
preconiza a solidariedade das
sociedades consorciadas (art. 278, § 1º, Lei 6.404/76). Sabemos que a solidariedade não se presume, mas decorre da
lei ou do contrato, aqui temos a hipótese legal, a proteger o consumidor.
Convém
salientar, por ser lógica, a ressalva que faz Fabio Ulhoa:
"... a solidariedade existe apenas no tocante as obrigações relativas ao objeto do consórcio. Quanto
às demais não há qualquer vínculo
dessa natureza..." (Coelho,
Fábio Ulhoa, in "Comentários ao Código De Proteção do Consumidor", p.
145)
Responsabilidade das Sociedades coligadas
O § 4º,
estabelece a responsabilidade das coligadas, apenas na hipótese de culpa. Não poderia ser diferente, já que a mera
participação da empresa no capital de outra (10% ou mais), sem controlá-la, não induziria, em si mesma, tal
responsabilidade. A sociedade coligada
é simplesmente sócia de outra e, como sócia, não tem responsabilidade
pelos atos dessa outra a não ser que
tenha participado do ato, caso em que será solidariamente responsável. Para
alguns, supérfluo tal dispositivo, já que a responsabilidade seria deduzida de
qualquer forma, sendo suficiente o art.
159 do CC.
5 . DIREITO COMPARADO.
Estados Unidos
Os Tribunais
norte-americanos vinham aplicando a disregard of legal entity apenas em
casos excepcionais, onde se comprovasse
fraude à lei, ao contrato ou a credores.
Houve,
entretanto, uma ampliação desse entendimento, justificando-se a aplicação da
teoria em epígrafe, sempre que, de
acordo com as circunstancias do caso concreto, a aplicação das normas vigentes levasse a resultados
injustos.
Ressalte-se,
outrossim, que a disregard doctrine é mais freqüentemente chamada a
aplicação nos casos de sociedades
unipessoais, onde os interesses ilegítimos do sócio encontram terreno fértil para sua concretização, exigindo-se,
assim, maior fiscalização nos atos de sua constituição e funcionamento.
Nos Estados Unidos atualmente, enquanto não há nenhuma
fórmula precisa no sentido da correta aplicabilidade da desconsideração da
personalidade jurídica, os Tribunais têm decidido com base em algumas
diretrizes interessantes. Vejamos:
Dizem os
norte-americanos que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser
aplicada nos casos em que a pessoa jurídica sendo mero instrumento de outra
atividade ou indivíduo é usada para cometer fraude, provada através de atos e
fatos incompatíveis com um propósito honrado, que sirvam, desta forma, para
derrotar a conveniência pública, justificar
mal ou defender crime.
A garantia da separação patrimonial é
diretamente atingida quando não respeitadas as formalidades da pessoa jurídica.
A própria jurisprudência norte-americana tem entendido que a empresa que possui
todas ou a maioria das ações da subsidiária, que da mesma forma, possui
diretores em comum, financia a subsidiária, subscreve todas importantes ações
desta, possui capital grotescamente
inadequado e que suporta as perdas, despesas e salários da subsidiária, tem grande chance de ter sobre
sua garantia da separação patrimonial, aplicado o "Piercing the Corporate
Veil".
Não se pode
misturar negócios empresariais pessoais com negócios da pessoa jurídica. Há uma
distinção clara entre os procedimentos incorporados e os pessoais.
É bem
estabelecido que pessoas jurídicas são entidades legais separadas dos seus sócios. É sagrada a separação patrimonial
entre a pessoa jurídica e a pessoa física.
É evidente
que a pessoa jurídica existe como um instrumento legalmente previsto para que determinado indivíduo ou grupo de
indivíduos possam conseguir determinados fins, seja de um empreendimento
industrial, comercial ou de prestação de serviços, por exemplo. A garantia aqui
existente foi e tem sido um dos vários elementos de fundamental importância
no crescimento econômico nos
mercados capitalistas.
A sagrada
limitação da responsabilidade dos sócios é instrumento que permite viabilizar
empreendimentos para os quais concorrem vários sócios, com diferentes quotas de
capital. Seria um verdadeiro absurdo obrigar-se cada sócio de uma pessoa
jurídica, mesmo sendo pequena sua participação, a responder ilimitadamente
pelas obrigações sociais.
Os
Tribunais Norte-americanos entendendo que embora a pessoa jurídica possa ter
sua distinção patrimonial atingida pelo "Piercing the Corporate Veil"
decidem com a máxima e absoluta precaução e só quando necessário ao interesse
da Justiça.
Quando
requerida a aplicação da desconsideração, os Tribunais têm aplicado padrões
geralmente mais estritos no contexto contratual, observando com máxima cautela
se os "pressupostos de
aplicabilidade" do "Piercing the Corporate Veil" realmente estão
presentes. Aliás, quem contrata com uma
sociedade anônima ou de responsabilidade limitada, tem conhecimento que a responsabilidade dos
sócios é limitada ao capital subscrito por cada um.
Luciano
Amaro, aqui no Brasil, já dizia que "nessas situações, não nos parece que
se deva cogitar de aplicar-se a doutrina da desconsideração da personalidade
jurídica, pois não há nenhuma forma jurídica que deva ser desprezada pelo
Juiz". Na maioria dos casos, o
próprio direito providencia um meio legal que previne o abuso ou a fraude.
Quando a
lei cuida de responsabilidade solidária ou subsidiária ou até mesmo
pessoal dos sócios, por obrigação da
pessoa jurídica ou ainda quando proíbe certas operações, não é necessária e nem
autorizada a desconsideração da personalidade jurídica, para atribuir as obrigações aos sócios, pois, mesmo
considerada a pessoa jurídica, a implicação ou
responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal. O mesmo ocorre
se a extensão da responsabilidade é
contratual.
O
"Piercing the Corporate Veil – Lifting the Corporate Veil" aparece
como algo mais do que simples dispositivo de direito americano de sociedade. É
algo que surgiu como conseqüência de uma expressão estrutural da sociedade, por
isso, em qualquer país em que se apresente
a separação incisiva entre pessoa jurídica e os membros que a compõem, se coloca o problema de verificar como se há de
enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a resultados
completamente injustos e contrários ao direito.
O ilustre
magistrado Doutor Irinieu Mariani, prudentemente enfatizou: "Tanto
nos Estados Unidos, na Alemanha ou no
Brasil é justo perguntar se o Juiz, deparando-se com tais problemas, deve fechar os olhos ante o fato
de que a pessoa jurídica é utilizada para fins
contrários ao direito ou equiparar o sócio e a sociedade para evitar
manobras fraudulentas. Diante do abuso
de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro
tem o direito de indagar, em seu livre
convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito e se deve
desprezar a personalidade jurídica para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se
escondem para fins ilícitos ou abusivos".
Verifica-se
que a constituição da sociedade e a teoria da pessoa jurídica não devem
representar meio de iludir o fundamento das normas jurídicas.
Da mesma
forma não se pode desestruturar princípios de direito já consagrados,
estruturadados e resolvidos na tentativa de iniciar a aplicação de outro.
Harmonia jurídica é algo fundamental.
A
existência do "Piercing the Corporate Veil" vem aperfeiçoar o
instituto da pessoa jurídica e a melhor
disciplina das relações empresariais e societárias. Há de se convir, que apenas
o tempo irá mostrar o caminho seguro à ser trilhado para a correta aplicação
da "Disregard Doctrine".
É
importante que haja bom senso, reflexão e muito estudo. Se aceitarmos a
aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica sem que os pressupostos de aplicabilidade sejam realmente verificados, estaremos
correndo o sério risco de desestruturar toda uma legislação específica já
consagrada e resolvida, causando insegurança e abalo às relações sócio-econômicas.
Temos
absoluta certeza que a Justiça Brasileira tem as suas portas abertas à
modernização, reestruturação e adequação às novas realidades e quando
menos esperarmos já teremos tais
questões delineadas com a devida prudência. Devemos nos recursar ser sempre e
de modo completo, envolvidos por uma lógica, derivada da existência de uma
sociedade, onde ela sirva somente para distorcer ou esconder a verdade.
Inglaterra
O primeiro caso
em que se cogitou da desconsideração da personalidade jurídica, foi
julgado em Londres, no ano de 1897,
denominado Salomon vs Salomon & Co, podendo ser assim resumido:
"O
comerciante Aaron Salomon constituiu uma company juntamente com outros seis
componentes de sua família, havendo cedido seu fundo de comércio à sociedade e
recebendo 20.000 ações representativas de sua contribuição, restando aos demais
sócios apenas uma ação para cada; para
a integralização do valor do aporte efetuado, Salomon recebeu ainda obrigações garantidas de dez mil libras
esterlinas A companhia logo em seguida começou a atrasar os pagamentos, e um
ano após, entrando em liquidação, verificou-se que seus bens eram insuficientes
para satisfazer as obrigações garantidas, sem que nada sobrasse para os
credores quirografários. O liquidante, no interesse desses últimos credores sem
garantia, sustentou que a atividade da
companhia era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar a própria
responsabilidade; em conseqüência Salomon devia ser condenado ao pagamento
dos débitos da companhia, vindo o
pagamento de seu crédito após a satisfação dos demais credores quirografários".
Salomon foi
condenado em primeira instância, mas foi posteriormente absolvido pela Câmara
dos Lords, a qual rechaçou o entendimento do magistrado prolator da sentença de
condenação, fundamentando sua decisão na constituição válida da Salomon &
Co., distinguindo-se, pois, suas atividades.
Tal acontecimento
desestimulou os juristas britânicos a aprofundarem-se no tema, razão porque,
singelas são as contribuições doutrinárias e jurisprudenciais inglesas.
França
A pessoa jurídica
é considerada tendo-se em vista determinados fins, os quais são responsáveis,
também, pela limitação do seu campo de abrangência.
Segundo a
esquematização proposta por Erlinghagen, a desconsideração da pessoa jurídica
aplicar-se-ia nos casos de simulação, aparência e interposição de pessoas.
Pode-se destacar,
ainda, a contribuição de Josserand, ao qual se opôs Planiol, que a partir
da jurisprudência dos Tribunais
franceses, sistematizou a teoria do abuso de direito, onde apregoava a
finalidade social do mesmo, de servir como instrumento possibilitador da
conservação da sociedade, enfatizando que todo ato, embora respaldado na lei,
que fosse contrário a essa finalidade, seria abusivo e, por via de
conseqüência, atentatório ao direito.
Propagou,
Joserrand, a seguinte assertiva: Nem tudo que é conforme a lei é legítimo.
Alemanha
Os estudos
pioneiros do Prof. Rolf Serick propiciaram larga difusão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na
Alemanha, chegando-se, inclusive, à elaboração
de uma teoria semelhante designada de Durchgriff
À semelhança de
outros países, poder-se- ia desestimar a personalidade jurídica nos casos
de ser a mesma utilizada abusivamente
para fins ilícitos, bem como nos casos de infração a obrigações contratuais e de prejuízos fraudulentos a terceiros.
Teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no direito brasileiro Como
falou-se anteriormente, foi o Prof. Rubens Requião quem primeiro versou sobre a aplicabilidade da teoria de desconsideração
da personalidade jurídica no direito brasileiro, concitando nossos juristas a
uma análise mais aprofundada do tema.
Contrapôs, o
ilustre mestre, o direito, tido à época como absoluto, da personalidade
jurídica à necessidade de soluções, se
não legais ao menos éticas, que compusessem com justiça as questões suscitadas. O germe dessas
discussões foram justamente as evidências de que, não raro, era, a pessoa jurídica, usada como anteparo de fraude,
sobretudo na burla a proibições
estatutárias ou legais, além de palco onde se perpetravam múltiplos
abusos de direito.
Asseverando,
ainda, que a disregard doctrine teria possibilidade de adequar-se a
qualquer sistema jurídico que adotasse
o princípio da separação entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem, como norma de direito
interno.
O Prof. Fábio
Konder Comparato, posicionando-se posteriormente sobre o assunto, em seu livro
"O poder de controle na sociedade anônima", classificou-o sob uma
perspectiva mais objetiva, elidindo os
fundamentos do Prof. Rubens Requião para a desconsideração da personalidade
jurídica, quais sejam a fraude e o abuso de direito e condicionando-a às hipóteses em que a atividade ou o interesse
individuais de determinado sócio, tivessem de tal maneira entremeados que não fosse possível dissociá-los.
6. PROJETO DO
CODIGO CIVIL
A Comissão
Revisora do Anteprojeto do Código Civil, acatando sugestão do Prof. Rubens
Requião de incorporar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao
nosso diploma civil, o qual, inclusive,
enviou-lhe o texto de sua conferência, realizada na UFPR e que foi anteriormente citada, positivou-a, após
algumas modificações, no Projeto de Lei 634-B, onde na dicção do art. 50, encontra-se o seguinte:
"Art. 50 - A
pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou
cobertura à prática de atos ilícitos, ou
abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos
sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou,
tais sejam as circunstâncias, a
dissolução da entidade.
Parágrafo único.
Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os
bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de
maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a
responsabilidade solidária de todos os membros da administração."
Na lição de Luiz
Roldão de Freitas Gomes, o texto é ainda tímido, não permitindo a terceiros
levantar o véu da pessoa jurídica, limitando a responsabilidade aos bens do
administrador, além de erigir como
penalidade pelo uso indevido da sociedade, sua dissolução ou a exclusão do
sócio responsável, conseqüências não previstas na disregard.
7 . ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
7.1 .
JURISPRUDÊNCIA . TA-PR
NÚMERO DE ORDEM :
Desconsideração da Personalidade
Jurídica – Agravo Instrumento 11.498-9 – 2ª Câm. Cív. do TAPR.
INICIAL :
Decalk Comércio e Indústria Têxteis Ltda, ajuizou ação contra Martins & Veodato Ltda, postulou,
então a parte promovente, a penhora em bens da sócia-gerente,
desconsiderando-se a pessoa jurídica, pois tratava a espécie de execução de
cheques emitidos em conta-corrente encerrada.
DECISÃO DO TRIBUNAL DA 1ª INSTÂNCIA:
Postulou, a parte promovente, a penhora de bens da
sócia-gerente, desconsiderando-se a pessoa jurídica. Contudo, o Juiz de 1ª Instância
indeferiu a pretensão, sob o
pressuposto de que não se comprovou a existência dos requisitos que podem
autorizar a medida extrema. Inconformada a parte promovente interpôs Agravo de
Instrumento.
DECISÃO DO TRIBUNAL DA 2ª INSTÂNCIA:
Acordam os Juízes da 2ª Câmara Cível do TAPR, por
unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.
Ementa Oficial: A emissão de cheques sem provisão de fundos
sacados em conta corrente encerrada constitui fraude e abuso de direito. Em casos tais, não tendo a pessoa jurídica
qualquer bem penhorável em seu patrimônio, é de se aplicar a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica para se alcançar os bens particulares
do sócio fraudador.
PRINCÍPIOS JURÍDICOS OU DOUTRINA JURÍDICA:
Doutrina de Fábio Ulhoa Coelho.
Jurisprudência.
Art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, arts. 20, 1395,
1396 e 1398 do Código Civil.
PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS – LÓGICA JURÍDICA:
Lógica Jurídica:
(Silogismo Jurídico, produção da sentença),
Lógica Jurídica, de uma Premissa maior=norma jurídica,(embasou
como norma jurídica doutrina e os
princípios),
Premissa menor=caso concreto(fato em si – desconsideração),
Utilizou-se do método dedutivo partindo de uma verdade
universal para um caso particular.
MENS LEGIS OU MENS LEGISLATORIS:
Observa-se a presença da “mens legis” nos fundamentos da
decisão, ainda que utilizada por
analogia.
RIGOROSO APEGO ÀS PALAVRAS?
Embora a decisão seja embasada em uma doutrina moderna, não
há qualquer disposição legal sobre o tema, exceto o Código do Consumidor (art
28). No entanto observa-se uma
interpretação ampla com referência a doutrina, pois seu espírito embasa vários
ramos da ciência jurídica.
INTERPRETAÇÃO COM
TEMPERAMENTO:
A aplicação da doutrina foi moderada, sem ampliação, nem
restrição.
RESPEITA FATORES VARIÁVEIS?
Sim, no que diz
respeito a não causar prejuízo a
terceiro de boa-fé
APELO À OUTRAS LEIS NACIONAIS OU ESTRANGEIRAS:
Aplicou-se apenas a doutrina nacional.
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA:
Sim, uma vez que o nosso Código Civil não vislumbra
especificamente acerca do Instituto da Desconsideração de Personalidade
Jurídica, apenas o art. 28 do Código do Consumidor.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA OU EXTENSIVA:
A interpretação foi restritiva, utilizando-se somente do
conteúdo doutrinário e legal..
DESTAQUE À INTERPRETAÇÃO DO FATO E DA NORMA:
Destaca a interpretação do fato.
MENCIONA PRINCÍPIOS
GERAIS DO DIREITO ?
Não menciona explicitamente, mas sim implicitamente, tais como: fraude e abuso de direito,
responsabilidade patrimonial dos sócios.
INTUIÇÃO:
O Juiz percebeu a intenção de prejudicar a terceiro e obter
vantagem ilícita
EQÜIDADE:
Sim, percebe-se eqüidade na decisão.
LÓGICA, QUAIS PRINCÍPIOS LÓGICOS?
Sim, utiliza-se o método dedutivo.
A DECISÃO É JUSTA :
Sim, pois a
sócia-gerente mesmo sabendo que a conta estava encerrada, emitiu cheques, utilizando-se de má-fé, portanto, a decisão
de 2ª instância foi justa.
A LINGUAGEM FORENSE É ADEQUADA?
Sim, pois foi utilizada uma linguagem simples e de fácil entendimento
e compreensão.
7.2 . JURISPRUDÊNCIA
. TJ-SC
Nº DE ORDEM: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 98.016810-4, de
Criciúma, SC. 1ª Câmara Civil, TJSC.
INICIAL: MIRIAM PINTO SCHELP interpôs Agravo de Instrumento
atacando a decisão proferida na fase de execução da Ação de Consignação em
Pagamento proposta pela agravada MAQUIPAN – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÁQUINAS DE
PANIFICAÇÃO LTDA, ação essa julgada improcedente. Opõe-se a agravante contra a
decisão que, no pedido de execução de sentença, indeferiu sua pretensão em
obter “desconsideração da personalidade jurídica” da agravada, para que fosse
permitida a penhora de bens particulares de seu sócio e representante legal,
haja vista encontrar-se a recorrida de portas fechadas e sem patrimônio a ser penhorado.
Sustentou que, uma vez desativada a sociedade e sem patrimônio para garantir
seus débitos, deve o patrimônio do sócio responder pela obrigação contraída.
DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA: Formulado o pedido de execução de
sentença, o juízo indeferiu a pretensão em obter a “desconsideração da
personalidade jurídica” da agravada,
não permitindo, dessa forma, a penhora de bens particulares de seu sócio e
representante legal.
DECISÃO DO TRIBUNAL DE 2ª INSTÂNCIA: Acordam, por votação
unânime, negar provimento ao Recurso. Ementa: “Execução de Sentença. Não
localização de bens da empresa devedora. Pretensão à penhora em bens de sócio.
Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Desconsideração da
personalidade jurídica. Pressupostos, para tanto, ausentes. Insurgência
desacolhida.” “Os bens particulares de
sócio que já integralizou o seu capital
participativo em sociedade por cotas de responsabilidade limitada não respondem
por dívida da empresa, exceto quando comprovado, à saciedade, haver o sócio
atuado para a formação do débito, de forma contrária à lei ou ao contrato
social, com dolo ou com abuso de direito, bem como na hipótese de dissolução
irregular da sociedade.”
PRINCÍPIO JURÍDICO OU DOUTRINA JURÍDICA:
- Doutrinas:
Darcy Arruda Miranda Júnior e Luiz Carlos de Azevedo
-
Jurisprudências
- Art. 28 do
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)
- Arts. 20,
1395, 1396 e 1398 do Código Civil
- Art. 592,
do CPC
PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS – LÓGICA JURÍDICA: utilização do
método dedutivo, partindo de uma verdade universal (premissa maior) para um
caso particular (premissa menor).
“MENS LEGIS” OU “MENS LEGISLATORIS”: observa-se a presença
da “mens legis”, quando os magistrados procuram analisar e aplicar a lei,
fundamentando sua decisão, ainda que por analogia.
RIGOROSO APEGO ÀS PALAVRAS? Sim. A decisão não deixa margem
à dupla interpretação.
INTERPRETAÇÃO COM TEMPERAMENTO: Não se constata no caso em
tela, uma vez que a decisão apresenta-se fundamentada na lei, doutrinas e
jurisprudências.
RESPEITA FATORES VARIÁVEIS: a decisão apresenta-se
extremamente dogmática, doutrinária e jurisprudencial. Assim, conclui-se que
não houve apelo à consciência popular.
APELO A OUTRAS LEIS NACIONAIS OU ESTRANGEIRAS: a decisão não
faz uso de lei estrangeira. Apenas menciona doutrinas e jurisprudências
nacionais.
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA: Sim. Uma vez que nosso Código Civil
não vislumbra em nenhum de seus artigos, especificamente, acerca do instituto
da desconsideração da personalidade jurídica, utiliza-se, analogicamente, o
art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA OU EXTENSIVA: Restritiva, eis que
utiliza-se somente do conteúdo doutrinário e legal.
DESTAQUE À INTERPRETAÇÃO DO FATO E DA NORMA: Destaca o fato
trazendo, na mesma proporção, a norma aplicável ao caso “sub judice”.
MENCIONA PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO: Sim. Especificamente
o de que “a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios”.
INTUIÇÃO: O juiz, ao analisar as razões da agravante, constata
a inexistência de prova da dissolução irregular da empresa, bem como de que se
trate de débito defluente da prática de ato com excesso de poderes ou, ainda,
com infração à lei ou ao contrato social, ressaltando que nenhuma dessas
circunstâncias foi ao menos invocada.
EQÜIDADE: Constata-se eqüidade no julgado, vez que ausentes
os pressupostos legais de admissibilidade do pedido, há que ser negado
provimento ao apelo.
LÓGICA, QUAIS OS PRINCÍPIOS LÓGICOS: Faz uso do raciocínio
lógico, analisando os fundamentos expostos pela agravante, enquadrando as
razões da recorrente à norma aplicável ao caso. Como parte de uma premissa
maior para uma menor, utiliza-se da lógica dedutiva.
A DECISÃO É JUSTA? Sim. Não sendo as provas suficientemente
robustas ao convencimento do juízo, não há como se deferir a pretensão.
A LINGUAGEM FORENSE É ADEQUADA? Plenamente adequada. Além
disso, clara, precisa e de fácil compreensão.
7.3 . JURISPRUDÊNCIA . TJ-RJ
NÚMERO DE ORDEM: AG 239996/RJ
INICIAL:
Para impugnar decisão que inadmitiu Recurso Especial
interposto de acórdão assim ementados (fl. 63); a SONAT OFFSHORE DO BRASIL
PERFURAÇÕES MARÍTIMAS LTDA entrou com uma Apelação Cível pedindo um Mandado de
Segurança para isenção da obrigação de pagamento do ISQN como sociedade
controlada.
DECISÃO DO TRIBUNAL DE 1° INSTÂNCIA:
Não
existindo em todo o procedimento
administrativo ato ilegal ou abusivo, não existe direito líquido e certo a ser
amparado pôr via de mandado de segurança. O Recurso foi Desprovido e a decisão
do juiz arquivada no tribunal de justiça estadual. Os Embargos Declaratórios
opostos pela agravante ficaram ementados
visto que a situação é omissa ou
obscura e os Embargos Declaratórios são somente cabíveis nas hipóteses previstas
no art. 535, I e II do CPC., visando sanar obscuridade, contradição ou omissão
do v. acórdão embargado. A inexistência de tais ocorrências inviabiliza o
provimento do recurso.
DECISÃO DO TRIBUNAL DE 2° INSTÂNCIA:
Em não havendo
prequestionamento dos artigos 142 e 121, do código Tributário Nacional e
ademais disso o Acórdão ter fundado seu
convencimento nos fatos constantes dos autos, o que atrai a incidência da
súmula 07/STJ. Outrosim, foi negado
o provimento ao agravo interposto (artigo 542, § 2°, do CPC e Súmulas
282 e 356/STF e 07/STF). Caso houvessem
outros pressupostos para a apelação poderia ter sido aceito.
PRINCÍPIOS JURÍDICOS OU DOUTRINA JURÍDICA?
Doutrina
jurídica não é mencionada, interpretação através de súmula ou analogia com
outros casos não interrelacionados ao recurso de agravo.
PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS – LÓGICA JURÍDICA
Lógica
indutiva indo das partes para o todo. Não existe em todo o procedimento
administrativo ato ilegal ou abusivo e pôr conseguinte, não existe direito
líquido e certo da impetrante, pelo que,
impõe-se a revogação da decisão de fls. 589 que restabeleceu a liminar,
desprovendo-se o presente recurso. Seria, portanto irremovível a aplicação da
Desconsideração da Personalidade Jurídica, sendo inafastável o cumprimento da
obrigação tributária.
MENS LEGIS E MENS LEGISLATORIS:
Mens Legis: Os embargos de declaração somente são cabíveis
nas hipóteses previstas no art. 535, I e II do CPC, visando sanar obscuridade,
contradição ou omissão do V. acórdão embargado.
Mens Legislatoris: A inexistência de tais ocorrências
inviabiliza o cabimento e posterior conhecimento do recurso. No mais confessa o
fim de prequestionamento de matéria, para eventuais recursos extraordinário e
especial.
ESTAVAM PRESENTES OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS?
Não
expressamente, mas sim subentendidos através
de súmulas.
RIGOROSO APEGO ÀS PALAVRAS?
Forte apego
às palavras. Bastante extenso o conteúdo devido ao vocabulário ser tão rebuscado.
VOCABULÁRIO JURÍDICO ADEQUADO?
Vocabulário
jurídico adequadíssimo a seus fins.
INTERPRETAÇÃO COM TEMPERAMENTO?
A interpretação
foi extremamente racional, não havendo interpretação com temperamento.
RESPEITO A FATORES VARIÁVEIS?
Nenhum apelo
a consciência comum ou popular.
EXISTE ANALOGIA?
Inexistente,
visto que a norma é aplicável.
HOUVE EQÜIDADE?
Sim houve,
pois a norma foi bem utilizada no caso concreto.
A DECISÃO FOI JUSTA?
Sim foi
justa. Pois ficou claro que a impetrante estava usando de má fé e procurando com o decorrer do
processo prorrogar o prazo para pagamento de suas obrigações para com o ISQN.
8 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quebrando o tabu da intocabilidade da pessoa jurídica sem,
em nenhum momento, negar a sua existência e a sua relevância, a teoria que
acabamos de estudar alcança grande destaque no âmbito das empresas ou dos
grupos empresariais, pois nestes últimos existe uma unidade de controle e
gestão, sobre uma pluralidade de empresas juridicamente distintas, porém que
visam os mesmos objetivos, criando vários problemas que não podem ser
resolvidos pelas soluções clássicas.
Por outro lado, os fundamentos para a concessão de
personalidade jurídica, utilizados pelos diversos ordenamentos, são variados,
mas, uma vez concedida a personalidade a um determinado ente, não pode ser
ignorada arbitrariamente essa nova realidade, nem afastados os seus efeitos,
razão pela qual se pode afirmar que a aplicação da desconsideração (Disregard
Doctrine) é de caráter excepcional, sendo necessário que se estabeleçam
claramente os critérios para sua utilização, conforme pudemos observar na
análise das jurisprudências apresentadas no decorrer deste estudo.
O CDC é diploma largamente inovador tanto no que se refere
ao Direito Material, quanto ao Direito Processual.
O Artigo 28 deste Estatuto, representa o estendimento do
longo braço do estado para alcançar aqueles, que apesar de conformarem-se com o
estrito modelo legal, representam violação do ordenamento jurídico no que
possui de mais caro, ou seja, seus valores e seus princípios asseguradores da
paz, da boa fé, do convívio social harmonioso e da justiça
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
embora venha sendo objeto de inúmeras discussões tanto por parte dos
doutrinadores, como dos Tribunais e até mesmo dos estudantes de Direito, ainda está
longe de possuir uma interpretação pacífica e sistematizada.
Tal realidade, todavia, deve servir de estímulo aos nossos
espíritos, incitando-nos a um aprofundamento crescente em seu estudo, para que,
num futuro não tão distante, possamos ver banidas de nossa realidade as
iniquidades perpetradas através do uso indevido da pessoa jurídica, o que
representa, em última análise, o desvirtuamento do próprio Direito.
9 . REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Jurídica A Disregard Doctrine. Revista Ciência Jurídica, SP: n. 62, mar/abr, 1995.
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Dez, 1995.
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Código de Defesa do Consumidor e a invocação
imprópria da teoria da
desconsideração da pessoa jurídica. Ajuris - Revista da Associação dos
Juízes do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre: v. 19, n. 55, p. 295-301, jul. 1992.
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Empresarial, São Paulo: v. 12, n. 46, p. 27-49, 1988.
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"Disregard" no Direito de Família. Ajuris - Revista da Associação
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15ª ed.,1994.
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Jurídica no Código do Consumidor.
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Consumidor. Coordenação de Juarez de Oliveira. Ed. Saraiva, São Paulo: 1991.
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KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da
Personalidade Jurídica. (Disregard doctrine) E os grupos de Empresas. Rio,
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Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos