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A DISTRIBUIÇÃO DE AÇÕES CÍVEIS E A RESTRIÇÃO DE CRÉDITO

 

Carlyle Popp

 

 

 

Ainda que normalmente a análise do crédito se dê mediante consulta em órgãos "protetivos", tipo Serasa e equivalentes, muitas vezes é necessária a apresentação de certidões específicas. Estas certidões são obtidas através dos cartórios distribuidores, sejam de ações cíveis, sejam de protesto.

 

A análise do tema, no dia de hoje, restringir-se-á às distribuições das ações cíveis ou falimentares.

 

Não resta a menor dúvida de que a finalidade de ditas certidões é tão somente a de certificar a existência ou inexistência de feitos processuais (ações). Isto significa, destarte, que a constatação da existência de uma demanda contra determinada pessoa não significa, necessariamente, que o autor ação possui um direito certo e inquestionável a ser exercido contra o patrimônio do suposto devedor.

 

Destarte, o simples fato de ser demandado em juízo, evidentemente não se

constitui em denegrimento da imagem de ninguém. A prática, porém, é diversa, sobretudo quando se referem a ações de cobrança ou de execuções. Aquele que figura como devedor em uma ação judicial é tido como caloteiro, desonesto e mau pagador.

 

Isto remonta, com certeza, àquela concepção clássica da relação crédito e débito, onde o devedor era considerado como um escravo do credor, possui

este um direito quase que absoluto sobre aquele e, historicamente, até sobre o seu próprio corpo.

 

Ainda que os atos processuais sejam em regra públicos, conforme estabelece o artigo 155 do Código de Processo, em tese, não se deve impedir a possibilidade de, através de decisão judicial, obstar a informação a terceiros da existência da demanda.

 

Isto decorre do fato de que, a partir da Constituição vigente, não mais é matéria taxativa as hipóteses do referido artigo 155, pois visando resguardar a intimidade, protegida constitucionalmente, o poder discricionário do magistrado aumentou. Neste sentido é clara a lição de EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÃO ( Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. II, 7ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1991, p. 28), pois "se anteriormente a regra podia ser interpretada como taxativa, por ser (sic) tratar de exceção ao princípio da publicidade, e, como tal deve ser entendida restritivamente, alteraram-se agora os dados para equacionar e solucionar o problema. É que ao afastar a incidência do princípio da

publicidade 'em defesa da intimidade', conceito obviamente flexível, a

disposição contida na Carta veio tornar exemplificativa a enunciação do

aludido inc. II, outros processos, além dos indicados nesse inciso (o de nº II), poderão correr em segredo de justiça se o juiz assim determinar".

 

NELSON NERY JR. & ROSA MARIA ANDRADE NERY ( Código de Processo Civil

Comentado. 2ª Ed., Ed. RT, São Paulo, 1196, p. 583). são claros a respeito da questão:

"Publicidade dos atos processuais. É elencada como direito fundamental do

cidadão (CF 5º LX), mas a própria CF faz referência aos casos em que se admitirá o sigilo e a realização do ato em segredo de justiça. A lei enumera os casos, nada impedindo que o juiz confira a outros, ao seu critério, em virtude de interesse público, processamento em segredo de justiça, hipótese em que deverá justificar seu proceder (...)".

 

A proteção dos interesses individuais elencados na Constituição Federal, como a imagem, a intimidade e a prevenção dos danos morais e patrimoniais,

ainda que representem aparentemente matéria de Direito Privado, possuem, na

sua essência, verdadeiro interesse público.

 

Na verdade, esta distinção entre direito público e privado é fruto de um passado distante, visto que, o centro de toda a realidade jurídica passou a ser o Direito Constitucional que disciplina, também, matérias com aparência privada. Surge, destarte, um Novo Direito Privado.

 

Este Novo Direito Privado passa por uma reformulação sistemática na medida em que deixou de ser mero regrador das atividades privadas para ter também conotação constitucional. Por outro lado, o Direito Público privatiza-se na medida em que a proteção à dignidade da pessoa humana passa a superar enquadramentos coletivos. Por fim, o Direito Constitucional passa a disciplinar relações civis (enfoque constitucional no âmbito do Direito Civil), não tendo mais a mesma concepção de outrora.

Se é um equívoco dividir os ramos do Direito em Público em Privado, equívoco maior é continuar a conceber o Direito Constitucional, como parte do Direito Público.

 

Assim, a divisão temática do ordenamento passa a possuir em um primeiro momento o Direito Constitucional e, secundariamente, com idêntica hierarquia, Direito Privado e Direito Público.

 

Esta nova diretriz teve como estopim a Constituição de 1988, momento a partir do qual todo o direito pátrio passou por um redimensionamento conceitual, conduzente a uma releitura de todo o ordenamento jurídico.

 

O maior beneficiado com tal reanálise é o homem, protagonista de toda a vivência social, que voltou a ser o centro de todas as atenções.

 

Inserir o ser humano em um papel de destaque é forma efetiva de melhor qualificar o Estado Democrático de Direito preconizado na carta constitucional, pois como lembra NORBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos. p. 61), "é com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos".

 

Restringir a publicidade dos atos processuais em situações que a realidade fática aconselhe é maneira, destarte, de garantir princípios constitucionais e forma efetiva de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Carlyle Popp

Advogado integrante de Popp & Nalin Advogados Associados. Professor de

Direito Civil da Faculdade de Direito de Curitiba e da PUC/PR.