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A DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO DE
LEASING
E SUAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS
Maria Elizabeth
Carvalho Pádua Filippetto
Advogada em Porto Alegre-RS
O leasing é uma modalidade de financiamento criada no intuito
de facilitar ao arrendatário o uso e gozo de um bem, por determinado tempo e
mediante pagamento mensal de valores, correspondente a locação (denominada
contraprestação), concedendo-lhe a oportunidade de, no termo final do contrato,
optar:
a. pela renovação da utilização do bem
por outro período de tempo;
Do instituto do leasing inferimos que a opção triádica do arrendatário faz da
liberdade característica fundamental do contrato.
Em análise mais detida pode-se concluir que, se exercida a
opção de compra, o valor do bem arrendado fica representado pela soma das
prestações pagas ao longo do contrato até seu termo final, mais o valor
residual garantido, assim chamado por representar resíduo de complementação ao
valor do bem. Vale dizer que, no momento do exercício da opção de compra os
alugueres (contraprestações) pagos ao longo do contrato convertem-se em
pagamentos parciais do bem arrendado.
Pois bem. Mas o que costuma acontecer atualmente nos
contratos de leasing não atende à natureza jurídica do arrendamento
conforme o exposto acima. Constata-se na maioria dos contratos firmados pelas
instituições financeiras que o valor residual - aquele que deveria ser pago
somente se exercida a opção de compra ao final - é colocado ao arrendatário
para pagamento desde a primeira parcela mensal, a que os Bancos convencionaram
chamar de antecipação do valor residual garantido, de forma que, junto com as
prestações mensais o arrendatário também paga parcelas do valor residual.
Sendo assim, de duas uma: ou as instituições financeiras
estão impondo de antemão ao arrendatário a compra do bem,
descaracterizando o leasing, ou estão propondo a assinatura de uma
espécie contratual que não condiz com a verdadeira vontade do contratante, o
que configura simulação. Isso porque, se se pretende adquirir um bem e por ele
pagar-se parcelado, não há que se firmar contrato de arrendamento.
Ora, então pergunta-se: por que se firmar contrato de leasing ao
invés de outra espécie contratual que melhor represente a intenção das partes?
A resposta é simples. Através do contrato de leasing desnaturado,
a pretexto de taxas menores e prazo maior de pagamento, as instituições
financeiras atraem os consumidores para a assinatura de um contrato que oferece
a elas maior poder coativo na cobrança do crédito ali representado e também
maior ganho.
Isso porque, uma vez inadimplido o contrato, o Banco poderá
ingressar com ação de reintegração de posse do bem, privando o arrendatário da
sua utilização "sem que esteja obrigado" à devolução das quantias já
pagas - eis que aí, lembre-se, as contraprestações são consideradas apenas como
alugueres - e antecipar o vencimento das parcelas pendentes, as quais, poderão
até ser executadas judicialmente. Em outras palavras, a instituição financeira
terá para si as parcelas já pagas, o bem arrendado e ainda um crédito no valor
das parcelas vincendas. Para o Banco, o contrato de leasing é extremamente vantajoso - aliás, o que não é
extremamente vantajoso para Banco? - e, como não poderia deixar de ser, inversa
e equivalentemente desvantajoso para o consumidor, que sofre reiterados
prejuízos.
Ainda que exista previsão normativa (a Resolução no. 2.309 de
28/08/96) que avaliza esse malfadado procedimento bancário, admitindo em seu artigo
7o, VII, `a´ , a cobrança antecipada do valor
residual garantido, a descaracterização flagrante continua, porque o preceito,
que ocupa baixa posição na escala da hierarquia das leis, não tem o condão de,
por mera proposição sintática, alterar a natureza jurídica do que de fato
ocorre, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência mais ilibada.
Diante da descaracterização do contrato de leasing, face à imposição do pagamento antecipado do valor residual – e também da real intenção das partes -, pois, o Banco não tem o direito
de agir como se o contrato fosse característico e, portanto, não poderá privar
o arrendatário do uso do bem através de ação de reintegração de posse como vem
tentando fazer, porque uma vez antecipado o valor residual parte do bem já está
pago, o que descaracteriza, frise-se, o arrendamento mercantil, não lhe sendo
legítimo reintegrar-se na posse como se proprietário exclusivo fosse, sem ao
menos devolver as importâncias já pagas ao arrendatário. Falta-lhe requisito
essencial para a ação. E isso sem considerar os preceitos do Código de Defesa
do Consumidor, que dá matéria para um outro artigo.
A descaracterização do contrato de leasing é fato que, felizmente, vem sendo reconhecido pelos
tribunais gaúcho e paranaense com bastante freqüência, como por exemplo: A
cobrança antecipada do VGR, configura a opção de compra, descaracterizando o
contrato, que passa a ser de compra e venda a prazo. (Apelação
Cível n. 197144611 da 4a. Câmara Cível do TARGS); mas o que se
espera é que o Judiciário, nos mais recônditos foros do país, tenha a lucidez
de enxergar mais esse engodo contratual, em que a supremacia do poder econômico
sufoca a lei, a equidade e a justiça.
Retirado de: http://www.jusristantum.adv.br