Buscalegis.ccj.ufsc.br
Doutor pelo Departamento de Filosofia e
Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, Coordenador do Curso de
Direito da Universidade São Marcos, Professor de Filosofia do Direito da
Universidade São Marcos e Professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica dos
cursos de graduação e pós-graduação da FAAP.
Article XI.
"La libre communication des pensées et des opinions est un des droits les
plus précieux de l'homme; tout citoyen peut donc parler, écrire, imprimer
librement; sauf à répondre de l'abus de cette liberté dans les cas détérminés
par la loi".
(Déclaration
des droits de l'homme et du citoyen, décrétés par l'Assemblée Nationale dans
les Séances des 20,21, 23, 24 et 26 août 1789, aceeptés par le Roi.)
Do texto
constitucional podem-se destacar, dentre as demais garantias consagradas
(CF/88, art. 5º), aquelas relativas à atividade intelectual, respectivamente
postas nos incisos IV, IX, XXVII e XXVIII. A liberdade de manifestação de
pensamento, a vedação de censura, os direitos patrimoniais, os direitos morais,
a participação individual em obra coletiva, além do princípio da representação
sindical e associativa para a proteção das obras intelectuais encontram
acolhida na esfera do Texto Maior. São estes os importantes alicerces para o
desenvolvimento de uma sociedade fundada no pluralismo das idéias, na liberdade
do pensamento e no amplo acesso à cultura. De fato, a proteção ao patrimônio
cultural brasileiro recebe menção expressa na textualidade constitucional,
ressalvando-se, no art. 216, que: "Constituem patrimônio cultural brasileiro
os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I -
as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas...".
Aqui, portanto,
em sede constitucional, encontram-se os subsídios primígenos para a absorção de
categorias que hão de dirigir a estrutura das demais normas possivelmente
derivadas. Nem todo regramento normativo é fruto ocasional de uma concepção
instantânea do legislador; há um processo de maturação cultural que precede a
construção e a operosidade normativas, processo que posteriormente serve para o
engajamento das normas na textura dos anseios sociais. As normas, pois, são
derivantes das assentadas vigas culturais aceitas pela comunidade à qual se
destinam. Na construção destas, vale-se o legislador dos juízos retrospectivo e
prospectivo, sem descurar da situação sócio-econômico-cultural existente, para
a ideação e para a formação do repertório de grades conceituais e prescritas
que irão pairar como orientativas da conduta dos súditos normativos durante sua
vigência. Por isso a importância de se investigarem os meandros da construção
normativa que vige em sua amplitude principiológica no contexto constitucional,
sede das irradiações normativas a ela subordinadas hierarquicamente.
A liberdade
do pensamento e a liberdade de expressão são as grandes preocupações
constitucionais dos países democráticos. Geralmente marcados por experiências
totalitárias, a cláusula constitucional, atualmente, representa mais que um
simples direito esculpido em sede constitucional; a norma inserida no texto da
Carta Magna de um país é a fonte normativa insuprimível, vez que se encontra
entre as garantias fundamentais, que se apõe sobre toda e qualquer investida
das formas trevosas de governo. Sabe-se, e este é um paradigma da sociedade
ocidental, que a liberdade de manifestação do pensamento inicia-se com a
possibilidade de se investigar livremente, passando pela seara da
exteriorização informal, e tocando os limites da concreção do pensamento em
obra do pensamento. A preocupação do legislador originário, ao expor sua
intenção de que nenhuma forma de governo possa obnubilar a construção de uma
sociedade livre, é exatamente a de dar ampla proteção aos criadores e às
respectivas criações.
Pela fórmula,
sociedade livre só se pode entender uma sociedade que impõe a si mesma suas
arestas, obviamente dentro dos limites do mínimo ético que cerca o direito.
Impossível que as demandas culturais partam de esferas de comando político da
sociedade. Impossível que haja plena vigência do espírito democrático em um
meio onde as normas culturais são ditadas de cima para baixo. Estas irrompem,
sim, de baixo para cima, se impondo, ao longo dos tempos, pelo seu valor
intrínseco e reconhecido como valor a ser resguardado pelas gerações. Daí, em
sede de teoria da cultura, poder-se afirmar que uma cultura se caracteriza e se
singulariza pelo que é, pelo que foi, e pelo que será. Ela é legado, ela é
construto, ao mesmo tempo que é um vir-a-ser contínuo. Inconteste, portanto,
que os valores não se impõem, mas se compõem pela experiência das gerações.
A ética social
sobre a qual se lastreiam os costumes e as normas de convívio nada mais pode
significar que um ethos, ou seja, a partir da semântica grega, um
hábito, um quê social reiterado e consagrado entre homens. Se de relações se
compõem o espaço social, nestas relações se impõem os hábitos. O aceitável e o
inaceitável são retirados de fórmulas sociais de repulsa ou de recepção das
engenhosidades relacionais intersubjetivas. É certo que ao legislador resta o
papel de orientador das fronteiras relacionais da sociedade, porém não está a
ele cominada a tarefa de se tornar a fonte cultural da sociedade. Seu papel é
regulamentador, o que não significa um agir sempre a posteriori com
relação às instituições sociais; muitas destas derivam da própria mentalidade
legislativa.
O discurso aqui
presente visa, sobretudo, a explicitar a teleologia de um conjunto de normas
que se assentam nos planos constitucional e infraconstitucional. As investidas
do poder que podem servir para a facilitação do alcance dos anseios sociais nem
sempre correspondem a este ideal, uma vez que a sua manipulação é sempre
caminho para a realização de anseios singulares e egoísticos. Estes últimos
sãos os diretivos da atuação do poder e se captam, se dessumem, se constroem
constantemente através da autocrítica que os próprios membros da sociedade
empreendem sobre o ego e sobre a alteridade. Uma vez que os homens são por
natureza seres comunicantes - e assim os definamos com vistas à sua capacidade
sígnico-logística de construção do pensamento e de expressão do mesmo -, estes
empreendem seus ideais e realizam seus papéis dentro do tecido social a partir
da constante e referente atividade de comunicação. A comunicação é a
exteriorização do pensamento. Uma sociedade democrática se constrói pela maior
comunicabilidade do pensamento. Aqui, portanto, o ponto nodal das prescrições
enunciadas acima. A garantia de auto-realização da sociedade relaciona-se
diretamente com a manutenção de um sistema aberto de comunicação entre seus
membros. A supressão deste é a aniquilação, ainda que momentânea, da
espontaneidade relacional intersubjetiva.
A supressão da
livre comunicação e o exercício da coerção sobre o pensamento equivalem à
robotização e à mecanização da liberdade humana. É lição corrente que a
supressão do pensamento representa a melhor forma de comando entre os homens.
Os súditos tornam-se alvo de uma manipulação flagrantemente simplista exercida
pela ideologia ou pela ignorância. A supressão da liberdade de manifestação e
de expressão do pensamento é o instrumental de dominação mais amplamente eficaz
que se pode lançar para a cunhagem de uma sociedade de vassalos, onde as mais
fortes vozes de liberdade tornam-se inócuas em gritar brados de independência;
a vassalagem é servil aos princípios por ela absorvidos, e tende a extinguir-se
com as próprias forças que a engendraram.
O homem,
enquanto ser logístico, tem no lógos (greg., discurso, palavra) sua
potência atualizadora do pensamento; restringir esta é restringir aquele, de
modo que a afetação de um representa a afetação também do outro. Os armamentos
de que procurou o legislador munir a cidadania, para que possa fazer valer seus
direitos a todo tempo, e independentemente de qualquer força política, são as
normas maiores constantes do texto constitucional, garantia que afeta o
individual, por se tratar de garantia do indivíduo, mas, de maneira indireta,
também o coletivo, por se tratar de questão profundamente ligada aos próprios
anseios da sociedade.
Em poucas
palavras, onde há pensamento há crítica, onde há crítica há democracia. Atentar
contra a liberdade de interagir com idéias e ideologias diferenciadas daquelas
predominantes no exercício do poder é massacrar a oportunidade de abertura de
novos horizontes políticos e democráticos.
Retirado de: www.saraivajur.com.br