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A necessidade de uma iniciativa de âmbito nacional
Demócrito Reinaldo Filho*
Quem nunca recebeu uma proposta
comercial através de telemarketing? Cada vez mais proliferam empresas
especializadas em televendas, que tentam vender por telefone quase todo tipo de
produto e serviço, desde seguro de vida e cartão de crédito até imóveis e
outros bens de consumo duráveis. Isso é resultado do avanço tecnológico, que
propicia novas modalidades de relações sociais e comerciais, que terminam por
invadir nosso espaço privado. Na intimidade de seu lar, o cidadão tem o direito
de desfrutar o tempo que lhe sobra de privacidade e descanso, não sendo
admissível que "máquinas de vendas profissionais com agentes especialmente
treinados" invadam esse espaço que lhe resta.
Nesse sentido, nada mais justo que a legislação crie mecanismos para evitar
que, através do telemarketing, o cidadão comum seja importunado. Essas novas
relações sociais precisam ter sua dinâmica regulamentada, para que seu
desenvolvimento não venha a ocorrer em detrimento de um valor básico do ser
humano - o direito à intimidade e vida privada, assim entendido o direito do
indivíduo de estar tranqüilo e ser deixado em paz, garantido
constitucionalmente como um princípio fundamental (art. 5º., X).
Com esse sentir, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou o projeto de lei do
vereador Juarez Pinheiro (do PT), que estabelece limites ao telemarketing, de
forma a garantir a privacidade dos assinantes dos serviços de telefonia naquele
município [1]. De acordo com o projeto, aprovado no dia 09.12.02, as empresas
prestadoras de serviço telefônico fixo comutado e de telefonia móvel ficam
obrigadas a manter um cadastro de assinantes, com o número do telefone dos que
manifestarem oposição ao recebimento de chamadas telefônicas com ofertas
comerciais (de produtos ou serviços). Os interessados deverão requerer sua
inscrição nesses cadastros de modo escrito ou por telefone. Assim, antes do
início de qualquer campanha de marketing, as empresas terão de consultar esses
cadastros, abstendo-se de fazer ofertas de comercialização (por via telefônica)
para os inscritos.
Esse projeto, como realçado em sua própria justificativa, "só encontra
paralelo com as legislações mais avançadas das cidades da Europa". Mas,
embora não se possa retirar seu mérito original de tentar evitar novas formas
de assédio da privacidade das pessoas "pela máquina de venda da sociedade
de consumo", ainda é bastante incompleto e certamente não atingirá o
efeito pretendido.
Como se sabe, o processo de privatização pulverizou o sistema de telefonia,
possibilitando o surgimento de mais de uma companhia prestadora desses serviços
em uma mesma área geográfica. Assim, para se ver livre de chamadas telefônicas
indesejadas de caráter comercial, o interessado terá que se registrar em vários
cadastros, de diferentes empresas. Mesmo inscrito nos cadastros das empresas
que funcionam nos limites geográficos de seu Município ou Estado, nada impede
que o assinante receba ligações por meio de empresas concessionárias de outros
Estados. A necessidade de o consumidor ter que se registrar em inúmeros
cadastros para se ver totalmente imune às chamadas comerciais, por si só já é
um grande incômodo. Muitos vão preferir receber as chamadas do que perder tempo
ligando ou enviando cartas para as companhias solicitando a inclusão nos
cadastros. Além disso, como a lei deixa a critério das concessionárias de
telefonia a forma de inscrição nos cadastros (parte final do § 2º. do art.
1º.), é possível mesmo que elas venham a cobrar por mais esse serviço.
A solução mais apropriada para evitar os infortúnios do telemarketing parece
estar na criação de um sistema de cadastro centralizado, que funcione on line.
Um banco de dados em forma de website, de fácil acesso e inscrição, e
gerenciado por alguma agência reguladora do Governo poderia ser criado por
alguma norma de caráter federal, a exemplo do que foi feito nos EUA. Naquele
país foi instituído um sistema de registro contra o telemarketing de abrangência
nacional. Lá foi criado um "Do Not Call" list administrado por uma
agência nacional e, uma vez que um consumidor nela se inscreve, todas as
empresas americanas ficam proibidas de contactá-lo para fins comerciais por via
telefônica. O "Do Not Call" list funciona como uma espécie de
registro, de banco de dados onde ficam relacionados todos os consumidores que
manifestaram opção por não receber mensagens comerciais não desejadas.
Antes, existiam leis em 20 diferentes Estados prevendo algum tipo de lista
"Do Not Call". Além disso, as próprias associações de empresas de
marketing tinham algo do tipo. Isso de certa forma não trazia uma proteção
ideal para os consumidores, que tinham que se inscrever, para ficar
completamente imunes ao telemarketing comercial, nessas diversas listas
gerenciadas pelos governos de diversos Estados ou pelas associações de classe
empresariais. A solução, portanto, foi o Governo Federal criar uma lista de
base nacional. O Presidente Bush assinou, em 11 de março deste ano, o "Do-Not
Call Implemention Act", autorizando a agência reguladora das relações
comerciais dos EUA, a Federal Trade Commission (FTC) [2] , a gerenciar a lista
"Do Not Call" que vai funcionar em forma de um grande cadastro on
line [3], um site onde qualquer pessoa possa, de maneira fácil e totalmente
gratuita, se inscrever para não receber chamadas telefônicas comerciais.
É esse tipo de iniciativa que nos falta.
Notas de rodapé:
[1] http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=16696&ad=c
[2] http://www.ftc.gov
[3] http://www.ftc.gov/bcp/conline/edcams/donotcall/index.html
Retirado de: www.conjur.com.br