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DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Francisco José de Campos Amaral

Bens particulares de sócio de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, como regra geral, não podem ser objeto de penhora por dívida da sociedade, pois o patrimônio dos sócios não se confunde com o da pessoa jurídica. O artigo 596, do Código de Processo Civil, no Capítulo IV, da Responsabilidade Patrimonial, inadmite essa possibilidade em garantia do sócio que labora com zelo, responsabilidade e em estrito cumprimento da lei e do contrato social.

  Entretanto, na hipótese de ter o sócio agido com excesso de poderes, infração da lei ou do contrato social, caracterizando atos de malícia e prejuízos à sociedade, seus bens particulares podem ser penhorados de modo a suportar processo de execução movido por credores contra a sociedade. Nesses casos, a jurisprudência pátria, inicialmente tímida, vem se socorrendo dessa teoria, cada vez mais freqüente, admitindo a responsabilidade pessoal, solidária e ilimitada do sócio, em vários casos concretos, com o intuito de impedir a consumação da fraude e abusos de direito cometidos por meio da personalidade jurídica.

  A aplicação dessa teoria faz-se necessária naqueles casos em que é demonstrado que o sócio exerceu conduta faltosa, agindo com excesso de poderes, infringindo leis ou dispositivos do contrato social ou estatuto, vindo a causar prejuízo a terceiro de boa-fé, caso em que o Poder Judiciário poderá atender ao pleito do credor e aplicar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, determinando a penhora de bens do sócio para salsar a dívida social.

  Também na esfera das execuções fiscais promovidas pelas fazendas públicas tem o egrégio Superior Tribunal de Justiça entendido: ‘‘O sócio-gerente, de acordo como art. 135 do CTN, é responsável pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração da lei, considerando como tal a dissolução irregular da sociedade sem o pagamento dos impostos devidos’’ (STJ, 2ª.
T. RESp. 7745-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10.04.91)

  A Lei nº 8.078/90, que dispõe sobre a proteção e defesa do consumidor, admite a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando ‘‘em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social (art. 28). Será efetivada a desconsideração também quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocadas por má administração, ou, ainda, quando a pessoa jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (parágrafo quinto). Assim, em relação aos consumidores, por haver o art. 8º e seus parágrafos elencado os casos específicos em que se efetivará a desconsideração da personalidade jurídica, não há, na prática, mais dificuldade.

  Entretanto, fora dos casos que envolvem consumidor, a maior dificuldade do credor consiste na produção das provas de que o sócio da empresa devedora praticou ato com conduta faltosa, sendo que, nesse caso, o ônus da prova lhe incumbe e é condição sine qua non para que o juiz possa aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e admitir a penhora de bens particulares do sócio em dívida contraída pela sociedade.

  A jurisprudência tem aceito com provadas aquelas hipóteses em que a empresa deixa de recolher os impostos devidos, o que enseja o descumprimento de lei, bem como quando o sócio der causa ao encerramento da empresa em desacordo com a lei e seu estatuto social. Outra hipótese ocorre quando o sócio emite título de crédito em nome da sua empresa em seu próprio benefício. Outro exemplo aceito pelo Judiciário é aquele caso em que a sociedade é constituída de capital com a quase da totalidade das cotas por um sócio, sendo que o outro detém cota social mínima, às vezes, de valor desprezível. Para ilustrar a última hipótese vale transcrever uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: ‘‘Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Execução fiscal com penhora dos bens do sócio-gerente. Embargos de Terceiro. Sociedade realmente fictícia, em que o sócio-gerente é dono de 99,2% do capital, sendo o restante 0,8% de sua mãe e de um cunhado. A assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde com a do sócio é um princípio jurídico básico, não um tabu, e merece ser desconsiderada quando a sociedade é apenas um ‘‘alter ego’’ de seu controlador, na verdade comerciante em nome individual. Lição de Konder Comparato. Embargos de terceiros rejeitados (...)’’ (TJRS, RDM, 63/83).


Francisco José de Campos Amaral
Advogado em Brasília, especializado em Direito Comercial e Civil

Extraído do site do jornal Correio Braziliense

 

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