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A união civil entre pessoas do mesmo sexo





Luís Carlos Valois

Manaus, 03 de julho de 1997









A história convencional não ensina como se deu o surgimento do que hoje chamamos de família, e muitos pensam que o primeiro núcleo familiar formou-se com Adão e Eva. Já outros mais realistas, mas não menos equivocados, pensam que se Darwin estava certo quanto à origem do homem, os macacos dos quais descendemos já deviam constituir família em suas árvores.



Mas a família Flintstones não passa de uma bela ficção de Hanna Barbera, enquanto a realidade da pré-história foi totalmente diferente, pois, o ser humano primitivo, ainda em sua animalidade original, vivia em absoluta promiscuidade sexual, esta só diminuindo na medida em que, para melhor produção e proteção de seus bens de consumo, o homem se viu na necessidade de unir-se em hordas.



À primeira forma de matrimônio deu-se o nome de família sindiásmica, onde a infidelidade continuava permitida e o vínculo conjugal era facilmente dissolvido, o que deu origem ao Direito Materno, pois como a paternidade era duvidosa, a maternidade tornou-se a base da gens e cerne da hereditariedade. Época em que os bens de um homem eram herdados por sua mãe, ou por seus irmãos por parte de mãe, mas nunca por seus filhos.



Com o acúmulo de riquezas na mão do homem, o qual detinha a propriedade dos instrumentos de caça e produção, para que seu filho pudesse herdar seus bens, foi necessário estabelecer-se a primeira grande revolução social e instituir-se o direito paterno, surgindo então a família patriarcal e a monogamia, esta imposta quase que exclusivamente às mulheres, como muitos querem inclusive nos dias de hoje.



Assim as mulheres foram relegadas ao status de escravas e assim estariam todas até hoje se gradativamente, distanciando- se da prática única e exclusivamente doméstica, não viessem a participar dos meios de produção, o que possibilitou que readquirissem alguns de seus direitos elementares.



A própria etimologia da palavra família demonstra a inexistência, originariamente, do caráter sentimental que lhe dão hoje, pois para os antigos romanos, "famulus" queria dizer escravo doméstico e "família" o conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem.



O leitor deve estar se perguntando o que este relato sobre a história da família tem a ver com o tema proposto no título deste artigo. Em primeiro lugar é para demonstrar que está errado o hipócrita pensamento puritano de que a família ou o casamento, nasceram da simples e ingênua idéia de procriação, e este é o principal argumento dos que se manifestam contrários ao projeto de lei da Deputada Federal Marta Suplicy, agora com parecer aprovado por 11 votos a 5 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados.



A família nasceu sim da idéia de garantir a manutenção da propriedade em uma única gens, até por que, instintivamente e por razões óbvias, ao homem era mais prazeroso o matrimônio por grupos. E a família, assim como todas as outras instituições e comportamentos sociais, não é estática e sempre mudou conforme as circunstâncias, normalmente conforme as circunstâncias da propriedade.



Em segundo lugar também para deixar claro que o direito sempre protegeu e estabeleceu garantias aos que fazem parte efetiva da força de produção de qualquer sociedade, inclusive às minorias, mesmo que a estas seja necessário muita luta e paciência para verem seus direitos reconhecidos.



Estabelece o artigo primeiro do citado projeto de lei que "é assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade", portanto, para alívio dos homofóbicos, não se pretende equiparar a união dos homossexuais ao casamento, nem tampouco criar uma nova espécie de família, pois o projeto não prevê adoção de crianças ou mudança do estado civil de qualquer dos contratantes.



Se o medo e o preconceito doentio de alguns não os impedissem de uma rápida análise do projeto de lei, veriam que ele visa realmente apenas a proteção ao direito de propriedade, com suas repercussões nos direitos sucessórios e previdenciários dos envolvidos, direitos que uma sociedade democrática capitalista não pode deixar de reconhecer a quem quer que seja.



Vedado constitucionalmente qualquer tipo de preconceito ou discriminação, nada pode ser oponível à aprovação do projeto de lei, a qual não aumentará a quantidade de relações entre homossexuais, como a rejeição não causaria a diminuição das relações sabidamente já existentes, pois a opção sexual independe do deferimento legal, e o direito nasce para regular, não para criar ou embaraçar uma situação social.





Retirado de: http://www.internext.com.br/valois