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A RESPONSABILIDADE CIVIL NA TUTELA DO AMBIENTE - Panorâmica do Direito Português
MANUEL TOMÉ SOARES GOMES

SUMÁRIO: Nota Introdutória - I. O papel da responsabilidade civil na protecção do ambiente - II. Panorama actual do Direito Português: 1. Quadro Geral da Responsabilidade Civil por Danos Ambientais; 2. Do Nexo de Causalidade; Ônus Probatório; 3. Ressarcibilidade do Dano Ecológico; 4. Imputação Subjectiva da Lesão Ambiental; 5. Da Responsabilidade por Dano Ambiental no Âmbito da Gestão Pública - III. Conclusão.

Nota Introdutória

Falar da responsabilidade civil no domínio da tutela do ambiente, mesmo no contexto de determinado ordenamento jurídico, tem tanto de aliciante quanto de arrojado, já que envolve, por um lado, uma atitude crítica perante conceitos e institutos que tínhamos como firmemente sedimentados (por exemplo: as noções de bem jurídico, de interesse legalmente protegido, da causalidade jurídica, de dano ressarcível; o princípio da culpa; a legitimação para agir em juízo; entre outros) e, por outro lado, um espírito inovador guindado a novas soluções, num proceloso mar de incertezas e complexidades que deixa uma boa pane dos juristas - dentre os quais eu me incluo - em estado de alguma inquietude e impaciência. Inquietude perante a sensação de que nos escapam os esteios dos esquemas jurídicos tradicionais; impaciência de dominar as coordenadas para uma abordagem mais dinâmica do direito.

Assim sendo, e pressentindo que para tanto me faltaria engenho e arte, confinarei o meu contributo neste congresso ao esboço de uma panorâmica esquemática do Direito Português, precedido - à guisa de enquadramento - de uma breve referência sobre o papel da responsabilidade civil na protecção ambiental, para concluir, por fim, com algumas considerações de ordem prática.

I. O papel da responsabilidade civil na protecção do ambiente

Ao convocar o instituto da responsabilidade civil para o baluarte da protecção ambiental, não se poderá deixar de assinalar o papel que ao Direito Civil cumpre desempenhar como meio de tutela, porventura privilegiado, daquele que é o bem jurídico superlativo, condição sine qua non dos demais - o ambiente.

Na verdade, o Direito Civil oferece, à partida, grandes vantagens: - quer pela acessibilidade dos seus mecanismos à intervenção individual ou colectiva dos cidadãos, de quem se espera uma participação cada vez mais decisiva na protecção ambiental; nas sábias palavras do insigne Professor de Coimbra, Orlando de Carvalho, "o direito civil, como direito dos homens comuns em comum, parece ser a pátria dos direitos do homem"; os institutos civilísticos são portanto co-naturais à própria cidadania; - quer pela riqueza e plasticidade da sua instrumentação técnico-jurídica que, geralmente, sem necessidade de adaptações formais, se ajusta melhor do que a de qualquer outro ramo do direito às novas exigências práticas da vida e à diversidade dos casos singulares; basta ter presente, por exemplo, o Direito Administrativo e o Direito Penal que, dominados pelo princípio da legalidade, se tornam pouco permeáveis, na sua aplicação prática, a situações novas que exorbitem dos arquétipos normativos.

Ora, o art. 20o., no. 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) garante a todos o acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos.

A par disso, o art. 205°, no. 2, desta Lei Fundamental, ao delinear o âmbito da Função Jurisdicional, comete aos tribunais a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

Instrumento específico desse direito de acesso aos tribunais é obviamente o direito de acção civil, aliás consagrado no art. 2o do Cod. de Processo Civil Português (CPC), que confere a qualquer cidadão (ou entidade equiparada) o poder de requerer providências jurisdicionais, provisórias ou definitivas, destinadas ao reconhecimento de situações juridicamente tuteladas e à efectivação das respectivas conseqüências legais. O direito de acção tanto pode estribar-se em pretensão deduzida de um direito subjectivo propriamente dito, como em interesse juridicamente protegido, ainda que não reconduzível à figura paradigmática do direito subjectivo.

(1) A este propósito, vide Prof. Menezes Cordeiro, Tutela do Ambiente e Direito Civil, in Direito do Ambiente, Edição I.N.A., 1994, p. 377 et seq.

Não obstante o art. 66o., no. 1, da nossa Constituição proclamar que "todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado ..." e o art. 40o., no. 4, da Lei 11/ 87, de 7-4 (Lei de Bases do Ambiente), dispor que "os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização", alguma doutrina portuguesa pusera em dúvida que a nossa lei arquitectasse a tutela do ambiente na base de um direito subjectivo propriamente dito, de titularidade generalizada a todo o cidadão, preferindo considerá-lo como um mero interesse difuso cujas condições de legitimidade teriam de ser regulamentadas por lei, nos termos preconizados pelo art. 52o., no. 3, da CRP.

Seja como for, essa questão parece hoje de algum modo ultrapassada com a entrada em vigor da Lei 83/95, de 31-8, que veio estabelecer, além do mais, os termos do exercício da acção popular civil, quanto à prevenção, cessação e reparação das lesões ambientais.

No âmbito da tutela civil, poderemos,

por conseguinte, destacar dois eixos fundamentais:

A) A tutela preventiva, vocacionada para prevenir lesões iminentes de bens jurídicos, operável por via da acção inibitória e dos meios cautelares, com base no pressuposto essencial da ameaça séria de lesão, seja para obstar à consecução da mera ameaça, seja para fazer cessar lesão já em curso; de notar que a providência jurisdicional de cessação do acto ofensivo ou de inibição do comportamento futuro parece não depender da verificação de culpa por parte do agente, como vem sendo doutrina já aceite no domínio da tutela preventiva da personalidade, contemplada no art. 70o., n° 2, do nosso C. Civil;2

(2) No sentido exposto, vide, por todos, o Prof. Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 473 et seq.; porém, este autor considera, em princípio, inadmissível medidas de tutela preventiva da personalidade, ao abrigo do art. 70, no. 2, do C.

B ) A tutela reintegradora ou reparatória, destinada à eliminação ou compensação do dano, assente nos preesupostos da responsabilidade civil, designadamente, e em regra, em facto ilícito e culposo e só excepcionalmente - nos casos previstos na lei - em facto ou actividade não imputáveis a título de culpa.

Registre-se, a este propósito, que a responsabilidade civil tem sido encarada, tradicionalmente, sobretudo sob o prisma da sua função reparatória, muito embora se lhe assinalem efeitos preventivos difusos. Por outro lado, os meios de tutela preventiva têm sido, na prática, relegados a um papel residual e quantas vezes neutralizados pelo argumento da reparabilidade dos danos que possam advir da eventual consumação da ameaça.

Ora, quer-nos parecer que a peculiaridade do bem ambiental e os princípios do Direito do Ambiente postulam hoje uma inflexão desta perspectiva.

Com efeito, muitas vezes as ameaças de degradação ambiental prefiguram-se de conseqüências imprevisíveis ou irreparáveis, não só pela exiguidade dos nossos conhecimentos técnico-científicos sobre determinados fenômenos naturais, como ainda pelo impacto multiplicador e difuso da actividade humana nos complexos sistemas ecológicos. Foi essa particularidade que levou à proclamação do princípio da prevenção - extraído da sabedoria proverbial do "mais vale prevenir do que remediar" - princípio esse que a Lei de Bases portuguesa contempla, no seu art. 3°, al. "a", logo à cabeça dos demais princípios específicos do Direito do Ambiente. Mas já hoje se foi mais longe, tendo o próprio Tratado da União Européia introduzido no seu art. Civil, em casos de conduta do responsável pelo risco ou por actos lícitos. 130o -R, n° 2, a pai dos princípios anteriormente consagrados - da acção preventiva e da reparação dos danos ambientais, ,o expressivo princípio da precaução. E também esta idéia de precaução que está ínsita no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, de Junho de 1992.

O influxo desses princípios no instituto da responsabilidade civil conduzirá, a meu ver, a um maior protagonismo, em matéria ambiental, dos mecanismos de tutela preventiva e ao reforço do primado da reintegração ou da reconstituição natural do dano.

Significativo neste domínio é o art. 48o. da Lei de Bases do Ambiente portuguesa (Lei 11/87, de 7-4) ao impor aos infractores a reposição da situação anterior à lesão ambiental ou de situação equivalente, só admitindo indemnização compensatória em caso de não ser possível tal reposição. Aqui o princípio da reconstituição natural sai enobrecido, na medida em que, diversamente do previsto no regime geral - arts. 566o., n° 1, e 829°, no. 2, do Cod. Civil -, não dará lugar a substituição por indemnização pecuniária, nas hipóteses em que a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou em que seja excessivamente onerosa.

Além disso, convém aqui assinalar que a eficácia prática das acções preventivas inibitórias pode ser reforçada com o recurso à sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829°-A do nosso C. Civil, o qual permite a condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, em que o mesmo tiver sido condenado.3

(3) Sobre a problemática da sanção pecuniária compulsória, vide Prof. João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987.

Em suma, os esquemas da tutela civil adequam-se à protecção ambiental, muito embora tenham de ser reorientados em função dos princípios do Direito do Ambiente, nomeadamente com a acentuação da tutela preventiva e reintegradora da responsabilidade civil, em detrimento da idéia de reparação meramente patrimonial.

II. Panorama actual do Direito Português

1. Quadro Geral da Responsabilidade Civil por Danos Ambientais

Em sintonia com a generalidade dos sistemas jurídicos contemporâneos, o ordenamento jurídico português elege o modelo da responsabilidade civil fundada na culpa como regime-regra, que o art. 483o., no. 1, do nosso C. Civil define, através de uma cláusula geral, nos seguintes termos: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."

Por seu turno, o no. 2 do mesmo normativo declara que "só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".

Deste modo, a responsabilidade objectiva, seja pelo risco, seja por actos lícitos, tem natureza excepcional.

A par disso, várias disposições legais consagram regimes de presunção de culpa, invertendo, nesses casos, as regras de repartição do ônus de prova.

Ora, na maioria dos casos, os delitos ambientais traduzem-se concomitantemente em violações dos direitos subjectivos de personalidade ou de propriedade, caindo, sem qualquer espécie de dúvida, no âmbito normativo do no. 1 do falado art. 483°. Todavia, não é despiciendo trazer à colação a violação concorrente do direito do lesado a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, reconhecido antes de mais pelo art. 66o., no. 1, da nossa Constituição e reeditado no art. 40o., no. 4, da Lei de Bases.

Com efeito, o entrosamento do direito individual ao ambiente com os direitos tradicionais de personalidade ou de propriedade contribui para o reforço e maisvalia do conteúdo destes últimos, potenciando-lhes novos e enriquecidos aproveitamentos práticos.

Assim, o direito de personalidade, configurado genericamente no art. 70o. do nosso C. Civil, deverá ser hoje entendido numa perspectiva dinâmica pautada também pelos valores ambientais e pela idéia polarizadora da qualidade de vida que lhes está subjacente.

Por sua vez, o direito de propriedade será passível de novas leituras, não só quanto à sua função social compreendendo porventura uma vertente ecológica, mas ainda no que concentre, por exemplo, às relações de vizinhança e aos usos nocivos da propriedade - emissões de fumo, cheiros, ruídos e factos semelhantes, previstos no art. 1346o. do nosso C. Civil. E nesse contexto que se poderá questionar, por exemplo, qual o alcance de noção de prédio vizinho, em caso de uma emissão poluente de longa distância; ou o que se deve entender por prejuízo substancial do imóvel ou por utilização normal do prédio, para efeitos de aplicação daquele artigo. Quer-me parecer que não podem deixar de ser interpretados à luz dos valores ambientais assumidos pela ordem jurídica, o que lhes dará uma projecção algo diferente do sentido tradicional. Há mesmo quem admita que, num futuro não muito distante, o nosso art. 1346o. possa vir a compreender as emissões inestéticas, atentatórias da paisagem ou do patrimônio construído.4

(4) Prof. Menezes Cordeiro, ibidem.

Posto isto, diga-se em abono da verdade que a Jurisprudência portuguesa tem vindo progressivamente a tomar em consideração as lesões ambientais no quadro dos direitos subjectivos clássicos, máxime dos direitos de personalidade e de propriedade, contribuindo desse modo para refrear alguns dos excessos da sociedade tecnológica em que vivemos e para garantir aos cidadãos o gozo normal desses direitos.

São exemplo disso:

- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 28.04. 1997, que reconheceu o direito à saúde e ao repouso, como vertentes do direito de personalidade (art. 7o do CC) e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66o. da CRP), e condenou o "Metropolitano de Lisboa, S.A.R.L." a pagar uma indemnização pelos danos decorrentes de ruídos e vibrações produzidos pela abertura de um túnel em área residencial;

- O ac. da Relação de Coimbra, de 21.01.1992,5 que condenou os réus a demolir um viteleiro, fonte de maus cheiros e de propagação de insectos em habitações próximas; a decisão baseou-se fundamentalmente nas tutelas da personalidade (art. 70o. do CC), da propriedade no âmbito das relações de vizinhança (art. 1346o. do CC) e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como à saúde e a uma habitação em condições de higiene (arts. 64o., 65o. e 66o. CRP);

- O ac. do STJ, de 26.04. J995,6 que reconheceu como uma das vertentes do direito à vida (art. 70o. do CC) o direito à qualidade de vida, nuclearmente centrado no direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66° da CRP), que deve prevalecer sobre o interesse na laboração de uma instalação fabril poluente, ainda que licenciada;

- O ac. do STJ, de 09.01. 1996,7 que traz à colação o direito do ambiente como reforço da tutela da personalidade, nas vertentes do direito ao sono e ao repouso, contra o funcionamento de um talho, fonte de poluição sonora para as habitações vizinhas.

(5) Publicado 1n Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII (1992), Tomo 1o , p. 83 et seq.

(6) In Colectânea de Jurisprudência dos Acórdãos do S.T.J., Ano III (1995), Tomo 1o , p, 155 et seq.

O mesmo se não dirá no que toca às lesões exclusivamente ambientais, ou seja, as que ocorrem sem implicação directa com os direitos subjectivos tradicionais. Nestes casos, as decisões judiciais rareiam,8 na esfera da tutela civil, sendo no entanto mais freqüentes no domínio do ilícito de mera ordenação social - tutela contra-ordenacional.9

 

(7) In C.J. dos Acs. do STJ, Ano IV (1996), Tomo 1o, p. 37 et seq.

(8) Um dos casos que deu mais polemica foi o da "Quinta do Taipal", em que o Ministério Público requereu uma providência cautelar e subseqüentemente propôs uma acção, pedindo que o proprietário de um terreno de 50 ha, sito nas margens do Rio Mondego, fosse inibido de enxuga-lo para fins agrícolas, na medida em que tal procedimento punha em risco a subsistência de uma zona húmida que, nomeadamente, servia de dormitório a uma espécie rara de garças e de abrigo a outras aves aquáticas; a acção foi julgada procedente no tribunal da comarca de Montemor-oVelho e na Relação de Coimbra, mas a decisão das instâncias foi revogada no S.T.J. por acórdão de 17.01,1995; sobre este caso, vide Prof. Gomes Canotilho, in Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade - Crítica de Jurisprudência Ambiental -, Coimbra, 1995.

No ordenamento jurídico português, o sistema das contravenções tem vindo a ser substituído pelo direito de mera ordenação social, por influência do direito alemão, em que o ilícito é tipificado em contra-ordenações cominadas com coimas (sanções pecuniárias).

Como já acima referimos, havia, na Doutrina Portuguesa, quem questionasse a existência de um direito subjectivo ao ambiente, autônomo, preferindo antes recorrer à idéia de interesse difuso, mas cuja legitimidade teria de ser regulamentada por lei, no desenvolvimento do art. 52o., no. 3, da Constituição. Talvez isto explique as razões da raridade das demandas cíveis, nessas hipóteses. Aliás, as poucas que conheço foram intentadas pelo Ministério Público, no âmbito da sua legitimidade para propor acções cíveis, ao abrigo do art. 45o., n° 3, da Lei de Bases do Ambiente, na defesa dos valores protegidos por esta lei.

Actualmente, a Lei 83, de 31.08. 1995, que veio regulamentar o exercício da acção popular, confere legitimidade, nomeadamente para a acção civil de prevenção, de cessação e de reparação de lesões ambientais:

- a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda (art. 2o., no. 1); - às associações e fundações defensoras dos interesses ambientais, desde que tenham personalidade jurídica, incluam expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate e não exerçam qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais (art. 2o., no. 1, e 3o.);

- as autarquias locais (municípios e freguesias) em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição (art. 2o., no. 2).

Não restarão hoje dúvidas - segundo creio - de que se pode demandar civilmente na base do mero interesse ambiental, para obter as providências preventivas ou de cessação de lesões ambientais, ou para se efectivar a reparação dos danos respectivos.

No que concerne ao tipo de responsabilidade, já acima foi referido que a regra é a da responsabilidade fundada na culpa.

No entanto, o art. 41o., no. 1, da Lei de Bases instituiu um regime excepcional de responsabilidade objectiva por "danos significativos no ambiente, em virtude de acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável". Porém, relegou para regulamentação complementar o estabelecimento dos critérios de fixação da respectiva indemnização. Entendia-se, por conseguinte, que a implementação desse regime especial estava dependente de tal regulamentação, a qual ainda nunca foi adoptada.

Sucede que a falada Lei 83/95 veio, no seu art. 23o., reeditar a responsabilidade civil objectiva, por lesões ambientais decorrentes de actividade objectivamente perigosa. Poder-se-á agora questionar qual o sentido desta sobreposição em relação ao art. 41o. da Lei de Bases.

Não estou convencido de que o legislador tenha querido inovar neste ponto em relação à Lei de Bases do Ambiente.

A razão de ser desse normativo terá mais a ver com o alargamento do regime da responsabilidade objectiva a todas as espécies de interesses abrangidas pela Lei 83/95 e que vão para além dos interesses ambientais, compreendendo, igualmente e entre outros, os relativos à saúde pública e ao consumo.

Ora, como não se estabelecem os critérios da mencionada perigosidade objectiva, há quem entenda que o art. 23o. da Lei 83/95 está dependente de regulamentação adequada que defina o tipo de actividade ou de situações objectivamente perigosas, tanto mais que um regime de responsabilidade objectiva ancorado em pressupostos indeterminados, sem contornos pré-estabelecidos, seria algo perturbador para a previsibilidade dos agentes econômicos. Além disso, importa não esquecer que Portugal foi um dos subscritores da Convenção de Lugano sobre a responsabilidade por danos resultantes de actividades perigosas para o ambiente, assumida no seio do Conselho da Europa e assinada em 21.06.1993 mas ainda não aprovada internamente, a qual adopta uma noção operativa detalhada de actividade perigosa, recorrendo nomeadamente a listas de substâncias e processos como tal considerados.

Não creio que Portugal queira assumir internamente uma solução mais abrangente do que a generalidade dos seus parceiros europeus.

A perfilhar o entendimento de que o regime de responsabilidade objectiva instituído carece ainda de regulamentação complementar, continuamos assim a ter de lidar no ordenamento jurídico português, para além do regime-regra, com um quadro fragmentário de regimes especiais:

* desde o regime de presunção de culpa por danos provenientes de edifícios ou outras obras (art. 492o. do CC), bem como os emergentes de actividades perigosas (art. 493o., no. 2, do CC);

* até aos diversos regimes de responsabilidade objectiva por:

- danos provenientes da condução ou entrega de electricidade ou de gás, ou de instalação a tal destinada, nos termos do art. 509o. daquele código;

- prejuízos ocasionados por instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, em conformidade com o art. 1347o. do mesmo código;

- danos resultantes da utilização de radiações ionizantes ou de contaminação radiactiva, compreendendo as instalações nucleares ou radioactivas, bem como as actividades que impliquem a utilização de radiações consideradas não ionizantes, ou utilização de produtos que contenham compostos químicos genericamente designados por filtros solares, nos termos do art. 10o . do Dec.Lei 348, de 12-10-1989;

* sem esquecer também os regimes de responsabilidade objectiva emergentes:

- da Convenção de Paris, de 29.07.1960, e de Bruxelas, de 31.01.1963, sobre a responsabilidade civil no domínio da energia nuclear;

- e da Convenção de Bruxelas de 1969 e de Londres de 1976 sobre a responsabilidade civil relativa à poluição por hidrocarbonetos derramados por navios, causadora de prejuízos no território ou no mar territorial.

Perante este quadro, não poderei deixar de observar que uma tal dispersão de regimes dificulta, por vezes, o enquadramento dos casos, reduzindo a operatividade do sistema, sendo por isso imperioso que se adopte um regime unitário, mais harmônico, de responsabilidade objectiva por danos ambientais.

2. Do nexo de causalidade; ônus probatório

Um dos aspectos que, entre nós, pode suscitar alguma polêmica prende-se com a prova do nexo de causalidade entre o comportamento ou a actividade sub judice e a degradação ambiental verificada, quer estejamos no domínio da responsabilidade subjectiva, quer no quadro da responsabilidade objectiva. Aliás, nesta última hipótese, o ponto estratégico da defesa centra-se, normalmente, na descaracterização do nexo de causalidade.

Em matéria de repartição do ônus de prova, um largo sector da Doutrina e Jurisprudência portuguesas tem perfilhado a denominada teoria das normas, formulada há anos na Alemanha por Rosenberg e sustentada em Portugal pelo Professor Antunes Varela 10 entre outros. Segundo essa teoria, a determinação do ônus de prova far-se-á exclusivamente à luz da estruturação técnico-científica das normas aplicáveis e do seu escalonamento sistemático, mas sem apelo às particularidades da espécie factual sub judice. Os defensores desta solução entendem que esta é a forma que melhor garante às partes o conhecimento mais aproximado da distribuição do ônus probatório e, por isso, um maior controlo sobre o desfecho do litígio.11

(10) Prof. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2a ed., Coimbra, 1985, p. 455 et seq.; anotação do mesmo Prof. ao Assento do STJ n< 4, de 21.06,1983, in Revista de Legislação e Jurisprudência (R.L.J.), Ano 117o , no. 3718, p. 30 et seq.

Outra corrente, encabeçada na Doutrina portuguesa pelo Professor Vaz Serra, perfilha um critério mais casuístico, baseado na normalidade ou anormalidade do facto em apreço, quebrando assim a rigidez legalista das regras de repartição do ônus de prova e permitindo uma melhor flexibilização com a especificidade do caso concreto.12 Em suma, segundo a teoria das normas, só as presunções legais provocam, em princípio, a inversão do ônus da prova, enquanto que as meras presunções judiciais operam unicamente no plano empírico da apreciação e valoração da prova; para a tese da normalidade/anormalidade do facto, as presunções judiciais poderão levar à inversão casuística do próprio ônus de prova.

Ora, de acordo com o art. 342o., no. 1, do C. Civil e à luz da teoria das normas, impende sobre o demandante o ônus de provar o nexo de causalidade entre o comportamento ou actividade imputada ao réu e a lesão ambiental em causa, já que, face à estruturação abstracta das normas aplicáveis, se trata inequivocamente de um facto constitutivo, pressuposto favorável da pretensão deduzida.

(11) A tese em referência foi perfilhada pelos Assentos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no. 4, de 21.06.1983 (no âmbito de uma acção de reconhecimento da paternidade), e no. 5, de 26.01,1994 (no domínio de uma acção de divórcio).

(12) Esta tese está de certo modo implícita no Assento do STJ de 29.11.1989, a propósito da repartição do ônus de prova, numa acção em que se pretendia a redução de um contrato-promessa de venda nulo em promessa unilateral; porém, mereceu comentário desfavorável do Prof. Almeida Costa, publicado na R.L.J., Ano 125o , no. 3820, p. 222 et seq.

Só assim não será se o réu tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado. Neste caso, haverá inversão do ônus de prova, por força do estatuído no art. 344o., no. 2, do Cod. Civil.

Na aferição concreta do nexo de causalidade tem sido tradicionalmente seguido o critério da causalidade adequada, assumido pelo art. 563° do nosso Cod. Civil.

A sua formulação desdobra-se, analiticamente, em duas operações:

- num juízo de realidade,13 de pendor naturalístico, mediante o qual se elege determinado facto (acção ou omissão) como conditio sine qua non do dano considerado;

- seguido de um juízo de valor, de imputação normativa, no sentido de que aquela condição se revele, ainda em abstracto, como causa adequada a produzir tal dano.

Nessa adequação normativa tem sido adoptada, em sede de responsabilidade por factos ilícitos - e creio que extensível à responsabilidade pelo risco - a técnica da formulação negativa, em termos de só excluir a condição sine qua non que seja de todo indiferente ao dano verificado ou se este só se tiver produzido em virtude de circunstâncias excepcionais, anômalas, que tenham interferido no processo causal. Esta formulação facilita bastante a prova do nexo de causalidade por parte do lesado.

De registar, no entanto, que, no domínio da Doutrina portuguesa, o Prof. Menezes Cordeiro tem criticado a teoria da causalidade adequada, considerando-a uma fórmula vazia e centrando o problema na imputação normativa do dano ao comportamento ilícito, segundo um juízo mais globalizante.14

A jurisprudência, por seu lado, tem seguido a doutrina clássica da causalidade adequada, como é exemplo disso o recente aresto do STJ, de 24.10.1995, sobre o encerramento de uma discoteca por violação do direito ao repouso e ao sono.15

(13) Sobre a distinção entre juízos de realidade e juízos de valor, vide Prof. Miguel Reale, Filosofia do Direito, 17a ed., Saraiva, 1996, p. 247 et seq.

Seja como for, em matéria de danos ambientais, a solução da causalidade adequada ou da causalidade jurídica (como também é conhecida) suscita dificuldades acrescidas.

Na verdade, os factos de poluição são freqüentemente de natureza complexa com efeitos difusos, ocasionando danos distanciados da sua fonte e prolongados no tempo, em concurso porventura com outras fontes poluentes.

Por isso, a dificuldade surgirá, desde logo, na caracterização do facto como condição sine qua non do dano ambiental verificado.

Ora, como no ordenamento jurídico português não existe presunção legal do nexo de causalidade, o demandante não estará dispensado de prová-lo, sendo certo que, em muitos casos, ser-lhe-á bastante oneroso fazê-lo, sem que isso se traduza, no entanto, numa impossibilidade imputável, a título de culpa, à outra parte, que permita a inversão do ônus de prova, nos termos do já citado art. 344o., no. 2, do C. Civil.

(14) Prof. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, v. 2, Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, p. 337 et seq.

(15) Ac, do STJ, de 24.10.1995, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - (C.J, dos Acs, do STJ), Ano III, 1995, Tomo III, p. 74 a 78.

Dentre as posições doutrinárias enunciadas, prefigurar-se-iam duas alternativas possíveis:

- Seguir a tese da normalidade/anormalidade do facto e adequar o critério de repartição do ônus probatório às circunstâncias do caso singular; uma tal solução permitiria que, perante situações de particular onerosidade para o demandante, se pudesse considerar invertido o ônus de prova;

- Adoptar a teoria das normas e, em face disso, atribuir desde logo ao autor o ônus probatório do nexo de causalidade; mas valorar a prova produzida na base de um critério de verosimilhança ou de probabilidade séria, condizente com as circunstâncias específicas do caso. Nessa medida, a prova indiciária assumirá especial relevo como argumento probatório. Assim, a particular onerosidade da prova para o demandante não inverte à partida o ônus probatório, mas acaba por traduzir-se, em concreto, num menor grau de exigência para o onerado.

A este propósito, sublinharei que o art. 10o da Convenção de Lugano, acima aludida, determina que o juiz tenha em conta o risco acrescido inerente à actividade perigosa para provocar o dano ambiental.

Por sua vez, o art. 17° da já falada Lei 83/95 (que disciplina a acção popular) atribui ao juiz iniciativa própria em matéria de recolha de prova, no âmbito das questões fundamentais definidas pelas partes, o que lhe confere largo poder de indagação ao nível dos factos instrumentais. Este reforço do poder do juiz dá-lhe a possibilidade de, por essa via, compensar as maiores dificuldades do autor na produção da prova a seu cargo.

De todo o modo, seja por via da inversão casuística do ônus de prova, seja pelo recurso ao juízo de verosimilhança na apreciação concreta do resultado probatório, há que destacar aqui o papel decisivo não só dos factos indiciários e dos dados da prova pericial, que servem de suporte ao funcionamento das presunções judiciais, mas em particular da sensibilidade e da experiência do juiz para compreendera complexa facticidade com que está a lidar.

Para tanto, o magistrado tem de ser um homem ou uma mulher do seu tempo; e ser do seu tempo é compreender o momento histórico em que vive, aprendendo com o passado e interpretando o presente com os olhos postos no futuro. Importa pois que refinemos a nossa sensibilidade perante o meio ambiente, que compreendamos os sinais dos tempos, com ponderação mas também com ousadia e horizontes largos, para bem ajuizarmos sobre o que nos arriscamos a perder. A meu ver é fundamental - sem fundamentalismo essa sensibilidade para uma adequada apreciação dos casos em matérias tão complexas como as que, por vezes, envolvem os pleitos ambientais.

3. Ressarcibilidade do Dano Ecológico

Um outro aspecto específico que de algum modo se prende com o nexo de causalidade será a questão da ressarcibilidade do dano ecológico.

Há poucos anos eram uma clara minoria os que pugnavam pela dignidade jurídica de tal dano, dada a sua fluidez

e natureza tão difusa. Hoje, a própria Convenção de Lugano lhe dá o merecido destaque na al. "c"), inciso 7, do seu art. 2o..

Encontra-se igualmente contemplado no ordenamento jurídico português, por exemplo, no art. 48o., no. 1, da Lei de Bases do Ambiente, quando faz impender sobre o agente de determinada degradação ambiental a obrigação de repor a situação anterior à mesma ou equivalente, o que constitui um reforço do primado da reconstituição natural. Outrossim, a reparabilidade do dano ecológico encontra-se formalmente reconhecida no art. 48o da Lei 74 de 07.03.1990 (Lei sobre a poluição da água), que impõe a obrigação de indemnizar o Estado por danos significativos no ambiente em geral e afectando a qualidade das águas em particular (no. 1), prevendo-se mesmo uma indemnização equitativa, nos casos em que não seja possível quantificar com precisão os danos causados (no. 2).

Não cabe, no âmbito desta modesta comunicação, abordar a complexa problemática da determinação do dano ecológico e muito menos os aspectos técnico-científicos da sua avaliação. Gostaria, no entanto, de conjurar o perigo das visões redutoras, seja de índole economicista, que reconduzem o valor ambiental a uma mera expressão patrimonial, seja de cariz puramente ética que o circunscrevem a uma simples dimensão moral.

Quero antes testemunhar a minha simpatia por uma visão mais abrangente que combine, na complexidade do valor ambiental, as vertentes naturalista, estético-cultural e sócio-econômica.

Assim, em cada caso concreto, importará ponderar em que medida é que determinada degradação de um componente ambiental constitui, em todos ou em qualquer daqueles aspectos, um dano que:

- pela sua gravidade, mereça a tutela do direito;

- e se mostre adequado imputar, em termos de causalidade jurídica, à conduta do agente.

Trata-se de uma tarefa árdua, porquanto a natureza complexa do bem ambiental e o carácter difuso dos interesses que lhe estão associados potenciam a multiplicação dos danos por várias dimensões: desde os verificados nos próprios componentes naturais, a calcular, em regra, pelo custo da reposição; aos infligidos directamente nas pessoas e em bens materiais; sem esquecer ainda os suportados por um número indeterminado de pessoas ou por colectividades (v. g. danos colectivos). Caberá pois à Jurisprudência, com o auxílio dos conhecimentos técnico-científicos ao seu dispor, ir forjando critérios práticos de imputação do dano ambiental, a partir do afrontamento dos casos litigiosos. E quiçá daqui a alguns anos a problemática do dano ecológico ser-nos-á tão familiar como hoje o é a questão do dano moral.

No que concerne à susceptibilidade de indemnização compensatória em caso de impossibilidade de reparação natural do dano ambiental, podemos afirmar que ela se encontra reconhecida no art. 48o., no. 3, da nossa Lei de Bases, muito embora o modo de determinação dessa indemnização seja relegado por aquele normativo para legislação complementar, que tarda em ser adoptada.

4. Imputação Subjectiva da Lesão Ambiental

Entrando agora no domínio da imputação subjectiva da lesão ambiental, há que ter presente três situações típicas:

- a hipótese de co-autoria na acção causadora do dano - concurso necessário de causas;

- a hipótese de autorias paralelas concurso cumulativo;

- a situação de concurso alternativo ou excludente.

Considerando o regime de responsabilidade solidária que vigora no direito português, por força dos arts. 490o. e 497o. do C. Civil, aplicáveis à responsabilidade pelo risco ex vi do art. 499o do mesmo código, as duas primeiras hipóteses enunciadas não levantam quaisquer dúvidas.

Quer em caso de co-autoria, quer em caso de autorias paralelas cumulativas, os agentes responderão solidariamente perante o terceiro lesado, sem prejuízo do direito de regresso que possam exercer reciprocamente.

Porém, quanto ao concurso alternativo, a solução não se mostra pacífica. Há quem entenda que, subsistindo dúvida sobre qual dos réus demandados terá ocasionado os danos, não será lícito apelar à regra da solidariedade prevista nos artigos citados, já que o concurso alternativo é excludente, não permitindo, por isso, uma aplicação analógica.16

(16) Prof. Menezes Cordeiro, op., cit., p. 415 et seq.

Seria talvez desejável a introdução, no nosso ordenamento jurídico, de uma norma semelhante à norma especial que consta do § 830o do Código Civil Alemão (BGB), que - como refere o Prof. Menezes Cordeiro 17 - determina a responsabilidade de todos os intervenientes, independentemente de ser possível provar qual deles teve o comportamento delitual.

5. Da Responsabilidade por Dano Ambiental no Âmbito da Gestão Pública

Por fim, farei uma breve referência à responsabilidade civil por danos ambientais no domínio dos actos de gestão pública.

Em primeira linha, importa precisar que, tratando-se de actos ou omissões ocorridos no âmbito da função política ou da função legislativa (v. g. omissão de uma providência legislativa, da transposição de uma directiva da União Européia etc.), o Estado e os seus agentes responderão, nos termos gerais de direito, como aliás resulta do art. 22o. da CRP, sendo os tribunais comuns os competentes para conhecer de tais pleitos.

De igual modo, se as lesões ambientais

decorrerem de actos ou omissões do Estado, de seus agentes ou representantes,

ou de outras pessoas colectivas públicas,

no exercício de actividades de gestão

privada, o Estado ou essas pessoas

colectivas responderão civilmente por esses

danos nos termos em que os comitentes

respondem pelos danos causados pelos

seus comissários - Art.. 501o do C. Civil.

(17) In op. cit. p. 416.

Compete aos tribunais comuns o julgamento das respectivas causas.

Se as lesões ambientais decorrerem de acto ou omissão do Estado ou de seus agentes, ou de outras pessoas colectivas públicas, no exercício de actividades de gestão pública, o Estado ou essas pessoas colectivas - e solidariamente o agente infractor - responderão nos termos específicos do Dec. Lei 48.051, de 21.1 1.1967:

- por actos ilícitos e culposos (art. 1°)

- responsabilidade subjectiva;

- pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas ou actividades da mesma natureza, independentemente de culpa (art. 8o.) - responsabilidade pelo risco;

- por actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, quando tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais (art. 9o.) - responsabilidade por actos lícitos.

Para o conhecimento das acções emergentes da responsabilidade por actos de gestão pública é competente a jurisdição especial dos tribunais administrativos Dec. Lei 129, de 27.04.1984, a cujo contencioso é aplicável o regime da acção popular, como resulta aliás do disposto no art. 12o., no. 1, da Lei 83/95.

Como nota crítica a este sistema dualista

- contencioso civil / contencioso administrativo -, poder-se-á salientar que a repartição de competências pelas jurisdição comum e jurisdição administrativa pode de certo modo operar como um factor de diluição da responsabilidade pelo dano ambiental, permitindo que o demandado civil alije, perante o tribunal comum, a sua responsabilidade para a entidade administrativa não demandada, o mesmo acontecendo com a entidade demandada perante a instância administrativa.

III. Conclusão

Feita esta abordagem panorâmica da responsabilidade civil por danos ambientais no direito português, vou concluir dizendo que:

A. Confio numa crescente aposta nos mecanismos cíveis da tutela preventiva e numa progressiva participação da sociedade civil, na protecção jurídica do ambiente;

B. Julgo urgente, no caso português, um redobrado esforço legislativo, no sentido de dar mais visibilidade e fluidez ao quadro normativo ambiental, designadamente:

- na definição de um regime mais coerente de responsabilidade objectiva;

- na clarificação dos seus pressupostos e do critério de determinação da indemnização devida;

- no aperfeiçoamento do esquema, ainda algo lacunoso, da Lei da acção popular;

C. Considero imperativo deontológico que os magistrados congreguem esforços no debate da problemática ambiental, dirigido a uma maior aproximação das soluções técnicas e a uma mais estreita coerência de critérios, para tomar a intervenção do judiciário mais transparente, menos incerta, mais célere, enfim mais eficiente, de modo a granjear a confiança dos cidadãos.

Faço votos para que o calor deste Congresso seja a chama que nos inflame a alma e nos ilumine o espírito para revestirmos a Justiça com o manto verde da Esperança, acenando às gerações vindouras!


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