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A  «FALÊNCIA»  DA  FALÊNCIA

EULÂMPIO RODRIGUES FILHO
Advogado e Professor de Direito
 
 
 
 

Introdução

O decreto de quebra, por implicar destruição da empresa,  degradação moral de seus sócios e abandono de operários à sua própria sorte, tudo de molde a repercutir negativamente na relação com fornecedores e devedores, e assim sucessivamente, por ser ato da competência do Judiciário, em cujo meio transitam livremente o Direito e os mais diversos ramos do conhecimento humano, só pode vir – o decreto de quebra – se preenchidos com rigor absoluto todos os requisitos legais e jurídicos, e se examinadas e afastadas relevantes razões da impontualidade.
 

1. O «petitum»

Amiúde, o libelo a envolver pedido de decreto falimentar vem  no sentido de provocar  a citação  para se deposite em 24 h (vinte quatro) horas, a importância do alegado débito, sob pena de ser decretada a  falência do comerciante.
O mandado citatório, muitas vezes reproduzindo texto con-tido em programa de  computador, vem na forma da lei, mas em descompasso com a inicial, revelando-se «extra petita» (arts. 293 e 128/CPC), pois, «contra legem» postulou-se aí pagamento sob pena de decretação de falência. Quem transige com prazo para  pagar, ainda que de um segundo, carece do direito de pleitear o decreto de quebra.

O STF, apreciando caso assim,  proclamou: «A petição inicial pretendeu ser, admito, requerimento de falência. O pedido que a substanciou, todavia, não foi de citação da devedora, para, dentro de 24 horas, apresentar defesa, como previsto no art. 11, § 1º da Lei de Falências, mas de citação para, no mesmo prazo, pagar o débito, sob pena de ver decretada sua falência.»

Prossegue o v. Acórdão a proclamar que a elisão do pedido é uma faculdade, não podendo ser forçada, e que o oferecimento de bens a penhora resultaria inóxio.

Concluindo o pensamento, o Min. Thompson Flores, face  a essa premissa, assim se pronunciou: «Desde a primeira hora convenci-me que a petição postulatória da falência, por suas contradições, era inepta, e o certo seria indeferí-la, liminarmente.»

Eis a ementa do Aresto: «Falência. Requerimento que empresta função de cobrança irregular ao instituto, desviando-o de sua função específica e constrangendo ilicitamente o devedor. Indeferimento da petição inicial que se restabelece. Recurso extraordinário conhecido e provido.» (Ac. STF, de 11/3/80 – RE 97.405-RJ – Rel. Min Xavier de Albuquerque, RTJ, 93/1.162).

Na mesma esteira vem o Egr. TJSP: «O pedido de falência não é meio regular de cobrança de dívida.» (Ac. TJSP, de 21/7/70 – Agr. Pet. 188.381 – Rel. Des. Carmo Pinto, RJTJESP-LEX, 14/222). «FALÊNCIA – Pedido fundamentado no art. 1º do Dec.-lei 7.661/45 – Petição inicial que deve requerer a citação do devedor para que apresente defesa em 24 horas (§ 1º do art. 11) e ser instruída com as provas a que se refere o ‘caput’ do art. 11 da Lei de Quebras – Impossibilidade de requerimento da citação para pagamento do débito naquele prazo sob pena de decretação da quebra.» «O pedido de falência com fundamento no art. 1º do Dec.-lei 7.661/45 deve requerer a citação do devedor para que este, dentro de 24 horas, apresente a defesa prevista no art. 11, § 1º, e deve estar instruído com as provas a que se refere o caput desse mesmo dispositivo legal. Assim, não é possível o requerimento da citação do devedor para que este pague naquele prazo a importância do débito sob pena de decretação da quebra, inepto o pedido assim formulado.» (Sic) Ap. 130.126-1ª C. – j. 13.12.90 – Rel. Des. Luiz Azevedo, RT, 667/90).

Assim, na hipótese de  ação de cobrança através de procedimento falimentar, de molde a estabelecer o não-pagamento do importe reclamado no prazo de 24 horas  como substrato para decretação da quebra, impõe-se a extinção do processo.
 

2. Exigência de protesto regular

O protesto é requisito impostergável do pedido de falência, pelo que,  a inicial é de vir instruída com instrumento próprio, sob pena de indeferimento, e a falência jamais  é decretada com esteio em protestos que se apresentam, «de plano», irregulares, uma vez que no caso não mais haveria sequer margem à emenda da inicial, face à preclusão do direito de refazê-la empós de realizada a citação (art. 264/CPC).

De fato: «FALÊNCIA – PROTESTO IRREGULAR – INADMISSIBILIDADE – Falência – Protesto irregular – Pedido desacolhido. – ‘O protesto cambial e o pedido de falência têm sido desvirtuados de suas finalidades legais, constituindo-se, não raro, meios coercitivos de pagamento. Pelos graves efeitos que deles resultam, notadamente da quebra, impõe-se que os requisitos formais sejam rigorosamente observados. – O protesto irregular do título cambial, de cujo instrumento não consta certidão de ter sido pessoalmente intimado o representante legal da devedora com endereço conhecido, nem juntado o aviso de recebimento na hipótese da intimação ter sido processada por via postal, não autoriza a decretação da falência (RT 567/92) (Ap. Civ. n. 47.683, de Tubarão). (Ac. 96.000636-2 – Rel. Des. Eder Graf). Hipótese em que  a intimação foi realizada na pessoa de terceiro, que não era o representante legal da devedora.» (Ac. un. da 3ª C. Civ. do TJSC – Ac. 96.009177-7 – Rel. Des. Amaral e Silva – j. 10.12.96 – DJSC 17.02.97, p. 39 – ementa oficial) (Rep. IOB Jurispr., 4/97, n. 13.096, pág. 141).

Mesmo na esfera jurisdicional tais requisitos se impõem: «É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que, na citação pelo correio, com aviso de recepção, exige-se seja a entrega feita, contra recibo, pessoalmente ao citando ou a quem tenha poderes para receber a citação em seu nome» (STJ-1ª Turma, REsp 57.370-0-RS, Rel. Min. Demócrito  Reinaldo, j. 26.4.95, deram provimento, v. u., DJU 22.5.95, p. 14.369, 1ª Col., em.). («Apud» Theotônio Negrão, CPC, 28ª ed., nota 2 «a»).

Não observada a exigência, a petição desmerece provimento, por inépcia, com extinção processo.
 

3. Protesto especial

Onde o pedido de falência vem  com substrato em duplicatas não aceitas, elas hão de ter sido levadas a protesto tirado com observância do art. 10, § 1º, da LF, quanto à especialidade e quanto à manifestação do sacado, e do art. 14, da Lei 5.474/68, quanto à transcrição literal, no instrumento, das indicações feitas pelo portador do título.

«O instrumento de protesto conterá: (...) «Além desses elementos, serão transcritas as indicações apresentadas pelo portador, se o protesto for por falta de devolução  e o documento comprobatório da remessa ou da entrega da mercadoria, quando o houver.» (Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Coms. à Lei de Duplicatas, Rio, Forense, 1971, 2ª ed., págs. 142 e seg., gr.).
 

4. A questão, quanto ao merecimento

Conclamamos o leitor a debruçar-se sobre uma questão jurídica «prima facie» singela, mas que, pelo envolvimento de razões emergentes da radical mutação da estrutura constitucional e econômica do país, tornou-se relevante, a exigir, para sua solução, mais que a simples aplicação da norma ordinária mediante raciocínio puramente lógico, dedutivo.

Assim é que, se ao tempo da promulgação da Lei de Falências o incumprimento de obrigação pecuniária qualquer pelo comerciante caracterizava estado de quebra puro, simples, e indiscutível, com vulneração  do devido processo, hoje, ao que se  vê de  lúcidas decisões judiciais, a falência não decorre de razão de tão gritante primariedade e sem qualquer relevo jurídico.

Avulta em meio à vida de relação, fato novo –  a inadimplência –, antes dado como isolado e sem realce frente à nação, mas que agora aparece como elemento a considerar, sob os aspectos jurídico e econômico, a exigir tratamento diverso do antes dispensado, e sobre o qual cabe mesmo ao Judiciário atuar  tendo em conta o requerido do processo falencial, com menoscabo a quadros rígidos e formais, ou matemáticos, de modo a proceder agora, ao apreciá-lo, à transfusão de eqüidade e de justiça, a par do cuidado em  contemplá-lo não mais segundo a imobilidade da lei, mas, tomando em consideração a renovação do tema à luz de todo o sistema  jurídico, aí incluída  a Constituição  Federal.

De fato, a antiga e anacrônica lei estabelece que o protesto  de títulos, indiferente à solvibilidade do devedor, figura como razão para expedição da  autorização de seu sepultamento, ainda que vivo.

Nesse diapasão,  o desate do caso caberia, em meio a um raciocínio assim estancado, a um guarda-livros, que teria discernimento suficiente para deduzir de tal modo, e não a operadores do Direito.

Hoje em dia, no Brasil, a inadimplência, ou a mora, não mais tem como constituir-se em sustentáculo de decreto de quebra.

Trata-se de fator que tem exigido edição de leis e normas autorizadoras de prorrogação e revisão dos contratos em geral, visando a afastar efeitos nefastos do desequilíbrio econômico, em puro atendimento às necessidades de ordem econômica, abstraída a teoria da imprevisão, conforme tese do ilustre Professor da Faculdade de Direito de Alexandria, Mostapha Mo-hamad el Gammal, L'Adaptation du Contract aux Circonstan-ces Économiques, págs. 156 e seg., «apud» Marcio Klang, A Teoria da Imprevisão e a Revisão dos Contratos, S. Paulo, RT, 1991, 2ª ed., págs. 60 e s.

Ora, se o legislador, a despeito do regime totalitário -- embora disfarçado – em que vivemos, tem atuado de modo a reconhecer a inadimplência e a mora como fatores a considerar,   não quanto aos efeitos, que outrora foram a insolvência ou a falência, mas de modo a serem revistas, reexaminadas, reconsideradas, como por exemplo, através de renegociações e da securitização, há uma evidência jurídica de que o incumprimento de obrigação não mais figura como «causa mortis».

Essa abertura legal, com atenção ao princípio da isonomia, constitui-se, já, no flanco por onde o jurista há de penetrar visando à salvação de empreendimentos sérios, comprometidos face a dificuldade financeira presumivelmente temporária enquanto dure o inescondível estado de calamidade econômica no país.

De fato, a lei não deve ser contemplada como que transigente com absurdos.

Se, ao tempo do «fio de barba» bastava incumprir para surgir o decreto de falência como forma de se assegurar mais a ordem moral do que a econômica ou jurídica; hoje, face às circunstâncias inerentes à economia nacional, e ao próprio progresso científico, essa preocupação, sem violar preceitos éticos, passou a convergir, de forma racional, para a salvação do empreendimento, se possível diante de um sumário diagnóstico, e, por imposição dos requisitos da sobrevivência humana, para a manutenção de empregos, tão raros e disputados por famintos e atormentados, aos milhares,  nesta quadra da história.

E isto decorre da imperatividade do asseguramento, não só  da Ordem Econômica, mas também da Ordem das Atividades Privadas que a inerem (CF, Título VII, Cap. I).

Note-se que empós do advento da Lei de Falência surde claramente expresso um princípio constitucional que entra em disputa com a terrível norma em decadência estampada no art. 2º-I da LF, eis que esta, literalmente considerada, sufraga a  eutanásia mesmo à míngua de doença mortal, e aquele garante a sobrevivência da empresa, ainda que para tanto haja de recorrer-se a um critério de benignidade (art. 170-IX-CF).

De fato, determina a Carta Magna de 1988: «Art. 170. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IX -- tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte».

O que o «princípio» parece consagrar, não é um critério de favor quando da apreciação de causa em que esteja em jogo a própria empresa nacional, mas, mediante respeito ao trabalho humano, à livre iniciativa, à existência digna conforme os ditames da justiça social; ao fazê-lo, isto é, se, ao interpretar a lei falham os métodos ordinários de interpretação visando a manter a entidade, então faz-se necessário tomar em conta a empresa em si, para justa solução da situação de conflituidade.

E, nesse caso, pondo à frente a própria entidade, é ela, no seu conjunto, que interessa à solução do impasse. Se ela ostenta-se solvável diante do crédito que instrui o pedido de falência, merece o tratamento favorecido assegurado na norma fundamental, em detrimento de norma arcaica em franco descompasso com o princípio que lhe sobreveio.

O Prof. Alípio Silveira, reportando-se a Philipp Heck, e depois a Cosack, Ennecerus e Zitelmann, ao tratar da forma  de afastamento da lei em face de circunstâncias especiais, preleciona, «in» Hermenêutica no Direito Brasileiro, S. Paulo, RT, 1968, 1º vol., pág. 198: «O movimento reformador estabeleceu como princípio normativo que o juiz, em certas circunstâncias, pode e deve afastar-se, na sua sentença, da letra da lei, para seguir princípios gerais.»

Para o caso específico da Falência, a doutrina moderna mais autorizada vem em seu repúdio, como se vê do ensinamento respeitabilíssimo do Prof. Amador Paes de Almeida, «in» Curso de Falência e Concordata, S. Paulo, Saraiva, 1991, 10ª ed., págs. 12 e 13: «Modernamente, em que pese ressentir-se a falência de aspecto negativo (o falido é sempre visto com reservas), vai o instituto passando por grandes transformações, assumindo pouco a pouco um sentido marcadamente econômico-social, em que se sobressai o interesse público que objetiva, antes de tudo, a sobrevivência da empresa, vista hoje como uma instituição social.
«Pode-se dizer, sem receio de engano, estar a falência hoje destinada apenas a casos extremos, em franca extinção, prevendo-se a sua substituição por instrumentos mais adequados à realidade social, o que poderá ocorrer até mesmo com o aperfeiçoamento da  concordata preventiva.
«O que não se pode admitir é que interesses egoísticos de determinados credores se sobreponham aos interesses de toda uma coletividade, arruinando irremediavelmente organizações produtivas que conjugam não somente os interesses pessoais do empresário, mas sobretudo o interesse público que decorre da estabilidade social, representada na manutenção de empregos com o sustento de dezenas, se não milhares, de trabalhadores e de suas respectivas famílias.»

Com mais veemência se diz quanto ao afastamento da lei ordinária visando a seguir princípio constitucional que a aniquilou.

A regra da interpretação das leis em conformidade com a Constituição afigura-se fundamental, prevalecendo esta no caso de inconstitucionalidade superveniente, como ocorreu nesse caso.
De feito,  ensina Canotilho, «in» Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1993, 6ª ed., pág. 1.109, «A Inconstitucionalidade superveniente refere-se, em princípio, à contradição dos atos normativos com as normas e princípios materiais da Constituição...»

Daí por que evoca-se a parêmia muito bem escandida por Spencer Vampré: «os juristas recebem sempre mal as leis novas e os livros novos». Explica ainda o mestre imortal, que o «hábito, neles como em todos nós, é uma segunda natureza, e só a cultura científica pode dar, aos espíritos que se sentem envelhecer, essa larga messe de tolerância e simpatia, de liberalismo e boa vontade, que são os mais belos predicados morais do homem de ciência.» (Spencer Vampré, Como  interpretar  o Código Civil?, RF, 27/17).

Finalizando este tópico, vale-se do seguinte trabalho, a propósito, do Prof. Luiz R. Nuñes Padilla, Nova Lei de Falências, «in» Revista de Processo, RT, 80/149-150: «O fechamento da empresa não interessa a ninguém. Cria problemas para todos, é ruim para a devedora, para empregados, e para seus credores.
«A doutrina critica a rigidez da lei, recomendando abrandar sua aplicação (Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, Saraiva, 4ª ed., 1993, p. 362). Aliás, a interpretação literal é perigosa. Registra a crônica jurídica que um de seus mais ardorosos defensores foi encontrado carbonizado, numa estranha posição invertida, com um dos braços esticado e o  dedo indicador em riste. Ao seu lado, um extintor de incêndio não utilizado, com as inscrições: ‘em caso de incêndio, vire de cabeça para baixo e aponte para o fogo’ (...).
«Mais recentemente o Tribunal de Justiça Gaúcho, em acórdão unânime de 14.10.93, a 5ª Cam. Cível, no Agravo de Instrumento 593083710, confirmou decisão da Juíza de Passo Fundo admitindo o processamento da concordata de Menegás S/A, apesar da existência de protesto. O voto do Des. Clarindo Fravetto encerra com uma advertência: ‘Reputaria verdadeira imprudência se o Juiz aplicasse a tábua fria e literal do art.162 da Lei Falitária’, seguido pelo de acordo dos Des. Sérgio Pilla da Silva e Alfredo Guilherme Englert.
«O critério desse julgamento foi o princípio da boa fé. A velha lição, do art. 5º, da Lei de Introdução de 1942. Na aplicação  da lei, o juiz deverá considerar os fins sociais do Estado e das Leis, que existem para impor a ordem e não o caos, e as exigências do bem comum, objetivo de todo o sistema legal. Sempre que o critério literal resultar desarrazoado, ou ilógico, devem-se investigar falha(s) no pensamento. Alguma premissa foi esquecida, algum passo lógico foi invertido. O raciocínio deve ser revisto. Como sacramentou o Superior Tribunal de Justiça, ‘O Direito é muito maior do que a Lei, e seu objetivo deve  ser sempre a realização da justiça’ (REsp 495, RSTJ 8/301). A jurisprudência (juris + prudência...) antecipa os efeitos da revisão legislativa (...).»
 
 

5. O direito de provar as razões da morosidade

Para ensejar a Falência, tira-se o protesto, em razão da mora do devedor. Mas o protesto, segundo a própria Lei de Falências, não aperfeiçoa a impontualidade.

Amiúde, a vítima de pedido de falência sempre  teria dado, ao longo de sua existência, cumprimento às suas obrigações, vindo a deixar de fazê-lo depois em razão da inadimplência de seus clientes, e da notória dificuldade financeira e econômica dos comerciantes em geral, como decorrência do advento do capitalismo de oligopólio a substituir o da concorrência, e do capitalismo financeiro a ocupar o industrial.

Segundo Washington de Barros Monteiro, «tem sido julgado, inclusive pelo STF, evidenciada ausência de culpa, a mora não se configura. Mora outra coisa não é senão o ‘ritardo colposo’, no conceito de Chironi, e como adverte Van Wetter  (Les Obligations en Droit Romain, 1/21), ‘une faute est de l'essence de la demeure’. Aliás, essa a jurisprudência dos nosso tribunais (Revista Forense, 120, 431; 169, 166; 169, 405; Revista dos Tribunais, 101, 225; 132, 604; 135, 149; 175, 703; 186, 723; 208, 279, etc).»

Há casos em que, mesmo verificada a demora, essa não é culposa.

Ademais, conforme M. I. Carvalho de Mendonça, sempre con-sagraram que, não havendo fato ou omissão, imputável ao devedor, este não incorre em mora. ( Doutrina e Prática das Obrigações, vol. I, n. 259).

«Em face da nossa Lei Falimentar» – afirma Rubem Ramalho – «só será considerado impontual o devedor que, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, dívida líquida. Daí se infere que, em existindo motivo justo para o não cumprimento de uma obrigação assumida, desaparece ou não chega a constituir a figura legal do impontual.» (Curso Teórico e Prático de Falências e Concordatas, S. Paulo, Saraiva, 1984, pág. 25, gr.).

De grande viveza o entendimento, pois, razões de direito não consistem exclusivamente no motivo legal, mas também na qualidade e nas circunstâncias jurídicas em que se encontra involucrada a questão, inclusive quanto aos fatos.

A «ratio iuris», na conceituação de Pedro Nunes, é o motivo, a razão, que o hermeneuta encontra no Direito vigente para justificar a interpretação ou solução, que dá a certo caso concreto (v. Dicionário de Tecnologia Jurídica, vol. 2).

E a obstrução dos negócios empresariais privados, decorrente de medidas oficiais visando a  sufocar o consumo e para outros fins intoleráveis, através de imposição de juros a taxas imorais e inconstitucionais, significa violação de direito e pode ser invocada para obtenção do beneplácito legal (art. 170 da CF).
 

CONCLUSÃO

No caso de não ser extinto o processo falimentar por falta de requisito legal, afora a repercussão da notoriedade dos fatos, que  dispensa comprovação (art. 334/CPC), irrecusável mostra-se a dilação probatória visando à apuração das razões relevantes que resultaram no não-pagamento, se for o caso, para o efeito de se dar pela improcedência do pedido.
 

Retirado de: http://www.trlex.com.br/resenha/artigod.htm