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ABRANGÊNCIA E INCOMPATIBILIDADE ENTRE AS LEIS 8.971/94 E 9.278/96 - ALIMENTOS, DIREITOS À SUCESSÃO E REINTEGRAÇÃO NA POSSE DE IMÓVEL ENTRE COMPANHEIROS

Rubens de Almeida Arbelli

Em sentido amplo e formal família significa o "conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade " ( Clóvis Beviláqua ). " Representa-se, pois, pela totalidade de pessoas que descendem de um tronco ancestral comum, ou seja, provindas do mesmo sangue." ( De Placido e Silva ).

Antes da Constituição Federal de 1988 a família nascia, exclusivamente, do casamento solene e formal. Hoje decorre, também, da união informal entre pessoas de sexos diferentes, a união estável. Esta tem características jurídicas que a distinguem do casamento. Quase impossível olvidar a grande parte da população brasileira que vive sob o regime da união estável. Deve o legislador, portanto, aceitar esta realidade e lhe dar reconhecimento incontroverso e definitivo.

Com esta intenção o artigo 226 da Constituição Federal de 1988 dispõe : " A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. - § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. "

Em quaisquer das supraditas formas de união, apresenta-se, indiscutivelmente, um centro familiar ( grupo de pessoas entrelaçadas por laços de sangue, elos de afeição e reunião de interesses ).

Não que o casamento tenha sucumbido. Não, o que ocorreu foi o reconhecimento da prática da convivência comum de maneira informal entre homem e mulher, não só em nosso Pais, mas em todo o mundo. Explica Rolf Madaleno, doutrinando na Lex - Jurisprudência do STJ, volume 79, página 16 invocando outros ensinadores : "Por tais motivos, não se equivocam José Lamartine e Francisco Muniz, citados por Antônio Carlos Mathias Coltro(27), ao dizerem que o casamento perdeu, para o constituinte de 1988, aquela posição de primazia que desfrutava anteriormente; hoje a família, deriva ou não do matrimônio, vinda ou não da união estável entre um homem e uma mulher, ou mesmo a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, está sob a proteção especial do Estado. "

Diante da nova regra Constitucional entendo superado as denominações concubinato ou sociedade de fato, pois a sociedade concubinária com fulcro na sociedade de fato foi erigida à união estável, como dito acima. De forma mais clara, empresta-se ao ensinamentos do doutrinador acima citado, emanado da mesma obra, reportando ao escólio de Carlos Alberto Menezes Direito : "Assim, não se deve mais falar em concubinato, em sociedade de fato. São termos que têm de ser arquivados, assim porque quis o constituinte que seja a união estável entre o homem e a mulher considerada como entidade familiar. "

Melhor, então, a denominação companheiro (a) e conviventes conforme se trate de concubinato, Lei ( 8.971/94 ) e união estável, Lei ( 9.278/96 ), respectivamente. Alfim, o concubinato, no sentido lato, mereceu a dedicação constitucional sob a denominação de união estável.

As leis promulgadas há poucos anos ( 8.971 de 29/12/94 e 9.278 de 10/05/96 ), regulam os direitos dos companheiros ( aqueles que, embora não casados vivem juntos como se casados fossem ), a alimentos e à sucessão e, o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, união estável, respectivamente. Referidos Diplomas são intitulados Lei do concubinato e Lei da União Estável.

Entendo que uma única lei deveria cuidar do assunto de forma sistemática e uniforme. Embora as mencionadas leis vigorem, a segunda não ab-rogou a primeira. Houve apenas derrogação, salvo melhor juízo, e alguns dispositivos são conflitantes. Ademais, nada melhor que um só diploma legal tratar de matérias correlacionadas.

O direito de família tem merecido atenção maior do legislador, no sentido de aprimorá-lo, adaptando-o à realidade. Até então, alimentos entre companheiros ou o direito à sucessão eram institutos regulados pelos tribunais, através de embasamento jurisprudencial. Agora, a lei número 8.971/94 regula o assunto preceituando o seguinte :

" A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na lei que regula a prestação alimentar ( 5.478/68 ), enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade ). "

Pela análise desse artigo infere-se que alguns requisitos devem concorrer para sua aplicação. Ei-los : a)- convivência mínima de 5 ( cinco anos ) ; b) - homem ou mulher devem ser solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos ; c)- o pretendente deve provar a necessidade de receber alimentos. Estes serão fornecidos enquanto o beneficiário não constituir nova união. Saliente-se que o direito em questão beneficia tanto o homem quanto a mulher, desde que preencham os pressupostos legais.

No tocante ao direito sucessório a lei, instituiu, em seu artigo 2º, a sucessão ou usufruto sobre os bens deixados pelo falecido, companheiro ou companheira, condicionado, igualmente, a determinadas exigências, quais sejam, o (a) companheiro (a) sobrevivente, enquanto não constituir nova união terá direito, ao usufruto ( gozar da coisa até a morte ) da quarta parte dos bens do falecido, se houver filhos deste ou comuns. E terá direito ao usufruto de metade dos bens do morto, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes. Na ausência de ascendentes ou descendentes o (a) companheiro (a) sobrevivente herdará a totalidade da herança.

Finalmente, prescreve a lei 8.971/94 que, quando os bens deixados pelo (a) autor (a) da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do (a) companheiro (a), terá o sobrevivente direito à metade dos bens.

Esta lei coloca esse aspecto do concubinato em seu devido lugar, ou seja, o juízo da família e não o cível para proteger os direitos oriundos da livre união. É de se aceitar, então, uma realidade que é a da diversidade familiar, isto é, a existência de grupos familiares fáticos, constituídos pelo concubinato.

A Lei da União Estável, por sua vez, também cuida da sucessão em seu artigo 7º, parágrafo único, assim " Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. "

Neste ponto, entendo que o parágrafo único, do artigo 7º da Lei 9.278/96, derrogou os incisos I e II do § 2º, da Lei 8.971/94. Portanto penso que nova lei deve cuidar de toda a matéria sob comento. Note-se, também, que o prazo de cinco anos exigido pela Lei 8.971/94 foi derrogado pela 9.278/96.

Existem entendimentos contrários aos ora expostos. Eis : " A lei 9.278/96 trata de direitos sucessórios entre parceiros, unicamente no parágrafo único do artigo 7º . Pouco sistematicamente, aliás, porque o parágrafo único não se vincula em nada ao caput, são matérias distintas. Prevê-se, aí, o direito real de habitação ao parceiro sobrevivente, sobre o imóvel destinado à residência da família. Esta disposição, assim, não é incompatível e nem revogou o art. 2º da Lei n. 8.971 "- Rainer Czajkowski, citado por J. M. Leoni Lopoes de Oliveira, in " Alimentos e Sucessão no Casamento e na União Estável ", 3º edição, página 215, ed. Lumen Juris.

O próprio autor, nas páginas 213/4, da mesma obra, expõe : "Ora, no caso em estudo, verificamos que a Lei 8.971 foi simplesmente derrogada e não ab-rogada. ( grifo nosso ). Continua o doutrinador : "Portanto na verificação da incompatibilidade entre as normas da lei antiga e da nova, devemos atentar para o fato de que, em matéria sucessória não ocorre uma incompatibilidade formal, absoluta, de uma incompatibilidade de aplicar, contemporaneamente, a uma determinada relação jurídica, a lei antiga e a nova ."

E conclui : " Ora a todo evidente, não há incompatibilidade absoluta, no caso das leis sob análise, no que diz respeito ao direito sucessório dos companheiros . Realmente, a Lei 8.971/94 concedeu ao companheiro direito sucessório, a título de propriedade, no inciso II do artigo 2º, o direito de usufruto, nos incisos I e II do art. 2º ; e, agora a Lei 9.278/96, atribuiu, também, ao companheiro ou convivente o direito real de habitação. "

A favor de minha interpretação, o mesmo autor, no mesmo trabalho citado, páginas 216/7 reproduz o entendimento dos Promotores do Rio de Janeiro no encontro de Volta Redonda : " O direito sucessório do companheiro sobrevivente está restrito ao direito de habitação, e não mais abrange nem herança em propriedade, nem usufruto ... A sucessão aberta a partir da vigência da Lei 9.278, iniciada em 13/05/96, se rege pela Lei 9.278/96 e não mais pela Lei 8.271/94 ; o direito sucessório previsto na Lei 9.278 não pressupõe que a união estável perdure por cinco anos ou haja gerado filho comum ; o direito sucessório do companheiro sobrevivente está restrito ao direito de habitação, e não mais abrange nem herança em propriedade, nem usufruto. " É assim que entendo.

Finalmente, não podemos deixar de reproduzir a respeitável conclusão de J. M. Leoni Lopes de Oliveira : "Conclui-se que as sucessões abertas antes da vigência da Lei número 8.971/94 não darão direito aos conviventes, ainda que tenham vivido por longos anos, ao direito sucessório, decorrente da referida lei. Poderá sim, a todo evidente, o companheiro receber o que receberia antes da vigência da lei em questão. Mas os direitos sucessórios, como o de propriedade e o direito de usufruto legal, só fazem jus a eles os conviventes, em casos de sucessões abertas após a vigência da Lei n. 8.971/94 . O mesmo se diga em relação ao direito real de habitação concedido pela Lei n. 9.278/96. Só tem direito a ele o convivente, se a abertura da sucessão se deu após a sua vigência. "

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, em sua obra : O Companheirismo Uma Espécie de Família, entende que o parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278/96 não derrogou os incisos I e II do artigo segundo da Lei 8.971/94 " A Lei 9.278/96 apenas no seu artigo 7º, parágrafo único, se referiu a um efeito decorrente da morte do ex companheiro, qual seja, o direito de habitação do imóvel destinado à residência da família. Ora tal direito não é incompatível com o direito sucessório de propriedade ou com o direito sucessório de usufruto, inexistindo incompatibilidade e, muito menos, absoluta. É, por conseguinte perfeitamente compatível a coexistência dos direitos sucessórios de propriedade e de usufruto, previstos na Lei 8.971/94, com o direito sucessório de habitação, cuidado pela lei 9.278/96, inexistindo revogação do artigo 2º da lei antiga "

Verdade é que o parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278/96, embora inserido em lugar inapropriado, eis que o caput trata-se de assunto estranho, deveria receber o complemento após seu fim : sem prejuízo do direito de propriedade. Assim não ocorreu, portanto entendo haver derrogação conforme defendido acima.

Outrossim, concernente ao direito a alimentos, houve derrogação da Lei 8.971/94, pois, a Lei 9.278/96 tratou do mesmo assunto, desconsiderando o lapso de 5 ( cinco ) anos exigido pela primeira para o direito a alimentos e a existência de prole. A doutrina dominante entende que este prazo passa a ser de 2 ( dois ) anos. Nesta questão, Guilherme Calmon Nogueira da Gama na obra acima citada, página 445 é concorde . Obtempera o Doutrinador :

" Quanto ao direito a alimentos, efetivamente houve derrogação da Lei 8.971/94, porquanto a Lei 9.278/96 cuidou da mesma matéria, adotando, no entanto, novos parâmetros, o que evidentemente faz com que as regras anteriores em sentido diverso percam sua força. Repita-se que a Lei 9.278/96 não previu expressamente lapso temporal de convivência, nem a necessidade da existência de filho comum do casal para efeito de configuração do companheirismo. Assim, o prazo de cinco anos que era anteriormente exigido no art. 1º da lei 8.971/94 não mais prevalece em relação aos alimentos entre companheiros a partir de 13 de maio de 1996 ( data da publicação da lei mais nova, devendo ser observado o prazo mínimo de dois anos ( independentemente da existência de filho comum ) "

Conclui-se, portanto, que a Lei 8.971/94 foi derrogada e não ab-rogada pela Lei 9.278/96, subsistindo naquilo que com a segunda não for incompatível. Por conseguinte, como dito acima, o ideal seria a existência de lei mais exaustiva, completa e única que cuidasse melhor do assunto, um estatuto do companheirismo à vista de sua amplitude e complexidades.

Passo agora a discorrer sobre a possibilidade de ajuizamento de ação de reintegração de posse em favor de um ou outro, após a separação de fato ou a dissolução da união estável, quando um deles permaneça no imóvel residencial, cuja propriedade é questionada.

Para o êxito da ação de reintegração de posse do imóvel é necessário que se evidencie o esbulho, ou vício na posse. O esbulho é o que decorre de posse violenta ou clandestina, ou de abuso de confiança, só a perda da posse que resulte de violência, ou de qualquer outro vício, enseja a reintegração.

Pergunta-se : caso haja a ruptura do concubinato ou da união estável, aquele que permanecer no imóvel, mesmo sendo de propriedade do outro pode ser réu em ação de reintegração de posse ?

Por todos os motivos expostos acima, pelos dispositivos legais vigentes e pela falta de requisitos ensejadores da reintegração, penso que a resposta à interrogação formulada acima é negativa, sobretudo se existirem filhos, eis que a ex concubina ou ex concubino que continua a residir no imóvel, após o rompimento da união, não prática o esbulho possessório.

A jurisprudência não destoa do entendimento aqui esboçado. De fato : "Reintegração de Posse - Ex concubina que continua a ocupar o imóvel do autor após a separação - Filho comum dos concubinos que também reside no local - Posse legítima da ré e abandono voluntário do varão - Inexistência de esbulho - Carência de ação. " Jurisprudência Brasileira - Juruá, n. 161 p. 217

O objetivo de tais leis é a proteção dos concubinos ou conviventes, quando se tratar de um ou de outro. Portanto penso que é incompatível a reintegração de posse nas relações oriundas do concubinato ou da união estável.

RETIRADO DE: www.infojus.com.br/area2/rubens3.htm