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A FAMÍLIA E O CÓDIGO CIVIL

Rodrigo da Cunha Pereira





        O projeto do novo Código Civil, aprovado pelo Senado no final de 1997 após décadas de tramitação no Congresso, voltou à Câmara. Embora a população não tenha tido oportunidade de discuti-lo, nem os operadores do direito, talvez seja um dos projetos mais importantes do final deste século.

        É inegável o brilhantismo dos juristas que orientaram as adaptações do projeto ao texto constitucional. Louve-se também o árduo e primoroso trabalho do relator, senador Josaphat Marinho, que afinal conseguiu desencalhá-lo.

        Mas, infelizmente, não se considerou que a globalização interferiu profundamente nos sistemas jurídicos. Com isso, dever-se-ia discutir antes se cabe no mundo globalizado o sistema de codificação com ideais totalizantes como lá está, que costumamos chamar de sistema francês. Também não se indique o sistema da "common law". Nenhum dos dois é o ideal.

        A nova ordem é aproveitar o que há de bom nesses dois grandes sistemas. Os ordenamentos jurídicos atuais - inclusive e principalmente o brasileiro- já têm mostrado sua tendência de elaborar pequenos códigos, destacados de um eixo único e totalizante, como o do consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

        Mesmo que a Câmara encontre limites para a discussão do conteúdo desse projeto, faz-se necessário levantar questões, especialmente na parte do direito de família. O projeto mantém-se tímido em alguns aspectos e, em outros, até equivocado. Como o anterior, é muito mais um código para o casamento do que para a família.

        O art. 1.509, com a nova redação, expurgou a expressão "legítima", no que se refere à família, para adaptar-se à Carta, acabando com a distinção entre legítima e ilegítima. Mas continuou dizendo que é o casamento que institui a família.

        O art. 226 da Constituição é claríssimo ao dizer que a família se constitui também pela união estável e por qualquer dos pais que viva com seus descendentes. Vê-se, então, que mesmo com a nova redação dada pelo Senado, a união estável recebeu a chancela de uma família de segunda classe. Ora, não é esse o status que essa forma de constituição de família recebeu da nova ordem constitucional.

        O projeto do novo código é bem intencionado, mas não basta. Tem méritos, é verdade: acaba com o princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento, com a desigualdade de direitos entre homens e mulheres etc.

        Mas é pouco. Uma lei que se reveste da importância de um Código Civil para reger as relações civis do terceiro milênio deveria ter absorvido melhor as novas representações sociais da família e apreendido a evolução de outros campos do conhecimento que contribuem para o direito, como a engenharia genética, a psicanálise e outros.

        Esse dito novo Código Civil, se aprovado com a mesma redação do Senado, será mais um instrumento jurídico na contramão da história. Mas resta uma esperança. A Câmara, em vez de aprová-lo em votação simbólica, poderá ampliar sua discussão, para que ele expresse um direito mais compassado com a contemporaneidade.

Rodrigo da Cunha Pereira
advogado, é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família
e professor de direito de família da PUC-MG

Retirado de www.neofito.com.br