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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL

MARIA CRISTINA DA SILVA CARMIGNANI
Mestranda da Faculdade de Direito da USA e Advogada em São Paulo




1 - Introdução; 2 - Evolução histórica: institutos norteadores das legislações modernas; 2. a - Direito Romano; 2. b - Direito Lusitano; 2. c - Direito canônico; 3 - Direito estrangeiro - legislações influenciadoras do direito brasileiro; 3. a - França; 3. b - Itália; 3. c - Portugal; 4 - Direito brasileiro; 4. a - A reparabilidade do dano moral na legislação pré-codificada e codificada; 4. b - A posição da doutrina; 4. c - A jurisprudência; 5 - A recepção do princípio da plena reparabilidade dos danos morais no direito brasileiro; 6 - Conclusão.
 
 

1 - Introdução

O artigo 5º, inciso V e X da Constituição Federal, de 1988, consagrou, definitivamente, no direito positivo, a tese do ressarcimento relativo ao dano moral. Assegurou, portanto, a proteção à imagem, intimidade, vida privada e honra, por dano moral e material.

Anteriormente ao advento da referida Lei maior, já a doutrina e a jurisprudência orientavam-se no sentido de proteger o Dano Moral, mas tratava-se ainda de posição e definições controvertidas.

A reparação Civil via-se inibida por limitar-se a doutrina e jurisprudência ao disposto nos artigos 1.059 e 1.060 do código Civil, "in verbis":

"Artigo 1.059 - Salvo as exceções previstas neste código, de modo expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".

"Artigo 1.060 - Ainda que a inexecução resulte de dano do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato".

Como se vê, cingiam-se as perdas e danos ao que efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de ganhar, não ultrapassando, portanto, o dano material, concreto, diretamente mensurável.

As poucas exceções previstas no código Civil, que contemplavam hipóteses de reparabilidade de dados extrapatrimoniais, em verdade, eram ligadas ao dano material, ou seja, estabeleciam a indenização apenas em seus reflexos materiais.

Em condições tais, o instituto em questão foi atingindo sua maturidade, passando-se dessa fase inicial, em que só se aceitava a reparação do dano moral que provocasse uma redução do patrimônio econômico do ofendido até se reconhecer, com o advento da nova Carta Magna, a plena reparabilidade do dano moral, consagrando os novos julgados e a melhor doutrina.

O presente trabalho visa a demonstrar essa linha de evolução, desde a origem histórica do instituto, cujas raízes se encontram no Direito Romano, sua recepção no Direito comparado, com ênfase aos monumentos históricos legislativos inspiradores do nosso ordenamento jurídico, o tratamento dado à matéria no Direito Pátrio, na doutrina e na jurisprudência, até a fixação como princípio Constitucional, na Carta Magna de 1988.
 

2 - Evolução histórica: institutos norteadores das legislações modernas

2.a) DIREITO ROMANO

Em Roma, nos primeiros séculos, não havia um conceito genérico e abstrato de "obligatio".

Nesse período, os Romanistas divergem se as obrigações nasceram do delito ou do contrato, sendo, no entanto, unânimes em afirmar que se estabeleceu, a princípio, não um vínculo jurídico, mas material, em razão do qual o devedor respondia pela dívida com o seu próprio corpo ("manus injectio").

Distinguiam os romanos duas modalidades de delito: públicos e privados.

Os delitos públicos eram os reprimidos pelo Estado, punidos com "poena Publica" imposta por Tribunais Especiais, designados com o termo "crimen" assim denominado pelos romanistas de "direito penal Romano".

Já os delitos privados, de que decorria a obrigação de indenizar, eram aqueles praticados em ofensa à pessoa ou aos bens do indivíduo.

Nesses casos, o Estado não tomava a iniciativa de punir o ofensor, assegurando, no entanto, à vítima, o direito de intentar a respectiva "actio" para reparar o dano sofrido. Na terminologia técnica atual, os delitos privados de então passaram a chamar-se ilícitos civis.

Na fase primitiva do Direito Romano, a proteção à vítima de um delito era feita pelo próprio ofendido ou seus familiares, através da chamada "justiça privada". É a fase da vingança privada não regulamentada.

Ainda no período pré-clássico do Direito Romano, que vai do período da Fundação de Roma (754 a.C.) até 126 a.C., a ingerência Estatal na criação do Direito dava-se através de poucas leis ("ius Civile") e a maioria das normas jurídicas decorriam do costume ou da "Interpretatio" dos jurisconsultos, preponderando o formalismo e o materialismo (período das ações da lei).

Em 455 a.C., com a edição da primeira codificação das leis romanas, consubstanciada na Lei das XII Tábuas, foram consolidados, entre os delitos privados, os fatos ilícitos contra a propriedade, o "furtum" e "noxia", bem como contra a pessoa - a "iniura", surgindo, então, a vingança privada regulamentada.

O vocábulo "iniura", etimologicamente (in + jus, juris) significa todo ato contrário ao direito, toda violação ao ordenamento jurídico em contraposição ao direito. Em sentido restrito, o termo "iniura" designa o delito ou a multiplicidade e variedade de delitos que se compreendem sob essa denominação.

O delito de "iniura" é um dos mais antigos e obscuros do direito Romano e, por outro lado, não foi tratado de forma homogênea no decorrer dos tempos. Na história do direito Romano modificou-se a noção de "iniura" com a evolução operada desde a Lei das XII Tábuas, passando pelas modificações estabelecidas pelo Edito dos pretores e com a Lei Cornelia de iniura, como veremos a seguir.

Na Lei das XII Tábuas, o delito de injúria designava todo tipo de lesão corporal causada ao homem, o "jus Civile" contemplava três figuras delituosas;

a) "membrum ruptum"- (Tav. VIII - 2) referia-se ao delito de mutilação de um membro do corpo, para o qual era previsto a punição com a pena de Talião, ou seja, o autor deveria sofrer a mesma mutilação a que havia dado causa. Deixava-se à critério da vítima a opção de optar pela composição pecuniária, não existindo qualquer regulamentação legal nesse sentido;

b) os "fractum"- (Tav. VIII - 3) - referiam-se ao delito de quebra ou fratura de um osso. Por tratar-se de delito menos grave, a pena de Talião era substituída pela pena pecuniária, no valor de 300 asses em se tratando de homem livre e 150 asses em se tratando de escravos;

c) "iniura"- consistia em violência leve, que abrangia outras ofensas corporais, tais como tapas, beliscão, pontapé, etc. eram punidas com a multa de 25 asses.

Os demais incisos dessa mesma Tábua VIII especificavam ainda outros delitos que, segundo o Professor Vittorio Devilla (in Digesto Italiano, Vol. VIII, pág. 705), não eram abrangidos pelo conceito de "iniura" da época, supra mencionado, posto que se referiam à manifestação oral de fórmulas mágicas ("carmen famosum", "Carmen incantare" e "occentatio").

Verifica-se, portanto, que mesmo com a edição da Lei das XII Tábuas, na verdade, regulamentou-se apenas a situação existente à época, transferindo-se, para a ordem jurídica, a vingança privada, agora regulamentada.

No período clássico, passou-se a delimitar claramente as fontes das obrigações no direito romano que, segundo caio, nas Institutas, são o contrato e o delito.

Com relação aos delitos privados, foram classificados em "furtum", "rapina", "iniura" e "danum iniura datum".

Ainda no ano de 326 a.C., surge a "Lex Poetelia Papiria", que proibia e abolia a disposição corporal do credor sobre o devedor. Passa então o ilícito a possuir conotação meramente obrigacional do ponto de vista do patrimônio do causador do dano.

Nesse período, com a "Lex Aebutia" (284 a.C.) introduziu-se o processo formulário em Roma, passando então a ter eficácia jurídica, em contraposição ao "ius Civile", o "ius honorarium" que eram criações do Pretor Peregrino visando a regular situações não previstas no "ius Civile" e, até mesmo, derrogando normas existentes, através de fórmulas.

É dentro desse quadro e, em razão dos novos costumes da época, que se chocavam com a rigorosa e desumana pena de Talião cominada para o delito de "membrum ruptum" e da necessidade, por outro lado, da fixação de penas mais adequadas do que aquelas previstas para os delitos de lesão mais leves, cujos valores tornaram-se ridículos diante da desvalorização da moeda; é que o "ius honorarium", através de editos do Pretor, procedeu a profundas modificações com referência ao delito de "iniura".

O "ius honorarium" ampliou o conceito de "iniura", abandonando o antigo conceito de lesão física, passando a abranger também a personalidade moral, significando difamação, ofensa à honra alheia e proibindo a aplicação da pena de Talião prevista na Lei das XII Tábuas. surge, então, a previsão de reparabilidade do dano moral.

Criou a ação pretoriana "in bonum et aequum concepta", a denominada "actio injuriarum aestimatória", aplicável aos casos, repita-se, de ofensa à personalidade e de lesões corporais, sofridas por homem livre (com relação aos escravos, deverse-ia utilizar a "legis aquiliae", que cuidava dos casos de danos patrimoniais), cuja "actio" era concedida, ou não, segundo as faculdades discricionárias do pretor.

Era uma ação que devia ser intentada não diante de um "judex unus", mas dos "recuperatores" e dava origem à condenação pecuniária do réu, cujo valor era fixado em quantia a ser avaliada pelo Juiz popular, caso a caso, através da fórmula autorizadora: "quantam pecuniam recuperatoribus bonum aequum videbitur ob eam rem condemnare".

Era exigido, como pressuposto da "actio iniuriarum", o "dolus malus", ou seja, a injúria causada deveria ter sido realizada voluntariamente pelo ofensor e não por simples negligência ia "[ex aquilia", ao contrário, exigia que o dano fosse causado voluntariamente ou por negligência.

Tratava-se de uma ação infamante, intransmissível, ativa e passivamente, que devia ser ajuízada pela vítima dentro de um prazo, findo o qual prescrevia, considerando-se perdoado o ofensor.

Passou-se assim de normas fixas previstas na Lei das XII Tábuas a uma interpretação de cada caso em particular, conferinde-se ao Juiz a liberdade de estabelecer o valor da condenação pecuniária pela análise dos elementos trazidos pela vítima.

O mesmo Professor Vittorio Devilla aduz que a criação pretoriana, que ampliou o conceito de "iniura" é, provavelmente, de origem Grega, correspondendo à "hybris" daquela legislação ("in" Digesto Italiano, Vol. VIII, pág. 705).

Ainda no período clássico, inicia-se a passagem do delito de "iniura", até então tratado no campo do direito privado, para o campo do direito público, o que se dá a partir da "Lex Cornelia de iniuriis" que, conferia à vítima, se quisesse, e no caso de injúrias graves, obter a condenação do ofensor, através de ação criminal, a ser julgada por um júri criminal denominado - "quaestiones perpetuae", impondo-se, então, penas públicas, direcionadas ao ressarcimento do dano sofrido, implicando uma "condemnatito pecuniaria".

Ressalte-se que, na hipótese de injúrias verbais (falada ou escrita), o ofendido dispunha da "Actio injuriarum aestimatoria" e, no caso de injúria traduzida por ações, considerada mais grave, a Lex cornelia podia ser o recurso utilizado pelo ofendido. o que diferenciava essas ações era o prazo prescricional, maior na hipótese de injúrias graves.

No período pós-clássico e Jutinianeu passouse a conceber um conceito genérico de "obligatio": relação jurídica pela qual alguém deve realizar uma prestação, de conteúdo econômico, em favor de outrem.

As fontes das obrigações que, segundo caio, nas Institutas, eram apenas o contrato e o Delito, nesse período, segundo a Legislação Justinianéia passaram a quatro: o contrato, o quase-contrato, o delito e o quase - delito, notadamente conhecida como a classificação quadripartida, adotada posteriormente nas legislações modernas, como veremos adiante.

Com referência aos delitos, conservou-se o disposto no direito clássico, com a classificação em "furtum", "rapina", "iniura" e "dannum iniura datum".

Nesse período, com o fusão do "ius Civile" e do "ius honorarium" (fase da "Extraordinário cognitio") o Estado passa a elaborar o direito, dispondo o ofendido da Ação de Injúria, para obter o ressarcimento do dano ou da "crimina extraordinária", que passam a substituir as "quaestiones perpetuae", propostas perante o magistrado e cuja pena era corporal. Assim, os juristas pós-clássicos estenderam a aplicação da "actio legis aquiliae" a todos os casos de injúria inferida à pessoa livre, caindo em desuso o conceito clássico de "iniura" ligado à voluntária ofensa.

É evidente, da análise dos fatos históricos jurídicos acima narrados, que o Direito Romano, apesar de não ter fixado princípios sobre a matéria, não desconhecia o interesse moral; ao contrário, plantou a semente da reparabilidade dos danos morais.

No entanto, o Direito Romano não chegou ao refinamento de construir uma teoria sobre a responsabilidade Civil uma vez que o pagamento devido pelo ofensor sempre conservou o caráter de multa, de pena pecuniária.

Ressalte-se que, somente a partir da "Lex Aquilia" (possivelmente do séc. III a.C.) é que se iniciou a introdução da culpa como fundamento da responsabilidade, como elemento constitutivo do delito Civil (referida Lei disciplinava os delitos de "damnum iniuria", que consistiam em alguém causar, culposamente, dano em coisa alheia, animada ou inanimada). A construção de uma Teoria geral da responsabilidade Civil foi criação da doutrina moderna, mas, incontestavelmente, com alicerce nas fontes romanas deixadas pela Legislação Justinianéia.
 

2.b) DIREITO LUSITANO

Do primitivo Direito Português, são poucas as referências, mas sabe-se que, até chegarmos ao renascimento do Direito Romano Justinianeu e sua efetiva recepção nas Siete Partidas, o sistema vigente era o foraleiro e consuetudinário, de origem germânica.

Como ensina José de Aguiar Dias, nesse período, em Portugal, utilizavam-se do "critério germânico" em toda a sua brutalidade: a vingança era praticada sem limites. A compensação do dano sofrido pela vítima, na sua avaliação, era subordinada à maior ou menor gravidade da lesão, e a pena de Talião era prevista na lei 3a , do título IV, do Fuerzo Juzgo ("Da responsabilidade Civil", Vol. I, p. 21. Ed. Forense, IV edição).

Informa-nos ainda o mesmo Prof., José de Aguiar Dias que o costume bárbaro deixou ainda resquícios nas ordenações do Reino, quando se referem às cartas de Perdão outorgadas pelos parentes do morto aos matadores e, às cartas de inimizade (v, Ords. M., Livro I, Título 3o., parágrafos 1o , 2o e 22, e. F., Livro I, Título III, parágrafos 5o e 8o ). As cartas de inimizade foram revogadas por Alvará de 10 de março de 1608.

Com a consolidação da autonomia do sistema jurídico português, de notória influência romanística, passaram a vigorar as ordenações do Reino que já admitiam a reparação do dano moral.

Assim dispunham as ordenações Manuelinas, Livro III, Título 71. parágrafo 31 e, Filipinas, Livro III, Título 86, parágrafo 16, "in verbis":

"... E se o vencedor quiser haver, não somente a verdadeira estimação da cousa, mas segundo a affeição que ella havia, em tal caso jurará elle sobre a dita affeição; e depois do dito juramento pode o juiz taxá-lo, e segundo a dita taxação, assim condenará o réu, e fará execução em seus bens, sem outra citação da parte ...".

Como se vê, nas ordenações do Reino foi expressamente consagrado o valor de afeição, vislumbrando-se já o conceito embrionário da reparação por danos morais. Utilizavam-se, ainda, dos critérios constantes do código da Prússia, que previa o pagamento do "scmerzengeld" (valor ou preço da dor).

No entanto, divergiam os doutrinadores da época em admitir ou não a reparação por danos morais, com base nos critérios acima expostos. coelho da Rocha admitia a reparação por danos morais, em certos casos e, Corrêa Telles, em sua famosa obra "Digesto Português", também a admitia, mas somente quando o dano fosse causado propositalmente, enumerando algumas hipóteses em sua citada obra. Nesse sentido, caminhavam na esteira do direito romano que, inicialmente, somente acolhia a reparação do dano moral quando proveniente de dolo do agente, tendo sido introduzido o elemento culpa, como constitutivo do delito Civil, somente com a "Lex Aquilia".
 

2.c) DIREITO CANÔNICO

Como o presente estudo cuida das legislações que influenciaram o direito brasileiro, é de suma importância mencionarmos as regras ordenadoras da reparação moral abrigadas pelo Direito canônico que, incontestavelmente, foram acolhidas nos ordenamentos de países de religião preponderantemente católica.

O Direito canônico consignou em seu código algumas regras disciplinadoras de reparação material e espiritual.

O código de Direito canônico de 1918 previa, nos seguintes cânones, a reparação por dano moral:

No cân. 1017, parágrafo terceiro, consagrava a reparação dos danos e prejuízos pela ruptura da promessa de casamento (arras esponsalícios).

O direito brasileiro pré-codificado, influenciado pela Igreja, também adotou esse princípio, na Lei de 6 de outubro de 1784. No entanto, com a codificação das leis civis, foi banida a figura dos esponsais.

O cân. 2354, parágrafo primeiro, consignava, dentre os casos apontados de obrigação de reparação material, outros danos, tipicamente morais, a ensejar ressarcimento e que se sobrepunham aos danos materiais, na hipótese de rapto de pessoas de qualquer sexo, venda de um homem para escravidão ou outro fim mau, lesões físicas e violências.

O cân. 2.355 previa a reparação dos danos decorrentes da calúnia ou injúria, prevendo sanções de ordem material e espiritual, o que se aplicava somente para as injúrias verbais praticadas, "in verbis":

"Se alguém, não com atos, mas por meio de palavras ou escritos, ou de qualquer outra forma, injuria um terceiro, ou o prejudica em sua boa fama ou reputação, não só se obriga, nos teores dos cânones 1618 e 1938 a dar a devida satisfação e a reparar os danos, como também se torna passível de penas e penitências proporcionadas, inclusive se se trata de clérigo a quem, se for o caso, se deve impor a suspensão ou a privação de oficio e beneficio".

No cân. 2343, era prevista a hipótese de injúrias reais (que se faziam por meio de ações), mas que visassem somente às pessoas do clero e às religiosas, quando vítimas.

Por fim, o cân. 2210, seguindo os princípios do Direito Romano, concedia ao lesado meios de reparação Civil e criminal dos danos sofridos, extensivo a todos os delitos.

Verifica-se, portanto, que a Igreja também procurou assentar os fundamentos morais dos direitos individuais da personalidade, preocupande-se não apenas com os bens de ordem religiosa mas, também, em proteger a honra.

O novo código de Direito canônico, publicado em 25 de janeiro de 1983, continuou a prever, agora de forma mais amena, a indenização por dano moral, como se pode concluir da leitura dos canônes abaixo transcritos;

Cân. 220 - "A ninguém é lícito lesar ilegitimamente a boa fama de que alguém goza, nem violar o direito de cada pessoa de defender a própria intimidade".

E, prevê, ainda, a ação para a reparação dos danos provenientes do delito;

Cân. 1729 - parágrafo primeiro - "No próprio juízo penal, a parte lesada pode mover ação contenciosa para a reparação dos danos que lhe foram causados pelo delito, de acordo com o cân, 1596".
 
 

3 - Direito estrangeiro: legislações influenciadoras do direito brasileiro(1)
 

3.a) FRANÇA

O Legislador Francês, quando da redação do código Napoleônico, apesar de ter preservado as fontes obrigacionais Romanas, transportando a concepção quádrupla de justiniano, em seu artigo 1.370, deixou de fazê-lo com referência à punibilidade dos danos extrapatrimoniais que, no Direito Romano, como visto anteriormente, se fazia através da "poena".

Assim é que não há no referido texto legal a previsão expressa de reparabilidade do dano moral o que acabou influenciando os demais sistemas modernos, notadamente o Brasil, como veremos mais adiante.

(l) - Deixamos de citar a legislação da Alemanha porque, s.m.j., não tiveram influência tão decisiva no direito positivo brasileiro quanto a francesa, italiana e portuguesa.

Dessa forma, coube aos intérpretes e à jurisprudência francesa, com base na amplitude da disposição contida no artigo 1.382 do referido diploma, que regula a questão da responsabilidade resultante de delito e quase-delito, encontrar fundamentos para a concessão também de reparação por dano moral.

Wilson Melo da Silva afirma que, na jurisprudência dos tribunais franceses, é torrencial a aceitação da ressarcibilidade dos danos morais.

Assim, em que pesem as divergências, a França adota como princípio a aceitação de que os danos morais são objeto de reparação Civil, prevalecendo a corrente positiva, que tem como aliados Demoque, A. Laurent, George Ripert e outros.

Do ressarcimento por danos morais, mas não de forma tranqüila e uniforme. Ademais, o próprio código penal Italiano da época, no artigo 38, ao dispor sobre a reparação do dano moral nos casos de ofensa à honra, admitia interpretação excludente de outras hipóteses legais.

No obstante, o Direito Italiano introduziu profundas modificações no sistema legislativo no tocante ao tema versado. E isso não somente no âmbito penal, mas, também, no Civil.

O código Penal de 1930, disciplinando a questão, dispôs, no artigo 185, a obrigação de reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais oriundos de qualquer delito.

De qualquer forma, verifica-se que o código Napoleão, redigido em 1804, não teve preocupação adequada em relação aos direitos da personalidade, ao contrário, denotando apenas uma grande atenção com os bens materiais, deixando à doutrina e à jurisprudência a tarefa da construção de uma teoria para a reparação do dano moral.

Assim, reclama ainda a legislação francesa pela elaboração de um modelo normativo que permita identificar os atributos da pessoa que constituem matéria de direito, não obste, repita-se, o amplo entendimento no tocante à reparação do dano moral.

Assim é que os juristas Italianos, dentre os quais Calamandrei, adotaram regras de hermenêutica ampliativa, combinando o artigo 1.151 do código Civil Italiano com o disposto no artigo 185 do código Penal, obtendo-se, daí, a mais ampla reparação dos danos morais.

Finalmente, o código Civil Italiano de 1942, em seu artigo 2.059, passou a prever expressamente a reparação por danos morais, nos casos determinados por lei e condicionados também aos danos derivados de delitos criminais, aderindo, assim, ao sistema adotado pelo código Alemão de 1900.
 

3.b) ITÁLIA

Em 1865, entra em vigor o código Civil Italiano, seguiram-se os mesmos princípios do código Civil Francês por conter, no artigo 1651, previsão genérica do ressarcimento do dano causado por ato ilícito.

Assim é que, à semelhança do direito Francês, coube à doutrina e à jurisprudência aplicar o princípio reparador consubstanciado no citado artigo 1.651 com o fito de conceder a reparação também por danos extrapatrimoniais.

Prevaleceu na Itália, assim como na França, a corrente doutrinária e jurisprudencial admissiva

No entanto, o novo código, ao invés de aprimorar o instituto da reparação por dano moral, acabou por restringi-lo, [imitando expressamente a sua reparação o que, como vimos anteriormente, era tratado de forma mais ampla no código de Direito Civil anterior.

A interpretação restritiva do dispositivo legal em questão levou muitos doutrinadores a asseverarem que só seria admitida a reparação moral nas hipóteses previstas em lei e surgidas do delito.

Felizmente, como nos traz notícia Minozi, firmou-se na Itália a corrente positivista que defende a reparação dos danos expatrimoniais sem qualquer limitação.
 

3.c) PORTUGAL

Em 1867, entra em vigor o código Civil Português que, também, como as demais codificações modernas, não previa dispositivos reguladores dos direitos da personalidade.

O artigo 2.361 daquele código determinava, de modo amplo e sem [imitação, a obrigação de indenizar àquele que violasse direitos alheios, "in verbis":

Artigo 2.361 - "Todo aquele que viola ou ofende direitos de outrem, constitui-se na obrigação de indenizar o lesado, por todos os prejuízos que lhe causa".

E, ainda, nos artigos 2.382 e 2.383 discorre acerca de quais seriam os prejuízos tutelados pelo código, dentre os quais alude também àqueles referentes à personalidade moral.

Ocorre que a doutrina da época divergia se realmente o código admitia, através da regra geral contida no artigo 2.361, a reparação por danos materiais e morais.

A divergência dava-se porque o código, em sua generalidade, tratava quase exclusivamente de regras de responsabilidade decorrente de prejuízo material, prevendo a responsabilidade por danos morais somente na hipótese de ofensa à honra da mulher, prevista no artigo 2.391.

Por fim, também Portugal elevou à nível constitucional a reparação por dano moral, na Constituição política de 1938, dentro das garantias e direitos individuais dos cidadãos, no artigo 8°, parágrafo 17: "o direito de reparação de toda a lesão efetiva conforme dispuser a lei, podendo esta, quanto a lesão de ordem moral, prescrever que a reparação seja pecuniária".

Como não poderia deixar de ser, o novo código Civil Português de 1966 admite expressamente a satisfação dos danos extrapatrimoniais, em seu artigo 496 "... Na fixação da indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito... ".
 

4 - Direito Brasileiro

4.a) A REPARABILIDADE Do DANO MORAL NA LEGISLAÇÃO PRÉ-CODIFICADA E CODIFICADA.

No Brasil colonial, aplicavam-se, é óbvio, as ordenações do Reino de Portugal que, como vimos, não continham regras expressas sobre o ressarcimento do dano moral.

Ademais, o artigo 2.384, que tratava da hipótese do crime de homicídio, somente admitia a reparação por prejuízos materiais sofridos pelos herdeiros da vítima.

Mesmo após proclamada a Independência, enquanto não se elaboravam e promulgavam novas leis, continuou a vigorar entre nós a legislação portuguesa, em especial as ordenações Filipinas.

No entanto, predominou a tese da plena reparação dos danos morais, entendendo-se que as hipóteses legais contidas no código cuidavam de exceções à regra geral e não de casos taxativos.

Dirimindo qualquer dúvida que porventura persistisse, o código de Processo Penal de 1929 veio consagrar a teoria da reparação dos danos morais, revogando o artigo 2.384 do código Civil (acima citado), dispondo no artigo 34, parágrafo Segundo: "que o juiz condenará o réu a pagar uma indenização que abrangerá o dano material e moral causado pelo crime, atendendo, no cálculo da reparação, à gravidade da infração e à situação econômica e social do ofendido".

Assim é que o tema da satisfação dos danos extrapatrimoniais era incipiente no direito anterior ao código Civil de 1916.

A "consolidação de Teixeira de Freitas" não continha qualquer disposição expressa sobre a reparabilidade do dano moral, dispondo, no artigo 800 que "a indenização será sempre a mais completa possível; no caso de dúvida, será a favor do ofendido".

E, no artigo 801 dispunha, "Para este fim o mal, que resulta à pessoa e aos bens do ofendido, será avaliado por árbitro, em todas as suas partes e conseqüências".

O artigo 804 previa ainda a reparação de danos por coisa perecida pelo preço ordinário e de afeição e, nos artigos 86 e 87, a reparação ao cônjuge em caso de injusto repúdio.

Vê-se que a amplitude dos termos utilizados em alguns dispositivos da referida consolidação, notadamente o citado artigo 800, que reproduziu o artigo 22 do código criminal de 1830, dava ensejo à interpretação favorável ao princípio da ressarcibilidade do dano moral.

O código de Processo criminal de 1832 previa, no artigo 338, a reparabilidade dos danos sofridos pela vítima em sobejando condenação do réu por crime de injúria, que se liquidaria no juízo cível. Nesse mesmo sentido dispunha também o código Penal de 1890, artigo 276, para os casos de crime de defloramento ou estupro de mulher honesta.

A nova consolidação das Leis Civis de Carlos de Carvalho, de 1899, não modificou o tratamento dado à matéria.

Segundo o ilustre Professor Carlos Alberto Bittar, um dos pioneiros no Brasil a defender a tese da indenização por danos morais, a regra da reparabilidade encontrava-se amparada no Direito Brasileiro, desde a citada consolidação das Leis civis de Teixeira de Freitas, na forma dos artigos 798 a 801, supra citados.

Em 1916, entrou em vigor o código Civil que, fiel às suas origens, de influência incontestavelmente francesa e, face às divergências a respeito do tema, optou por omitir qualquer disposição legal expressa nesse sentido.

A reparação Civil via-se inibida pela regra geral contida nos artigos 159, 1.059 e 1.060 do código Civil, que não se referiam expressamente aos danos extrapatrimoniais, daí acarretando a resistência da doutrina e da jurisprudência.

Verifica-se ainda que, da análise dos dispositivos do código Civil que dispõem sobre a liqüidação das obrigações decorrentes de atos ilícitos, não encontramos menção expressa às parcelas referentes ao dano extrapatrimonial sofrido pela vítima (artigos 1.537 à 1.553), somente o artigo 1.543, referente à restituição por equivalente, em caso de não mais existir a coisa, menciona o preço de afeição, como uma hipótese típica em que é aceito o dano extrapatrimonial.

Também prevê o código Civil algumas hipóteses como de reparação do dano moral: no artigo 1.538, quando a lesão corporal acarreta aleijão ou deformidade, ou quando atinge mulher solteira ou viúva ainda capaz de casar, no artigo 1.548, quando ocorre ofensa à honra da mulher por defloramento, sedução, promessa de casamento ou rapto; no artigo 1. 550, por ofensa à liberdade pessoal; e no artigo 1.547, por crime de calúnia, difamação ou injúria.

Porém, em todos os casos acima mencionados, o valor é fixado e calculado com base na multa criminal prevista na legislação penal.

No entanto, já naquela época a discussão a respeito da reparabilidade do dano moral era grande. Favoráveis ao amplo ressarcimento podemos citar Manoel Inácio carvalho de Mendonça e Eduardo EspínoÍa, em oposição ao Comendador Lafayette e Lacerda de Almeida.

Assim é que, quando da elaboração do nosso código Civil, era bastante questionável a reparação dos danos extrapatrimoniais.

Os demais despositivos legais, estabelecem nítido nexo etiológico entre o dano efetivo e a reparabilidade, inclusive no ressarcimento por ofensa à honrabilidade (artigos 1.547, I . 548, I . 549, 1.550 e 1.551).

Por fim, o artigo 1.553 admite a reparação por arbitramento em casos não previstos no capítulo referente à liqüidação das obrigações resultantes de atos ilícitos.

Como forma de superar os problemas existentes acerca da reparabilidade do dano moral face a prevalência das posições restritivas, como veremos adiante, e a timidez do código Civil no tratamento dado ao tema, sobrevieram leis específicas regulando a matéria.

"Artigo 181 - Além do que for devida pelo prejuízo patrimonial, cabe reparação pelo dano moral, moderadamente arbitrada".

e,

A Lei de Imprensa, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei no 5.250), deu um passo em relação a admitir a reparação do dano moral, nos casos de crime contra a honra. É o que trata o "caput" do artigo 49 da citada lei, "in verbis":

Artigo 49 - "Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direitos, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

I - Os danos morais e materiais, nos casos previstos no artigo 16, II e IV, no artigo 18 e de calúnia, difamação ou injúria; (g/n).

II - os danos materiais nos demais casos.

Também o código Brasileiro de Telecomunicações, de 27 de agosto de 1962 (Lei no. 4,117) prevê, nos artigos 81 a 88, a indenização por danos extrapatrimoniais.

O código Eleitoral, de 15 de julho de 1965 (Lei no 4.737) estabelece, em caso de calúnia ou difamação contra membro ou partido político, a possibilidade de reparação do dano moral (artigo 244).

A Lei dos Direitos Autorais, de 14 de dezembro de 1973 (Lei no. 5.988) admite, em seu artigo 122 e seguintes, a reparação dos danos extrapatrimoniais pela ofensa aos direitos morais do autor.

Em 1941 surgiu, de autoria de Orozimbo Nonato, F. Azevedo e H. Guimarães, projeto do código das obrigações que prescrevia:

"Artigo 182 - Não ocorrendo prejuízo patrimonial, ou sendo insignificante, será o autor do ato lesivo condenado a pagar soma em dinheiro, nos termos do artigo anterior".

No entanto, este anteprojeto não chegou a ser acolhido, assim como o anteprojeto de código de obrigações, de caio Mário da Silva Pereira que, no artigo 856, também previa, expressamente, a reparação do dano moral.
 

4. b) A POSIÇÃO DA DOUTRINA

Triunfara no Direito Brasileiro a tese restritiva da ressarcibilidade do dano moral na legislação Civil, excluindo os danos extrapatrimoniais em termos gerais, somente permitindo, em situações excepcionais expressamente previstas no Estatuto Civil ou em Leis especiais (acima citadas), prevalecendo o entendimento de que a lei Civil cuidava de "numerus clausus".

Não obstante, os doutrinadores não eram acordes quanto à interpretação dos textos e da sistemática do código Civil.

Dentre os negativistas podemos citar Lafayete, J. X. carvalho de Mendonça e Lacerda de Almeida, entre outros, que entendiam que o dano era somente o exclusivamente patrimonial, material.

Eduardo Espínola, Sá Pereira, Vicente de Azevedo e outros defendiam a tese de que o código Civil Brasileiro não previa a indenização do dano puramente moral, admitindo somente como exceção, em alguns casos enumerados taxativamente.

Clóvis Bevilacqua, propugnador da indenização por Dano Moral, entendia como suporte legal a regra contida no artigo 76 e seu parágrafo do código Civil, segundo a qual, para propor ou contestar uma ação, é suficiente um interesse moral.

Assim, afirmava Clóvis Bevilacqua: "Em meu sentir, o sistema do código Civil, nas suas linhas gerais, relativamente ao ponto questionado, é o seguinte:

a) Todo dano seja patrimonial ou não, deve ser resarcido, por quem o causou, salvante a excusa de força maior que, aliás, algumas vezes não aproveita, por vir precedida de culpa. É regra geral sujeita a excepção.

b) com razão mais forte, deve ser reparado o damno proveniente de a ilícito (artigos 159 a 1518).

c) Para a reparação do damno moral, aquelle que se sente lesado dispõe de acção adequada (artigo 76, parágrafo único).

d) Mas o damno moral, nem sempre, é resarcível, não somente por se não poder dar-lhe valor econômico, por se não poder apreçá-lo em dinheiro, como, ainda, porque essa insufficiência dos nossos recursos abre a porta a especulações deshonestas, acobertadas pelo manto mobilíssimo de sentimentos affectivos. Por isso o código Civil afastou as considerações de ordem exclusivamente moral, nos casos de morte e de lesões corporeas não deformante (artigos 1537 e 1538).

e) Attendeu, porém, a essas considerações, no caso de ferimentos, que produzem aleijões ou deformidades (artigo 1538, parágrafos 1o e 2o); tomou em consideração o valor de affeição, providenciando, entretanto, para impedir o arbítrio, o desvirtuamento (artigo 1543); as offensas à honra, à dignidade e à liberdade são outras tantas formas de damno moral, cuja indemnização o código Civil disciplina.

f) Além dos casos especialmente capitulados no código Civil, como de damno moral resarcível outros existem que elle remette para o arbitramento, no artigo 1553, que se refere, irrecusavemente, a qualquer modalidade de damno, seja patrimonial ou meramente pessoal.

(..) "Ao contrário, a irreparabilidade do damno moral apparece no código como excepção, imposta por considerações de ordem etnica e mental. A reparação é a regra para o Damno, seja moral, seja material. A irreparabilidade é excepção".

(Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Bevilacqua - obrigações - Tomo 2o. - Volume V - p. 319 - 5a edição - Livraria Francisco Alves - 1943).

No entanto, não obstante os brilhantes argumentos do ilustre autor do projeto do nosso código Civil, não convenciam os opositores mais recalcitrantres que se apoiavam no fato de que a disposição genérica contida no artigo 159 não admitia a reparação por danos morais, argumentando, ainda, que a regra contida no artigo 76 cuidava de dispositivo de ordem processual, condicionando simplesmente o exercício do direito de ação à existência de um interesse (nesse sentido, a respeito do tema, com remissão a outros autores adeptos da mesma corrente, Alcino de Paula Salazar, in "Reparação do Dano Moral", págs. 155/156, Rio de Janeiro, 1943).

Verifica-se, assim, que a doutrina não era conforme sobre o tema da ressarcibilidade ou não do dano moral.

De um lado, os negativistas, que sustentavam a impossibilidade de reparação de dor moral

ou física que não atingisse o patrimônio da vítima.

E, de outro lado, os positivistas, que aceitavam a reparação por danos morais, alguns sem restrições e, outros, reconhecendo as limitações introduzidas pelo código Civil em certas figuras de típicos casos de danos morais, como no de homicídio (a respeito da controvérsia doutrinária sobre a ressarcibilidade dos danos morais: Alcino de Paula Salazar, "Reparação do Dano Moral" págs, 152 e seguintes - RJ - 1943 e Wilson Melo da Silva, "O Dano Moral e sua reparação" - págs. 153 e seguintes - Belo Horizonte - 1949).

Resta claro que o grande problema da doutrina sempre foi com relação à reparabilidade ou não dos danos morais posto que, tanto os negativistas como os positivistas eram acordes quanto à existência de um direito que se viola e de pessoas que sofrem tais danos.

Ocorre que os negativistas jamais aceitaram que um prejuízo moral pudesse ser reparado pecuniariamente, deixando referida espécie de dano sem reparação.

Já os positivistas sempre entenderam

que não se podia deixar tais danos absolutamente sem reparação, havendo de se buscar

uma atenuação dentro do direito, uma compensação.

Nesse sentido, brilhantemente dispôs E.

Minozzi, ao afirmar que "non si tratta di rifare al danneggiato gl'identici beni che ha perduto, ma de far nascere in lui una nuova sorgente di felicità e di benessere capace di alleviare le consequenze del dolore, del male che ha ricevuto. (...) È vero che i beni morali non si vendono e che nessuna somma di denaro puo compensarli, ma qui non se tratta de vendere i godimenti della vita, L'onore e la libertà, si tratta solo di lenire col denaro il male che L'uomo innocentemente ha sofferto, per L opera altrui, nel vedersi diminuiti i godimenti che tali beni gli producevano. II denaro, in tal caso, non é il prezzo di una cosa che non è moralmente passiva di valutazione o scambio, ma è il compenso per il danno recato a quella cosa. col denaro si tenta di camare, almeno in parte, il turbamento subito". ("Studio sul danno non patrimoniale", pág. 62, Milano, 1901).

Ora, até mesmo os povos primitivos, como tivemos oportunidade de expor no início deste trabalho, que não possuíam um estágio cultural avançado para compreender o significado exato da abrangência dos danos morais, já previam meios compensatórios para aplacar a afronta sofrida pela vítima, inicialmente com a "vindicta" e, mais tarde, com a adoção da multa pecuniária, não deixando referida espécie de dano sem reparação.

Não obstante, e apesar do grande movimento doutrinário a favor da reparabilidade do dano moral, a jurisprudência sempre observou com uma certa resistência a idéia, os julgados e decisões, quando não recusavam, de maneira formal, a doutrina, aceitavam-na na maior parte das vezes apenas para ordenar a reparação dos danos morais em seus reflexos patrimoniais, como veremos a seguir.
 

4.c) A JURISPRUDÊNCIA

Antes do advento do código Civil de 1916, a jurisprudência não admitia a reparabilidade dos danos morais.

Após a codificação da lei Civil os Tribunais concediam indenização somente naquelas casos em que o dano imaterial estivesse ligado ao material, ou seja, somente nas hipóteses de danos morais reflexos.

A posição do Supremo Tribunal Federal era no sentido de acolher restritamente os casos de dano extrapatrimonial expressos no código Civil e em lei especiais, sem ampliá-los pela via da interpretação e vedando a sua cumulação com os danos patrimoniais.

Também os Tribunais Estaduais mantinham-se fiéis à tese da não cumulação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais bem como em relação a não conceder a reparação desses danos em hipóteses não reguladas expressamente pela nossa legislação, com raras exceções.

Paulatinamente, começaram a surgir decisões acolhendo casos de indenizações por danos morais em casos outros que não os expressamente previstos no código Civil.

Inicialmente, nas decisões mais antigas dos Tribunais, era unânime a negativa de concessão de indenização aos pais pela morte de filho menor, com esteio no artigo 1.537 do código Civil.

No entanto, acolhendo os reclamos da doutrina, o Supremo Tribunal Federal passou a conceder a indenização por dano moral na hipótese de morte de filho menor, de acordo com a súmula 491;

"É indenizável a morte de filho menor, mesmo que não exercesse trabalho remunerado".

Nessa esteira de concessões à reparabilidade do dano moral, sobreviveram decisões do supremo, especialmente com relação à liberdade de informação, limitando-a pelos direitos à imagem, à honra, à privacidade e à intimidade.

Apenas para demonstrar o quadro evolutivo jurisprudencial, citaremos algumas decisões nesse sentido;

"A devolução de cheque quando havia provisão suficiente para o seu pagamento por culpa do Banco, constitui dano extrapatrimonial indenizável se o fato obteve publicidade" (STF, RE 101.233 - MA; rel. Min. Octávio Gallotti, m.v., j. 12.8,1986 RT 614/236).

"A absolvição na esfera criminal, por crimes de calúnia, injúria e difamação por notícia de formal, não obsta a indenização pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos pela vítima". (STF, 14 T., RE 78.789 - SP, Min. Rodrigues de Alckmin, v.u., j. 23.5.1975, RT 482/246).

"A condenação injusta do comerciante por crime falimentar imposta em ofensa à sua consideração social, sendo passível de indenização pelo dano extrapatrimonial". (STF, 1o T., RE 97.097 - 5 - RJ rel. Min. Oscar Corrêa, v.u., j. 25.10.1983, RT 581/ 237).

Verifica-se, portanto, que a jurisprudência vinha, lentamente, evoluindo com relação à admissão da reparabilidade dos danos morais, especialmente com relação às leis especiais. (v. brilhante obra do Prof., Carlos Alberto Bittar, "Responsabilidade Civil: Teoria e Prática", Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1989).
 

5 - A recepção do princípio da plena reparabilidade dos danos morais no direito brasileiro

Com a promulgação da Constituição de 1988 consagrou-se, definitivamente, a indenização do dano moral.

A Constituição Federal, no título "Dos Direitos e garantias fundamentais, artigo 5°, assim dispôs:

"V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem";

..................................................................................................................................................................

"X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Como muito bem preleciona Caio Mário da Silva Pereira, "A Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral (...). É de se acrescer que a enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária editar outros casos (...). com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito obrigatório para o legislador e para o Juiz" ("Responsabilidade Civil", pág. 65, No. 48, 3a Ed., Ed. Forense, RJ, 1992).

Ensina o ilustre Professor Carlos Alberto Bittar que, "a partir da nova carta, a aplicação das normas do Direito Civil, enquanto não sobrevier o novo código, ou leis próprias, deverá ajustar-se aos princípios e às regras já em vigor, para sua perfeita higidez jurídica, relevando-se, nesse passo, de grande valia a interpretação integrativa, por meio da qual se empresta a determinadas regras o sentido próprio à realidade social do momento, obedecidos os cânones correspondentes da Constituição.

Na interferência de normas constitucionais com as relações privadas, há que se respeitar as orientações já enunciadas, para perfeita coerência em sua aplicação, lembrando-se que as observações do preâmbulo da carta são o norte da ação do intérprete e que as regras de direitos fundamentais são de vigência e de aplicação imediatas, por força de texto expresso". ("o Direito Civil na Constituição de 1988", págs. 41/42 - 21 Ed. - Revista e Atualizada, RT, SP, 1991).

Assim é que, consagrada a posição da doutrina e da jurisprudência favorável à reparabilidade do dano moral, ao ser incluído como princípio dentre os direitos fundamentais, já se encontra incorporado ao direito vigente, devendo ingressar na nova codificação, cujo mandamento já está previsto no Anteprojeto do código Civil (artigo 196), ora sob apreciação no congresso Nacional.

Nesse interregno, e por meio da interpretação integradora, o Poder judiciário deverá suprir eventuais questões que decorram da ausência de adaptação imediata.

Cumpre ressaltar o pioneirismo do código de Defesa do consumidor, primeira codificação após a Constituição de 1988 a prever, de modo explícito, especialmente no artigo 6o., inciso VIi, a reparação de danos de ordem moral.

A moderna jurisprudência, em total consonância com os dispositivos legais insertos na carta Magna, vem declarando o pleno cabimento da indenização por dano moral (RT) 115/1383, 108/ 287, RT 670/142, 639/155, 681/163, RJTJESP 124/139, 134/151).

Nesse sentido, o superior Tribunal de justiça, modificando completamente o entendimento anteriormente adotado, cristalizou a jurisprudência no sentido de admitir a compatibilidade entre as indenizações pelo dano material e moral, através da súmula no. 37, "in verbis";

"São acumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

Carlos Alberto Bittar, em monografia sobre

responsabilidade Civil, é categórico:

"Também são cumuláveis os pedidos de indenização por danos patrimoniais e morais, observadas as regras próprias para o respectivo cálculo em concreto, cumprindo-se frisar que os primeiros se revestem de caráter ressarcitório, e os segundos, reparatórios, de sorte que insistimos na necessidade, quanto a estes, na respectiva fixação, adotar-se fórmulas que venham a inibir novas práticas atentatórias à personalidade humana, para cuja defesa se erigiu a teoria do dano moral, que vem sendo aplicada, ora com tranqüilidade, nos Tribunais do país". ("Responsabilidade Civil, Teoria e Prática", p. 90, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989).

No tocante à quantificação do dano, à falta de regulamentação específica, a jurisprudência tem se utilizado dos critérios estabelecidos no código Brasileiro de Telecomunicações, na Lei de Imprensa, na lei sobre direitos autorais, bem como no próprio artigo 1.537 e seguintes do código Civil, devendo ainda levar em conta o julgador as condições das partes, a gravidade da lesão e sua repercussão e, as circunstâncias fáticas, posto que a Constituição Federal não determinou qualquer limite.

Nesse sentido, decidiu expressivo julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (RT 706/ 67-8), dispondo que o dano deve ser arbitrado "mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa".

Enfim, acolhida a reparabilidade do _dano moral no bojo da Carta Magna, a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente opera-se por força do simples fato da violação ("danum in re ipsa").

Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar de prova de dano moral, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade Civil (nexo de causalidade e culpa).

Preleciona o Prof., Carlos Alberto Bittar que a reparação do dano moral baliza-se na responsabilização do ofensor pelo simples fato da violação; na desnecessidade da prova do prejuízo e, na atribuição à indenização de valor de desestímulo a novas práticas lesivas. Ensina também o digno mestre a conveniência de publicar-se, por conta do ofensor, a sentença condenatória (Reparação Civil por Danos Morais, 2a ed., págs. 198/226)
 

6 - Conclusão

O Dano Moral não indenizável pertence já ao passado histórico do direito privado brasileiro.

A moderna doutrina não mais vincula o conceito de dano à idéia de diminuição do patrimônio do ofendido, considerando apenas como a simples diminuição ou subtração de um bem jurídico, extrapatrimonial ou patrimonial.

Assim, Maria Helena Diniz considera o dano "como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral". ("curso de Direito Civil Brasileiro", 7o volume - Responsabilidade Civil, pág 49, Editora saraiva, São Paulo, loa edição, aumentada e atualizada, 1996).

O Prof., Carlos Alberto Bittar ensina que, "Danos Morais são, conforme anotamos alhures, lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, são aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas, contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcançam a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente, ataque à honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante (...)" (in "Reparação Civil por Danos Morais" - publicado na Revista dos Advogados, no. 44/outubro/94, pág. 24).

O Brasil, cedendo às transformações que já vinham ocorrendo em outros Países e, atendendo aos reclamos da doutrina e da jurisprudência, tornou o princípio da reparabilidade do dano moral como de natureza cogente, sem qualquer limitação. A Constituição estabeleceu um mínimo, podendo ser ampliado por interpretação jurisprudencial ou legislativa.

Este foi o objetivo do nosso trabalho: demonstrar, passo a passo, a evolução do instituto, até chegarmos aos contornos atuais da legislação brasileira, e também estrangeira, que consagraram a plena reparabilidade dos danos morais.

Estudando as suas origens históricas, pudemos comprovar que o direito atual, especialmente no tocante ao tema abordado, nada mais é do que o resultado de um acervo de muitos e muitos séculos de conhecimento
 

retirado de: http://www.jurinforma.com.br