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A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E O DANO MORAL COLETIVO
ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O dano moral coletivo - 3. O dano moral coletivo e a legislação no Brasil - 4. A prática da ação civil pública e o cálculo do dano moral coletivo - 5. O caso do dano moral coletivo por atos estatais ilegais ou inconstitucionais - 6. Conclusões - 7. Anexos

1. Introdução

O Direito Brasileiro encontra-se em fase de aceitação e ampliação da responsabilidade pelo dano moral. De fato, vislumbra-se cada vez mais a pacificação do tema do cabimento de indenização por dano moral na doutrina e na jurisprudência.1

Neste trabalho, discorrerei sobre as lições doutrinárias e a prática nas ações civis públicas em relação a desdobramento fascinante do tema, que vem a ser a indenização pelo dano moral coletivo. Para tanto, deve-se abordar o papel da tutela coletiva dos direitos e a dimensão indivisível de uma série de ofensas, as quais, se não fosse pela necessidade de reparação coletiva, ficariam sem resposta do ordenamento jurídico.

Assim, inicialmente, vê-se que o termo dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem juridicamente protegido. Com base nos ensinamentos da doutrina, então, podemos conceituar dano como toda desvantagem efetuada em nossos bens jurídicos, tal qual patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar e outros.

(1) A questão encontra-se até sumulada, no verbete 37 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Em relação ao dano, interessa a este estudo a sua divisão em duas espécies distintas: os danos patrimoniais ou materiais e os chamados danos morais.

O mestre Orlando Gomes estabelece que "a expressão 'dano moral' deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial."2 Assim, o dano moral seria a lesão sofrida em face ao patrimônio moral, definindo-se patrimônio moral, nas palavras de Wilson Melo da Silva, como "patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico."3

Como conseqüência desta lesão a um bem juridicamente tutelado, está a necessidade de indenizar. Por indenização, entende-se a reparação do dano causado integralmente. A restitutio in integrum é a forma considerada adequada, já que se retoma ao statu quo ante.

Em caso de impossibilidade dessa for ma, vislumbra-se a compensação em forma de pagamento de uma indenização em dinheiro.4

(2) Ver in GOMES, Orlando. Direito das Obrigações, Rio de Janeiro, Forense, 12.° ed., 1990, n, 195, p. 332.

(3) SILVA, Wilson Melo. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro, Forense, 3.a ed., 1983.

Entretanto, a repercussão material sempre foi a faceta mais visível do dano e, como tal, a alavanca para a obtenção de reparação. Foi necessária uma releitura do conceito de dano e de responsabilidade para que fosse aceito pela doutrina e jurisprudência o conceito de reparação de danos morais ou não-materiais.

O eminente jurista José Carlos Barbosa Moreira já na década passada não compreendia a recusa na reparação do dano moral. Nas suas palavras, há que se abandonar em definitivo, e sem reservas, a doutrina, profundamente reacionária, da não reparabilidade do dano moral, que, aliás, nem se compreende como possa ter criado tão fortes raízes no pensamento jurídico brasileiro, quando a simples leitura sem preconceitos do art. 159, primeira parte, do CC é suficiente para evidenciar a incompatibilidade entre ela e o nosso Direito Positivo: a norma, com efeito, refere-se a 'prejuízo' e a 'dano', sem qualificá-los, e, portanto sem restringir a sua própria incidência ao terreno patrimonial.5

(4) Como salienta o d. Carlos Roberto Gonçalves: Deste modo, sendo impossível devolver a vida à vítima de um crime de homicídio, a lei procura remediar a situação, impondo ao homicida a obrigação de pagar uma pensão mensal às pessoas a quem o defunto sustentava, além das despesas de tratamento da vítima, seu funeral e luto da família. Ver in GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, São Paulo, Saraiva, 1995.

(5) Continua o mestre, dizendo: Ê irrelevante a circunstância de só estarem reguladas em termos expressos, na parte do Código atinente à liquidação, algumas hipóteses específicas de dano moral (arts. /.547 e ss.), porque, para as outras, aí não contempladas, existe a norma subsidiária do art. 1..553, de acordo com a qual, 'nos

casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a indenização.

Se já é pacífica a tese da reparabilidade do dano moral individual, o mesmo não pode ser dito em relação ao dano moral coletivo. Pelo contrário, a definição muitas vezes utilizada de dano moral enfatiza a pessoalidade do dano e a sua estreita relação com uma pessoa física. Aceitar a reparabilidade de dano moral difuso ou coletivo é aceitar o conceito de um patrimônio moral transindividual, como passarei a expor.

2. O Dano Moral Coletivo

Com a aceitação da reparabilidade do dano moral, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e coletivos.

Entretanto, antes de abordarmos a existência ou não de dano moral coletivo, devemos observar que o tema da reparação do dano moral a outros que não pessoas físicas já mereceu atenção de nossos tribunais superiores. Para o Colendo Superior Tribunal de Justiça, há a clara possibilidade de reparação moral a pessoa jurídica.

Assim, não possui a pessoa física um monopólio sobre a reparação por dano moral. Pelo contrário, estabeleceu o relator do Recurso Especial 60.033-2-MG, o ilustre Min. Ruy Rosado de Aguiar que a pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo cível ou comercial onde atua.

Verifica-se, deste modo, que a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais individuais da pessoa física. Com efeito, outros entes possuem valores morais próprios, que se lesados, também merecem reparação pelo dano moral.

Como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fiel à concepção de honra e dano moral, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11.08.1990), quando coloca, em seu art. 6o, VI, entre os direitos básicos do consumidor (toda pessoa física ou jurídica), a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos.7 Tal entendimento dos Tribunais com relação às pessoas jurídicas é o primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral em face de uma coletividade, que, apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção.

Destarte, com a aceitação da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e coletivos.

As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas. Como esclarece Gabriel Stiglitz, devemos ter em mente a ampliación del ámbito de actuación del dano moral, hacia una concepción no restringida a la idea de sufrimiento o dolor espiritual, sino extensiva a toda modificación disvaliosa del espíritu.8

(6) Ver apud LENZ, Luis Alberto Thompson Flores, Dano Moral contra pessoa jurídica, in Revista dos Tribunais, n. 734, São Paulo, Dez/96.

(7) Ap. Civ, n. 5.943/94, 2a Câm., TJRJ, por maioria, relator designado Des. Sérgio Cavalieri Filho, in Rev. Dir. TJRJ, n. 26, 1996, Degrau Cultural, p. 225-231.

Pelo contrário, não somente a dor psíquica que pode gerar danos morais.

Qualquer abalo no patrimônio moral de

uma coletividade também merece reparação.

Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.

Imagine-se o dano moral gerado por propaganda enganosa ou abusiva. O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu sentimento de cidadania. Como lembra o estudioso Carlos Alberto Bittar Filho: Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao falo de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico.9

(8) STIGLITZ, Gabriel A., Dano moral individual e colectivo.- medio-ambiente, consumidor y danosidad colectiva, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-set./96.

(9) Ver in BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, vol. 12.

Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.

Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular o Brasil é assim mesmo deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo.

A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são os mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de Direitos Difusos, que será responsável pela utilização do montante para a efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.

Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas leis, ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social.

Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação a dificuldade de apuração do justo ressarcimento. O dano moral é incomensurável, mas tal dificuldade não pode ser óbice à aplicação do direito e a sua justa reparação. Deve servir, pois, de desafio ao juiz, o qual poderá utilizar as armas do art. 5.° da LICC e do art., 125 do diploma processual civil. O non liquet neste caso urge ser afastado.

Como coloca o d. Luis Alberto Thompson Flores Lenz, todo o ente moral possui um conceito social que pode sofrer abalo moral, diferente do abalo moral que atinge os seus integrantes, pessoas físicas. Diz o citado autor que nessa situação, eventual ofensa desferida atinge em cheio a entidade moral, afetando a honorabilidade e conceito social que lhe são próprios, motivo pelo qual deve ser combatida em respeito àquela e não aos seus integrantes.10

(10) Continua Lenz, afirmando que a desproteção às pessoas jurídicas em face do dano moral é verdadeira denegação de justiça, que pode até ameaçar a sobrevivência da mesma. Nas palavras do autor: Pensar o contrário seria amesquinhar uma das mais fecundas construções do Direito, em detrimento dos próprios ideais de agilização de idéias e riquezas que motivaram a concepção dessa figura moral, deixando a mesma desprotegida de ataques á sua honra objetiva e ao seu conceito, exatamente nos dias de hoje, de globalização e divulgação irrestrita de informações, quando se sabe que a difusão equivocada ou maldosa de uma pecha contra aquela, sem que seja seguida de enérgica reação judicial, pode ensejar estragos incomensuráveis que venham a comprometer a sua própria sobrevivência, op. cit., p. 65.

Assim, o sentimento de angústia e intranqüilidade de toda uma coletividade deve ser reparado. Não podemos tutelar coletivamente, então, a reparação material de violações de interesses materiais e deixar para a tutela individual a reparação do dano moral coletivo. Tal situação é um contra-senso, já que não podemos confundir o dano moral individual com o dano moral coletivo. Como salienta Severiano Aragão, não pode o dano moral ser limitado, qual atributo da personalidade individual, como a associa-lo, apenas, à dor e ao sofrimento anímico individual. Tal enfoque é casuístico e inaceitável, bastando lembrar os casos de valor de afeição ou estimação de coisas (Código Civil), ou de afetação coletiva, como preconizado pelas leis especiais mencionadas (imprensa, Consumidor, Ecologia).11

Portanto, a ofensa ao patrimônio moral deste Brasil, consubstanciado na imagem, no sentimento de apreço a nossa cidadania, deve ser reparada.

3. Dano Moral Coletivo e a Legislação no Brasil

No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública, tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se a ser um dos mais importantes - e talvez o mais eficiente - instrumentos de defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência e opções que oferece.12 A segurança e a tranqüilidade de todos indivíduos - assim como o sentimento de cidadania - são bruscamente atingidos quando o patrimônio moral de uma coletividade é lesado sem que haja qualquer direito à reparação desta lesão.

(11) ARAGÃO, Severiano, Dano moral a pessoa jurídica, in BLA: Boletim Legislativo, n. 31, Rio de Janeiro, abr./97.

(12) FLAKS, Milton, Instrumentos processuais de defesa coleliva, in Revista Forense, n. 320, Rio de Janeiro, out-nov-dez/1992.

Assim, há expressa previsão de ressarcimento de dano moral nas leis de tutela coletiva do Brasil. De fato, o prejuízo moral - que segue paralelo ao dano material - há de ser ressarcido, na modalidade de dano moral, conforme previsto no inc. V do art. l.° da Lei n. 7.347/85.13

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incs. VI e VII do art. 6.°, escudado pela previsão da nossa Carta de 1988, na dicção do inc. V do art. 5.°. Segundo o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos; e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção. jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente contém inúmeros dispositivos de proteção ao menor por danos morais.

Isso porque o desenvolvimento moral, físico e social é o objetivo legal (arts. 3.° e 5.°), punindo-se todo atentado ao desenvolvimento adequado da criança e do adolescente.

A própria Constituição Federal prevê o ressarcimento por dano moral quando, no seu art. 37, § 6.°, estabelece a responsabilidade civil do Estado por ato de seus agentes - lembrando que, nos dizeres de José Afonso da Silva, responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem.14

(13) Art. /.° - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados...

O quantum que se propõe para tanto e que será revertido para o Fundo de Bens Lesados de que trata o art., 13 da LACP será apurado por liquidação de sentença, sendo a fórmula de seu cálculo adiante exposta.

4. A prática da ação civil pública e o cálculo do dano moral coletivo

Em primeiro lugar, podemos ver que o dano moral é reparável como resposta civil pela agressão ao patrimônio moral, sendo que a cumulação de indenizações por fato único, com repercussões materiais e morais deve ser vista como justa e absolutamente constitucional.

Com base na Constituição de 1988, verifico que danos de naturezas distintas, embora decorrentes do mesmo fato, devem ensejar em reparações também distintas. E o que prega o disposto no inc. V do art. 5.°, que expressamente admite a reparação por dano moral.15

No dizer de Wilson Melo da Silva, dado o seu caráter de denominador comum, facilitador de todas as trocas, vale dizer, seu dom peculiar e característico de poder proporcionar toda sorte de utilidades econômicas, pode o dinheiro, não de maneira direta e imediata, mas de modo mediato e indireto, obter, para qualquer um, todas aquelas utilidades capazes, se for o caso, de proporcionar, em satisfações interiores, positivas, uma compensação por insatisfações ou por sentimentos interiores, negativos, de sofrimentos ou de angústia.16

(14) Ver in SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 6a ed., p. 567.

(15) Estabelece o citado inciso que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Na fixação do quantum do dano moral, à falta de regulamentação específica, a jurisprudência tem se utilizado do critério estabelecido pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/62), o qual prevê a reparação do dano moral causado por calúnia, difamação ou injúria divulgadas pela imprensa. Dispõe tal diploma legal que o montante da reparação não será inferior a cinco nem superior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país, sendo proporcional ao dano e as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor e ainda possibilitando ser a indenização verdadeiro fator de desestímulo de novas agressões.

Entretanto, com a devida vênia, tal "indenização tarifada" não poderá servir de limite para a completa reparação do dano moral coletivo, sob pena de não reparamos o próprio dano - e com isso desrespeitarmos os comandos legais e constitucionais vigentes, que estipulam a reparação por dano moral.

Em geral, mede-se a indenização pela extensão do dano e não pelo grau de culpa. No caso do dano moral, entretanto, o grau de culpa também é levado em consideração, juntamente com a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, bem como a intensidade do sofrimento acarretado à vítima.

Nos Estados Unidos, estruturou-se a teoria do desestímulo. De fato, a reparação do dano moral visaria ao desestímulo de novas agressões ao bem juridicamente tutelado.

Assim, um valor considerado excessivamente elevado para o caso concreto deve ser visto como razoável, para alertar, não só ao causador do dano, mas a todos os demais causadores potenciais do mesmo dano, que tais comportamentos são inadmissíveis perante o Direito.

(16) Op. cit.

Sendo que, ainda, como coloca Carlos Roberto Gonçalves, a ausência de eventual vantagem, porém, não o isenta da obrigação de reparar o dano causado ao ofendido. 17

Quanto à prova, verifico que o dano moral já é considerado como verdadeira presunção absoluta. Para o saudoso Carlos Alberto Bittar, em exemplo já clássico, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante.

O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos materiais que gera, acarreta indiscutível necessidade de reparação moral na ação coletiva.

Isso porque, tal qual o dano coletivo material, o dano moral coletivo só é tutelado se inserido nas lides coletivas.

Configurando-se o dano moral coletivo indivisível (quando gerado por ofensas aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) ou divisível (quando gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos), em todos os casos somente a tutela macro-individual garantirá uma efetiva reparação do bem jurídico tutelado.

Do exposto observamos que, também como o dano coletivo material, o dano moral coletivo implica em uma necessidade de reparação por instrumentos processuais novos. Se estes instrumentos não forem aplicados, o dano moral coletivo não será reparado e a violação dos valores ideais da comunidade diminuirá o sentimento de auto-estima de cada um dos indivíduos dela componentes, com conseqüências funestas para o desenvolvimento da nação.

(l7) Op. Cit.

A compensação pecuniária do dano moral, a ser destinada ao Fundo Federal de Diretos Difusos, é essencial para evitar novas lesões, agindo como exemplo para todos os violadores em potencial. Como coloca Rippert, a reparação do dano tem um caráter expiatório, ao afirmar que les dommanges-interêts n'ont pas le caractère indemnaire, mais le caractère exemplaire.18

As dificuldades advindas da subjetividade dos parâmetros a serem fixados não devem constituir motivo para a inexistência do direito, em face desse fundamento. Por outro lado, a finalidade da reparação dos danos extra-patrimoniais não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação.

Em face das tradicionais críticas quanto à valoração do prejuízo moral, cabe ao magistrado estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os critérios da razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, o fator de desestímulo que a indenização por dano moral acarreta.

Nas palavras do d. Serpa Lopes, o juiz deve procurar a soma condizente com uma compensação justamente ambicionada.19

"Cabe ao juiz, pois, em cada caso, valendo-se dos poderes que lhe confere o estatuto processual vigente, com base na teoria do desestímulo, bem como das regras da experiência, analisar as diversas circunstâncias do caso concreto e fixar a indenização adequada aos valores em causa."

(18) Apud REIS, Clayton, Dano Moral, 2.a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1992.

(19) LOPES, Serpa. Curso de Direito Civil, v. V, 2.a ed.

As indenizações por dano moral coletivo serão fundamentais para demonstrar ao brasileiro o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, que merece proteção judicial. Nas palavras de Oscar Dias Correa, a reparação do dano moral enfatiza o valor e importância desse bem, que é a consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.20

(20) RTJ 108/294.

Já Antônio Chaves traz à colação o exemplo dado pela Justiça Paulista, a qual julgou procedente ação indenizatória proposta pelo casal Pedro Caringi e Ana Caringi, condenando o governo do Estado de São Paulo a pagar uma indenização de Cr$ 200 milhões por danos morais pela morte da filha dos mesmos, Adriana, na madrugada de 20.03.1991, dentro de sua casa, enquanto um casal de assaltantes a imobilizava como refém durante cerco com grande aparato policial, além das despesas de funeral e uma pensão mensal a partir da propositura da ação enquanto o casal viver, além das despesas e honorários.21

(21) CHAVES, Antônio, Atualização em matéria de responsabilidade por danos morais, in Revista Forense, n. 331, Rio de Janeiro, Forense, 1995.

 

Como bem lembra o citado mestre da Universidade de São Paulo, se o dinheiro não paga o preço da dor e não faz ressurgir uma obra de arte ou uma floresta secular destruídas, é capaz, contudo, de ensejar ao lesado sensações que amenizem as agruras resultantes desse dano não econômico.22

Dessa forma, deve o magistrado levar em consideração que a reparação do dano moral coletivo representa para a coletividade um reconhecimento pelo Direito de valores sociais essenciais, tais quais a imagem do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que compõem o já fragilizado conceito de cidadania do brasileiro.

(22)Ver in CHAVES, Antonio, op, cit.

Só com o reconhecimento da reparação do dano moral coletivo que poderemos recompor a efetiva cidadania

de cada um de nós.

5. O caso do dano moral coletivo por atos estatais ilegais ou inconstitucionais

O Estado é muitas vezes o grande ofensor, ao editar leis e atos normativos inconstitucionais que abalam o sentimento de segurança jurídica da comunidade, trazendo intranqüilidade e diminuição do sentido de cidadania do brasileiro.

Afinal, que cidadania é essa que permite violações de direitos pelo próprio Estado, que seria, em última instância, o guardião destes mesmos direitos?

A responsabilidade civil do Estado, consagrada na doutrina e jurisprudência e estabelecida na Constituição de 1988 no art. 37, § 6o não pode ser limitada aos danos materiais.

Os danos morais devem ser reparados, pois o Estado é responsável objetivamente pelos danos que causa, sem distinção. Distinguir para não indenizar, significa, em última análise, negar vigência ao próprio texto constitucional e admitir, por via oblíqua, a ultrapassada teoria da irresponsabilidade do Estado (uma versão adaptada para os danos morais da teoria the king can do no wrong).

Como exemplo, podemos citar o caso da lei inconstitucional. A jurisprudência já aponta pela responsabilidade do Estado em reparar os danos materiais ocasionados por leis inconstitucionais. O mesmo deve ocorrer, então, em face de danos morais.

Salienta Caio Tácito que se, nessas hipóteses, foi admitida a indenização por danos materiais, o princípio da responsabilidade do Estado por leis inconstitucionais, que neles se afirma, leva a conclusão necessária de que de igual premissa resultará a reparação de danos morais que possam provir dos efeitos de ato legislativo que afinal tenha proclamada a eiva de inconstitucionalidade.23

Ora em face de leis inconstitucionais o dano moral sempre existe, havendo verdadeira presunção absoluta de lesão ao patrimônio moral de todos os cidadãos, já que com ofensas à nossa Constituição é a nossa cidadania que é lentamente esgarçada e fragilizada.

Essa fragilização merece ser reparada, compensando-se a coletividade pelo dano moral causado a nossa cidadania e servindo como desestímulo para novas agressões à Constituição.

Sintetiza tal pensamento o d. Caio Tàcito, dizendo que não há, para o Poder Público privilégios ou prerrogativas que possam eximi-lo do dever, que a todos se impõe, de preservação da integridade de bens ou direitos protegidos pela segurança da ordem jurídica.24 De fato, não há como admitir que cidadãos permaneçam moralmente lesados, sem que haja o direito à reparação.

(23) Ainda, diz o citado jurista que A conclusão que se impõe, em suma, é a de que o Estado responderá objetivamente pelos danos materiais ou morais, comprovadamente oriundo de atos de qualquer dos três poderes, obrigando-se a reparar os prejuízos causados, a serem quantificados em grau de execução. Ver in TACITO, Caio. Responsabilidade do Estado por dano moral, in Revista de Direito Administrativo, n. 197, Rio de Janeiro, Renovar, jul.-set./94.

(24) TACITO, Caio, op, cit.

Nesse sentido, José Geraldo Brito Filomeno define ser cidadania a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gama de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa.25

O Ministério Público é certamente um dos instrumentos de efetivação desta cidadania, eis que, segundo preceitos constitucionais, é instituição fundamental e essencial para a justiça, tendo como atribuições básicas o zelo pela observância da Constituição e das leis.

Assim, na atualidade, cito a atividade do Ministério Público Federal de São Paulo que tem a prática de adicionar o pedido de reparação do dano moral coletivo em suas demandas, em especial nas ações civis públicas baseadas em atos abusivos cometidos pelo Poder Público.

6. Conclusões

Como exemplos de dano moral coletivo, a doutrina menciona danos a interesses difusos ou coletivos, tais quais o meio ambiente, a qualidade de vida e saúde da coletividade e mesmo, no caso dos consumidores, publicidade abusiva em relação a valores socialmente aceitos.26

(25) FILOMENO, José Geraldo Brito, Ministério Público como Guardião da Cidadania, in Ministério Público, São Paulo, Atlas, 1997.

(26) Faz-se mister, agora, que se ofertem alguns exemplos de dano moral coletivo: dano ambiental (que consiste na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica, etc. ) através de publicidade abusiva o desrespeito à bandeira do Pais (a qual corporifica a dignidade nacional). Ver in BITTAR FILHO, Carlos Alberto, Pode a coletividade sofrer dano moral?, in IOB - Repertório de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, n, 15, São Paulo, ago./96.

Verifica-se, desse modo, que o patrimônio moral não está restrito aos valores morais individuais da pessoa física. A possibilidade de reparação do dano moral em face de pessoas jurídicas já é um ponto de partida para que se aceite sua extensão ao campo dos interesses transindividuais.

Assim, a dor psíquica na qual se baseou a teoria do dano moral individual acaba cedendo espaço, fio caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço que afeta negativamente toda a coletividade. Tal se observa, por exemplo, quando a boa imagem do serviço público ou o conceito de cidadania de cada brasileiro é afetado.

Isso porque é inestimável o prejuízo que pode ser causado à sociedade e à credibilidade do Estado quando os instrumentos de reparação do patrimônio moral deixam de ser aplicados, e, consequentemente, valores sociais essenciais não são reconhecidos.

Nessa medida, ao padecer de lesão moral, a coletividáde deve receber o justo ressarcimento, sob pena restar bruscamente abalada em seu patrimônio imaterial.

Cabe ressaltar, ainda, que na fixação da quantum devido é necessário levar em consideração não só a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, como também o grau de culpa no sofrimento acarretado à coletividade. Além disso, a destinação de eventual indenização deverá ser o Fundo Federal de Direitos Difusos (art. 13 da Lei n. 7.347/85), que será responsável pela utilização do montante para a efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.

Conclui-se, por fim, o contra-senso que existiria em garantir a efetiva reparação do dano material coletivo e, ao mesmo tempo, deixar a ofensa moral aos interesses difusos e coletivos sem qualquer direito ao ressarcimento. Há, deste modo, urgência na reparação do imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais.

7. Anexos

Anexo 1

Decisão sobre o caso 0900

Ac. Civ. Públi. 98.0001049-1 - Justiça Federal - 15a Vara Federal de São Paulo - j. 20.05. J998 - Afiz Mamilo

Mesquita Saraiva

SENTENÇA

Visto, etc.

Deixei para examinar o pedido de tutela antecipada nesta Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal, em face da União e outros, após a vinda de manifestação da mesma, pelos fundamentos expostos às fls. 1416/1417.

Busca-se, antecipadamente, a suspensão de autorização do Ministério da Justiça para realização de sorteio televisivos via linha 0900 com base nas Portarias n. 413/97 e 1.285/97, bem como a suspensão de toda atividade desta natureza pelas demais co-rés, baseadas nas mesmas normas.

Fundamenta o Ministério Público Federal seu pedido nas conclusões extraídas do Inquérito Civil Público n. 09/97-SP, onde se vislumbrou lesão aos consumidores, ao patrimônio público e violação do ordenamento jurídico.

Decido.

Vislumbro, neste momento de cognição sumária, que, apesar de Poder Público haver editado nova regulamentação sobre sorteio televisivos realizados através de ligações telefônicas, não parece ter conseguido sanar as irregularidades e lesões que a sociedade como um todo estaria exposta.

Entre estas, ressaltam-se: a ilegalidade da antiga Portaria n. 413/97 e da atual Portaria n. 1.285/97 face a Lei n. 5.768/71; a contrariedade da atividade face a mesma lei; o desvio de finalidade legal; a precariedade da fiscalização; a ilegalidade da atividade face a outras disposições do ordenamento jurídico; a lesão aos consumidores e a lesão ao patrimônio público.

1. Da ilegalidade da norma regulamentar

O primeiro indício de irregularidade é a ofensa ao princípio da legalidade estrita pelas portarias face à Lei n. 5.768/71. Por este princípio, o poder regulamentar deve se limitar aos parâmetros legais ao editar atos administrativos normativos, como é o caso da portaria. Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (in Ato Administrativo e Direitos dos Administrados, 1.a ed., Revista dos Tribunais, p. 95/96):

"Esta longa, mas oportuna citação, calha à fiveleta para indicar que ao regulamento desassiste incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos. Nem favor nem restrição que já não se contenham previamente na lei regulamentada podem ser agregados pelo regulamento.

Entre a lei e o regulamento não existe diferença apenas quanto à origem.

Não é tão-só o fato de um provir do Legislativo e outro do Executivo que os aparta. Também não é apenas a posição de supremacia da lei sobre o regulamento o que os discrimina. Esta característica faz com que o regulamento não possa contrariar a lei e firma seu caráter subordinado em relação a ela, mas não basta para esgotar a disseptação entre ambos no direito brasileiro.

Há outro ponto diferencial e que possui relevo máximo. Consiste em que - conforme averbação magnífica do Prof. O. A. Bandeira Mello - só a lei inova em caráter inicial na ordem jurídica.

A distinção deles segundo a matéria, diz o citado mestre, 'está em que a lei inova originariamente na ordem jurídica, enquanto o regulamento não a altera'..."

Parece-me, num primeiro exame, que as Portarias ns. 413/97 e 1.285/97 desrespeitam as balizas legais, ao permitir a participação de terceiros no resultado dos sorteios. A Portaria n. 1.286/97, em seu art. 28, apenas limitou a destinação de rendimento a terceiro em um máximo de 84% da renda bruta.

Ora, isto se choca com o § 3.° do art. 4.° da Lei n. 5.768/71, com a redação dada pela Lei n. 5.864/72, que dispõe: Art. 4.$ § 3.i Será também considerada desvirtuamento da aplicação dos recursos obtidos pela forma excepcional prevista neste artigo a interveniência de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, que de qualquer forma venha a participar dos resultados da promoção.

Se a participação dos resultados é vedada, a norma regulamentar, ao assumir esta possibilidade, mesmo que com limites, estaria contrariando a lei, ferindo o princípio da estrita legalidade.

2. Da contrariedade da atividade face a legislação pertinente.

2.1. Da efetiva participação de terceiros nos rendimentos.

Diante da norma regulamentar ilegal, a atividade dos sorteios parece estar sendo feita de forma indevida. As televisões estariam a realizar os sorteios não apenas como meras prestadoras de serviços, veiculando-os, mas, sim, participando diretamente da renda dos mesmos. Assim constatou-se na caso dos contratos estabelecidos pela TV Globo e pela CNT com o consórcio TELETV (formado pelas empresas TVI Comunicação Interativa Ltda. e TECPLAN Teleinformática S/C Ltda.) e no caso da TVSBT e a Confederação Brasileira de Futebol, que estabelecem porcentagem sobre a renda obtida nos sorteios para as televisões. A porcentagem na renda indica a participação nesta, ainda mais porque, teoricamente, este terceiro arcaria inclusive com eventual prejuízo.

2.2. Dos bens sorteados

Descontar o valor de bens sorteados da receita bruta, como despesa, evidencia outra ilegalidade - a de que estes bens não são frutos de doação, como exige o art. 4o § 1.°, c, da Lei n. 5.768/ 71, com a redação dada pela Lei n. 5.864/72. Veja que, neste sentido, a Portaria n. 1.285/97, em seu art. 27, parágrafo único, expressamente veda a inclusão do valor dos bens nas despesas dos sorteios.

Mas grave do que isto, o Ministério Público Federal noticia casos em que o desconto feito é maior que o valor do bem, indicando uma espécie de "superfaturamento" às custas das entidades filantrópicas.

A desobediência da lei neste aspecto possibilita ainda danos ao consumidor, como se verificará em seguida.

2.3. Da realização de mais de um sorteio por ano Conforme apurado no Inquérito Civil, tem sido realizado mais de um sorteio por ano pela mesma entidade filantrópica. Este fato viola expressamente o art. 4.°, § 1.°, d da Lei n. 5.768/ 71, com redação modificada pela Lei n. 5.864/72.

E outra não poderia ser. O art. 50 § 3.°, a, da Lei das Contravenções Penais assim define o jogo de azar: o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou parcialmente da sorte.

Tal é o caso dos sorteios realizados através da linha 0900.

Esta atividade, de um modo geral, é condenada por nosso ordenamento. Nas palavras de Rui Barbosa, é de todas as desgraças que penetram no homem pela algibeira e arruinam o caráter pela fortuna, a mais grave é, sem dúvida nenhuma, essa: o jogo na sua expressão-mãe, o jogo na sua acepção usual, o jogo propriamente dito... (Apud Roberto Lyra, A Obra de Rui Barbosa em Criminologia, Nacional, 1952, p. 64).

Sendo o jogo de azar desta maneira encarado, tratou o ordenamento jurídico de desestimulá-lo. A prática ou sua incitação estão sujeitos à sanção penal (Art. 50 e ss. da LCP), e a dívida decorrente do mesmo não recebe a proteção jurídica que outras dívidas têm (Art. 1.477 do CC). No mesmo viés, a autorização de jogo de azar só se justifica excepcionalmente, em situações relevantes para a sociedade, como é o caso da Lei n. 5.768/71.

Para garantir que a finalidade da lei fosse atingida é que se determinou que o controle da atividade e o rendimento da mesma restasse nas mãos das entidades filantrópicas, proibindo-se a participação de terceiros.

A administração no resultado dos sorteios tomaria possível o que a lei quis evitar: o enriquecimento de particulares, com fins lucrativos, pela exploração do jogo. E isto, no entanto, que parece estar ocorrendo. As entidades recebem muito pouco diante do arrecadado em cada sorteio, demonstrando-se assim que quem lucra com atividade não são as mesmas. Além disso, constatou-se que o limite mínimo que elas deveriam receber tem se tomado o usual, como no caso das APAES, ou, mais grave ainda, há casos em que a renda destinada às entidades aparece como despesa! Estes fatos fortalecem a aparência de que o papel das entidades filantrópicas nos sorteios não é o de obter rendimentos para a realização de seus fins sociais, mas apenas de dar legitimidade aos mesmos, sendo que a renda destes destinam-se, majoritariamente às televisões e às empresas provedoras.

O controle da atividade também parece ter escapado das mãos das entidades. Pelo narrado na exordial, vislumbra-se que as empresas provedoras (ABBA Produções e Participações Ltda.; TVI Comunicação Interativa Ltda. e TECPLAN Teleinformática S/C Ltda.) detém totalmente o poder de administração dos sorteios. Elas vão até as entidades para oferecer seu "produto", não partindo destas a iniciativa da realização de sorteios. Aparentemente, as provedoras, em certos casos, nem mesmo estão prestando contas dos gastos efetuados, com comprovantes, conforme apurou o Ministério Público Federal, no Inquérito Civil n. 09/97, Isto também indica o papel mínimo das entidades beneficentes nos sorteios, ressaltando-se que estes ocorrem por iniciativa das empresas provedoras, para seu próprio benefício.

Desta forma, ter-se-ia criado, com a exceção trazida pela Lei n. 5.768/71, uma farta fonte de rendimentos para as televisões brasileiras e empresas intermediárias.

4. Da precariedade da atuação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

Afigura-se-me, por outro lado, que a atuação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, está sendo precária, face a diversas irregularidade na concessão de autorização dos sorteios e a falta de fiscalização dos mesmos.

Além da admissão de mais de um sorteio por ano pela mesma entidade filantrópica, como acima mencionado, sorteios de cheques e barras de ouro também tem sido autorizados, apesar do disposto no art. 1.° § 2.° da Lei n. 5.768/ 71, que impede a conversão do bem sorteado em dinheiro. Estes objetos têm valor justamente com a sua conversão em dinheiro, sendo assim um estímulo à violação deste preceito. Em outros casos, os prêmios concedidos em alguns sorteios diferem dos descritos na autorização expedida. A própria emissão de certificados de sorteios tem sido feita de forma irregular, apurando-se casos em que há certificados de mesmo número, mas relativo a sorteios diversos.

Isto sem falar dos casos em que bens são sorteados sem a devida autorização, demonstrando-se a falta de fiscalização da atividade.

5. Do confronto da atividade com outras disposições do ordenamento jurídico e lesões decorrentes

Além da violação da Lei n. 5.768/ 71, a prática da atividade, como um todo, parece estar sendo realizada ao arrepio do ordenamento jurídico.

5.1. Da ilegitimidade face ao ECA - da lesão aos menores

O sistema de sorteio via linha 0900 possibilita o acesso ao jogo de azar por menores. Não há controle para evitar que os mesmos joguem, quando não ocorre pior - o incentivo a sua participação. Assim se verifica, por exemplo, num caso em que se utiliza linguagem própria de criança/adolescente por um ator nesta faixa etária, convidando telespectadores a participação de sorteio de produto voltado ao público infantojuvenil; ou ainda, quando uma apresentadora de TV convida "a molecada" para responder a uma pergunta, que poderiam consultar "o papai" para saber a resposta.

Ora, a participação de menores em jogo de azar é fato que nosso ordenamento tentou evitar, ao dispor, no Estatuto da Criança e do Adolescente, os seguintes preceitos:

Art. 80. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por casas de jogos, assim entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada e permanência de crianças e adolescentes no local, afixando aviso para orientação do público.

Art. 81. É proibida a venda à criança ou adolescente de:

VI - bilhetes lotéricos e equivalentes.

Se o ECA prole expressamente a venda de bilhetes lotéricos e equivalentes aos menores, inadmissível o incentivo à participação destes nos sorteios.

Mais grave ainda é disponibilizar o acesso ao jogo sem mecanismos de se auferir a idade do participante, possibilitando o livre acesso ao mesmo pelos menores. Os sorteios televisivos via linha telefônica 0900 fazem destas disposições do ECA letra morta.

5.2. Da ilegalidade face ao Código de Defesa do Consumidor - da lesão aos telespectadores

Os telespectadores participantes dos sorteios, enquanto consumidores, também parecem estar sofrendo lesão.

Conforme apurado pelo Ministério Público Federal, há casos em que são estimulados a participar de sorteios de determinados bens, mas recebem outros.

Walter Ceneviva ensina (in Publicidade e Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, 1991, p. 65): Na sociedade de consumo a publicidade é - salvo se expressamente indicado o contrário - uma promessa de contrato, sob pena de se enquadrar no tipo enganoso, do art. 37, §§ 1.° e 3.° do CDC.

... A lei impõe correspondência entre a propaganda e realidade negocial que, aceita, forma ou contrato, sob os princípios da boa fé.

Ora, o bem a ser sorteado é o atrativo que faz com que os telespectadores participem dos sorteios. A vontade de celebrar este contrato aleatório decorre do objeto oferecido, sendo este elementar daquele.

Entregar outro bem, portanto, cria uma realidade negocial diversa da que foi divulgada pela propaganda, além de estar desrespeitando a autorização de sorteio concedida. Desta forma se configuraria a prática de propaganda enganosa.

6. Da possibilidade de lesão às entidade filantrópicas As entidades filantrópicas, no papel de consumidoras da prestação de serviços das provedoras e canais de televisão, também parecem estar sendo lesadas. Isto porque se verifica que, apesar da lei possibilitar a toda entidade filantrópica a realização destes sorteios, na prática são sempre feitos através de três empresas intermediárias. Este oligopólio que se formou pelo consórcio TELETV (formado pelas empresas TVI e TECPLAN) e ABBA, impedem, contudo, que as entidades consigam melhores preços e condições mais vantajosas.

A Constituição Federal, em seu art. 170, IV, elege como princípio da atividade econômica a livre concorrência. Celso Ribeiro Bastos, em Comentários à Constituição do Brasil, 7.° v., Saraiva, p. 26, esclarece a importância de tal princípio:

A livre concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. E pela livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor. Traduz-se portanto uma das vigas mestras do êxito da economia de mercado. O contrário da livre concorrência significa o monopólio e o oligopólio, ambos situações privilegiadoras do produtor, incompatíveis com o regime de livre concorrência.

Logo, pela aparente existência de tal oligopólio, a possibilidade de lesão às entidades, no que tange à prestação dos serviços por elas fornecidos, é enorme.

7. Lesão ao patrimônio público

7.1. Do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente

Segundo a revogada Portaria n. 413/ 97, a este Fundo era destinada 0,5%b da receita líquida recebida pela entidade filantrópica. Assim, qualquer desconto feito da receita bruta atingiria diretamente o montante a ser recebido por esta. Com os indícios de que estão sendo descontados da receita bruta os valores dos bens sorteados - que deveriam ser fruto de doação - fica evidente a diminuição do montante a ser recebido pelo FNCA. Vislumbra-se, então, a ocorrência de lesão ao patrimônio público.

7.2. Do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Penitenciário Nacional

A estes fundos eram destinadas porcentagens sobre o rendimento bruto do sorteio. Agora, face a nova portaria, também serão destinadas porcentagens sobre o rendimento bruto para o Fundo Nacional da Criança e do adolescente e o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

O Ministério Público apurou que a provedora ABBA calculava o montante a ser destinado a estes fundos depois de já deduzido o custo Embratel, e não do total rendimento, contrariando disposição regulamentar. Vislumbra-se que, desta forma, estes fundos estavam recebendo menos do que deveriam, lesando igualmente o patrimônio público.

Face a estes argumentos e os demais expostos na inicial, convenço-me da verossimilhança da alegação. O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação exsurge do próprio mecanismo da atividade. Seria extremamente a reparação dos danos causados, seja diante da qualidade de lesados e pulverização da atividade, seja diante da dificuldade de mensurar o dano sofrido, como no caso dos menores, influenciados a participar dos sorteios.

Presentes os requisitos do art. 273 do CPC, defiro a tutela antecipada pleiteada, a fim de determinar à co-ré União Federal a não conceder autorização para a realização dos sorteios por entidades filantrópicas com base na Portaria n. 413/71 e na Portaria n. 1.285/97, bem como para suspender os concursos televisivos realizados com base nas citadas Portarias e organizados com a participação das empresas TVI Comunicação Interativa Ltda., TECPLAN Teleinformática S/C Ltda., ABBA Produções e Participações Ltda., MH Telecom, COCONUT Tele Serviços Representações e Publicidade Ltda., veiculados pelas empresas de televisão TV Manchete Ltda., TV Globo Ltda., CNT GAZETA, TV Record, TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A.

Traslade-se cópia para as ações populares conexas e apensem-se os autos.

Defiro a expedição de ofício à Comarca de Barueri e à Seção Judiciária do Rio de Janeiro, solicitando a devolução das Cartas Precatórias, devidamente cumpridas.

Defiro, outrossim, o pedido de citação das co-ré TVI Comunicação Interativa, COCONUT bem como a reprodução da diligência de citação de co-ré TECPLAN, nos termos da manifestação do Ministério Público Federal às fls. 1 .540/1 . 547.

Intimem-se.

São Paulo, 20 de maio de 1998.

Marcelo Mesquita Saraiva - Juiz Federal

Anexo 2

Decisão Sobre a Lei n. 9.494/97

Ac. Civ. Públ. 97.0047171-3 - Justiça federal - 18a Vara - São Paulo j. 02.02.J998 - Juíza Marisa Vasconcelos

Petição de fls. 126/147 e 148/176, ambas do Representante do Ministério Público Federal.

Requer o representante do "parquet" federal:

1) a intimação direta de todas as subsidiárias da Telebrás tendo em vista o descumprimento da presente ordem judicial que concedeu a tutela antecipada;

2) a intimação da TELESP para suspender a exigência de declaração do próprio solicitante como requisito para transferência;

3) que esta (TELESP) informe a este juízo o tempo médio de transferência da linha telefônica, o qual não pode ultrapassar cinco dias e

4) que seja estabelecida multa por dia de descumprimento.

A questão que se coloca é o alcance da presente decisão.

Embora existam respeitáveis decisões em contrário, pacificou-se na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o escopo da Ação Civil Pública é justamente atingir a coletividade no seu todo, mormente em se tratando de direitos individuais homogêneos, como é o caso sub judice, tendo inclusive este juízo providenciado a intimação do Sr. Ministro das Comunicações, prolator do ato administrativo aqui impugnado, para cumprimento da decisão (fls. 81 e 102).

Assim, não devem pairar dúvidas de que a decisão aqui prolatada tem eficácia erga omnes, nos termos do art. 103, III, do CDC.

Nesse sentido preleciona Nelson Nery Júnior:

"Extensão da liminar. Em se tratando de ação coletiva, cuja sentença fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (LACP 16, CDC 103), a liminar também deve produzir seus efeitos de forma estendida, alcançando todos aqueles que tiverem de ser atingidos pela autoridade da coisa julgada.

Por exemplo, juiz estadual pode conceder liminar para ter eficácia no Estado, em outros Estados e no país. A questão não é de jurisdição nem mesmo de competência, mas de eficácia erga omnes e ultra partes da decisão judicial, isto é, de limites subjetivos da coisa julgada.

Os sujeitos envolvidos nas questões objeto da Ação Civil Pública é que serão atingidos em sua esfera jurídica.

Em matéria de Ação Civil Pública, não se pode raciocinar com a incidência dos institutos ortodoxos do processo civil, criados para a solução de conflitos individuais, intersubjetivos. Os fenômenos coletivos estão a exigir soluções compatíveis com as necessidades advindas dos conflitos difusos ou coletivos."'

Cabe aqui invocar também, por sua pertinência e atualidade, o magistério da insigne Prof.a. Ada Pellegrini Grinover, em palestra proferida no I Congresso Brasileiro de Direito Ambiental da Magistratura e do Ministério Público, realizado na cidade de São Luís, no Maranhão, no período de 4 a 6 de dezembro de 1997:

(1) Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, in Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, 2a ed., 1997.

"Esse trabalho pretende demonstrar a importância da Lei n. 9.494/97, no tocante ao acréscimo introduzido no art. 16 da LACP, pelo qual se visou a impedir a coisa julgada de abrangência nacional nas ações coletivas." Ressaltou a nobre jurista que a leitura do art. 16 da LACP, na redação que lhe foi dada pela Medida Provisória n. 1.570/97, convertida na Lei n. 9.494, não pode ser interpretada sem levar-se em consideração os arts. 93 e 103 e seus incisos, do CDC.

"Percebe-se, pela análise conjunta dos mencionados artigos, que o art. 16 da LACP só diz respeito ao regime da coisa julgada com relação aos interesses difusos (e, quando muito, coletivos), pois a regra permissiva do non liquet, por insuficiência de provas, é limitada aos incs. I e li do art. 103, relativos exatamente aos interesses supra apontados. Na verdade, a regra do art. 16 da LACP só se coaduna perfeitamente com o inc. I do art. 103, que utiliza a expressão erga omnes, enquanto o inc.

II se refere à coisa julgada ultra partes.

Assim sendo, a nova disposição adapta-se exclusivamente, em tudo e por tudo, à hipótese de interesse difusos (art. 103, I), já indicando a necessidade de operação analógica para que também o art. 103, II (interesses coletivos) se entenda modificado. Mas aqui a analogia pode ser aplicada, uma vez que não há diferença entre o regime da coisa julgada nos interesses difusos e coletivos.

No entanto, completamente diverso é o regime da coisa julgada nos interesses individuais homogêneos (inc. III do art. 103), em que o legislador adotou sistema próprio, revelado pela redação totalmente distinta do dispositivo: a uma, porque a coisa julgada erga omnes só atua em caso de procedência do pedido para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores; a duas, porque para esse grupo de interesses o legislador não adotou a técnica da inexistência da coisa julgada para a sentença de importância por insuficiência de provas.

Resulta daí que não se pode dar por modificado o art. 103, III do CDC, por força do acréscimo introduzido no art. 16 da LACP, nem mesmo pela interpretação analógica, porquanto as situações reguladas nos dispositivos, longe de serem semelhantes, são totalmente diversas.

(...)

Em conclusão:

a) o art., 16 da LACP não aplica à coisa julgada nas ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos;

b) aplica-se à coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos e coletivos, mas o acréscimo introduz pela Medida provisória é inoperante, porquanto é a própria lei especial que amplia os limites da competência territorial, nos processos coletivos, ao âmbito nacional e regional;

c) de qualquer modo, o que determina o âmbito de abrangência da coisa julgada é o pedido, e não a competência. Esta nada mais é do que uma relação de adequação entre o processo e o juiz a respeito de todo o objeto do processo;

d) em conseqüência, a nova redação do dispositivo é totalmente ineficaz."

Assim, pode-se concluir: não é critério determinante da extensão da eficácia da coisa julgada material, na ação civil coletiva, a competência territorial do órgão julgador, mas o contrário, o critério determinante dessa extensão reside na amplitude e na individualidade do dano ou ameaça de dano que se pretende evitar.

Dessa forma, se o dano tem amplitude nacional, como no caso, em que o ato administrativo atingiu a todos os consumidores possuidores de linhas telefônica, a eficácia da coisa julgada material, necessariamente, será erga omnes, em todo território nacional.

No tocante ao pedido de intimação da TELESP para suspender a exigência de declaração do próprio solicitante como requisito para transferência, entendo que tal ato não revela descumprimento da decisão e sim mera cautela.

Assim, diante da informação de que a tutela antecipada concedida, para que a União Federal se abstivesse de aplicar o disposto na Portaria n. 508/97, sendo garantida a livre transferência de todo direito de uso de linha telefônica contratado até 31.10.1997, não vem sendo cumprida, determino o seu imediato cumprimento, que consiste em não obstaculizar a supramencionada transferência, isto é, no prazo de 24 horas a contar da ciência desta decisão.

Oficie-se o Ministro das Comunicações dessa decisão e todas as subsidiárias da Telebrás.

Arbitro a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento da liminar, sem prejuízo de outras medidas necessárias à efetivação da presente tutela.

I.

São Paulo, 2 de fevereiro de 1998.

Marisa Vasconcelos - Juíza Federal Substituta da 18.a Vara

Anexo 3

Decisão do TRF 3.a Região sobre a Lei n. 9.494/97.

AgIn 98.03.0J 7990-0 - TRF 3a Região - 4a T - j. 03.04.J998 - Juiz Newton de Lucca

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Telecomunicações do Amazonas S/A - TELEAMAZON contra a R. decisão que antecipou os efeitos da tutela em ação civil pública, suspendendo os efeitos da Portaria n. 508/97 e, em seguida, determinou a intimação de todas as subsidiárias da TELEBRAS, dentre elas a agravante, para dar atendimento à ordem judicial, cuja a eficácia reputa ser ergas omnes.

No presente, pede a suspensão dos efeitos dessa R. decisão.

Na análise perfunctória que me é possível fazer no presente momento, não vislumbro a presente dos requisitos para a concessão do efeito suspensivo.

Como se sabe, mereceu aplausos da doutrina o instituto da tutela antecipada prevista no Código de Processo Civil e, conforme o art. 19 da Lei n. 7.347/85, é de se admitir sua aplicação na ação civil pública, se satisfeitos os requisitos (aplicação subsidiária do CPC).

Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. Vejamos como ficou a redação do dispositivo legal em comento:

"A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova." Não há dúvida que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso, especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitante surjam ao redor desse país continental, inviabilizando políticas públicas relevantes, tomadas no centro do poder.

Em cognição não exauriente, não é possível afirmar a plena inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal mas, sem dúvida, seu espectro de atuação deve ser analisado cum grano salis, evitando o simples afastamento da regra, que pode ser útil ao exercício democrático ou, ao revés, pode atrapalhar seu pleno desenvolvimento. Depende apenas de ver qual a dose e em que casos pode (e deve) ser aplicado.

No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território.

Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com competência nacional e sua área de ação também pretende ser nacional. Por sua vez, o autor da demanda é o Ministério Público Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez, também abrange todo o território nacional.

Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigir-se a propositura de tantas ações civis pública quantas forem as subsidiárias da TELEBRÁS.

Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente devolutivo.

Intime-se o agravo, nos termos do Código de Processo Civil, art. 527, inc. III, para que ofereça resposta no prazo legal.

Após, ao Ministério Público Federal para oferecimento de parecer.

Processe-se, intime-se.

São Paulo, 3 de abril de 1998

Newton De Lucca - Juiz Relator

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